SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O MODELO DO CÓDIGO BUZAID. 3. O MODELO DO CÓDIGO PROCESSUAL REFORMADO. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS DOUTRINÁRIAS.
1.INTRODUÇÃO
Temos com o presente ensaio o objetivo de analisar, em linhas gerais, a estrutura processual montada a partir de 1973 (publicação do último CPC, conduzido por Alfredo Buzaid), com as alterações que se seguiram até o presente momento (onda reformista ao Código originário).
Cientes de que estamos discutindo a possibilidade de entrada em vigor de um novo Código de Processo civil (tendo já sido aprovado, pelo Senado, o Projeto 166 no recente dez/2010), importante retomarmos, em maiores detalhes, a estrutura que ora vige – até mesmo para podermos discutir, mais a frente e com maior embasamento, a respeito da necessidade de uma reforma ampla (que permanece sendo estudada no Congresso Nacional).
Desenvolveremos, portanto, nesta sede, o estudo da construção do CPC/1973 (substituindo o modelo anterior de 1939) e da construção do Código Reformado (reformas estruturais ao Código Buzaid incrementadas no período de 1994-2010) – tratando oportunamente de mencionar a grande tensão entre os princípios da Efetividade e da Segurança Jurídica, os quais se figuram claramente como importantes fios condutores presentes nas reformas – sendo inclusive analisado se pela onda reformista há uma evidente inclinação na satisfação prioritária de um deles.
Ainda com o objetivo de mapear as características do diploma processual vigente, discorreremos a respeito dos pilares que sustentam o Código, quais sejam: o respeito ao princípio dispositivo, os limites à relatização da causa de pedir/pedido, e as matérias reconhecíveis de ofício; como também o sistema recursal; e, por fim, a técnica preclusiva.
A partir dessas grandes premissas cremos que uma análise mais ampla da problemática possa ser construída, auxiliando o estudo para melhor reflexão a respeito do sistema processual vigente e dos pontos negativos e positivos das reformas que vêm sendo implementadas.
2.O MODELO DO CÓDIGO BUZAID
O Código Buzaid (CPC/1973), substituindo o modelo defasado de 1939, foi enaltecido desde o seu surgimento pela cientificidade de suas disposições. A partir dele, restou construído sistema coerente e racional, de acordo com a melhor doutrina e legislação alienígena – notadamente alemã e italiana –, embebidas nas concepções do Processualismo (corrente científica que destacava a autonomia do direito processual na Europa), vigentes no Velho Continente do final do século XIX e início do século XX [01].
Nesse diapasão, destaca a melhor doutrina que o Código de 39 não espelhou o grau científico que o processo civil na Europa já havia alcançado, sendo, além disso, teórico demais, o que acarretava extrema complexidade na sua aplicação prática [02]; e que o Código de 39 acumulava termos ambíguos aplicados indistintamente a institutos e fenômenos processuais heterogêneos, tornando imprecisas muitas de suas conceituações e preceitos [03]. Por fim, com menção a discurso do próprio Buzaid, completando-se o rol de críticas ao Código de 39, foi apontando que o sistema processual pretérito mantinha uma série exaustiva de ações especiais (do art. 298 ao art. 807) e englobava processos de jurisdição contenciosa e voluntária, dispostos sem ordem, sem unidade, sem sistemática [04].
Eis algumas das principais razões pelas quais se fazia importante a construção de um novel modelo processual, sendo, em 1964, entregue por Alfredo Buzaid o Anteprojeto do Código de Processo Civil – que viria, após muita discussão, a ser encaminhado ao Congresso Nacional em 1972, sendo sancionado no ano seguinte.
O Código Buzaid, efetivamente vigendo no Brasil desde 1974, restou dividido, em termos de esquema para tutela dos direitos, em processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar. A relativa autonomia dos títulos é evidente, cabendo destaque central ao processo de conhecimento, já que a execução e a própria medida cautelar mantêm vinculação direta com o resultado esperado daquele – tudo repercutindo na ordem lógica e cronológica seguida pelo Código. E dentro do processo de conhecimento, embora previsto o rito comum sumário, destaca-se o rito comum ordinário, especialmente projetado para prolação de sentença de mérito pelo Estado-juiz após cognição plena e exauriente – ultrapassadas, na sequencia, a fase postulatória, saneadora e instrutória [05].
