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A formação da fundada suspeita na atividade policial e os desafios da segurança pública no Estado Democrático de Direito

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Agenda 28/03/2011 às 17:37

3.O PROBLEMA É SÓ DA POLÍCIA?

3.1.COMO MUDAR ESSA DIVISÃO SOCIAL

O presente trabalho não pretende tratar de forma ampla as desigualdades sociais presentes neste país. No entanto, é interessante ao tema tratar de tais alegações, pois se entende que sejam, também, motivadoras de fatores criminosos provocados por má distribuição de renda. Como salienta Paulo Roberto da Silva PASSOS, "Pobreza e desigualdade social têm sido há muito tempo consideradas a causa fundamental dos males da sociedade e economistas e sociólogos têm procurado demonstrar como os fatores que estão na base do desvio social tiveram a sua própria origem nas forças econômicas e na desigualdade social." [55]

PASSOS aponta a pobreza como uma forma de indução ao cometimento de crimes, com a má distribuição de renda e com a falta de medidas necessárias pelo poder público, a falta de condições para a aquisição de bens é motivo bastante para a iniciação na carreira criminal:

Entre as abordagens que cabem ao âmbito das ciências sociais, está aquela estritamente econômica, segundo a qual o comportamento criminal está ligado à pobreza e ao nível de vida inferior ao standard. Diversos autores reconhecem que os fatores econômicos são extremamente importantes na vida social e que muitas sociedades modernas são construídas em torno de uma ideologia essencialmente econômica e acreditam, portanto, que a explicação do comportamento criminal devesse ser investigada na falência da sociedade em suprir todos os membros de bens adequados. Está implícito que se a "pobreza" fosse eliminada, poderia se iniciar um longo período desprovido de todo o desvio, inclusive a própria criminalidade. [56]

Há um nível de proteção da classe dominante para com a ânsia do individuo menos favorecido de obter seus bens. Com isso, se um rico passa em uma área menos favorecida com seu carro novo, já se espera que o pobre tenha a vontade de tomar para si, de forma violenta ou não, aquele bem. Para tanto, o legislativo já prevê tal situação e tipifica como crime um provável comportamento que um dia pode advir daquele descontentamento do indivíduo sem bens materiais para com o burguês que desfila com seu carro novo, protegendo-o assim de indivíduos marginais a sociedade. [57]

Por isso se percebe que a diferença social é crucial para o cometimento de crimes contra o patrimônio, PASSOS diz que "Assim, poderíamos dizer, sem medo de errar, e abandonando por ora os demais fatores criminógenos internos ou externos, que a diferença social desproporcional, um dos caracteres básicos do capitalismo selvagem, é a principal responsável pelo crime contra o patrimônio, que hora cuidamos." [58]

No entanto, PASSOS ressalta que a pobreza em si não se constitui num fator de predeterminação ao cometimento de crimes. Apenas pode influir, mas não necessariamente taxará o pobre como criminoso. A má distribuição de renda ajuda no aumento do cometimento de crimes, sendo que a grande maioria de crimes está ligada aos crimes contra o patrimônio. A erradicação da pobreza por meios hábeis reduzirá proporcionalmente o cometimento de crimes relacionados com tal fato, pois todos terão ao menos as mesmas condições de adquirir bens. [59]

Apesar de que, mesmo em regimes socialistas puros, a ganância do homem sempre aparecerá, mas não será de forma tão forte como no capitalismo. A proporção do cometimento de crimes contra o patrimônio em sociedades mais igualitárias seria menor. Entretanto, se tem cometimento de crimes violentos contra o patrimônio no Brasil. PASSOS entende que a violência está ligada ao baixo nível de educação que os indivíduos que cometem crimes contra o patrimônio têm. Essa proporção de violência estaria ligada com a cultura do país. Por isso "... a violência advém do baixo nível intelectual do marginal brasileiro." [60] Pois se o criminoso brasileiro tivesse um nível de conhecimento maior, tivesse tudo de mais atualizado em termos de tecnologia e artimanhas do mundo criminoso que rodeia os criminosos de "colarinho branco", provavelmente não usariam de violência em seus crimes, pois não gostariam de arriscar suas vidas em um assalto violento, com a possibilidade de ser morto pela polícia. [61]

