Resumo
Este trabalho tem por finalidade refletir sobre a importância e a necessidade das punições disciplinares privativas da liberdade no seio das Forças Armadas, em que pesem os preceitos constitucionais inscritos na Carta Política de 1988 no tocante aos direitos fundamentais da liberdade de ir e vir, bem como a exclusividade da competência atribuída ao Poder Judiciário na aplicação da pena de privação de liberdade, com as exceções previstas na própria Constituição Federal. A hierarquia e a disciplina são os pilares básicos em que se sustentam as Forças Armadas brasileiras e a infringência desses mandamentos pode comprometer sobremaneira o funcionamento e a credibilidade dos estamentos militares no cumprimento da sua destinação constitucional de defesa da Pátria, da garantia dos Poderes constituídos e da garantia da lei e da ordem. O presente estudo visa, ainda, demonstrar que a excepcionalidade da aplicação das penalidades restritivas da liberdade não está livre da apreciação por parte do Poder Judiciário, podendo a pessoa que se sentir prejudicada pela imposição das sanções de detenção e prisão disciplinares recorrer àquele Órgão jurisdicional para analisar o possível abuso de poder ou desvio de finalidade.
Palavras-chaves: Punições disciplinares, Hierarquia, Disciplina, Constitucionalidade
1. Introdução
Consoante preceitua a nossa Constituição Federal de 1988 no seu artigo 142 as Forças Armadas são instituições regulares e permanentes, organizadas com base na hierarquia e disciplina tendo como missão precípua a defesa da soberania do Estado brasileiro, a garantia dos poderes constitucionais e por iniciativa de qualquer deles da garantia da lei e da ordem.
Em que pese à peculiaridade existente na sociedade militar quanto ao seu funcionamento, é cediço que qualquer tipo de sociedade requer para seu correto funcionamento a observação e obediência aos princípios de hierarquia e disciplina.
Para funcionar de forma eficiente e produtiva uma empresa possui nos seus quadros uma diretoria a qual é responsável por elaborar as diretrizes para alcançar os resultados esperados. Da mesma maneira, em uma família, verificamos a presença da hierarquia e da disciplina, exteriorizadas pelas determinações e orientações dos pais aos seus filhos com vistas a conduzir os destinos da célula mater da sociedade da melhor forma possível.
Neste diapasão verifica-se que a observância rigorosa das leis e regulamentos que organizam uma força armada é condição sine qua non para o perfeito funcionamento da instituição militar.
O rigor excessivo e quase cego na obediência aos princípios e valores adotados e exercitados nas forças armadas tem a sua razão de ser e não intenciona afastar o acesso da jurisdição exercida pelo Poder Judiciário no caso de atingido qualquer direito ou prerrogativa do seu pessoal.
Com o advento da Carta de 1988, chamada de Constituição cidadã, o constituinte originário erigiu os diversos direitos e garantias fundamentais com o objetivo de tutelar toda a sociedade contra inúmeros abusos e ilegalidades a que estava submetida.
A intenção do presente artigo é inicialmente mostrar a vida peculiar a que está submetida a sociedade militar, identificar os valores que devem nortear sua atuação, mostrar sua importância para o funcionamento da Instituição Militar na busca dos seus objetivos, verificar a imperiosa necessidade dos princípios constitucionais da hierarquia e disciplina, sobre os quais estão assentadas as Forças Armadas, confrontar esses princípios com os elencados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, tecer algumas breves considerações sobre o risco da impunidade para a organização, o preparo e o emprego das Instituições Militares e também do desinteresse da sociedade em geral pelas Forças Armadas, e ao final concluir sobre a essencialidade das punições disciplinares privativas de liberdade no âmbito das Forças Armadas brasileiras.
2 A Sociedade Militar e suas peculiaridades
Apesar de parecer lugar comum, nunca é demais relembrar que as Forças Armadas, de qualquer nação que se considera soberana, são organizadas com base em rígidos princípios disciplinares e com a sua atuação pautada sob o manto da hierarquia.
Embora já registrado anteriormente, a nenhum tipo de sociedade é dada a faculdade de abrir mão daqueles princípios sob pena de ter impossibilitado a consecução dos objetivos por ela propostos.
Entretanto, no caso específico das Forças Armadas, não há como não conviver de forma obrigatória com aqueles valores, que inclusive estão materializados na Constituição Federal em seu artigo 142, que assim dispõe:
"Art 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se a defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem." Grifo nosso.