A respeito dessa estrutura geral montada pelo Código Buzaid é oportuna a detida investigação elaborada por Daniel Mitidiero, em que, ao qualificá-lo como "individualista, patrimonialista, dominado pela ideologia da liberdade e da segurança jurídica", explicita que o rito comum ordinário do processo de conhecimento só permite a decisão da causa após amplo convencimento de certeza a respeito das alegações das partes; sendo que tal concepção formatada pelo Código presta tributo a uma das ideias centrais das codificações oitocentistas, qual seja, a certeza jurídica, imaginada a partir de expedientes processuais lineares e com possibilidade de amplo debate das questões envolvidas no processo [06].
Tratemos, pois, de analisar, em maiores detalhes, os pilares que sustentam esse código processual – mencionando-se, nessa ordem, o respeito ao princípio dispositivo, os limites à relatização da causa de pedir/pedido, e as matérias reconhecíveis de ofício; o sistema recursal; e a técnica preclusiva.
A própria posição do art. 2° do Código Buzaid revela a importância do princípio dispositivo para o sistema montado, vigente a partir da década de 70. O Estado-juiz não inicia o processo, cuja atribuição é da parte (cidadão) que se sentiu lesado no âmbito dos seus direitos, e que deve trazer ao Poder Judiciário a sua pretensão (pedido), como também os correspondentes fundamentos de fato e de direito (causa de pedir) [07].
Confirma o art. 262 do Código Buzaid que o processo civil começa por iniciativa da parte, acrescentando, no entanto, que o feito desenvolve-se por impulso oficial. Ou seja, a parte requer a prestação jurisdicional (princípio dispositivo em sentido próprio ou material) e depois de proposta a demanda cabe ao Estado-juiz conduzir o processo para a rápida solução do litígio, inclusive propondo de ofício a produção de prova que entende necessária para dirimir a controvérsia (princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual) [08] – situação que não exclui, por óbvio, que as partes participem diretamente na condução do feito, requerendo ao juízo os impulsionamentos nos termos que, no entender de cada litigante, são mais apropriados (art. 125, II e art. 130, ambos do Código Buzaid).
Da passagem supra percebe-se que não há espaço no Código Buzaid para relativizações do princípio dispositivo, quando se refere ao ato vital de propositura da demanda, com a devida limitação pela parte da causa de pedir e pedido [09] – eis a razão pela qual se defende que o princípio dispositivo em sentido próprio ou material representa o grande limitador para o agir do Estado-juiz no processo [10]. Quanto ao princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual já houve acompanhamento pelo Código Buzaid, do contemporâneo pensamento mundial, no sentido de que o impulsionamento do feito não deve ser deixado a cargo exclusivo das partes [11], a fim de que iniqüidades e demoras injustificadas se perpetuem no transcorrer do iter [12].
Mas, se uma das marcas do Código Buzaid, no seu tradicional rito comum ordinário do processo de conhecimento, é a rigidez quanto à aplicação do princípio dispositivo em sentido próprio ou material, outra virtude flagrante de rigidez no procedimento vem insculpida no art. 264, ao impossibilitar a alteração da causa de pedir/pedido após o saneamento do feito [13]. A parte final do dispositivo, ao deixar claro que "em nenhuma hipótese" será permitida a alteração dos limites da lide após o despacho saneador, inviabiliza, nesse estágio, a relativização da causa de pedir/pedido mesmo que o Estado-juiz e o próprio réu estejam de acordo com a medida.