Portanto, também em tais casos, que põe em perigo iminente a sociedade; que cria a síndrome do roubo ou seqüestro; que faz com que o indivíduo, no afã de proteger-se, veja-se compelido a viver em uma verdadeira prisão, com grades, assegurando-lhe uma pseuda [sic] vida tranqüila, à volta da casa, o Estado ocupa também papel preponderante, quer ao não sanar o desnível social, quer ao não educar a contento, como já dissemos, fazendo com que o dito "cada sociedade tem os crimes que merece" seja uma realidade. [62]

Por certo que o criminoso brasileiro age com violência por seu nível intelectual reduzido. Para tanto se faz necessária a empreitada de mecanismos de melhor acesso educação, distribuição de renda, condições sociais mais elevadas. Contudo, o Brasil apresenta um nível de distribuição de renda entre os piores do mundo. Apesar de ter melhorado muito nos últimos anos, ainda se espera uma melhor posição das autoridades e dos detentores do poder para que haja uma mudança neste contexto social.

Segundo o índice GINI, que mede o grau de distribuição da renda da economia de um país, que vai de zero, uma distribuição perfeita, até 1 (um), que seria uma total desigualdade, o Brasil está longe de muitos países com o potencial econômico muito menor. Na America Latina, por exemplo, o Brasil perde em distribuição de renda para países como a Colômbia e Paraguai que tem uma capacidade econômica relativamente inferior, como se percebe nos dados apresentados a seguir. O Brasil, em relação aos países da Europa, está extremamente com sua renda concentrada em poucas mãos dominantes. Nota-se pela escala apresentada pelo IPEA entre os anos de 2003 a 2007, que realmente houve uma melhora expressiva na distribuição de renda do país, mas isso está muito aquém de uma verdadeira mudança que possa ser sentida pela população brasileira.

País

2003

2004

2005

2006

2007

BR-Brasil

0,5809

0,5698

0,5670

0,5603

0,5533

Fonte: IPEA

O país vem melhorado muito, mas em relação aos países desenvolvidos ainda está longe de uma boa colocação na listagem mundial de concentração de renda como na tabela comparativa abaixo:

Argentina

ARG

52.2

Bolívia

BOL

44.7

Brasil

BRA

58.5

Chile

CHL

57.1

Colômbia

COL

57.6

Equador

ECU

43.7

Guiana

GUY

43.2

Paraguai

PRY

56.8

Peru

PER

49.8

Suriname

SUR

-

Uruguai

URY

44.6

Venezuela

VEN

49.1

França

FRA

32.7

Reino Unido

GBR

36.0

Estados Unidos

USA

40.8

Fonte:Instituto Política y Democracia, Índice de GINI 1984-2002

No Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento, da listagem de 177 países o Brasil está na posição de numero 70º. Está num patamar elevado em comparação com outros países, mesmo alguns que apresentam melhor índice de distribuição de renda que o Brasil. Entretanto, há de se salientar que esse índice de desenvolvimento humano prioriza outras bases para ser calculado, como expectativa de vida, educação, que de alguns anos para cá vem melhorando. Esses dados apresentados, quando comparados a realidade, permitem o questionamento quanto à verdadeira melhoria. Ainda se olhado apenas pelo critério de distribuição de renda nota-se que este ainda não melhorou, puxando os demais itens para baixo. Segundo especialistas, esses dados acabam por não demonstrar a verdadeira realidade de vida no país, fato que já foi detectado pela ONU, que promete correção para 2010. [63]

Verifica-se que a sociedade com maior poder aquisitivo, ao mesmo tempo em que reclama da falta de segurança, se tranca em seus condomínios e cobra das autoridades competentes que armem melhor as forças policiais, que sejam construídos mais e maiores presídios e que estes sejam de segurança máxima, para que se possa garantir que os criminosos não fujam e não tomem os bens da classe mais favorecida. Sobre esse assunto pode-se ressaltar o trabalho de Cristina ZACKSESKI, que apresenta a corrida para melhor estruturar o Estado em medidas repressivas, quando deveria ser ampliada e aprimorada as medidas preventivas:

No momento em que as pessoas se sentem inseguras, manifestam sua insegurança reclamando da oferta pública, na maioria das vezes relacionada ao modo de "resolução" dos conflitos típico do Direito Penal — mais recursos para a polícia, mais vagas nas penitenciárias, mais repressão, legislações severas e, obviamente, menos tolerância. Outras vezes elas reivindicam um espaço privado para suprir as falhas da resposta pública, com o recurso a empresas privadas de segurança ou com a instalação de toda uma parafernália tecnológica. [64]