Verifica-se que os referidos princípios estão insculpidos na norma constitucional e, por assim dizer, obrigam e garantem o funcionamento da sociedade militar com a rígida observância daqueles valores.
Reportando-se, ainda, à Lei Maior, verifica-se no seu Art 142, § 1º, que lei complementar estabelecerá normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, legislação essa atualmente consubstanciada principalmente no Estatuto dos Militares (lei 6880/80) além de outras normas jurídicas.
Interessante observar também o prescrito no Art 3º da Lei 6880, de 1980, que assim expressa:
"Art. 3º Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares." Destaques nossos.
Resta demonstrado que a sociedade militar exerce um regime administrativo diferenciado, o que traz questionamentos quanto à contradição surgida na aplicação de penas restritivas de liberdade aos seus integrantes em desconformidade com os preceitos constitucionais no tratamento da liberdade de ir e vir de qualquer cidadão, aí incluídos os militares.
Observe o que diz a inteligência do Art 27 da Lei 6880/80 (Estatuto dos Militares) quanto ao comportamento dos profissionais das armas e poderemos visualizar mais uma especificidade que caracteriza as Instituições Militares:
"Art. 27. São manifestações essenciais do valor militar:
"I - o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade à Pátria até com o sacrifício da própria vida;"
Importante questionar que profissão, nos dias atuais, exige dos seus integrantes o sacrifício da própria vida em prol do bem-estar da sociedade. Ora, Forças Armadas são preparadas para a guerra, situação extrema pela qual poderá passar a Nação, e que paradoxalmente não é desejada pelos profissionais das armas. No entanto, esta situação só será enfrentada com a aplicação dos princípios da hierarquia e da disciplina desde os tempos de paz.
3. Valores essenciais às Forças Armadas
Fidelidade à Pátria, sacrifício da própria vida, dever de obediência, comando e subordinação são valores que estão inseridos na rotina das Forças Armadas e sem a sua observância, a hierarquia e a disciplina no seio daquelas instituições restariam ameaçadas.
Grassando a indisciplina o seu restabelecimento passa pela atuação da autoridade competente ao aplicar as sanções disciplinares conforme a gravidade do fato cometido.
Importante ressaltar que o processo de apuração para apurar a falta ocorrida obedece aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não ocorrendo a punição de forma arbitrária, tenha a classificação que for.
A relevância dos valores militares está expressa no Estatuto dos Militares, bem como nos regulamentos das Forças Armadas, importante citar alguns desses valores para o perfeito conhecimento do leitor:
"Art. 27. São manifestações essenciais do valor militar:
I - o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade à Pátria até com o sacrifício da própria vida;
II - ....................................................................; "
"Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:
I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal;
II - exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo;
III - respeitar a dignidade da pessoa humana;
IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;
V - ................................................................................................................................................;"
4. Direitos Individuais versus Hierarquia e Disciplina
Com o advento da Constituição Federal de 1988 emergem os direitos e garantias fundamentais e na sua esteira, os direitos e garantias individuais, expressos no Art 5º do Cap II da referida Carta Política.
Segundo nos ensina o ilustre doutrinador Rodrigo César Rebello Pinho segue uma breve definição de direito individual constante de sua obra: Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais:
" Direitos individuais são limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos, para resguardar direitos indispensáveis à pessoa humana. Esses direitos, que são constitucionais na medida em que se inserem no Texto Constitucional, devem ser formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do Corpo social. Após as grandes revoluções burguesas do final século XVIII, o indivíduo passou a ser considerado como uma pessoa humana detentora de direitos, e não mais como mero súdito. O indivíduo passou a ser considerado como um sujeito de direitos e não como mero integrante de um corpo social." (Pinho, 2003)
Cabe destaque para os seguintes direitos fundamentais, que na nossa humilde análise, poderão entrar em confronto com os princípios que regem as atividades militares.
Inicialmente cita-se o princípio da legalidade que preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Neste sentido, aproveitamos mais uma vez o ilustre Alexandre de Moraes, em sua obra Direito Constitucional:
"tal princípio visa a combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são a expressão da vontade geral" (Moraes, 2005)
Outro princípio que causa celeuma quando aplicado no âmbito das Instituições Militares é o da inafastabilidade do Poder Judiciário na apreciação de lesão ou ameaça a direito.
