4 A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL NO DIREITO TRIBUTÁRIO
4.1 Delimitação do problema
A doutrina tem se debruçado, nos últimos anos, sobre o tema da coisa julgada "inconstitucional". Porém, conforme ressalta Helenilson Pontes [26], deve-se fazer uma reflexão em relação ao real sentido dessa expressão, uma vez que "[...] a doutrina vem designando por coisa julgada inconstitucional a decisão judicial transitada em julgado que ofende dispositivos constitucionais, razão pela qual, por diferentes meios processuais, deve ser revista, independentemente de prazo [...]", mesmo que já não seja cabível a ação rescisória.
Segundo as lições do mencionado autor, o fenômeno da coisa julgada inconstitucional só revelaria alguma novidade se corresponder à possibilidade de revisão de decisão judicial já alcançada pela coisa julgada, e em relação à qual não seja mais possível interpor ação rescisória. Arremata Pontes [27]:
A coisa julgada é inconstitucional quando nasce com tal vício de validade, isto é, quando é proferida ao arrepio do sentido determinado pela Constituição tal como previamente interpretada pelo Supremo Tribunal Federal em decisão com efeito vinculante. Decisão posterior do Supremo Tribunal Federal que mude o critério de aferição da constitucionalidade de normas infraconstitucionais não torna a coisa julgada anteriormente produzida inconstitucional, mas simplesmente alteram as circunstâncias de direito sobre as quais ela (coisa julgada) nasceu e que devem iluminar a interpretação do sentido e da eficácia do comando que alberga.
Portanto, o fenômeno da "coisa julgada inconstitucional" refere-se à possibilidade de serem admitidos instrumentos processuais que permitam a revisão da decisão individual soberanamente julgada, quando esta, solucionando lide individual, conferir interpretação à questão constitucional diferente daquela anteriormente pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade. A revisão da coisa julgada inconstitucional no período bienal sempre pôde ser veiculada por meio de ação rescisória, instrumento processual com características próprias, entre outros o efeito desconstitutivo ex tunc.
Entende-se que se deve acrescentar a esta noção de coisa julgada inconstitucional, além das decisões individuais, albergadas pela imutabilidade e contrárias ao julgado anterior do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, aquelas decisões que afrontam a CF, em evidente desrespeito à Lei Maior.
Apesar da distinção elaborada, abordaremos o fenômeno da coisa julgada inconstitucional em ambos os sentidos, diferençando, quando necessário.
4.2 Alcance da Decisão Judicial
O início da análise acerca da coisa julgada tributária inconstitucional deve partir do correto enquadramento da decisão judicial transitada em julgado que definiu aspectos relacionados à constitucionalidade das normas tributárias.
Assim, passa-se ao exame do alcance da decisão que alterou o regime jurídico que irá reger as relações tributárias futuras, e também quanto às decisões que pronunciaram a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma tributária e que, posteriormente sobreveio decisão do STF, em sede de controle difuso ou concentrado em sentido contrário.
Em regra, no Direito Tributário, e para o ponto que nos interessa neste trabalho, as ações neste ramo do Direito possuem um pleito declaratório, seja para definir qual o regime jurídico tributário aplicável a determinados fatos; seja para declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma jurídica, a fim de fixar o correto enquadramento da situação fática.
Percebe-se que em qualquer um dos casos, busca-se a fixação do regime jurídico aplicável à relação tributária. Contudo, no primeiro caso, isso ocorre mediante a qualificação jurídica dos fatos, enquanto no segundo caso, faz-se uma análise da validade de norma jurídica.
A importância em diferençar as duas situações acima referidas consiste no alcance da coisa julgada. Evidente que ambos os casos são objeto de coisa julgada. No entanto, seu alcance será diverso.
É que a decisão que tiver por fundamento a definição do regime jurídico aplicável a determinada situação fática faz coisa julgada enquanto a situação fática permanecer a mesma. Melhor dito, enquanto existente determinado fato, o tratamento jurídico será aquele fixado na decisão transitada em julgado. Havendo modificação da situação de fato, cessa o alcance da decisão que transitou em julgado.
Esse é o entendimento de Helenilson Cunha Pontes [28]. Confira-se:
Os fundamentos jurídicos que conduziram à conclusão pela procedência ou improcedência da ação não influem na definição do alcance da coisa julgada resultante da decisão, na medida em que a lide circunscreve-se à adequada qualificação jurídica dos fatos preexistentes ao trânsito em julgado. Vale dizer, nesta espécie de lide, a questão central não é validade de normas, mas o adequado enquadramento dos fatos diante dos diferentes regimes jurídicos.