Já quanto às matérias reconhecíveis de ofício, outra importante base do Código Buzaid, em ainda incipiente posição já se admite que o julgador, sem intervenção direta das partes, tome determinadas medidas oficiosas, desde que devidamente catalogadas. Tratam-se de matérias específicas apontadas expressamente pelo Código como de interesse "supra partes", em que se admite então que o julgador possa sobre elas se manifestar de plano, sem requerimento específico dos litigantes – como a temática probatória, de acordo com a primeira parte do art. 130. Assim também, cabe menção ao art. 267, § 3° ao autorizar que o juízo conheça de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, as condições da ação e os pressupostos processuais [14]; ao art. 245, § único ao apontar que as nulidades absolutas não estão sujeitas as penas preclusivas [15]; e, mais recentemente, cabe registro ao art. 219, § 5° [16] ao anunciar que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
O Código Buzaid, observando dentro do possível os avanços científicos do processo civil moderno, vinha estruturado com uma fase ampla de conhecimento, com apêndices autônomos importantes (execução e cautelar); preocupava-se com a consagração do princípio do devido processo legal (ao prever fases bem nítidas e duradouras – postulatória, saneadora e instrutória), previa com rigidez a forma de impulsionamento inicial do Judiciário (sempre a cargo da parte/cidadão – princípio dispositivo em sentido próprio ou material), bem como previa com rigidez a impossibilidade de qualquer um dos atores processuais (partes e Estado-juiz) modificar a causa de pedir e pedido a partir do saneamento do feito, embrionariamente, admitindo, no entanto, maior participação ativa do juiz no controle do processo – sendo previstas hipóteses legais de reconhecimento de ofício em matérias elencadas como de ordem pública (temática probatória, condições e pressupostos, nulidade, e, mais recentemente, prescrição).
Pois bem. Em matéria recursal, a preocupação do Código Buzaid com a certeza da decisão a ser pronunciada leva a formação de sistema com uma gama enorme de medidas recursais, seja diante da sentença, seja diante das decisões interlocutórias. Assim, se em virtude da extensão do rito comum ordinário do processo de conhecimento, há ampla investigação da matéria sub judice para a prolação da esperada legítima decisão final; por outro lado, em virtude específica do sistema recursal, há também ampla possibilidade de a parte levar às superiores instâncias a sua irresignação quanto ao teor desta decisão de mérito bem como quanto ao teor das anteriores que, direta ou indiretamente, tratam de afetá-la [17].
Sobre o atual sistema recursal, consubstanciado no CPC de 1973, o artigo 496 aponta oito tipos recursais cabíveis: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. Deve ser registrado, ainda, que o recurso de agravo admite, no âmbito do atual CPC, três formas de interposição, que remetem o mesmo às seguintes denominações: agravo de instrumento, agravo retido e agravo interno. Ressalta-se, ainda, acerca do agravo, a sua admissibilidade na forma de agravo regimental, que, como indica a nomenclatura, resta prevista em regimentos internos de tribunais pátrios variados.
Cabe ainda constar que em defesa da certeza da decisão pronunciada exclusivamente contra a Fazenda Pública, o art. 475 do Código Buzaid prevê que a sentença de primeiro grau só produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal – instituto denominado de reexame necessário ou recurso ex officio [18].
Embora se visualize, diante da complexidade do sistema recursal supra apresentado, uma preocupação com a (i)legitimidade da decisão tomada por um julgador (de primeiro grau) supostamente menos ambientado com o fenômeno jurídico, sobrelevasse, de qualquer forma, a busca angustiante na superação de eventuais injustiças dos julgamentos, mesmo em se tratando de decisões não essenciais ao derradeiro encerramento da lide (caso típico das decisões interlocutórias) – o que ao fim e ao cabo tratou de reduzir a possibilidade de interposição de mandado de segurança (previsto em lei especial) contra atos judiciais, já que sempre prevista medida recursal própria, dentro do sistema do Código, para eventual irresignação contra qualquer decisão de cunho minimamente gravoso à parte litigante.
Por fim, fechando a estrutura nuclear do Código Buzaid, ao lado do sistema recursal, faz-se imprescindível o estudo da figura da preclusão, aplicada de forma bastante freqüente ao longo de todo o iter procedimental. A aplicação acentuada da técnica preclusiva envolve diretamente a dinâmica no controle dos prazos para os atos das partes ao longo do procedimento (conhecimento, execução e cautelar), seja para fins de impulsionamento do feito, seja para fins de apresentação de recurso a determinada decisão gravosa – eis a razão pela qual se defende que a preclusão representa o grande limitador para o agir das partes no processo [19].
Mesmo assim, como já tivemos a oportunidade de descrever em miúdos, em escrito de maior fôlego [20], a técnica preclusiva aplica-se também ao Estado-juiz, já que o julgador, por regra, não pode voltar atrás em decisão, interlocutória ou final, já prolatada. Tão só em regime excepcional admite-se que o Estado-juiz possa voltar atrás em decisão já prolatada, quando a matéria for de ordem pública (matérias não preclusivas) – com as já referidas, em mais de uma oportunidade nesse ensaio: condições da ação e pressupostos processuais, nulidades absolutas e prescrição.
De qualquer forma, pela sua relevância para as partes, cabível mais algumas linhas sobre o fenômeno nesse particular. O Código Buzaid, de fato, apresenta rigidez na aplicação da técnica, à medida que a grande maioria das decisões judiciais e dos atos de impulsionamento estão submetidos à preclusão – as exceções seriam, respectivamente, os despachos de mero expediente e os prazos meramente dilatórios. Desse modo, presencia-se a atuação da preclusão sobre as sentenças e as decisões interlocutórias – sujeitas a agravo de instrumento ou retido; bem como diante dos centrais atos de impulsionamento do processo – como na apresentação de contestação e documentos, quesitos, laudo do perito assistente, rol de testemunhas, impugnação à ata de audiência, impugnação à cálculo de execução, dentre outros.
Sendo constante no processo, mesmo após o trânsito em julgado do feito, e produzindo efeitos, muitas vezes, graves e imodificáveis, a preclusão acelera a marcha do processo, atuando decisivamente na moldagem dos julgamentos – levando-se sempre em conta que o ato processual final é a sequencia válida e lógica dos atos processuais anteriores [21].
3.O MODELO DO CÓDIGO PROCESSUAL REFORMADO
Passando-se mais de vinte anos da entrada em vigor do Código Buzaid, operou-se natural modificação da sociedade, o que repercutindo no processo acabou por determinar a obrigatoriedade de retificações pontuais no modelo originário; sem, no entanto, serem substancialmente alterados os pilares supra-informados que deram sustentação ao diploma processual. É de se reparar que as alterações no CPC/1973 não se deram imediatamente após a entrada em vigor da novel carta constitucional, em 1988, o que aponta, s.m.j., para certa naturalidade do fenômeno de compatibilização da ordem infraconstitucional processual com a ordem constitucional que emergia – tudo a depor favoravelmente ao modelo vigente a partir da década de 70.
De fato, principalmente pelo art. 5° da CF/88 foram positivados determinados valores/princípios processuais que não estavam, quem sabe, devidamente explicitados no Código Buzaid, mas que nem por isso eram solenemente ignorados em período anterior à vigência da última Carta Magna.
Não houve, portanto, qualquer ruptura dramática no CPC/1973 com a entrada em vigor da CF/88, e nem mesmo com as reformas ao código desenvolvidas posteriormente. Grosso modo, o que se presenciou foi uma adaptação do modelo Buzaid, com forte carga de defesa à segurança jurídica (rectius: certeza jurídica), às reivindicações contemporâneas de um processo efetivo, mais preocupado com o resultado do que com a forma utilizada.
Na grande e eterna tensão entre Segurança e Efetividade [22], ao que parece formou-se a convicção de que o CPC/1973 tinha um sistema processual bem acabado/articulado, mas demasiadamente burocrático (com as suas estanques e prolongadas fases de conhecimento, execução e cautelares) – e que, por isso, não atingia em boa parte dos casos os seus propósitos derradeiros, em tempo útil. Assim, a referida onda reformista, implementada já na primeira metade da década de 90, voltava-se para a busca incessante da efetividade – o que, ao fim e ao cabo, confirmou-se com a inclusão, já em 2004, do inciso LXXVIII no art. 5° da CF/88 (a tratar do direito do cidadão brasileiro à razoável duração do processo [23]).