Nesta seara invocamos novamente o brilhante Rodrigo César Rebello Pinho na obra anteriormente citada:
"Esse princípio garante a todos o acesso ao Poder Judiciário. É uma decorrência do monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado. Trata-se do direito ao processo, à atividade de distribuição da justiça exercida pelo Poder Judiciário." (Pinho, 2003)
Ainda tratando do mesmo princípio, exorta-se o Douto Alexandre de Moraes que nos brinda mais uma vez com a sua obra Direito Constitucional com a seguinte passagem:
"Importante, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça à direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue." (Moraes, 2005)
Por fim o princípio do devido processo legal é um corolário que abriga em sua gênese a proteção total do indivíduo contra as arbitrariedades que podem ser exercidas pelo poder estatal, de maneira que a ampla defesa e o contraditório estejam presentes durante todo o processo.
Interessante colacionar ao presente trabalho o que ensina Rodrigo Rebello Pinho em obra já citada:
"O due process of Law é um dos mais antigos direitos individuais obtidos pela humanidade, assegurado pela Carta Magna, na Inglaterra, já em 1215. Trata-se de garantia do cidadão contra uma ação arbitrária do Estado. Esse princípio possui dupla natureza: processual e substancial. No sentido processual, contém diversos desdobramentos, que foram relacionados em outros dispositivos, como os princípios do contraditório e da ampla defesa. Como ensina Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: "Trata-se de postulado fundamental do direito constitucional (gênero), do qual derivam todos os outros princípios (espécies)". Em seu sentido substantivo, o due process of Law consiste na proteção dos direitos e liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressora ou destituída de razoabilidade." (Pinho, 2003).
Terminada a excursão pelos direitos fundamentais que podem entrar em confronto com os princípios da hierarquia e disciplina, comum à organização das Forças Armadas, passa-se, de agora em diante, a verificar os argumentos para defender a tese da necessidade de permanência da aplicação das punições disciplinares restritivas de liberdade.
Inicialmente, é importante ressaltar que as Forças Armadas são Instituições organizadas constitucionalmente com base na hierarquia e na disciplina, ou seja, estão sob o veio instituidor da Lei Maior. Grifei
Preleciona o ilustre Jorge César de Assis, em artigo de sua autoria intitulado: "Os Regulamentos Disciplinares e o respeito aos Direitos Fundamentais", que os militares que se sentem prejudicados por punições disciplinares restritivas de liberdade têm procurado guarida junto ao judiciário alegando os princípios da inafastabilidade do Poder Jurisdicional e o da reserva legal.
No entanto, o renomado autor envereda pelo § 2º do Art 142 que é assim descrito: "não caberá habeas corpus em relação às transgressões disciplinares militares" e também pelo Art 5º em seu inciso LXI- "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo os casos de transgressão disciplinar ou crime propriamente militar definidos em lei" todos da Carta Política de 1988, e alega que há um impeditivo constitucional quanto à matéria, alegação acompanhada por este humilde articulista.
Aqui não se pretende que o Poder judiciário não possa analisar o preito dos militares que se julgarem prejudicados pelos atos da administração, ao qual estão subordinados por força de regulamentos, mas sim analisar a existência do choque no âmbito constitucional relacionado ao direito material em análise.
Cabe ainda observar que o Poder Judiciário está adstrito a analisar a presença dos pressupostos do processo disciplinar, como por exemplo: o exercício do contraditório, da ampla defesa, do direito de constituir procurador, e demais prerrogativas para a realização de sua defesa, e jamais o mérito da questão disciplinar controvertida, sob pena de estar invadindo a seara do Poder Executivo na aplicação do poder disciplinar inerente à Administração Pública.
Nesse sentido, o ilustre Promotor Jorge César de Assis, ainda no seu artigo supracitado atua com precisão cirúrgica ao mostrar de que maneira pode o Judiciário intervir nesse tipo de contencioso, senão vejamos: ele resume a três atividades que podem ser patrocinadas pelo poder que detém a jurisdição: - a primeira se resume a verificar se a autoridade que aplicou a punição disciplinar tinha a competência estabelecida nos regulamentos; a segunda é a verificação da existência de previsão legal para a aplicação da pena disciplinar; e a última situa-se na observância do direito de ampla defesa concedida ao transgressor.
Ao par dessas análises, entende o autor do presente artigo que a interferência do Poder Judiciário, na verificação do mérito das punições disciplinares, principalmente das restritivas de liberdade, pode proporcionar um precedente perigoso para que os pilares das Forças Armadas sejam abalados, e a partir daí, grassar no meio da tropa a insegurança jurídica patrocinada pelo questionamento às medidas disciplinares legais, com conseqüências maléficas ao ordenamento disciplinar e hierárquico daquelas Instituições.