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Portanto, se está presenciando uma atividade privada da segurança pública, onde quem detém o poder econômico pode adquirir a segurança e mais uma vez as classes menos favorecidas ficariam aquém de obter esses serviços decentemente pelo Estado. Para uma mudança nesse contexto a sociedade tem que deixar de cobrar as medidas repressivas, pois se verifica que essas não são capazes de reduzir a criminalidade. Adotando uma posição mais ativa, se organizando em grupos e atuando de forma preventiva, com educação e projetos sociais capazes de diminuir a incidência de processos criminosos que atinjam cada vez mais os mais jovens.

No Brasil, quando surpreendentemente são aventadas estratégias de segurança que não sejam tipicamente repressivas, imediatamente vemos diversas tentativas de desqualificá-las em sua capacidade de contribuírem para a segurança a partir da imposição do rótulo "políticas sociais", como se qualquer medida não repressiva ou não jurídico-formal fosse incapaz de contribuir para a composição de um quadro de alívio do sentimento de insegurança e dela própria. É a concepção conservadora de segurança que está sendo exposta nestes momentos. [65]

Se a mentalidade não for alterada, será uma luta sem fim, pois a segurança pública será privatizada, e os meios estatais que são disponibilizados sempre serão insuficientes para travar a guerra contra o crime, pois a efetivação de medidas sociais como secundárias transformam o tratamento dado a segurança pública apenas medidas paliativas, se mais armas para o combate a violência, que no final trazem resultados ainda piores. [66]

Voltando ao tema de desigualdades sociais, pois o tratamento dado aos meios de combate a violência normalmente, como já explanado, tendem a contra-atacar com mais violência. De longe se fala em redução de desigualdades sociais. E quando se comenta o tema é tratado como mais uma medida social que não passa de retórica. Mesmo com a Constituição Federal de 1988, que é chamada de Constituição Cidadã, pois prevê muitos direitos sociais que, na verdade, eram tratados como normas programáticas e ainda são em muitos casos. Impossibilitam a melhora da situação de desigualdade que teima em permanecer neste país, como lembra Aimbere Francisco TORRES:

Com efeito, a característica social do positivismo jurídico que se procurou exteriorizar com o advento da Constituição de 1.988 e posteriormente com o Código Civil de 2.002, alardeada aos quatro cantos deste país, em momento algum contribuiu para extirpar as profundas desigualdades entre a elite e a imensa maioria da população pobre deste país, que continuam mesmo com a vigência dos regramentos acima mencionados, excluída da participação política e desprovida de direitos básicos. [67]

Por isso se faz necessária a aplicação de normas que determinem a melhoria na condição de vida da população, com mais saúde, educação, emprego com salário justo e sem exploração demasiada, para que com isso se consiga concretizar um parâmetro de qualidade de vida para todos.

Assim como para Eugenio Raúl ZAFFARONI, não é à toa que os direitos humanos sempre são criticados no âmbito penal, pois com o abuso que ocorre perante aos tratamentos diferenciados que existem entre os pobres e os ricos, toda vez que se utiliza dos direitos humanos para amenizar o tratamento desigual do Estado para com o menos favorecido, se indigna a população pois se diz que há excessiva proteção para com os bandidos:

Enquanto os direitos humanos assinalam um programa realizador de igualdade de direitos de longo alcance, os sistemas penais são instrumentos de consagração ou cristalização da desigualdade de direitos em todas as sociedades. Não é por acaso que os dispositivos dos instrumentos de direitos humanos referentes aos sistemas penais sempre sejam limitadores, demarcadores de fronteiras mais ou menos estritas do seu exercício de poder: fica claro que os direitos humanos se defrontam ali com fatos que desejam limitar ou conter. [68]

Sendo assim, a visão que se tem dos direitos humanos frente ao direito penal gera conflitos com a população que influenciada pela mídia tende a rebater as idéias de proteção ao cidadão menos favorecido frente aos abusos do Estado, taxando tal proteção como apoio a bandidos. Estes são crucificados por toda a sociedade, que não entende que em outro momento qualquer pessoa, normalmente sem poder aquisitivo, pode ser tratada de forma atentatória aos seus direitos fundamentais.

3.2.CRIANDO UMA NECESSIDADE DO QUE NÃO POSSO TER

No mundo globalizado em que vivemos há uma busca incessante pela venda de produtos, comparada a uma corrida armamentista, onde se criam produtos novos a todo instante e com isso, há uma disputa entre o mundo do marketing e da publicidade e propaganda para criar novas necessidades, diferentes das necessidades básicas que todo ser humano tem.

PASSOS, indica alguns fatores que podem induzir ao cometimento de crimes um deles seria a labilidade que se demonstra da seguinte forma:

A labilidade é vulnerada pela denominada sociedade do bem-estar, que coloca a meta da felicidade "na satisfação imediata do prazer do momento". Os desejos artificiais estimulados pela propaganda; o íntimo da vida da sociedade de consumo sempre com novas ondas; o envelhecer rápido das novidades dando margem à instabilidade e futilidade; o pensar pouco e ler pouco, etc., tudo isso leva ao agir irrefletido, inconseqüente, desprovido de lastro da experiência moral, gerando comportamentos criminosos. [69]

O jovem se torna parte desse consumismo, quando não detém um produto que está na moda, um celular, uma tênis, ele se sente fora do contexto do seu grupo causando profunda agonia no seu intimo, fazendo com que, um vídeo-game, um roupa de marca, o torne uma pessoa mais social, que tenha muitos amigos, esse deseja exacerbado pelo consumo de bens faz com que sejam iniciados diversos problemas desde o momento em que esses jovens não detenham condições financeiras de adquirir os objetos tão desejados, Marta CONTE trata diretamente sobre o tema:

A análise que decorre de debates atuais indica que com o triunfo do neoliberalismo um novo modo de civilização se impôs, cujo slogan se traduz em SER FELIZ PELO CONSUMO! ou "gozar a qualquer custo". O modo de civilização anterior a este da modernidade era marcado pela poupança, sobriedade, valores como virtude e solidariedade, pela ordem e o recalcamento. Cabe lembrar que, há poucas décadas, falar em gozo individual era tabu; hoje, é um imperativo. [70]

Na atual conjectura se verifica o consumo exacerbado de bens, e para efetivar esse consumo são utilizadas diversas maneiras. O que vale é a satisfação atual. Não se pensa no futuro. O agora e o atual são o que importa e nada mais. Por isso os jovens, nessa ânsia de consumo, acabam por cometer qualquer tipo de injusto, desde que sejam satisfeitos os seus desejos de consumo, para que se mantenham no prazer do momento, o celular com câmera, a moda da vez. Por isso se cria uma necessidade no indivíduo, de se efetivar uma compra de tal produto, que este lhe dará todas as suas expectativas e lhe dará uma nova identidade, como salienta CONTE:

O núcleo da personalidade, nesse contexto, estava tanto no interior sentimental quanto nos objetos comprados e exibidos. O indivíduo projetava suas peculiaridades emocionais nas mercadorias e, em seguida, adquiria-as como se fizessem parte de seu caráter permanente e interior. E, assim, o "comprismo" burguês desnudou o modo de produção material das crenças emocionais. Portanto, é possível dizer que o consumismo surge como meio de construção de identidades; tanto mais poder os objetos adquirem quanto mais o interior subjetivo está esvaziado e exteriorizado. [71]

Formam-se personalidades a partir do objeto adquirido, mas quem não pode adquirir os tão sonhados objetos, como poderá formar essa identidade que é cobrada por todo o circulo de amizades que o indivíduo se encontra? Há ainda as instituições, escola, família, as que se ocupam da educação de jovens, criam um pessimismo para com o futuro no mercado de trabalho e isso causa uma angustia sobre as perspectivas futuras, como esclarece CONTE:

Tomo como exemplo o descrédito no futuro e a idéia de "sem saída", partilhada por diferentes instâncias que se ocupam dos jovens em nosso país e impedem as apostas, criando um curto-circuito. A juventude sem perspectiva de inserção social no mercado de trabalho e em outras formas culturais de testemunhos compartilhados se vê à deriva e impulsionada a atos de delinqüência e consumo de drogas, como apelos a uma alteridade que se presentifique e ofereça ancoragem, bordas, referências. [72]

Essa perspectiva futura conturbada, aliada ao anseio de consumo exacerbado, causa uma mistura explosiva para o comportamento dos jovens, que não sabem de que forma satisfazer seus desejos e nem mesmos acreditam que terão boas chances de se realizarem profissional e pessoalmente.

