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Teoria marxista do estado capitalista: uma comparação entre Gramsci e Poulantzas

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Sumário: Capítulo 1 – A teoria de Gramsci sobre o Estado capitalista:1.1) A evolução teórica em relação à visão marxista do Estado e a revitalização do conceito. de superestrutura;.1.2) A definição gramsciana de Estado e de poder;.1.3) O conceito de hegemonia;. 1.4) Crise de hegemonia;.1.5) Guerra de movimento e guerra de posição;1.6) O papel dos intelectuais;.1.7) Revolução passiva; .Capítulo 2 - A teoria de Poulantzas sobre o Estado capitalista:.2.1) A definição de Poulantzas para o Estado capitalista e sua crítica à visão marxista instrumentalista do referido Estado;.2.2) A unidade política do Estado capitalista;.2.3) A autonomia relativa do Estado capitalista em relação às classes sociais, inclusive as dominantes; 2.4) Explicação de Poulantzas sobre a leitura histórica de Marx acerca da França de Luís Napoleão (meados do século XIX) como exemplo concreto dos conceitos de unidade política e autonomia do Estado capitalista; 2.5) Leitura marxista de Poulantzas sobre a questão do totalitarismo;2.6) O bloco no poder;2.7) Leitura marxista de Poulantzas sobre a questão da separação dos poderes e sobre a predominância ou do Executivo ou do Legislativo um sobre o outro; 2.8) A análise marxista de Poulantzas sobre a questão da burocracia; Capítulo 3 – Semelhanças e diferenças entre as teorias de Gramsci e Poulantzas acerca do Estado Capitalista: Capítulo 4 – Conclusão:Bibliografia:


Capítulo 1 – A teoria de Gramsci sobre o Estado capitalista:

1.1) A evolução teórica em relação à visão marxista do Estado e a revitalização do conceito de superestrutura:

Em três pontos principais, Gramsci representou uma evolução, e não uma ruptura, com o marxismo – leninismo tradicional e ortodoxo:

a) divergência em relação ao determinismo histórico marxista e ênfase na importância da superestrutura (aspectos religiosos, culturais e ideológicos da sociedade) para a dominação burguesa no capitalismo, e não somente no papel da propriedade privada dos meios de produção e na relação de exploração que ocorre entre burguesia e proletariado na base ou estrutura, desfazendo, de certa forma, a tradição economicista do marxismo ortodoxo1, embora reconhecendo que, em última instância, o componente econômico da sociedade é determinante, sem, contudo, negar a influência dos elementos ideológico e cultural, e reconhecendo a relevância destes últimos;

b) ampliação do conceito marxista de Estado;

c) consideração de que a sociedade civil está situada na superestrutura, e não na estrutura, conforme afirmava Marx.

Gramsci apresentou uma visão evolutiva em relação ao materialismo histórico de Marx e Engels. Segundo o referido materialismo histórico destes últimos, de acordo com Magalhães (2001:75),

"as instituições sociais, políticas e culturais, as ideologias predominantes e a própria consciência da coletividade são modeladas pelas relações econômicas e pelas condições materiais – ou, em termos marxistas, a superestrutura social é sustentada por uma base econômica. Marx e Engels identificaram uma série de estágios históricos correspondentes ao desenvolvimento progressivo da produção material, partindo do comunismo primitivo, prosseguindo pela escravidão e pelo feudalismo, até chegar ao capitalismo, o qual seria suplantado pelo socialismo e, por fim, pelo comunismo avançado".