5. Risco da impunidade
Apesar da significativa quantidade de doutrinadores que se filia à tese de que as punições disciplinares, principalmente as restritivas da liberdade, aplicadas no âmbito das Forças Armadas, devam ser alvo de uma nova legislação, a corrente chamada de minoritária acredita que o principal risco produzido pela interferência do Judiciário na seara disciplinar das Forças Armadas é a apreciação do mérito das punições aplicadas aos militares transgressores da disciplina
O risco está caracterizado pela possibilidade de que o militar transgressor da disciplina, ao procurar a tutela do Judiciário, sirva de exemplo para que outros militares sigam o mesmo procedimento, trazendo o descrédito ao funcionamento das Instituições castrenses e causando uma lacuna no emprego da disciplina enquanto aqueles contenciosos não forem dirimidos.
Importante citar os objetivos pretendidos com a aplicação das punições disciplinares no âmbito do Regulamento Disciplinar do Exército:
"Art. 23. A punição disciplinar objetiva a preservação da disciplina e deve ter em vista o benefício educativo ao punido e à coletividade a que ele pertence."
Vislumbra-se que os resultados desejados pela administração militar são a preservação da disciplina, evitando-se a proliferação dos maus exemplos, e o caráter educativo de forma a que nova transgressão não venha a ocorrer novamente.
Apesar dos questionamentos quanto à inconstitucionalidade dos regulamentos disciplinares da Forças Armadas, sendo inclusive, o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, patrocinada pela Procuradoria Geral da República, nota-se, particularmente no RDE, que os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa estão presentes de forma expressa como se verifica a seguir:
"Art. 35. O julgamento e a aplicação da punição disciplinar devem ser feitos com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que ela se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade.
§ 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.
§ 2º Para fins de ampla defesa e contraditório, são direitos do militar:
I - ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação;
II - ser ouvido;
III - produzir provas;
IV - obter cópias de documentos necessários à defesa;
V - ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas;
VI - utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação;
VII - adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; e
VIII - ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas."
Ora, o dispositivo regulamentar anteriormente transcrito nos mostra que, para a punição disciplinar ser aplicada, diversas etapas devem ser cumpridas, sob pena de o processo nascer nulo de pleno direito, podendo ser extinto pela própria administração militar, ou pelo Judiciário se o mesmo for provocado.
Observa-se, ainda que, ao contrário do RDE anterior, o atual está em conformidade com os direitos fundamentais expressos na própria Constituição Federal, sendo assim, com todas essas garantias, não há a necessidade de sobrecarregar o Judiciário para julgar esses tipos de ações que com certeza desencadeará prejuízos para a administração militar pelo surgimento da insegurança jurídica e também para o julgador que verá a máquina judiciária sendo acionada para resolução de pequenas infrações.
Convém pedir novamente vênia ao ilustre Promotor da Justiça Militar, Jorge César de Assis, a fim de embasar nossa convicção pela necessidade da permanência das punições disciplinares restritivas da liberdade no âmbito das Forças Armadas, colacionando a seguinte citação colhida em artigo de sua autoria; - Os Regulamentos Disciplinares Militares e sua conformidade com a Constituição Federal.
"d. Por fim, uma questão lógica e prática. O Decreto nº 4.346, de 26.08.2002 – que aprovou o atual RDE, trouxe a lume um regulamento moderno, mais flexível que o diploma anterior por ele revogado (Decreto nº 90.608/1984), mas consentâneos com os princípios constitucionais, inovando, em favor do militar, em vários aspectos, dentre outros:
d.1. exclusão da aplicação de punição por uma ação ou omissão não especificada (nº2 do art. 13 do RDE revogado), motivo de vários questionamentos judiciais;
d.2. a inclusão da palavra disciplinar após os termos punição, prisão, detenção e impedimento, não podendo ser confundida com as penas previstas nos Código Penal e Penal Militar;
d.3. exclusão da prisão em separado (art.24 do RDE revogado), a qual tendo uma conotação com procedimentos adotados em presídios comuns, como a maioria das Unidades não dispõe de instalações adequadas, a prisão em separado tinha um sentido figurativo, sendo utilizada amiúde com a finalidade de colocar a praça no mau comportamento;
d.4. restrição das autoridades com competência para aplicação de prisão disciplinar (art. 28);
d.5. criação da punição do impedimento disciplinar (art.26), que não consta das alterações do punido.