Nesse diapasão, entendemos que as reformas implementadas no originário Código Buzaid foram indispensáveis e legitimam a manutenção da estrutura processual montada em 1973. Ademais, não nos parece que o Código Buzaid reformado tenha se tornado uma verdadeira "concha de retalhos" [24], a fim de induzir a criação de um novo CPC, mesmo porque não há qualquer dado estatístico que aponte para o anacronismo do sistema processual motivado pelo texto da lei, e inclusive que um suposto anacronismo possa ser resolvido simplesmente com a implementação de novel código processual [25].
As reformas estruturais no sistema processual pátrio de 1973 começaram realmente a se definir em meados da década de 90, com o desenvolvimento das tutelas de urgência, objeto de alteração do art. 273 do CPC, a partir do seu caput – sendo que em período próximo seguiram-se alterações na seara recursal (com destaque ao regime do Agravo), deu-se a criação da ação monitória (com a construção do art. 1102-A e ss.), seguiram-se alterações nas obrigações de fazer (de não fazer e de entrega de coisa, com introdução dos arts. 461 e 461-A no CPC), passando por mudanças na parte de execução (especialmente a partir da implementação do art. 475-A e ss.), na admissibilidade de recursos repetitivos pelas últimas instâncias (com a criação dos conceitos de repercussão geral e seleção de recursos representativos da controvérsia, nos termos do art. 543-A e ss.) e aproximação das linhas de contato das cautelares com as tutelas de antecipação do mérito (com a introdução do § 7° no já aludido art. 273 do CPC).
Certo que reformas pontuais ao Código foram verificadas em momento até anterior, sendo constantemente lembradas as alterações em matéria de perícia judicial, ocorrida em 1992 [26]. De qualquer forma, 1994 foi ano extremamente importante pelo acolhimento pela legislação adjetiva da tutela antecipada de mérito, ocorrendo depois reformas múltiplas, como as acima narradas. Ainda nesse contexto, merece especial realce as reformas estruturais ocorridas em 2006, especialmente na execução de sentença – tratando-se de mais um delicado tema que veio para trazer modificação substancial ao sistema arquitetado por Buzaid.
Explique-se: pela reforma de 1994, cogita-se de ser relativizada a segurança jurídica em nome da efetividade do direito pleiteado (sendo concedida prestação de mérito, em fase procedimental ainda inicial – postulatória, muito longe da fase de cognição exauriente – decisória) [27]; e pela reforma de 2006, cogita-se de ser relativizada a grande divisão dos processos em conhecimento e execução [28], passando esta a ser um incidente daquele (com a minoração do leque de defesas/recursos do executando, sendo inclusive substituída a robusta expressão "embargos à execução" pela menos sintomática "impugnação à execução") [29].
Por fim, não podemos deixar de lembrar que fora do âmbito do CPC/1973 foram também construídas alterações, via legislações esparsas, que passaram a modificar a estrutura arquitetada por Buzaid. Um Código com visão marcantemente individualista (voltado à proteção dos direitos individuais), forjado para a solução de litígio de A contra B, seguradamente haveria de ser complementado com disposições (rectius: procedimentos especiais) que tratassem de processos envolvendo a defesa de direitos coletivos e difusos. Disposições referentes aos processos coletivos latu sensu, previstos, v.g., no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990) e na Ação Civil Pública (Lei n° 7.347/1985) são exemplos expressivos desse movimento retificador [30].
Apresentadas, em breves linhas, as principais reformas que moldaram o originário Código Buzaid, é imperioso o registro de que, mesmo em 2010 – ano em que aprovado no Senado o Projeto para um novo diploma – continuaram sendo implementadas modificações no CPC/1973. A última grande modificação de que se tem notícia diz respeito a questão extremamente relevante na prática forense, qual seja, a desnecessidade de cópias autenticadas para a formação do Agravo de Instrumento manejado às superiores instâncias em razão da não admissibilidade de recurso especial e/ou extraordinário – Lei n° 12.322/2010 (construção do denominado "Agravo nos autos do processo" [31]).
Por certo, cabe neste momento o registro, a onda reformista que continua, pelo visto, a pleno vapor, merece tópica crítica, ao passo que, ultrapassando certos limites, joga-se desenfreadamente à busca da efetividade, trazendo prejuízos sensíveis, e indevidos, à segurança jurídica – entendida com maior certeza do direito a ser reconhecido judicialmente. Nesse contexto, vale o registro explícito, concordamos plenamente com Luiz Guilherme Marinoni ao registrar que "é equivocado pensar que reformas processuais possam, apenas por si, tornar a tutela jurisdicional efetiva e o processo justo" [32].
Podemos afirmar que se, em um extremo, o CPC/1973 não tinha como princípio central a efetividade; por outro lado, não é exagero afirmar que as reformas propostas ao modelo Buzaid não demonstram maiores preocupações com a segurança jurídica, impondo como conseqüência que a decisão judicial prolatada pelo Estado-juiz tenha maiores chances de não contribuir decisivamente para a pacificação social e para a própria garantia de legitimidade do decisum [33] – entendendo-se que a segurança jurídica, no processo, determinaria uma maior investigação da matéria em debate, impondo uma maior certeza do direito a ser declarado/constituído pelo agente político do Estado. Isto sem contar com o efeito prospectivo que se espera de boa parte das decisões de mérito com o selo do Poder Judiciário – explicando, a propósito, Owen Fiss que modelos extrajudiciais podem representar risco a uma maior efetivação da atuação do poder jurisdicional, ao qual caberia julgar a fundo as controvérsias, lavrando justa decisão de mérito, em face do caráter prospectivo do decisum, servindo o julgado como eventual paradigma para outros futuros casos semelhantes [34].
Exemplo oportuno desse movimento de retificação, em que se privilegia, frise-se, a efetividade em detrimento da segurança, encontra-se no trato da matéria prescricional. Passou a ser matéria de ordem pública, a partir de 2006, autorizando assim que o juiz pudesse declará-la a qualquer tempo, mesmo que não requerida pela parte ré em peça defensiva. O prisma da modificação é todo direcionado para a efetividade e para a conseqüente célere extinção do processo, com julgamento de mérito (art. 269, IV do CPC). Agora, pensando no princípio da segurança jurídica, não se poderia cogitar no interesse do réu em não ter reconhecida, de plano, a prescrição e sim em ter, após adequada instrução, uma sentença de mérito propriamente dita, favorável as suas pretensões (art. 269, I do CPC)? Sim, pois haveria, ao menos, um substrato ético (questão moral) que indicaria para o interesse do réu de ver analisado o mérito da causa pelo Poder Judiciário, a fim de ter publicada uma sentença de improcedência (art. 269, I, Versus art. 269, IV, CPC).
Com a devida ressalva feita ao movimento de retificação, confirmamos que as reformas tópicas são indispensáveis e legitimam a manutenção da estrutura processual vigente, diante da transformação pela qual passou o mundo e o Brasil desde 1973. Permanece, no nosso sentir, viável a interpretação do sistema processual montado diante da realidade/contemporaneidade constitucional [35] – não existindo dados objetivos que apontem para a necessidade de movimento de absoluta retificação, especialmente em face de um suposto desajuste incorrigível do modelo infraconstitucional com os comandos contidos na Lei Fundamental.
Nesse contexto encaixa-se a precisa concepção jus-filosófica de Miguel Reale ao expor que, enquanto possível, a norma jurídica deve ser mantida, não apenas em razão do princípio de economia de meios, mas sobretudo porque as longas pesquisas sobre a interpretação e a aplicação de uma lei, sobretudo quando fundamental, representam um cabedal de experiência e de conhecimentos doutrinários que deve ser preservado [36].
Seria mais indicado então, de acordo com a exposição contida nesse ensaio, prosseguir o estudo das reformas do CPC/1973, pautando-se a investigação pela preocupação com questões da efetividade do rito, mas sem deixar de levar em consideração a segurança jurídica – entendida em sintonia com o devido processo legal, o que trataria de garantir, em última instância, a legitimidade da decisão a ser pronunciada pelo Estado-juiz.