Essa instabilidade emocional do sujeito, causada pelos baixos valores morais, torna o sujeito aberto a todo o tipo de liberalidade, pois somente assim ele estará pronto para o mercado de consumo. Coloca-o como um campo aberto a todo tipo de informação recebida. Contudo, essa informação é baseada na criação de anseios para um consumo sem controle. É usada uma comunicação sem medidas, transmitindo uma mensagem geral, sem distinção de quem pode ou não pode comprar. Apenas que se compre ou será uma pessoa sem qualquer realização pessoal e social:

Até porque os valores morais não têm valor mercadológico e, além disto, constituem uma possibilidade de resistência ao consumo e à propaganda publicitária. Não são surpreendentes a transposição da relação com o desejo para as inúmeras formas de compulsão e a escalada da violência comum, pontuada por momentos de hiperviolência. Isto se fundamenta no fato de que a lógica neoliberal produz sujeitos que funcionam precisamente segundo a lei do mais forte ou a do "empoderamento" pelos objetos. [73]

Com essa onda de violência exacerbada, cria-se um modismo sobre esse aspecto, uma forma de recusa dos valores morais e éticos que antes eram respeitados e impostos pela sociedade. Contemporaneamente são deixados de lado e são colocados os valores mercadológicos, os objetos de desejo são os alvos que compensam qualquer meio para se atingir, CONTE trata esse aspecto como uma das causas da violência:

Na medida em que a garantia simbólica das trocas entre os homens tende a desaparecer, é a própria condição humana que muda, e o valor da vida fica em questão; um se relaciona com o outro enquanto objeto. Esta objetalização e utilitarismo passam a fazer parte do cotidiano de todo cidadão, produzindo relações de desrespeito e violências de toda ordem. Criam-se, assim, as condições para o elogio da delinqüência e a recusa de escolhas éticas que obriguem a tomada de uma posição responsável frente aos próprios atos. [74]

Agora a sociedade dominante parece que quer se livrar desse tipo de problema, mas suas soluções para a violência exacerbada, e a falta de segurança, normalmente não se prende a soluções pacíficas, de melhor distribuição de renda e melhores condições sociais. Como ressalta CONTE:

A sociedade neoliberal quer banir de seu horizonte os efeitos que ela própria engendra, a saber, as conseqüências das desigualdades sociais, do consumismo, dos excessos, das violências e de conflitos sociais, produzindo movimentos de reformas que não oferecem inscrição social às conseqüências do sistema sociopolítico, mantendo enormes segmentos da população à margem dos direitos fundamentais e do acesso a bens e serviços. [75]

Mas uma vez se nota a falta de interesse da classe dominante em reformas de cunho social. Apenas se enseja a exclusão, que se deixe o menos favorecido cada vez mais longe da sociedade que tem poder de compra, para que as violências geradas por quem não pode adquirir bens sejam deixadas em outro patamar. Ou seja, o problema é da polícia e não da sociedade que não distribui sua renda.

CONTE obtém de um apenado da cidade de São Leopoldo/RS, uma síntese dessa sociedade de consumo e traz em seu trabalho uma resposta obtida em um grupo de discussão sobre o tema, sendo que seu contexto se encaixa perfeitamente ao viés da segurança pública:

Isso aí é só embalagem, mas é que a gente se compara, o fulano tem e eu não tenho, principalmente no meio de adolescentes, né. Nessa idade a gente deixa se levar pelos bens materiais. O meu amigo tem, o pai dela dá, e eu não tenho o meu pai pra me dar, então quem vai ter que fazer por mim sou eu mesmo, e a maneira mais rápida que eu tenho é cometendo algum delito (Apenado do regime semi aberto que participou do Grupo de Discussão). [76]

O depoimento do condenado traduz a síntese do presente tema, pois a falta de recursos pode levar um jovem a cometer crimes para poder satisfazê-los. Nesse contexto CONTE trata o tema como um problema generalizado que pode levar mesmo o jovem de alto poder aquisitivo ao mundo do crime. Não porque ele não tenha condições de adquirir os bens desejados, mas pela perda de valores morais e éticos essenciais à convivência em sociedade, que vêm sendo menosprezados pela mídia publicitária, com o intuito de levar a população às compras a qualquer custo.