Segundo Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:253)

"Para Gramsci, a mudança histórica não pode ser entendida em termos de um desenvolvimento linear simples (Comunismo inevitavelmente supera o capitalismo), mas tem que ser julgada em toda a sua complexidade. Ela é aberta e contingente e existem dimensões políticas, ideológicas e culturais que são cruciais para o desenvolvimento da consciência. ‘Consciência’ aqui se refere a mais do que a experiência econômica da exploração; ela envolve um entendimento de como as pessoas estão sujeitas aos efeitos de visões ideológicas concorrentes em relação ao mundo". Conclui-se, então, que, para Gramsci, ao contrário do marxismo economicista tradicional, não é só o aspecto econômico que merece consideração, os componentes superestruturais, referentes à ‘consciência’ tais como a cultura, a religião, a ideologia, as diferentes visões de mundo (burguesa e proletária) também são importantes para explicar a dominação burguesa na sociedade capitalista. Os argumentos anteriormente apresentados são enfatizados por Taylor, que escreve que

"a chave para entender a originalidade teórica de Gramsci reside no fato de que a propriedade privada dos meios de produção é uma base necessária, mas não suficiente, para a dominação capitalista (...). Se quisermos entender a complexidade de qualquer conjuntura particular, então é essencial, na opinião de Gramsci, examinar as dimensões política, cultural e ideológica da luta de classes. Então, enquanto ele estaria disposto a admitir que o curso básico da história humana é explicado pelo desenvolvimento das forças produtivas, ele também enfatiza que sua trajetória seria modelada de acordo com as circunstâncias particulares de cada país (Gramsci, 1971, p.240)" (Taylor, in Marsh & Stoker, 1995:253). Ainda sobre a importância atribuída por Gramsci à superestrutura, o autor antes mencionado afirma que o pensador italiano considera que "a luta pela consciência é tão importante quanto a luta pela propriedade dos meios de produção" (Ibidem:254). Por fim, em relação ao reconhecimento, por Gramsci, da preponderância do componente econômico no funcionamento da sociedade capitalista, o mesmo autor escreve que "Entretanto, apesar de Gramsci enfatizar intensamente a autonomia da superestrutura, ele reconhece que ela está intimamente ligada às relações de produção. Apesar da hegemonia ser ético-política, ‘ela também tem que ser econômica, tem necessariamente que ser baseada na função decisiva exercida pelo grupo líder no núcleo decisivo da atividade econômica’(Gramsci, 1971, p.160)" (Ibidem:254).

Em relação ao segundo ponto, referente à ampliação do conceito marxista de Estado, trata-se do aspecto de que "o Estado era muito mais do que o aparelho repressivo da burguesia; o Estado incluía a hegemonia burguesa na superestrutura" (Magalhães, 2001:101). Coutinho (1989:76 e 77) também se refere a este assunto, que denomina de "A teoria ampliada do Estado em Gramsci (conservação / superação da teoria marxista "clássica")" . De acordo com ele,

"o Estado em sentido amplo, com novas determinações, comporta duas esferas principais: a sociedade política (que Gramsci também chama de "Estado em sentido estrito"ou de "Estado coerção"), que é formada pelo conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência, e que se identifica com os aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar; e a sociedade civil formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa)etc" (Coutinho, 1989:76 e 77). Ou seja, a inovação promovida por Gramsci em relação à ampliação do conceito marxista de Estado foi no sentido de que Marx concebia o Estado apenas como sociedade política, como braço repressor da burguesia sobre o operariado, e Gramsci passou a considerar o Estado como parte também da superestrutura responsável pela imposição e difusão da hegemonia burguesa, embora tenha reconhecido que o Estado capitalista é, também, braço repressor da burguesia sobre o operariado, sendo, porém, mais do que isso.

Com referência à questão da sociedade civil, Carnoy (1988:92) escreve que esta última, para Marx, é o "domínio das relações econômicas". Segundo o mesmo autor a sociedade civil " engloba o conjunto do intercâmbio material dos indivíduos, no interior de um estágio determinado de desenvolvimento das forças produtivas. Ela engloba toda atividade comercial e industrial de um dado estágio de desenvolvimento..." (Ibidem:92). Já Gramsci considerava que a sociedade civil era "o conjunto dos organismos vulgarmente denominados "privados""(Ibidem:93). A diferença entre Marx e Gramsci, segundo Carnoy (1988:93) é que, "para Marx, a sociedade civil é estrutura (relações na produção). Para Gramsci, ao contrário, ela é superestrutura, que representa o fator ativo e positivo no desenvolvimento histórico; é o complexo das relações ideológicas e culturais , a vida espiritual e intelectual, e a expressão política dessas relações torna-se o centro da análise, e não a estrutura". Carnoy também identifica nesse ponto a principal contribuição de Gramsci para a renovação e evolução do marxismo:

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"Foi em sua concepção de sociedade civil e sua elevação da hegemonia burguesa a um lugar de destaque na ciência política que Gramsci foi além de Marx, Engels, Lênin e Trotski. Ao fazê-lo, ele enfatizou de forma muito mais aguda que os teóricos precedentes o papel da superestrutura na perpetuação das classes e na prevenção do desenvolvimento da consciência de classe (...). Ele atribuiu ao Estado parte dessa função de promover um conceito (burguês) único da realidade e, conseqüentemente, emprestou ao Estado um papel mais extenso (ampliado) na perpetuação das classes" (Carnoy, 1988:90 e 91).

1.2) A definição gramsciana de Estado e de poder:

De acordo com Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:254), "Gramsci argumenta que ‘o Estado consiste de todo um complexo de atividades políticas e teóricas com as quais a classe dominante não somente justifica e conserva a sua dominação, mas manobra para conquistar o consentimento ativo daqueles que estão subjugados a suas regras’ (Gramsci, 1971, p.244)".

Sobre o conceito de poder, o mesmo autor informa que "A concepção de poder é estendida para incluir ‘um vasto arranjo de instituições por meio das quais as relações de poder são mediadas na sociedade: educação, a mídia de massa, parlamentos e tribunais, todas são atividades e iniciativas que formam o aparato político e cultural da hegemonia das classes dominantes’(Gramsci, 1971, p.244)" (Taylor, in Marsh & Stoker, 1995:254).

1.3) O conceito de hegemonia:

Magalhães (2001:101) define a hegemonia burguesa na sociedade civil capitalista como sendo "o predomínio ideológico dos valores e normas burguesas sobre as classes subalternas". Segundo o mesmo autor:

"Hegemonia pode ser entendida como a capacidade de direção intelectual e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio, consegue ser aceita como guia legítimo, constitui-se em classe dirigente e obtém o consenso ou a passividade da maioria da população diante das metas impostas à vida social e política de um país.

Esse conceito gramsciano de hegemonia se desdobra em dois significados distintos, a saber:

. o processo na sociedade civil pelo qual uma parte da classe dominante exerce o controle, através de sua liderança moral e intelectual, sobre outras frações aliadas da classe dominante, na medida em que é capaz de articular todos esses segmentos;

. o processo pelo qual uma classe dominante assim constituída é capaz de usar sua liderança política, moral e intelectual para impor sua visão de mundo como inteiramente abrangente e universal, moldando os interesses e as necessidades dos grupos subordinados"(Ibidem:102). Portanto, a hegemonia tem um componente horizontal (intra classe dominante) e um componente vertical (classe dominante sobre classe dominada).

Taylor (in Marsh & Stoker, 1995:253 e 254) escreve que "De acordo com Gramsci, o domínio de uma classe particular contém duas dimensões separadas: coerção (dominação), e liderança social-moral. Hegemonia se refere ao modo como a dominação de classe não é baseada simplesmente na coerção, mas na aquiescência cultural e ideológica das classes subordinadas. O político não pode, portanto, ser entendido como sendo força ou consentimento: ele é ambas as coisas, força e consentimento. Nesse contexto, uma classe pode ser considerada hegemônica quando tiver conquistado o consentimento ativo das classes subordinadas".

Carnoy (1988:93) afirma que "a hegemonia significa o predomínio ideológico das classes dominantes sobre a classe subalterna na sociedade civil. ‘A originalidade de Gramsci, como marxista, fundamenta-se em parte no seu conceito da natureza do domínio burguês (...); em seu argumento de que a força verdadeira do sistema não reside na violência da classe dominante ou no poder coercitivo do seu aparelho de Estado, mas na aceitação por parte dos dominados de uma concepção de mundo que pertence aos seus dominadores’ (Fiori, 1970, 238)".

Pode-se depreender, então, que a hegemonia, para Gramsci, consiste no fato de a classe subalterna, dominada, na sociedade capitalista, o proletariado, considerar como sendo seus os valores e a ideologia da classe burguesa, que é a camada dominante da estrutura social capitalista. Para o referido pensador é esta submissão, por parte do operariado, à visão de mundo da burguesia, o elemento principal da dominação burguesa na sociedade capitalista, e não a esfera econômica das relações sociais de produção. Em suma, a hegemonia consiste no fato de, na sociedade capitalista, a classe dominante conseguir convencer, persuadir a classe subalterna a aceitar e compartilhar seu sistema de crenças bem como seus valores sociais, culturais e morais.

1.4) Crise de hegemonia:

A crise de hegemonia, no pensamento gramsciano, ocorre quando existe equilíbrio de classes, ou seja, nenhuma classe social, seja a burguesia ou o operariado, tem suficiente poder para arrebatar e conservar, sozinha, o controle do Estado. Nesse contexto, no qual nenhum estrato social consegue exercer sozinho o poder no Estado, a burocracia preenche o vácuo de poder, adquire autonomia em relação à burguesia e passa ela mesma a exercer o poder.

Segundo Magalhães (2001:103) a crise de hegemonia "Ocorre quando as classes sociais se separam de seus partidos políticos , de forma que a classe não mais reconhece os homens que lideram os partidos como expressão sua. (...). Os elementos da burocracia e outras instituições que são independentes da opinião pública ampliam seu poder e autonomia".

Carnoy (1988:106), citando Gramsci, escreve que ocorre a crise de hegemonia quando ""a classe dominante perdeu seu consenso, isto é, não é ‘dirigente’, mas apenas ‘dominante’ , exercendo apenas a força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se separam de suas ideologias tradicionais e não mais crêem no que costumavam crer anteriormente, etc. A crise consiste em que o velho está morrendo e o novo não pode nascer". (Gramsci, 1971, 25-26)".

Sobre os possíveis desdobramentos de uma crise de hegemonia, Coutinho (1989:93) escreve o seguinte:

"Ela (crise de hegemonia) se caracteriza - (...) - por um período relativamente longo de maturação, no qual se dá uma complexa luta por espaços e posições, um movimento de avanços e recuos. Como toda a crise, a de hegemonia pode dar lugar a diferentes alternativas, isto é, pode ter diferentes soluções. De imediato, a classe dominante pode ter condições de continuar dominando através da pura coerção; a médio prazo, ela pode certamente recompor sua hegemonia, por meio de concessões, de manobras reformistas, etc, para o quê contará com a incapacidade das forças adversárias de apresentar soluções positivas e construtivas. Mas a tendência dominante, ainda que não inevitável, é de que as classes dominadas - favorecidas pelo caráter estrutural da crise – ampliem seu arco de alianças e sua esfera de consenso, invertam em seu favor as relações de hegemonia e, desse modo, ao se tornarem classes dirigentes (ao apresentarem e conquistarem consenso para propostas de solução dos problemas do conjunto da nação), criem condições para chegarem à situação de classes dominantes" Ou seja, o caminho para o operariado alcançar o poder passa pela superação do sectarismo. As "manobras reformistas" a que Coutinho alude no trecho transcrito corresponde ao conceito gramsciano de "revolução passiva" que será abordado no item 1.7.

De acordo com Carnoy (1988:104), a análise da crise de hegemonia, faz parte, juntamente com o exame feito por Gramsci sobre as questões da guerra de posição e do papel dos intelectuais, da teoria que o pensador italiano elabora para tentar responder à pergunta de como as classes subalternas podem superar a hegemonia das classes dominantes.

1.5) Guerra de movimento e guerra de posição:

A guerra de movimento está associada ao argumento do marxismo-leninismo segundo o qual para que o operariado conquiste uma posição de predomínio em relação à burguesia na sociedade capitalista é suficiente que ele detenha o controle sobre o aparelho de Estado e sobre o poder de Estado, e passe a exercer sobre a classe burguesa a repressão e a coerção de que antes ele, proletariado, era vítima. Tem a ver com o postulado de Marx e Lênin no sentido de que basta controlar o mecanismo repressor e coercitivo do Estado para obter a hegemonia na sociedade capitalista. O Estado seria, então, conquistado mediante um ataque direto, de caráter militar, por meio do qual o operariado obteria o domínio do poder de Estado e de seus mecanismos de coerção e repressão. A isto se chama de guerra de movimento.

A guerra de posição, conceito de Gramsci, apresenta uma versão diferente da guerra de movimento, devido ao fato de que, para ele, a conquista do poder de Estado e dos seus mecanismos de coerção e repressão não são elementos suficientes para assegurar a obtenção da hegemonia no capitalismo para o operariado. É necessária a formulação e a difusão de uma hegemonia proletária, uma contra hegemonia, que, mediante uma guerra de posição, ou seja, uma conquista gradual e paulatina de membros do proletariado menos militante, efetuada mediante persuasão, principalmente nos componentes da superestrutura do capitalismo, na religião, na cultura e na ideologia, de modo a convencer estes proletários menos engajados de que os valores operários devem prevalecer sobre os burgueses. Esta conquista seria, para Gramsci, o elemento fundamental para que uma contra hegemonia operária conseguisse suplantar a hegemonia burguesa, pavimentando o caminho da obtenção do poder de Estado para a classe proletária.

De acordo com Magalhães (2001:104),

"a captura do Estado - a derrubada e o controle do Estado - não significava em si mesmo o controle da sociedade, não significava o estabelecimento de uma hegemonia proletária alternativa. Ao mesmo tempo, ele considera pouco provável que o proletariado pudesse obter o controle sobre o Estado através da guerra de movimento (de um ataque direto, baseado no enfrentamento físico crescente), como na Rússia. Uma vez que o Estado era muito mais do que as forças coercitivas da burguesia, uma vez que era parte da superestrutura ideológica (hegemônica) da sociedade civil dominada pela burguesia, ele devia ser enfocado como uma peça do sistema de poder, não necessariamente o elemento crucial de poder". Neste trecho fica bem caracterizada a distinção entre as concepções marxista-leninista e gramsciana sobre como a classe operária deveria se conduzir para obter o poder de Estado e conquistar a hegemonia na sociedade capitalista.

Coutinho (1989, passim 89-95) explica que uma importante descoberta de Gramsci para elucidar o malogro revolucionário no Ocidente foi o fato deste ter percebido que existia uma distinção fundamental entre o Ocidente e o Oriente no que se refere à estruturação da sociedade, e que esta diferença era a chave para compreender a ineficácia do ataque frontal ao Estado nos países ocidentais. Para Gramsci, segundo Coutinho, no Oriente, como por exemplo, na Rússia, havia uma preponderância extrema do Estado em relação à sociedade civil, o que fazia com que a conquista do poder coercitivo do Estado fosse suficiente para garantir a tomada do poder efetivo pelo operariado. Ou seja, nas formações sociais orientais, a superestrutura era mais débil, e a guerra de movimentos tinha mais chance de funcionar. Já no caso do Ocidente, a situação era diferente, devido à existência de elementos superestruturais mais desenvolvidos e à ocorrência de maior equilíbrio na correlação de forças entre Estado e sociedade civil. Devido a isso, a guerra de movimento e o ataque frontal ao Estado eram insuficientes para garantir a obtenção do poder efetivo para o proletariado. Seria necessário obter o consenso e conquistar a hegemonia primeiro na sociedade civil para posteriormente arrebatar o poder coercitivo de Estado e viabilizar a transição para o socialismo. Com referência a este assunto, Coutinho (1989:89) escreve que

"Gramsci pode formular, de modo positivo, sua proposta de estratégia para os países "ocidentais": nas formações "orientais", a predominância do Estado-coerção impõe à luta de classes uma estratégia de ataque frontal, uma "guerra de movimento", voltada diretamente para a conquista e conservação do Estado em sentido restrito; no "Ocidente", ao contrário, as batalhas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando à conquista de posições e de espaços ("guerra de posição"), da direção político-ideológica e do consenso dos setores majoritários da população, como condição para o acesso ao poder de Estado e para sua posterior conservação".

Um outro trecho de Coutinho (1989:92) caracteriza bem o conceito de "guerra de posição" de Gramsci: "as superestruturas da sociedade civil são como o sistema das trincheiras na guerra moderna". Nesse sentido, o mesmo autor, citando Gramsci, arremata a caracterização de "guerra de posição":

""No Oriente, o Estado era tudo e a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, entre Estado e sociedade civil havia uma relação equilibrada: a um abalo do Estado, imediatamente se percebia uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual estava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; a proporção varia de Estado para Estado, como é evidente, mas precisamente isso requeria um cuidadoso reconhecimento do caráter nacional"" (Ibidem:92).

A conclusão a que se chega é de que Gramsci, procurando a melhor alternativa para formular uma estratégia que permitisse ao operariado italiano a obtenção da hegemonia na sociedade civil e a conquista do Estado-coerção, acabou por renovar profundamente o marxismo, o que, nas palavras do pensador italiano significa que "A fórmula tipo 1848 da ‘revolução permanente’ – conclui Gramsci – é elaborada e superada na ciência política pela fórmula da ‘sociedade civil’. Ocorre, na arte política, o que ocorreu na arte militar: a guerra de movimento torna-se cada vez mais guerra de posição" (Coutinho, 1989:90).

Magalhães (2001:104 e 105) escreve o seguinte:

"Gramsci desenvolveu a estratégia de guerra de posição, a qual tem quatro elementos importantes:

. ênfase nas especificidades locais: ela enfatiza que cada país particular exige um reconhecimento acurado da sua própria realidade, devendo haver uma adaptação de táticas e procedimentos conforme o estágio capitalista e as peculiaridades culturais concretas em que os revolucionários vão atuar;

. contra-hegemonia: é necessário sitiar o aparelho do Estado com uma contra-hegemonia, criada pela organização de massa da classe trabalhadora e pelo desenvolvimento das instituições e da cultura operária – forma de enfraquecer o Estado burguês e base para o novo Estado proletário;

. consciência política coletiva: a guerra de posição é uma luta pela consciência da classe operária, (...);

. partido de massa capaz de formar intelectuais orgânicos: enfatiza o processo de transformação de todos os trabalhadores em intelectuais, no sentido de serem pensadores -organizadores com uma concepção do mundo consciente que transcende seus interesses de classe".

1.6) O papel dos intelectuais:

Os intelectuais exercem uma função importante no esquema de Gramsci para estabelecer a superioridade moral e cultural e a contra-hegemonia operárias, segundo Carnoy (1988, passim 114-117). Gramsci discordava da visão leninista, pela qual "o partido de vanguarda, que levantaria a consciência da massa de trabalhadores, seria composto de antigos operários e antigos intelectuais burgueses, fundidos numa unidade coesa. Contudo o partido de Lênin ainda colocava este novo grupo de líderes acima da massa de trabalhadores, que Lênin via como incapazes de gerar teorias e liderança política consciente" (Carnoy, 1988:114). O pensador italiano, ao contrário de Lênin, acreditava nas possibilidades intelectuais dos operários e em seu discernimento político, a ser estimulado pelos intelectuais, e também considerava que o intelectual é uma categoria inserida em sua classe social, não podendo ser analisado fora do contexto desta última.

Segundo Carnoy (Ibidem:114), Gramsci, no que se refere à definição de intelectual, a considera "como "relacionada aos intelectuais profissionais tradicionais", literários, científicos , etc, cuja posição nos "interstícios" da sociedade traz consigo uma certa aura, mas deriva, em última análise, de relações de classe passadas e presentes e esconde uma vinculação a várias formações históricas de classe".

De acordo com o mesmo autor (Ibidem:114), para Gramsci, existe o intelectual "orgânico", que é aquele que ajuda a construir a hegemonia da classe social a que pertence . Entretanto, as classes dominantes buscam, nas classes subalternas, intelectuais adicionais para fortalecer seu domínio. Estes intelectuais deixam de ser orgânicos.

Além desta acepção da definição de intelectual, segundo Carnoy (1988:114 e 115) "Gramsci argumentava que havia uma segunda, e para seus propósitos, mais importante definição (ou categoria) de intelectual. Isto é, qualquer pessoa que seja possuidora de uma capacidade técnica específica – o elemento pensante e organizador de cada classe social. Estes intelectuais "orgânicos" são diferenciados "menos por sua profissão, que pode ser qualquer trabalho característico de sua classe, do que por sua função de dirigir as idéias e aspirações da classe à qual pertencem organicamente" (1971,3)".

De acordo com Carnoy (1988:115), Gramsci considerava que um partido operário revolucionário comunista deveria se estruturar de modo a fundir

"intelectuais profissionais burgueses descontentes, intelectuais profissionais (tradicionais) provenientes do proletariado e intelectuais proletários orgânicos, os pensadores – organizadores com uma concepção de mundo consciente que transcendesse seus interesses de classe . (...). São estes os intelectuais que o partido precisa estimular e mobilizar, despertando os trabalhadores para as suas possibilidades intelectuais, através das funções educacionais do partido. É esta, portanto, a diferença política crucial entre Gramsci e Lênin: Gramsci acreditava num partido e numa estratégia baseada na idéia de que "todos os homens são filósofos"".

Coutinho (1989:106 e 107) enfatiza que, para Gramsci, a classe operária tem que obter, além da hegemonia econômica, social e política, a direção cultural da sociedade capitalista, e é neste aspecto que ele atribui importância ao papel desempenhado pelos intelectuais, que seriam atores essenciais para que o proletariado consiga impor a sua contra-hegemonia. Sobre o assunto, Coutinho (Ibidem:106 e 107), escreve que, para Gramsci,

"O partido não luta apenas por uma renovação política, econômica e social, mas também por uma renovação cultural, pela criação e desenvolvimento de uma nova cultura. (...).

(...): se a estratégia de transição para o socialismo no "Ocidente" implica um intenso esforço pela conquista da hegemonia, do consenso e da direção político - ideológica já antes da tomada do poder, então a batalha cultural – momento fundamental da agregação do consenso – adquire uma importância decisiva. Sem uma nova cultura, as classes subalternas continuarão sofrendo passivamente a hegemonia das velhas classes dominantes e não poderão se elevar à condição de classes dirigentes. (...).

(...) é imprescindível suprimir não apenas a apropriação privada dos meios de produção das riquezas materiais, mas também eliminar a apropriação privada do saber e da cultura. (...).

Esse lugar decisivo que a "reforma intelectual e moral" ocupa na reflexão de Gramsci vai determinar o destacado papel que ele atribui aos intelectuais na formação e na construção do partido político".

Coutinho (1989:108) escreve que "existem – segundo Gramsci – dois tipos principais de intelectual. Em primeiro lugar , temos o "intelectual orgânico", que surge em estreita ligação com a emergência de uma classe social determinante no modo de produção econômico, e cuja função é dar homogeneidade e consciência a essa classe, "não apenas no campo econômico, mas também no social e no político"; e, em segundo, temos os "intelectuais tradicionais", que – tendo sido no passado uma categoria de intelectuais orgânicos de dada classe (...) – formam hoje, depois do desaparecimento daquela classe, uma camada relativamente autônoma e independente. O que importa aqui (...) é que ambos exercem objetivamente funções análogas à do partido político: eles dão forma homogênea à consciência de classe a que estão organicamente ligados (ou, no caso dos intelectuais "tradicionais", às classes a que dão sua adesão) e, desse modo, preparam a hegemonia dessa classe sobre o conjunto dos seus aliados". Em suma, os intelectuais, para Gramsci, são os elementos que viabilizam e operacionalizam a obtenção da hegemonia cultural e social de certa classe social sobre as outras.

1.7) Revolução passiva:

Revolução passiva é o conceito que Gramsci formulou para designar as concessões que as camadas burguesas fazem às classes subordinadas, principalmente o proletariado, em momentos nos quais sua hegemonia está ameaçada, com a finalidade de mantê-la diante do risco revolucionário representado pelos estratos subordinados. Nesta categoria podem ser classificados o capitalismo reformista e o Estado do Bem-Estar social, que acarretaram benefícios para as classes desfavorecidas e um abrandamento das injustiças do capitalismo, sem contudo implicar obtenção de poder político efetivo para os referidos estratos. Seria a estratégia burguesa de "entregar os anéis para não perder os dedos".

Sobre ao assunto, Carnoy (1988:103) escreve que "Gramsci usa o termo "evolução passiva" para indicar a constante reorganização do poder do Estado e sua relação com as classes dominadas para preservar a hegemonia da classe dominante e excluir as massas de exercerem influência sobra as instituições econômicas e políticas". Prosseguindo, Carnoy (Ibidem:104) escreve que

"o aspecto passivo consiste em impedir o desenvolvimento de um adversário revolucionário, decapitando seu potencial revolucionário.Gramsci desenvolveu esse conceito para explicar como a burguesia consegue sobreviver apesar das crises políticas e econômicas.

‘A aceitação de certas exigências vindas de baixo, enquanto ao mesmo tempo encoraja a classe trabalhadora a restringir sua luta ao terreno econômico-corporativo, é parte desta tentativa, de impedir que a hegemonia da classe dominante seja desafiada, enquanto mudanças no mundo da produção são acomodadas dentro da formação social vigente’ (Showstack Sassoon, 1982c, 133)".

Coutinho (1989) também aborda a questão da revolução passiva em Gramsci. Ele escreve o seguinte:

"Recordemos brevemente algumas características que o conceito de "revolução passiva" apresenta em Gramsci. Deve-se sublinhar, antes de mais nada, que um processo de revolução passiva , ao contrário de uma revolução popular, realizada a partir de "baixo", jacobina, implica sempre a presença de dois momentos: o da "restauração" (na medida em que é uma reação à possibilidade de uma transformação efetiva e radical "de baixo para cima" ) e o da "renovação" (na medida em que muitas demandas populares são assimiladas e postas em prática pelas velhas camadas dominantes). É assim que Gramsci afirma que a revolução passiva manifesta "o fato histórico da ausência de uma iniciativa popular unitária no desenvolvimento da história italiana, bem como o outro fato de que o desenvolvimento se verificou como reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico, elementar, desorganizado, das massas populares, mediante ‘restaurações’ que acolheram uma certa parcela das exigências provenientes de baixo: trata-se, portanto, de ‘restaurações progressistas’, ou ‘revoluções - restaurações’, ou ainda ‘revoluções passivas’". O aspecto restaurador, portanto, não anula o fato de que ocorrem também modificações efetivas".

Coutinho (Ibidem:123 e 124) faz uma observação muito interessante, considerando que "o conjunto de leis de proteção ao trabalho, há muito reivindicadas pelo proletariado (salário mínimo, férias pagas, direito à aposentadoria etc)", ou seja, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada por Vargas em 1943, durante a ditadura do Estado Novo, foi uma modalidade de revolução passiva. Foi uma concessão ao operariado, com vistas a assegurar a hegemonia e a preponderância sócio – econômica das classes dominantes nacionais e conter o ímpeto revolucionário das camadas subordinadas da sociedade. É conveniente lembrar que, em novembro de 1935, houve a Intentona Comunista.

Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. Teoria marxista do estado capitalista: uma comparação entre Gramsci e Poulantzas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2853, 24 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18964. Acesso em: 7 nov. 2024.

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