1 INTRODUÇÃO
Ao idealizar a criação da pessoa jurídica, o legislador tinha em mente a produção de um instituto que viesse estimular o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas e que, simultaneamente, reduzisse os riscos de prejuízos para quem investisse em tais atividades, uma vez que os direitos e obrigações do referido instituto são distintos dos de seus componentes, não se confundindo o patrimônio destes com o daquele.
Entrementes, em virtude de seu mau uso, surgiu uma outra figura denominada desconsideração da personalidade jurídica, por meio da qual, a separação patrimonial entre o capital da pessoa jurídica e o patrimônio de seus membros podem ser afastados, transitoriamente, com o fim de coibir a sua utilização de forma ardilosa, resultando em danos a terceiros.
Embora não tenha se originado no Brasil, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) é amplamente utilizada nos diversos ramos do nosso direito, inclusive no direito laboral, para o qual tem especial significância, em virtude da natureza alimentar das verbas trabalhistas.
O propósito do presente trabalho é, portanto, mostrar a aplicação desta teoria em alguns ramos do direito pátrio e mais especificamente no processo do trabalho, em vista da necessidade de se dar uma solução mais célere aos conflitos que se levantam na seara trabalhista, dada a natureza dos créditos nesse âmbito e tendo em vista a posição de hipossuficiência ocupada pelo trabalhador, como parte mais frágil nas relações de trabalho.
Antes de entrarmos diretamente neste assunto, porém, achamos por bem, fazermos uma breve revisão acerca da pessoa jurídica, uma vez que o tema desta pesquisa gira em torno desta figura, começando pelo seu conceito e origem, ao mesmo tempo em trouxemos à luz algumas das teorias que tratam de sua natureza jurídica, fazendo, ainda, um comentário resumido sobre a capacidade e responsabilidade patrimonial deste instituto e sobre o uso desvirtuado do mesmo, fato que levou à criação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Ato contínuo, fizemos uma ligeira explanação acerca da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity), partindo de seu conceito e origem, seguido de um relato histórico conciso, o qual registra as preocupações dos operadores do direito, a partir do século XIX, a respeito do mau uso da pessoa jurídica, o que os levou a buscar soluções para o problema, em vista do que surgiram as primeiras teorias a esse respeito, iniciando-se com a teoria de Haussmann e Mossa, ainda no século XIX, a qual tinha como objetivo, principalmente, imputar ao sócio controlador ou ao administrador da sociedade, o cumprimento das obrigações por ela assumidas e não cumpridas.
Relatamos que a partir desse fato, a teoria da desconsideração se desenvolveu, inicialmente, nos países da common law, onde o direito positivo não se impunha tão fortemente, ocorrendo sua primeira manifestação nos Estados Unidos, em 1809, voltando a ocorrer na Inglaterra, em 1897, passando, no decorrer do tempo, a ser aplicada na França, Itália, Suíça, Espanha e sendo introduzida no Brasil em 1969, por Rubens Requião, quando aqui apresentou esta ideia.
Traçamos, ainda, algumas linhas acerca dos requisitos básicos para o uso da desconsideração no nosso direito, quando procuramos mostrar as teorias de utilização da disregard e apontamos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.708/90), como pioneiro na sua aplicação no direito pátrio, seguido pelo direito ambiental, através da Lei 9.605/98, seguido de Código Civil de 2002 e encerramos com a aplicação da desconsideração ao processo do trabalho.
Dedicamos um capítulo deste trabalho à aplicação da disregard doctrine na execução trabalhista, quando nos reportamos à adoção da teoria menor da desconsideração pelo processo do trabalho e as polêmicas dela advindas, pelo fato de sua utilização exigir, apenas, a verificação de inadimplência da pessoa jurídica e a insolvência de seu patrimônio.
De pronto, passamos a nos reportar a três correntes doutrinárias que tratam da possibilidade da penhora dos bens dos sócios com base na teoria da desconsideração.
Iniciamos pela corrente que baseia seu entendimento na efetividade do crédito trabalhista, cujo propósito é a efetiva prestação jurisdicional, que só se concretiza com o recebimento, pelo trabalhador, do crédito trabalhista, que se constitui no objeto da sentença.
Em seguida, nos referimos à corrente que defende a penhora dos bens dos sócios como exceção, entendendo que, para a aplicação da disregard, impõe-se a comprovação do mau uso da pessoa jurídica, ausência de dissolução legal ou fraude na administração da empresa.
Relatamos que a terceira corrente defende a impossibilidade da aplicação da desconsideração, firmando-se no fato de que os sócios não sofreram qualquer condenação, uma vez que não figuravam no polo passivo da demanda.
Enfim, nos reportamos ao alcance do patrimônio de ex-sócio pela aplicação da disregard, que tem sido utilizada com o escopo de alcançar o patrimônio daqueles cujo desligamento da sociedade tenha ocorrido até dois anos depois de averbada a modificação no contrato social, desde que o sócio retirante fizesse parte do quadro societário da empresa, à época em que já vigorava o contrato de trabalho com o obreiro.
Quanto ao tipo de pesquisa escolhido, em relação aos objetivos, foi ela exploratória e explicativa, em face da nossa necessidade de acumularmos informações e estabelecer prioridades para a pesquisa, bem como sobre como conduzi-la. Daí porque foi priorizado o levantamento bibliográfico.
Quanto à natureza do estudo, a pesquisa revelou-se qualitativa, porque fizemos uma análise e abordagem das questões mais relevantes referentes à aplicação da teoria desconsideração da personalidade jurídica, mais especificamente, ao processo do trabalho.
Finalmente, quanto aos procedimentos, a pesquisa foi literária, porque o levantamento sobre o assunto foi feito em livros e material disponibilizado na Internet, tendo como fontes de referência, a Constituição Federal de 1988 - CF/88, o Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei N° 8.078/1990), o Código Civil - CC (Lei N° 10.406/2020), o Código de Processo Civil – CPC (Lei N° 5.869/1973) e a Consolidação das Leis de Trabalho – CLT (Decreto-Lei N° 5.452/1943), bem como a Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
2 A PESSOA JURÍDICA
Não poderíamos iniciar esta pesquisa sem fazermos uma breve revisão acerca da pessoa jurídica, uma vez que o tema em estudo se posiciona em torno deste instituto, que é tratado no Código Civil de 2002, em seus artigos 40 e seguintes.
As pessoas jurídicas são de direito público interno ou externo e de direito privado.
As pessoas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver por parte deste, culpa ou dolo. Estão relacionadas no art. 41 do CC e são elas: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, as associações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei.
São pessoas de direito público externo (art. 42, do CC), os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.
Achamos por bem esclarecer que, para os fins deste estudo, iremos tratar apenas da pessoa jurídica de direito privado, à qual se aplica o instituto da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, uma vez que as dívidas contraídas pelas pessoas jurídicas de direito público são quitadas por meio de precatório.
As pessoas jurídicas de direito privado estão elencadas no art. 44 do Código Civil, sendo elas: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.
Existem, contudo, outras figuras jurídicas despersonalizadas, denominadas "pessoas formais" que possuem nome, patrimônio e respondem por suas relações, sendo reconhecidas pelo direito em virtude do valor que têm para a sociedade. São elas: a massa falida, a família, a herança jacente e a vacante, o espólio, o condomínio.
Há, ainda, a figura do empregador, assim definido, no art. 2° da CLT, in verbis: "Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços."
2.1 Conceito e origem
Daniela Vasconcelos Gomes se referiu ao instituto em questão, como sendo "o conjunto de pessoas ou de bens que têm por objetivo a consecução de determinados fins, dotado de existência, patrimônio e personalidade jurídica próprios." (GOMES, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/17342/a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-codigo-civil-de-2002>).
Diniz (2010, p. 243) conceitua a pessoa jurídica como sendo "a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações."
Sobre este instituto, assim se expressou Nahas (2007, p. 12): "Pessoa, em princípio, é um se humano, mas o direito permite criações artificiais, fundado no próprio interesse humano, de certos entes que se apresentam em agrupados [...]"Complementando sua linha de pensamento, a mesma autora acrescenta, referindo-se ao instituto em comento, ipsis litteris:
Adotamos, assim, a idéia de que a pessoa jurídica é, efetivamente, uma instituição, um ente autônomo distinto da pessoa física. O que a torna sujeito de direito é a destinação produtora de atividade jurídica, capaz de exercer a vontade e poderes daqueles que lhe conferem tais prerrogativas. Desta forma, tais pessoas devem ser reconhecidas como centros organizados destinados a um determinado fim (instituição). (NAHAS, 2010, p. 17)
A pessoa jurídica surgiu, portanto, da necessidade que tem o ser humano, como ente social que é, de unir-se a outros, em agrupamentos.
Tendo em vista a necessidade de personalizar estes grupos, a fim de que possam participar da vida jurídica e em nome próprio, a norma de direito lhes outorga personalidade e capacidade jurídica, convertendo-os em sujeitos de direitos e obrigações.
Para isso, é necessário o preenchimento de três requisitos, que segundo Diniz (2010, p. 243), são: "organização de pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade jurídica reconhecida por norma."
Semelhantemente às pessoas naturais, a pessoa jurídica precisa nascer para adquirir personalidade, no entanto, por ter vida própria, sua existência vai além da existência da pessoa física. Assim é que, ela não se finda com a morte de qualquer de seus criadores.
Legalmente, a pessoa jurídica nasce como resultado de um ato jurídico ou de normas, havendo uma distinção entre o surgimento das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado.
As primeiras passam a existir em decorrência de fatos históricos, de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais.
As segundas surgem da vontade humana, sendo instituídas por particulares, contudo, sua personalidade jurídica permanece em estado potencial, só adquirindo status jurídico depois de preenchidas as formalidades ou exigências legais, ou seja, após a constituição da pessoa jurídica por ato jurídico (unilateral, bilateral ou plurilateral) e inscrição, no registro público, do ato constitutivo (art. 45 e 46 do CC).
Segundo Diniz (2010), as pessoas jurídicas recebem denominações distintas no direito estrangeiro, assim, são designadas como "pessoas morais" no direito francês, como "pessoas coletivas" no direito português, sendo ainda conhecidas como pessoas civis, místicas, fictícias, intelectuais, compostas, etc., enquanto a denominação "pessoa jurídica" é adotada pelo Código Civil Pátrio e pelos Códigos, alemão, italiano e espanhol.
2.2 Natureza jurídica
O tratar deste assunto, Diniz (2010) afirma que várias teorias foram criadas com relação à natureza jurídica da pessoa jurídica, em busca de uma forma que justificasse e esclarecesse a existência de tal figura e, por não existir consenso entre a variedade de doutrinas, agrupou-as em quatro categorias: teoria da ficção legal e da doutrina, teoria da equiparação, teoria orgânica e teoria da realidade das instituições jurídicas e expressou sua opinião sobre cada uma delas, conforme veremos a seguir.
2.2.1 Teoria da ficção legal
Adotada por Savigny, citado por Diniz (2010), o qual chegou à conclusão de que a pessoa jurídica é uma ficção legal, por entender que só o homem é capaz de ser sujeito de direito. Dessa forma, para ele, a pessoa jurídica é uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais e, assim, facilitar a função de certas entidades.
Já Vareilles-Sommiéres, mencionado pela mesma autora, entende que a pessoa jurídica existe apenas na inteligência dos juristas, constituindo-se em mera ficção criada pela doutrina.
Diniz (2010) entende que a concepção de pessoa jurídica defendida nesta teoria não corresponde à realidade, por ser abstrata. De outro modo, por ser uma pessoa jurídica, o Estado seria uma ficção legal ou doutrinária, também o sendo, o direito que dele emana.
2.2.2 Teoria da equiparação
Esta teoria foi defendida por Windischeid e Brinz, a quem se refere Diniz (2010), os quais entendem que a pessoa jurídica é um patrimônio equiparado, no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais.
Diniz (2010) discorda desta corrente, por entender que ela eleva os bens à categoria de sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com coisas.
2.2.3 Teoria da realidade objetiva ou orgânica
Esta teoria foi levantada por Gierke e Zitelmann, citados por Diniz (2010) e segundo a mesma, junto às pessoas naturais – que são organismos vivos – há organismos sociais, constituídos pelas pessoas jurídicas, que têm existência e vontade própria, diversa da de seus componentes e têm como fim, a realização de um objetivo social.
Para Diniz (2010), essa teoria se volta para a teoria da ficção, pois o fenômeno volitivo é próprio do ser humano, não se estendendo ao ente coletivo, ou seja, à pessoa jurídica.
2.2.4 Teoria da realidade das instituições jurídicas
Teoria defendida por Hauriou, referido por Diniz (2010), que admite a existência de um pouco de verdade nas demais teorias. Ele entende que, assim como a personalidade humana deriva do direito, este mesmo direito pode conceder personalidade a um agrupamento de pessoas ou de bens, desde que tenham como objetivo, a realização de interesses humanos.
Diniz (2010) entende que este pensamento é o que melhor atende à essência do instituto, por afirmar que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica.
Gomes, que também é adepta desta última teoria, ao comentar o assunto manifestou da seguinte forma, sua opinião:
Das teorias que buscam esclarecer o tema, a que mais se destaca atualmente é a teoria da realidade das instituições jurídicas, pela qual a personalidade da pessoa jurídica é concessão do Estado a certos grupos de indivíduos, considerados merecedores dessa situação. O Direito, ao reconhecer capacidade formal e material às pessoas jurídicas, lhes confere também domicílio, nacionalidade, e patrimônio específico, distintos de seus integrantes. (GOMES, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/17342/a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-codigo-civil-de-2002>)
2.3 Capacidade e responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica
Conforme já mencionamos, as pessoas jurídicas são instituídas por particulares, só adquirindo personalidade, depois da inscrição de seu ato constitutivo no registro respectivo, nos termos dos arts. 45 e 46 do Código Civil de 2002.
A capacidade da pessoa jurídica advém da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece quando de seu registro, a qual é estendida a todos os campos do direito. Em decorrência desse fato, pode exercer todos os direitos subjetivos, não se restringindo, apenas, ao campo patrimonial.
Sendo assim, tem direito à identificação, possuindo denominação, domicílio (que é sua sede jurídica), nacionalidade e, nos termos do art. 52 do CC, aplica-se à pessoa jurídica, a proteção dos direitos da personalidade, como direito de resposta proporcional ao agravo e de indenização por dano moral e material ou à imagem (art. 5°, V, X, da CF; Súmula 227 do STJ). Tem, ainda, direitos industriais (art. 5º, XXIX, da CF), direitos obrigacionais (de contratar, comprar, vender, alugar, etc.) e direitos à sucessão, uma vez que pode adquirir bens causa mortis.
No entanto, conforme leciona Diniz (2010), sofre, a pessoa jurídica, de limitações decorrentes de sua natureza, o que a impede de ter direitos que são inerentes ao ser humano, como o direito de família.
Padece, também, de limitações decorrentes de norma jurídica, por razões de segurança pública, no que se refere à autorização ou concessão da União a pessoas jurídicas estrangeiras para pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica (art. 176, § 1º, da CF/88); ficando tais pessoas jurídicas dependentes, ainda, de autorização do Congresso Nacional para aquisição e/ou arrendamento de propriedade rural (art. 190, da CF/88), assim como, não podem, em regra, ser acionistas de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222, da CF).
Está, ainda, impossibilitada de praticar diretamente, os atos da vida jurídica, necessitando, para isto, de um representante legal que, em regra, é o administrador indicado no ato constitutivo, dentro dos limites constantes no referido ato. Contudo, a administração também pode ser coletiva, quando as decisões são tomadas pela maioria, caso não haja previsão contrária no ato constitutivo.
Na falta de um administrador, o juiz poderá, a requerimento, nomear um, provisoriamente.
Falando sobre a responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica, Nahas se reportou nos seguintes termos:
O fenômeno da personalização da pessoa jurídica gera para as pessoas físicas que a compõem a irresponsabilidade pelos negócios por ela praticados. Tal assertiva decorre do princípio de que aquele que pratica o negócio jurídico é que irá responder perante o credor pelas obrigações assumidas. (NAHAS, 2007, p. 85).
Desta assertiva, podemos inferir que quem responde pelos atos praticados pela pessoa jurídica, é a própria entidade, uma vez que é dotada de capacidade e personalidade, respondendo o administrador, pessoalmente, por atos por ele praticados, fora dos poderes que lhe foram conferidos.
Na sociedade ilimitada, as pessoas físicas (sócios e administradores) são responsáveis solidárias, respondendo com seus bens pessoais pelos negócios da pessoa jurídica, conforme permissão do art. 265 do CC. Tal fenômeno alcança, também, os grupos de empresa, cuja previsão se encontra no art. 2º, § 2º, da CLT.
Já na sociedade limitada, segundo Nahas (2007), é a própria entidade que responde pelos atos que pratica, uma vez que na negociação, não é a vontade da pessoa física que é considerada, além de ter esta, patrimônio distinto do da sociedade.
Assumida, pois, a obrigação com o credor, por ela responde a pessoa jurídica devedora, com os bens que compõem seu patrimônio tanto no ato da negociação, quanto com os que vierem a compô-lo no futuro, considerando as exceções legais, conforme definido nos arts. 648 e 649 do CPC, que tratam dos bens considerados impenhoráveis.
Destarte, conforme leciona Nahas (2007), caso o devedor não cumpra a obrigação assumida com o credor, este pode requerer a prestação jurisdicional do Estado, de modo que seja possível o adimplemento da obrigação malograda através da subtração, do patrimônio do devedor, do valor suficiente para este fim.
Em situações excepcionais, porém, definidas na Lei (art. 592, do CPC), outras pessoas, entre as quais salientamos a figura do sócio (inciso, II do artigo retro mencionado), podem vir a responder, com seu patrimônio pessoal, por obrigações não cumpridas pela pessoa jurídica, pois embora não constem no título executivo, não sejam seus sucessores e nem tenham realizado o ato jurídico em seu próprio nome, têm responsabilidade secundária pela obrigação, nos moldes do art. 596 do CPC, que reza in verbis:
Art. 596 - bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro executados os bens da sociedade.
§ 1º Cumpre aos sócios que alegarem o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembaraçados, quantos bastem para pagar o débito. (grifo nosso)
Esta situação de subsidiariedade foi o meio que o legislador encontrou para proteger o direito do credor, dando-lhe segurança jurídica.
2.4 O uso inadequado da pessoa jurídica
Como já afirmamos, a pessoa jurídica surgiu da necessidade do homem se reunir em agrupamentos, mas, para a realização de certos empreendimentos, fazia-se necessário, às vezes, a união de um grupo de pessoas que preferiam conduzir tal empreendimento, por terem receio de entregar seus recursos em mãos estranhas. Ao mesmo tempo, essas pessoas, temendo prejuízos, preferiam não por todo o seu patrimônio em risco e optavam por aplicar parte de seus recursos em atividades não produtivas, atitude que resultava em prejuízo para a sociedade.
Era, pois, necessário a descoberta de um meio de incentivo ao desenvolvimento de atividades econômicas produtivas, que promovesse o aumento da arrecadação de tributos, gerando empregos e estimulando o desenvolvimento econômico e social das comunidades e, ao mesmo tempo, limitasse os riscos do investimento em atividades econômicas.
O instituto da pessoa jurídica atendeu a tal propósito, ou mais especificamente, a instituição da sociedade personificada, cujos direitos e obrigações, segundo Tomazette (2002), são distintos dos de seus membros, com eles não se confundindo, os quais investem no empreendimento apenas uma parte de seu patrimônio, em vista do que, assumem riscos limitados de prejuízo, que são reforçados com as sociedades de responsabilidade limitada (sociedade anônima e sociedade por quotas de responsabilidade).
Em vista disso, as sociedades personificadas têm se multiplicado, constituindo-se como prerrogativa para aqueles que pretendem desenvolver uma atividade econômica, conjuntamente.
Entretanto, este privilégio de existir como pessoa jurídica, não deve objetivar, apenas, a realização da vontade do homem, mas deve, acima de tudo, atingir o fim para o qual foi criada, que é garantir a preservação da sociedade e do próprio instituto (pessoa jurídica), bem como, fomentar o desenvolvimento econômico, por ser um instrumento da mais alta importância na economia de mercado, como já vimos no decorrer deste trabalho, não devendo ser utilizada de forma abusiva ou fraudulenta.
Lamentavelmente, nem sempre este instituto tem sido utilizado de forma adequada, pois não poucas vezes, tem deixado de atender ao fim social e econômico para o qual foi proposto, o que se traduz em prejuízo para a coletividade.
Um exemplo desse abuso e/ou fraude seria o caso em que uma sociedade regularmente constituída contrai em seu nome, dívidas através de empréstimos e aquisição de bens, agindo de má fé, já que em seu patrimônio, não há bens suficientes para satisfação de tais obrigações.
Assim, uma vez decretada a falência da sociedade, os sócios ficam livres do prejuízo, repassando-os para os credores e para a coletividade.
Em vista disso, em casos nos quais se configure abuso ou fraude no uso da pessoa jurídica, é permitido que os praticantes de tais atos sejam por eles responsabilizados, de modo a se desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica, ou seja, desconsiderar a autonomia do patrimônio das pessoas jurídicas, o que é feito, unicamente, por ato do magistrado.
Nasce, então, o instituto denominado desconsideração da personalidade jurídica, que será estudado no próximo capítulo.