Assim sendo, alterados os fatos ou as circunstâncias expostos na lide, cessa ipso jure o alcance da decisão judicial albergada pela coisa julgada, já que aqueles (fatos ou circunstâncias) foram fundamentais para a definição judicial da lide.
Já quando se está diante da decisão que objetiva definir o regime jurídico aplicável com fundamento na validade da norma tributária, a coisa julgada irá reger as relações futuras, conforme a decisão que transitou em julgado tenha determinado a validade ou invalidade da norma jurídica tributária.
Mais uma vez, as lições de Helenilson Pontes [29] servem de auxílio à compreensão do tema:
Por outro lado, nas lides que envolvem juízo sobre o direito, reconhecida a invalidade da norma tributária (cuja aplicação é imposta pela Administração Tributária com fulcro na presunção de constitucionalidade das normas jurídicas), e por conseqüência, declarado o direito do contribuinte a um outro regime jurídico tributário, a coisa julgada alcançará todas as situações futuras em que se revelar aplicável o regime declarado judicialmente como válido.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do STJ:
PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EFICÁCIA DA COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. SENTENÇA QUE, EM AÇÃO DECLARATÓRIA, RECONHECEU O DIREITO À CORREÇÃO MONETÁRIA DOS SALDOS CREDORES DO ICMS. EFICÁCIA PROSPECTIVA DA COISA JULGADA.
[...]
3. Conquanto seja de sabença que o que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, faz-se mister ressaltar que o pedido e a causa de pedir, tal qual expressos na petição inicial e adotados na fundamentação do decisum, integram a res judicata, uma vez que atuam como delimitadores do conteúdo e da extensão da parte dispositiva da sentença. Dessa forma, enquanto perdurar a situação fático-jurídica descrita na causa de pedir, aquele comando normativo emanado na sentença, desde que esta transite em julgado, continuará sendo aplicado, protraindo-se no tempo, salvo a superveniência de outra norma em sentido diverso.
4. Na seara tributária, valioso e atual se mostra o escólio de Rubens Gomes de Souza, verbis: "(...) a solução exata estaria em distinguir, em cada caso julgado, entre as decisões que tenham pronunciado sobre os elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica, como a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo, a sua incidência ou não-incidência na hipótese materialmente considerada, a existência ou inexistência de isenção legal ou contratual e o seu alcance, a vigência da lei tributária substantiva ou a sua revogação, etc. - e as que se tenham pronunciado sobre elementos temporários ou mutáveis da relação jurídica, como a avaliação de bens, as condições personalíssimas do contribuinte em seus reflexos tributários, e outras da mesma natureza; à coisa julgada das decisões do primeiro tipo há que se atribuir uma eficácia permanente; e às segundas, uma eficácia circunscrita ao caso específico em que foram proferidas." (Coisa Julgada, In Repertório enciclopédico do direito brasileiro, RJ, Ed. Borsoi, p. 298)
5. Conseqüentemente, a regra de que a sentença possui efeito vinculante somente em relação às situações já perfeitas, não alcançando àquelas decorrentes de fatos futuros, deverá ser relativizada quando se tratar de situações jurídicas permanentes, que não se alteram de um exercício para o outro, nem findam com o término da relação processual. Nesses casos, a sentença terá efeitos prospectivos em relação aos fatos geradores similares àqueles por ela apreciados, desde que ocorridos sob uma mesma situação jurídica.
6. In casu, a natureza permanente da situação jurídica que engendrou a decisão com trânsito em julgado, qual seja, a necessidade de preservação do valor dos créditos tributários da empresa contribuinte em face dos efeitos nefastos da inflação, pelos mesmos índices de correção monetária aplicados pelo Estado aos seus créditos fiscais, de forma a impedir-se a carga tributária indevida e o enriquecimento sem causa por parte do Estado. Conseqüentemente, em virtude da perduração do contexto jurídico em que proferida a sentença da ação declaratória, encontra-se albergado pela eficácia da coisa julgada o direito da recorrente à atualização monetária do saldo credor do ICMS.
7. Recurso especial provido. (grifos nossos) (STJ, REsp 795724 / SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, data do julgamento 01/03/2007, DJU 15/03/2007, p. 274)
4.3 A Compreensão da Súmula 239 do STF
A súmula 239 do STF assim dispõe:
Decisão que declara indevida a cobrança de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.
Helenilson Pontes [30], citando os ensinamentos de James Marins assim explica o sentido da Súmula 239 do STF:
[...] a Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal não deve assumir uma dimensão superior ao seu adequado significado. Anota aquele autor que a súmula n. 239 apenas significa que nas sentenças anulatórias ou mesmo nas desconstitutivas do título executivo proferidas em embargos à execução, a eficácia objetiva da coisa julgada abrangerá apenas os limites da eficácia do próprio ato administrativo anulado ou desconstituído, pois contempla apenas a declaração do caráter indevido do tributo relativo ao período identificado no título executivo, razão pela qual não pode projetar-se em relação aos períodos posteriores, diferentemente do que ocorre nas ações declaratórias e nos mandados de segurança no qual se pede a tutela jurisdicional preventiva, direcionada para as relações jurídicas tributárias de forma continuada e duradoura.
Isto significa que se a sentença decidiu a lide analisando a questão fática posta, e que, portanto, a imutabilidade que a alcança estará restrita aos fatos alegados.
4.4 A Coisa Julgada e a Constitucionalidade
Passaremos a tratar do conflito entre a coisa julgada individual preexistente e posterior decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário.
Bastante comum no sistema brasileiro, como decorrência da adoção do sistema difuso e do sistema concentrado do controle de constitucionalidade, a existência de uma decisão, proferida no âmbito de uma ação individual, declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma tributária. Muitas vezes essa decisão transita em julgado sem chegar ao STF. Posteriormente, o Supremo emite decisão, seja em sede de controle difuso ou controle concentrado, em sentido contrário à decisão proferida na esfera individual.
Diante do conflito entre a segurança jurídica, representada pela coisa julgada individual, e o princípio da isonomia, qual deve prevalecer?
O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição Federal, órgão incumbido de interpretar as normas constitucionais por meio do controle concentrado de constitucionalidade. A decisão proferida em sede de controle concentrado tem eficácia erga omnes e efeitos ex tunc, salvo deliberação de 2/3 dos Ministros do STF em sentido contrário, atendendo a razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social.
Demais disso, a declaração de inconstitucionalidade da norma (seja em controle difuso ou concentrado), em regra, possui efeito desconstitutivo, retirando a norma do ordenamento jurídico, como se ela nunca tivesse existido.
4.4.1 Posição Doutrinária
A controvérsia foi objeto de estudo pelos doutrinadores brasileiros, havendo posições favoráveis à rescisão da coisa julgada e, outras, contrárias, defendendo a prevalência da coisa julgada.
Misabel Abreu Machado Derzi [31] sustenta que a coisa julgada em matéria tributária deve prevalecer diante da decisão posterior do STF em sentido contrário, uma vez que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro por ser misto, peculiar, aceita e absorve eventual contradição existente entre decisões judiciais. Ressalta, também, que a coisa julgada está assentada em "princípios caros ao Direito Tributário, como a garantia da certeza, da estabilidade e da previsibilidade das relações jurídicas". Dessa forma, entende a autora, que não é possível a utilização da ação rescisória como mecanismo de uniformização da jurisprudência, ainda que com fundamento no princípio da igualdade.
Leonardo Greco [32] defende que "o legislador ordinário, ao regular a ação rescisória, estabeleceu o limite em que a segurança jurídica, garantida pela coisa julgada, pode ser desprezada em benefício da observância de outros princípios ou direitos constitucionalmente assegurados." E complementa o autor:
[...] a sentença que resolve questão tributária afirmando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei, e transita em julgado, não pode ser questionada na hipótese de o Supremo Tribunal Federal, no controle difuso em outro processo, ou no controle concentrado de constitucionalidade, decidir em sentido oposto, salvo nos limites em que é admissível da ação rescisória.
DaltonLuiz Dallazem [33] pugna pela inadmissibilidade da ação rescisória, invocando a segurança jurídica como fundamento para manutenção da decisão anterior proferida diante de posterior decisão do STF em sentido oposto.
Também Bruno Noura de Moraes Rêgo [34] entende que
[...] a ação rescisória não serve para reparar injustiças. A admissão da ação rescisória está prevista em excepcionais hipóteses legais, que visam à defesa do ordenamento jurídico, em última análise, da segurança. Portanto, não se pode utilizar o princípio da isonomia para rescindir julgados.
Marinoni [35] não aceita a utilização da ação rescisória como mecanismo de uniformização de jurisprudência, de interpretação da Constituição que gera efeitos para o passado. Vejamos:
Portanto, se não se quer negar a importância da coisa julgada, não é possível aceitar como racional a tese de que a ação rescisória pode ser utilizada como um mecanismo de uniformização da interpretação da Constituição voltado para o passado. Como é sabido, o art. 485, V, do CPC, afirma que a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando "violar literal disposição de lei". Trata-se de hipótese que, em uma interpretação ajustada àquele que não se conforma com a decisão transitada em julgada, pode simplesmente eliminar a garantia constitucional da coisa julgada material. Ou seja, se o surgimento de interpretação divergente em relação a que foi dada pela decisão transitada em julgado puder implicar na admissão de violação de disposição de lei para efeito de ação rescisória, estará sendo desconsiderado exatamente o que a coisa julgada quer garantir, que é a estabilidade da decisão jurisdicional e a segurança do cidadão.
Outros autores, como Octávio Campos Fischer [36], advogam a tese de que "a coisa julgada deve ser relativizada nos casos ditos teratológicos, de flagrante injustiça ou afronta exorbitante a certos valores constitucionais". Nessas situações, segundo o autor, a coisa julgada poderia ser desconstituída mesmo após ultrapassado o prazo da ação rescisória.
Carlos Henrique Abrão [37], por sua vez, também defende a possibilidade de utilização da ação rescisória, "afastada a aplicação da Súmula 343 do STF, [...] uma vez que a lei inconstitucionalmente declarada não produz efeito algum na órbita jurídica, não gera direitos e, portanto, tem eiva de nulidade."
Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel [38] propõem que a solução da controvérsia instaurada entre a segurança jurídica e a isonomia deve ser feita a partir da ponderação entre esses valores, sendo possível a rescisão da decisão transitada em julgado, em face de alteração legislativa, mudança de entendimento jurisprudencial ou modificação no estado do contribuinte.
4.4.2 Posição da Jurisprudência
A questão suscitada na doutrina chegou ao âmbito do Poder Judiciário.
Já houve vários casos, no âmbito tributário, em que os juízos monocráticos ou tribunais decidiram sobre a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de determinada lei, havendo o trânsito em julgado e, posteriormente, o STF decidiu em sentido contrário.
Exemplo dessa situação foi o da contribuição social incidente sobre a remuneração paga a administradores e autônomos, regulada pelo art. 3°, I, da Lei 7.787/89. Essa contribuição foi declarada constitucional por vários Tribunais Regionais Federais, ocorrendo o trânsito em julgado dessas decisões. Posteriormente, o STF, em controle difuso, por meio do RE 166.772-9, e depois em controle concentrado – ADI 1102, declarou a inconstitucionalidade da lei.
Após a decisão do STF, os contribuintes passaram a interpor rescisória junto ao STJ com a finalidade de rescindir as decisões individuais, sob o fundamento de violação literal da disposição da lei – art. 485, V, do CPC.
O Superior Tribunal de Justiça acatou o pleito, sustentando que a uniformização da jurisprudência implica em observância da isonomia, haja vista que os contribuintes que se encontrem da mesma situação devem ser tratados de forma isonômica. Portanto, entendeu o STJ que a segurança jurídica, princípio sobre o qual está assentada a coisa julgada, deve ceder diante do conflito com a isonomia.
Confira-se o julgado que ilustra o entendimento:
TRIBUTÁRIO. RESCISÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DOS "AUTÔNOMOS" E DOS "ADMINISTRADORES". LEI 7.787/89, ART. 3°,I.
1 – O prevalecimento de obrigações tributárias cuja fonte legal foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal constitui injúria à lógica jurídica, ofendendo os princípios da legalidade e da igualdade tributárias. A Súmula 343/STF nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da Súmula 400, que se aplica a texto constitucional no âmbito do recurso extraordinário (RTJ 101/214). Se a lei é conforme a Constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeito à ação rescisória ainda que na época os Tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o acórdão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, declara inconstitucional (REsp 128.239-RJ – rel. Min. Ari Pargendler). Multiplicidade de precedentes (ementa do REsp n. 154.708-DF, rel. Min. Milton Luiz Pereira).
2 – A coisa julgada, no caso em exame, afronta o princípio da igualdade tributária e está apoiada em lei declarada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.
3 – Não há que se entender, data vênia, a existência de decisões controvertidas quando a sentença e o acórdão foram prolatados e, posteriormente, a situação jurídica examinada mereceu declaração de inconstitucionalidade da lei aplicada, com efeitos ex tunc, alcançando as relações jurídicas passadas.
4 – O princípio da segurança jurídica, inspirador dos efeitos da coisa julgada, não pode ser levado ao extremo de ofender o princípio constitucional da igualdade tributária.
5- Considerou-se, também, que, de acordo com as regras sistematizadoras do nosso ordenamento jurídico, somente ao Colendo Supremo Tribunal Federal é que cabe, com força definitiva, declarar a inconstitucionalidade de lei e sugerir ao Congresso Nacional a sua retirada do mundo jurídico. (STJ, REsp 218.354/RS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, data do julgamento 17.08.1999, DJ 11.10.1999).
Por outro lado, também a União deparou-se com situação idêntica, só que agora a seu favor. A Lei 7.689/88 teve sua constitucionalidade questionada, em ações individuais, relativamente à contribuição social sobre o lucro líquido, obtendo os contribuintes decisão pela inconstitucionalidade da mencionada lei, que transitou em julgado. Contudo, o STF, em momento posterior, declarou a constitucionalidade daquela contribuição (RE 146.733 e 138.284), com exceção apenas do lucro relativo ao ano de 1988.
Desta feita, a União, da mesma forma que os contribuintes haviam feito em relação à Lei 7.787/89, ingressou com ação rescisória para desconstituir os julgados anteriores que passaram em julgado. Mais uma vez, o STJ julgou procedente o pedido:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 343 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. CONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 1º A 7º DA LEI N. 7.689⁄88. ACÓRDÃO RESCINDENDO CONTRÁRIO AO ENTENDIMENTO PACIFICADO NA EXCELSA CORTE. CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA.
Segundo reiterada jurisprudência da Corte Suprema e deste Superior Tribunal de Justiça, não se aplica a Súmula n. 343⁄STF quando se tratar de matéria de índole constitucional. Mais a mais, na hipótese em exame o tema discutido não era controverso à época da prolação do acórdão rescindendo, razão pela qual também deve ser afastada a incidência da mencionada súmula.
No caso dos autos, é cabível a ação rescisória proposta pela recorrente, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, diversamente do entendimento esposado no v. acórdão rescindendo, firmou orientação no sentido da constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas - artigos 1º a 7º da Lei n. 7.689⁄88 (Recurso Extraordinário n. 146.733⁄SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 06.11.92). (STJ, REsp 215.198/PE, 2ª T., Rel. Min. Franciulli Neto, DJ 30.06.2003, p. 162).
Portanto, o STJ firmou entendimento pela possibilidade de utilização da ação rescisória como instrumento de uniformização da jurisprudência, garantidor da isonomia.
No entanto, de acordo com as lições de Helenilson Pontes [39] "não se encontra na jurisprudência daquele Tribunal um debate mais aprofundado acerca dos efeitos da procedência da ação rescisória proposta pela União Federal sobre as relações jurídicas tributárias que serão restauradas", ante efeito desconstitutivo da ação rescisória.
O tema é de suma importância, uma vez que a ação rescisória, via de regra, tem efeitos ex tunc, desconstituindo o julgado desde o início, retirando-o do mundo jurídico, como se ele nunca tivesse existido.
Destarte, caso o contribuinte estivesse dispensado do recolhimento de um tributo em virtude de uma decisão individual que declarou inconstitucional a lei que o instituiu e, posteriormente, o STF julgasse a lei constitucional, a partir de que momento estaria o contribuinte obrigado ao pagamento da exação?
Schubert de Farias Machado [40] defende que:
Quando se trata de constitucionalidade de lei declarada através de uma ação direta, seja de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, essa decisão do STF tem efeito vinculante e contra todos. Nesse caso a decisão do Supremo muda o direito objetivo sobre o qual se funda a decisão que transitara em julgado e vinha expandindo seus efeitos para o futuro. Por isso, o contribuinte que vinha deixando de pagar determinado tributo por força da coisa julgada que regulava uma relação jurídica contínua, passa a ser obrigado a recolher esse mesmo tributo, a partir da data em que se tornar definitiva a referida decisão do STF. As relações jurídicas anteriormente consumadas, todavia, não são alcançadas de forma automática e com relação a elas coisa julgada somente poderá ser desconstituída na parte que não implicar cobrança de tributo sobre fatos passados (anteriores à decisão do STF), por força da garantia constitucional da irretroatividade da norma tributária, que é conferida ao cidadão contra o poder do Estado-Fisco.
Nos casos em que a inconstitucionalidade é declarada pelo STF no exercício controle difuso, o contribuinte poderá ser considerado em mora se e quando houver a publicação da resolução do Senado Federal, que excluir a norma inconstitucional do ordenamento, com relação aos fatos que vierem a ocorrer depois dessa publicação, ou como resultado de ação rescisória, também apenas no que diz respeito aos fatos que vierem a ocorrer depois da sua citação na rescisória.
Ainda que a questão não esteja pacificada, o entendimento que assegura a segurança jurídica é aquele segundo o qual apenas a partir da rescisão da coisa julgada é que o contribuinte estaria sujeito ao recolhimento do tributo, anteriormente considerado indevido por decisão judicial transitada em julgado.