3.3.EU QUERO ME PROTEGER "DELES"

Buscando entender a diferença de tratamento dispensado entre as diferentes castas sociais, um levantamento histórico há de ser feito, com base no estudo da Criminologia Radical exposto por Juarez Cirino dos SANTOS, frente às divergências ideológicas e políticas perante as sociedades contemporâneas deste lado do hemisfério, desde a Revolução Francesa, desde a busca da dominação das classes capitalistas, das lutas de classes sociais. [77]

Como demonstra o trabalho de SANTOS, há uma busca para se definir um perfil de criminoso, enquanto na verdade se verifica que causas afetas a criminalidade estão diretamente ligadas ao controle social dos indivíduos excluídos. Há um direcionamento para as definições legais de crime e da aplicação das diversas instituições de controle social, como a polícia, a prisão e a justiça, focadas diretamente sobre os pobres e os indivíduos marginalizados pelo capitalismo. O que se pode ver nas sociedades capitalistas, como nos Estados Unidos, é que a grande maioria da população carcerária é composta por negros, mexicanos e porto-riquenhos, que representam 20% no total da sociedade e 50% na população carcerária, a taxa de negros nas prisões e mais alta do que nas universidades americanas. Quando se fala em classes de trabalhadores, nas prisões norte americanas estão concentrados em sua maioria, 87,4%, operários artífices, operadores etc., sendo que estes representam cerca de 59% dos trabalhadores daquele país. Isso se dá por reforçar um sistema de proteção ao capitalismo, que exclui do circulo do poder de compra os marginalizados os levando ao crime contra o patrimônio que representa a maioria dos delitos cometidos que levam às prisões nos EUA, isso configura uma busca que excluídos sociais fazem de suprir as dificuldades de adquiri bens. [78]

O que se verifica entre os crimes cometidos pelas classes menos favorecidas, que são extremamente explorados pela mídia, tem grande atividade repressiva da polícia e do poder judiciário, mas provocam normalmente, o menor dano a sociedade como um todo. Há também os crimes que estão no âmbito das fábricas, como pequenos furtos e apropriações indébitas, mas esses não são divulgados por clara intervenção na força produtiva. Assim como os crimes cometidos por profissionais liberais, mesmo sendo crimes danosos a sociedade como um todo, raramente aparecem na mídia. Por ultimo os crimes de "colarinho branco", esses sim extremamente danosos a sociedade, causam problemas gravíssimos aos cofres públicos, muitas vezes causando risco grave à vida e a saúde da população em geral. Esses crimes sim estão totalmente excluídos das estatísticas, demonstrando claramente a separação da classe carcerária em castas sociais, priorizando os detentores do capital em detrimento dos menos favorecidos, como expressa SANTOS por uma visão marxista. [79]

O que se forma é uma rede de controle social onde o indivíduo fica submetido ao sistema capitalista, mesmo nas prisões, com o "sursis", livramento condicional, as penas alternativas, o que se faz valer é o controle que se dá sobre a sua vida, configurando assim apenas algumas opções ao homem. Ou se torna uma maquina do capitalismo, se sujeita ao sistema de produção, à monotonia, e aceita a sua condição, ou ainda pode tentar a sua ascensão social da forma mais difícil possível. Como também pode furtar a propriedade alheia que não tem condição de adquirir , podendo se tornar criminoso e pagar por isso, ou ainda fazer a revolução de forma política, agindo de forma a mudar a situação se infiltrando no sistema político para mudar a exploração social. No entanto se resume ao criminoso mais cruel que se tem pela mídia em geral, o mais lembrado, o mais rechaçado, o criminoso comum, enquanto o criminoso de "colarinho branco" se mantém anônimo e protegido, escondido atrás da grande exploração da indústria do crime provocada pela divulgação da mídia sobre os pequenos crimes, ou mesmo sendo grandes, que não chegam nem perto da destruição, do prejuízo que causa um crime de colarinho branco. [80]

As instituições, como forma de controle social, são marcadas pela lavagem cerebral que realizam, ressalta SANTOS, assim como a imprensa e o Parlamento, entre outros, enquanto a polícia e a prisão são garantias de uma ordem social injusta. A escola, a fábrica e a prisão são instituições similares que promovem a robotização do indivíduo que é colocado na sociedade em formato de linha de produção e qualquer um que saia desses moldes é colocado na prisão para que volte a se ajustar e aceitar a sua condição social sem causar conflito. O crime é definido pela lei e a lei é definida pelos detentores do capital que a utilizam para fomentar o controle social dos marginalizados. Com isso se define o comportamento das classes trabalhadoras e marginalizadas como crime, pois esses comportamentos vão de encontro aos interesses das classes dominantes e a lei que foi criada por elas, principalmente o que se pode definir como crime, é forma de manifestação contrária à submissão imposta à classe dominada. É uma forma de protesto contra o Estado que legitima a criminalidade exercida pelas classes sociais elevadas. [81]

SANTOS ao comentar sobre a prisão, assevera que, o controle social de classes tem nela a sua principal instituição, e como principal agente a polícia, sendo as duas caracterizadas pela ineficiência no controle do crime, tendo como principal objetivo, mesmo oculto, a ameaça às classes sociais exploradas economicamente. Esses objetivos são marcados pela falsa imagem de ressocialização passada como função das prisões que nada mais são do que grandes castigos impostos aos presos além de isolamento e aplicação de drogas para controle de forma mais eficaz. Essas idéias são base para a esquerda idealista que visa à abolição do controle social burguês com o fim das prisões, da polícia, da escola, dos meios de comunicação de massa, da família nuclear, etc. . Têm à disposição todas as instituições citadas como meios de repressão e de ferramentas para o capital. Tratam de aniquilar essas instituições e substituí-las por instituições proletárias. Promovem a união dos grupos sociais subalternos para a realização dessa meta. [82]

Já a visão do reformismo, exposta por SANTOS, sobre as instituições, que prega a dissolução do capitalismo no socialismo, que por isso se torna um Estado intervencionista, para assim provocar as mudanças necessárias no sistema, e assim também modificar as instituições de forma interna e não apenas aniquilá-las, trata o crime como algo natural e com as reformas propostas tende a diminuir. O reformismo trata como dupla origem do comportamento criminoso, sendo uma a partir de deformações biológicas e a outra pelo ambiente social em que vive, na verdade se retorna a teorias antes criticadas, como o positivismo, sendo de pouca influencia para a Criminologia Radical, funcionando apenas como modelo de reformulação do discurso de controle social existente. Essas duas teorias, a radical e a esquerda idealista, não trazem a explicação da criminalização das classes subjugadas. [83]

A Criminologia Radical é marcada pela critica ao sistema prisional, como lembra SANTOS, pois este é usado como alicerce de manutenção da hegemonia capitalista, assim como o conceito de crime utilizado pelo sistema, que isola determinadas condutas típicas das classes subalternas e as tipifica como crime, rotulando esses comportamentos como desrespeitosos aos direitos humanos, ao mesmo tempo em que banalizam as grandes práticas de crimes cometidos por classes superiores como o imperialismo, a exploração econômica, entre outras. Tendo como proposta da Criminologia Radical e abolição da desigualdade social como forma de mudança, transformando-a no modelo socialista. Assim como a crítica aos sistemas penais e de despenalização, sendo estas tidas como humanitárias, mas no entanto, não passam de formas de controle do poder estatal determinada pelo excesso de presos sendo regulada pelo sistema de produção capitalista. [83]

Juarez Cirino dos SANTOS ressalta o objetivo da Criminologia Radical que se faz necessário nesse contexto: "O projeto científico da Criminologia Radical tem por objetivo a produção de uma teoria materialista do Direito e do Estado nas sociedades capitalistas, em que a produção crescentemente social requer uma regulação crescentemente jurídica das relações sociais, procurando identificar as forças sociais subjacentes às formas legais e mecanismos institucionais de controle da sociedade." [84]

Com isso se firma a posição dos criminólogos radicais em que são contra qualquer tipo de exploração social, exploração de classes, racismo, entre outras formas de desigualdades presentes e sustentadas pelo capitalismo exacerbado, como é asseverado por SANTOS, a Criminologia Radical promove a sociedade sem classes e socialização dos meios de produção. O crime é baseado no capitalismo, na divisão social em classes, e com isso a separação é feita por capital/trabalho assalariado, fundamentado pelo Estado que tipificam como criminosas as condutas contrárias ao capital e a perpetuação da separação social em classes. Com isso o crime está ligado diretamente ao estudo social do autor, em que classe ele se encontra, e não relacionado com a sua personalidade ou estereótipo de criminoso, se ele está inserido ou não no campo social, nos meios de produção de alguma forma, ou se está excluído. Isso explica como o capitalismo, ao mesmo tempo em que impõe ao trabalhador que seja submetido ao trabalho diário, por um salário ínfimo, onde ele aceita ou será marginalizado, também, com a mesma carga de opressão, oferece ao marginalizado, desempregado, da mesma forma de aceitação ou não da submissão ao trabalho assalariado, a opção de entrada para o crime com o risco de ser criminalizado ou de se manter oprimido e submetido aos mandos e desmandos do detentor do capital. Com isso a força de trabalho incluída nos meios de produção, conhece uma disparidade social existente que é a relação esforço/recompensa. Por outro lado a força de trabalho excluída dos meios de produção, marginalizada, fora do contexto de consumo, tem grandes motivos para usar de meios ilegítimos para conseguir sobreviver em um mundo consumista. Assim, o sistema de controle social atua fortemente para reprimir essa classe marginalizada que não aceita sua condição social de marginalização, com a retórica de proteção ao cidadão "honesto". [85]

SANTOS lembra que o Estado atua com rigor na transgressão de normas preestabelecidas para essa força de trabalho excedente. No entanto a sua real intenção é a de controle social do marginalizado que se opõe ao sistema de produção capitalista e se recusa a ficar como força de trabalho reserva e ainda disciplina a força de trabalho atuante com o viés de mostrar que o caminho do desvio não compensa e sim a manutenção da vida servil ao detentor do capital. Essa ciranda mantém problemas específicos do capitalismo moderno, o desemprego, a miséria e o crime, sendo este último, para o Estado o grande causador do problema é o criminoso, que no entanto é taxado pelas prisões, sem um potencial meio de ser reinserido no mercado de trabalho, sem dar meios de ter cidadania, é reprimido nas cadeias como forma de domínio e repressão às classes trabalhadoras ativas formando uma imagem de medo e contenção a qualquer tipo de revolta de classes. [86]

Todo esse contexto marxista defendido por Juarez Cirino dos SANTOS em algumas décadas atrás, traz ao tema uma relevante controvérsia, se o pensamento marxista era radial ao extremo, ou se apenas demonstrava uma verdadeira forma de proteção dos detentores de bens que tem interesse de se livrar das pessoas menos favorecidas, realmente querem se livrar de tais elementos que causam um perigo para seus filhos, seus bens, querem se livrar "deles", ou seja, quem está fora da classe consumidora, quem não tem se quer condições de comer, só causará problemas para a sociedade dominante. Portanto a forma mais fácil de se livrar "deles", é com o uso da força, do aparato policial, e com o uso da prisão pra extirpar da sociedade tal presença insolente que insiste em perpetuar, o pobre.

Portanto, não será por isso inconscientemente que o policial prefere as classes menos favorecidas para se abordar? Por isso que se dá ênfase ao pobre e as minorias excluídas em momentos de suspeição, seja por suas roupas ou por sua cor da pele, seja pelo número elevado das mesmas classes de pessoas que já se encontram nas prisões, pois esse tipo de pensamento é de longa data e acaba por se repetir insistentemente causando uma ciranda sem previsão de mudança, pois o excluído sai da prisão sem condições de se estabelecer, quando está nas ruas é a preferência nas abordagens e conseqüentemente retorna para a prisão, nesse pensamento separatista, lugar de onde ele nunca deveria ter saído.

Sobre o autor
Daniel Nazareno de Andrade

Bacharel em Direito - 2009 das Faculdade Integradas do Brasil - UniBrasil. Especialista em Gestão Pública - 2013 - UFPR Especialista em Direito Penal Militar Contemporâneo - 2014 - Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Direito Penal e Criminologia - 2017 - Uninter.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Daniel Nazareno. A formação da fundada suspeita na atividade policial e os desafios da segurança pública no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2826, 28 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18772. Acesso em: 23 dez. 2024.

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