d.6. obrigatoriedade de ser assegurado o contraditório e a ampla defesa (art.35 e anexo IV), com a finalidade de cumprir, efetivamente, o preceito constitucional;
d.7. exclusão da possibilidade de agravação, por outra autoridade, da punição aplicada (art.41), mantendo similaridade com a lei 9.784/1999 (Processo Administrativo), destinada a evitar contestação judicial e valorizar a autoridade que aplica a punição;
d.8. exclusão do Presidente da República e não inclusão do Ministro da Defesa como autoridades competentes para aplicar punição disciplinar, que dar-se-á, por intermédio do Comandante do Exército ou do General de Exército mais antigo em serviço no Ministério da Defesa.
Fica difícil, portanto, entender tanta insistência em declarar inconstitucional um regulamento que é mais democrático e benéfico ao militar, que o anterior."
Outro aspecto de relevância que se apresenta e que preocupa os chefes militares é o notório desinteresse da sociedade em geral− políticos, empresários, cientistas, universitários, jornalistas, entre outros − com os temas relacionados às Forças Armadas.
Verifica-se, inclusive no âmbito universitário, o total desconhecimento do que são as Forças Armadas, para que e a quem servem, como são organizadas e como atuam. Este desinteresse com as coisas da caserna estão na base da sociedade e justificam, até certo ponto, o receio dos militares responsáveis por conduzir estas Instituições, pela interferência exagerada e às vezes indevida, por outras esferas do Poder.
6. Considerações finais
O tema discutido é relevante e tem causado muita polêmica no ambiente dos doutrinadores e da jurisprudência, e pelo panorama atual, ainda se encontra longe de ser pacificado.
O choque produzido entre os princípios constitucionais da hierarquia e disciplina com os direitos e garantias fundamentais tem oportunizado discussões que resultaram em duas correntes doutrinárias principais: a primeira, majoritária, estabelece que os regulamentos disciplinares das Forças Armadas são inconstitucionais e que a par disso, as transgressões disciplinares aplicadas aos militares, principalmente as restritivas da liberdade, devam ser alvo de um juízo de valor por parte do Poder Judiciário, após provocado pelo militar que se julgou prejudicado.
De outra senda, a corrente minoritária defende que os regulamentos não são inconstitucionais, pois foram recepcionados pela nova Carta Política, e que também estabelece que não caberá Habeas Corpus nas transgressões militares, corrente a qual este articulista se filia.
Não se refuta, que o Judiciário, se provocado pela parte que se sentir prejudicada, deva analisar se os requisitos formais para a aplicação da punição tenham sido atendidos, o que se objeta é que seja analisado o mérito da decisão tomada pela autoridade competente, estimulando assim, o descrédito no ambiente de trabalho das instituições militares.
É cediço que as Forças Armadas têm procurado, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, atender aos ditames constitucionais, prova disso, é a adoção do Regulamento Disciplinar do Exército que respeita ipsis litteris os direitos fundamentais elencados na Lei Maior. Grifei
Dessa forma, verifica-se que o assunto ainda deva ser bastante discutido e para não tornar letra morta os princípios constitucionais da hierarquia e disciplina que sustentam as Forças Armadas, ratifica-se a necessidade da manutenção da penas restritivas de liberdade.
REFERÊNCIAS
Assis, Jorge César de. (s.d.). Os Regulamentos Disciplinares e o Respeito aos Direitos Fundamentais. Jus Militaris, 01 Jun. 05. Disponível em: <http://www.jusmilitaris.com.br/upload/docs/regulamdisciplin.pdf> Acesso em: 29 de outubro de 2010.
Assis, Jorge César de. (s.d.). Os Regulamentos Disciplinares Militares e sua conformidade com a Constituição Federal. Jus Militaris, 10 Jan. 06. Disponível em: <http://www.jusmilitaris.com.br/upload/docs/rdmconformcf.pdf> Acesso em: 30 de outubro de 2010.
Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Constituição Federal . Brasília, DF, Brasil: Senado Federal.
Brasil. (2002). Decreto nº 4346. Regulamento Disciplinar do Exército . Brasília, DF: Poder Executivo.
Brasil. (1980). Lei nº 6880. Estatuto dos Militares . Brasília, DF: Senado federal.
Meirelles, H. L. (2008). Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores.
Moraes, A. d. (2005). Direito Constitucional. São Paulo: Atlas.
Pietro, M. S. (2010). Direito Administrativo. São Paulo: Atlas.
Pinho, R. C. (2003). Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva.