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O resgate da dignidade humana do idoso através do trabalho

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Agenda 25/05/2011 às 16:22

2 A DIGNIDADE HUMANA DO IDOSO

O fato da Constituição Federal do Brasil consagrar como um de seus Princípios Fundamentais a dignidade da pessoa humana não assegura que haja o seu devido respeito na prática, de forma que se torna necessária a sua proteção no ordenamento jurídico pátrio.

Assim, o Poder Judiciário deve se incumbir em proteger e efetivar a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos fundamentais por ela consagrados, sobretudo, quando a garantia desses direitos guarda relação com certas parcelas da sociedade mais vulneráveis e carentes de maior cuidado, por exemplo, o idoso.

Então, é necessário que se estabeleça uma relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, principalmente pelo fato de que a dignidade da pessoa humana tem sido considerada intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano, sendo-lhe inerente desde o nascimento.

A população mundial está envelhecendo e, de acordo com as observações de Goldman (2000, p. 16), "A evidência da velhice pode ser atribuída às mudanças demográficas que indicam o envelhecimento da população, processo já consolidado nos países do chamado Primeiro Mundo e prenunciado no Brasil".

Dessarte, o envelhecimento da população é uma realidade mundial, incluindo-se aqui o Brasil. Esse fenômeno requer a ocorrência de diversas mudanças sociais, estruturais e culturais, pois é nesta etapa da vida que começam a se evidenciar as fragilidades do corpo, tornando o idoso mais suscetível a doenças e a outros incidentes. Em virtude da grande demanda de idosos, muitas inovações fazem-se necessárias, a fim de aprimorar o tratamento dispensado a estas pessoas.

De acordo com Silva (2005, p. 1):

O processo de envelhecimento ocorre de maneira diferente para cada pessoa, pois depende de seu ritmo, época da vida, entre outros fatores, não se caracterizando um período só de perdas e limitações e sim, um estado de espírito decorrente da maneira como a sociedade e o próprio indivíduo concebem esta etapa da vida.

Assim, embora o processo do envelhecimento seja um fenômeno inerente a todo ser humano capaz de desencadear modificações biopsicossociais, na verdade, o mesmo acontece, de maneira diversa, para cada indivíduo, uma vez que depende do compasso que se leva a vida. Além disso, não deve ser visto somente como uma fase de perdas, e, sim, como um estado psíquico-emocional originário da forma como se interpreta e se vive este momento do viver.

Conforme Lima (2009), a Constituição e as leis garantem, em seus textos, a proteção aos idosos, adotando, como princípios, a adoção dos direitos de cidadão, asseverando a sua autonomia e a sua integração social, a promoção do bem-estar e o direito à vida, trazendo todos estes como obrigações do Estado e da família. Contudo, ante os atos da sociedade, esta normatização não se tem mostrado suficiente.

Então, embora a Constituição e as leis garantam a proteção dos idosos, infelizmente, isso não pode ser considerado suficiente diante da realidade, motivo por que há a necessidade de se beneficiar o ser humano, em todas as fases de seu viver, através de uma proteção legal capaz de lhe assegurar, não apenas, a vida, e, sim, a sua dignidade como pessoa humana. Ademais, os direitos da cidadania proporcionam a participação na busca por soluções para estes problemas, almejando igualdade e benefícios para todos. Assim, o Estado deve intervir, proibindo a discriminação às pessoas mais velhas, assim como, divulgando os conhecimentos acerca do processo de envelhecimento populacional.

Lima (2009) acrescenta que a idade não pode ser usada como critério de discriminação, tampouco como condição determinante para os atos da vida, uma vez que ela não torna um ser humano menos cidadão que o outro.

Todavia, há de se considerar que o critério cronológico é um dos mais utilizados para se definir o que é ser idoso, sendo usado para delimitar a população de certa pesquisa, ou fazer análise epidemiológica, ou, ainda, servir de base para propósitos administrativos e legais, assim como para a criação de políticas públicas.

De acordo com Rocha (1999), toda forma de preconceito é indigna, e a sua manifestação é antijurídica, pois, através destes prejulgamentos, fere-se o princípio da dignidade humana. Assim, a exclusão social constitui-se como um fator de indignidade e, ao mesmo tempo, de indignação, uma vez que coloca o homem à margem de sua própria sociedade. Então, marginalizando-se, o homem torna-se carente de seu próprio respeito e de sua honorabilidade social, pois se torna como alguém que não é útil no sentido utilitário de não dar lucro.

É verdade que muitas pessoas não aproveitam a experiência e a capacidade advinda dos idosos, tampouco a sua sabedoria, portanto surge a necessidade de se refletir sobre o planejamento de ações capazes de propiciar maior qualidade de vida para os idosos, para que as suas potencialidades, experiências e sabedoria sejam melhores aproveitadas.

Observa-se que o Brasil é um país carente de ações sociais voltadas para estas pessoas, e, infelizmente, o idoso é desvalorizado e visto como um problema. Deve-se considerá-lo como parte importante na sociedade, entretanto esse é um ideal que ainda não foi exercido, de forma satisfatória, na Nação Brasileira.

Segundo Lima (2009), proporcionar a dignidade humana dos idosos é fundamental para que se alcance o fim social desejado, a saber: um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Enfim, o que se espera, para o Brasil, é que haja um alicerce jurídico capaz de proteger os seus idosos, garantindo-lhe uma velhice com maior dignidade, princípio este consolidado na Constituição Federal e que deve ser buscado incessantemente.

2.1 QUE É DIGNIDADE HUMANA?

De acordo com o Dicionário Wikilingue, dignidade significa qualidade de digno, e deriva do adjetivo latino dignus, cuja tradução é valioso, ou seja, é o sentimento que faz com que as pessoas se sintam valiosas, sem importar a vida material ou social. Assim, a dignidade baseia-se no reconhecimento da pessoa ser mereceredora de respeito, independentemente de quem ela seja, fundamentada no respeito a qualquer outro ser, de forma que a dignidade fomenta a sensação de plenitude e reforça a personalidade e a satisfação. Em suma, é o valor intrínseco e supremo que há em cada ser humano, independentemente de sua situação econômica, social e cultural, bem como de suas crenças ou formas de pensar.

Rocha (1999) afirma que, etimologicamente, dignidade vem do latim dignitas, adotado desde o final do século XI, cujo significado era cargo, honra ou honraria, título, podendo, ainda, ser considerado o seu sentido como uma postura socialmente conveniente diante de certa pessoa ou situação. As primeiras vezes em que a palavra dignidade apareceu em textos jurídicos estavam no plural como dignidades, referindo-se aos cargos ou honrarias de que alguém era titular.

Nesta conjuntura, o artigo 6° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 afirma que "todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos".

Assim, verifica-se que, no início, o uso do vocábulo "dignidades" na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 se afastou, radicalmente, do conceito no campo da moral.

Todavia, Rocha (1999) traz a informação de que, a partir do século XVIII, a dignidade da pessoa passou a ser objeto de reivindicação política, de maneira que incorporou o conceito que ainda hoje ostenta, referindo-se a uma condição que é essencialmente própria à pessoa humana. Ao retornar com novo conteúdo e com novos contornos fundamentais no Direito contemporâneo, a palavra dignidade, ao se referir à pessoa humana, ganha um significado inédito, ou seja, passa a respeitar os atributos da integridade e da inviolabilidade do homem, e não somente tomados em sua dimensão física, mas em todas as dimensões existenciais onde há a sua humanidade, que o lança para muito além do meramente físico.

Para Kant (1960), a dignidade é uma virtude inerente ao ser humano, e a autonomia é o fundamento da natureza do homem e de sua racionalidade.

Prado (2007) explica que a dignidade humana é inerente ao homem como pessoa, constituindo-se como um atributo ontológico do homem no sentido de que ele é um ser integrante da espécie humana, valendo-se em si e por si próprio, isto é, o requisito para se ter a dignidade humana é o simples fato de ser apenas um ser humano.

Kant (1993) assegura que o homem é um fim em si mesmo e, assim, possui valor absoluto, não podendo, consequentemente, ser utilizado como um instrumento para se alcançar algo. Esta é a razão por que o homem detém dignidade: a sua natureza humana.

Portanto, pode-se afirmar que o ser humano possui dignidade por si próprio a qual não lhe é atribuída por fatores externos.

Kant (2003, p. 65) discorre assim:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. O que diz respeito às inclinações e necessidades do homem tem um preço comercial; o que, sem supor uma necessidade, se conforma a certo gosto, digamos, a uma satisfação produzida pelo simples jogo, sem finalidade alguma, de nossas faculdades, tem um preço de afeição ou de sentimento; mas o que se faz condição para alguma coisa que seja fim em si mesma, isso não tem simplesmente valor relativo ou preço, mas um valor interno, e isso quer dizer dignidade. Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins. Por isso, a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade.

Destarte, Kant, intitulado o grande filósofo da dignidade, considerava a pessoa como um fim e nunca como um meio, e, como tal, reputava-a como sujeito de fins e que é um fim em si, deve tratar a si mesmo e ao outro. Kant distinguiu aquilo que tem um preço e o que tem uma dignidade, ou seja, o preço é conferido àquilo que se pode avaliar até mesmo para a sua substituição ou troca por outra de igual valor e cuidado, motivo por que existe uma relatividade deste bem, pois ele é um meio através do qual se obtém uma finalidade definida, isto é, sendo um meio, pode ser trocado por outro de igual valor e forma, suprindo-se de igual modo a realização do fim almejado. Por outro lado, para Kant, aquilo que é uma dignidade não tem valoração, possuindo, portanto, valor absoluto, e, assim, devido a esta condição, sobrepõe-se a ser medido, não se colocando a ser meio, pois não é substituível, dispondo de uma qualidade intrínseca a qual o faz sobrepor-se a qualquer critério de fixação de preço.

Então, para este filósofo, o preço é possível ao que é meio, pois lhe é exterior, e relaciona-se com a forma do que é apreçado, enquanto a dignidade é impossível de ser avaliada, medida e apreçada, pois é fim, e contém-se no interior do elemento sobre o qual se expressa. Afinal, a dignidade relaciona-se com a essência do que é considerado, por isso não se oferece à medida convertida como preço.

Dworkin (2006) assevera que a dignidade humana é um aspecto ético importantíssimo, a fim de que o homem se realize enquanto pessoa moral. É formada por duas dimensões, a saber: a primeira, denominada de princípio do valor intrínseco da vida humana e a segunda, conhecida por princípio da responsabilidade pessoal.

O princípio do valor intrínseco da vida humana significa que o sucesso ou a derrota de qualquer ser humano é por si só, fundamental, ou seja, é algo que todas as pessoas têm motivo para querer ou para lastimar. Assim, como todo ser humano é um fim em si mesmo, então a vida humana detém um valor intrínseco, além de ser insubstituível. Em decorrência disso, pode-se afirmar que apenas o homem é capaz de viver segundo as leis que ele mesmo elabora, já que ele é um fim em si mesmo. Destarte, o homem caracteriza-se pela sua responsabilidade, pela sua autodeterminação e pela autonomia da sua vontade.

O princípio da responsabilidade pessoal afirma que cada pessoa possui uma responsabilidade própria pelo sucesso de sua vida, ou seja, tem uma obrigação de julgar e de discernir qual caminho será o de maior sucesso para ela. Desta forma, cada indivíduo tem o direito de tomar suas próprias decisões a respeito de sua vida, e possui também o dever de tomá-las da melhor forma possível, a fim de aperfeiçoar a sua existência como ser humano. Afinal, constata-se que este segundo princípio retrata o valor da liberdade humana compreendida em dois aspectos: o direito à autodeterminação e o dever de melhorar a própria vida enquanto pessoa humana.

A positivação da dignidade da pessoa humana encontra-se em vários escritos importantes da história do homem. Por exemplo, o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma que "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo."

Então, o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma que a dignidade humana é o alicerce da liberdade, tanto na dimensão política, quanto na individual, uma vez que a liberdade política sem as liberdades individuais não passa de um engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. O preâmbulo aduz também que a dignidade é a base da justiça e da paz mundial, referindo-se aqui aos direitos sociais, econômicos e das exigências mínimas de proteção às classes mais necessitadas.

A Carta das Nações Unidas de 1945 traz também, em seu preâmbulo, referência à dignidade da pessoa humana, ao afirmar que:

Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

Assim, o preâmbulo da Carta das Nações Unidas de 1945 expressa os ideais e os propósitos dos povos cujos governos se uniram, a fim de constituir as Nações Unidas, uma organização internacional surgida após a Segunda Grande Guerra do Mundo. A situação pós-guerra deixou um sentimento de necessidade de se encontrar uma forma de manter-se a paz entre os países, uma vez que o mundo vivenciara a devastação de várias nações e a perda de milhares de seres humanos. Então, esse contexto motivou a criação deste órgão e a normatização deste diploma legal.

Deduz-se do preâmbulo que esta mencionada carta tinha por finalidade instituir a tolerância entre os diferentes povos do planeta, a fim de que todos pudessem conviver pacificamente, unindo as forças, para manter a paz, a segurança internacional, a igualdade de direitos entre homens e mulheres e para concretizar os direitos fundamentais do homem, sobretudo, a sua dignidade humana.

De acordo com Rocha (1999), os desastres humanos das guerras, principalmente aquilo a que o mundo assistiu durante a Segunda Grande Guerra, trouxe a dignidade da pessoa humana para o mundo do Direito, como essência do sistema jurídico. Além disso, o conceito de dignidade da pessoa humana ganhou juridicidade positiva como uma reação às práticas políticas nazi-fascistas desde a Segunda Guerra Mundial, tornando-se, agora, uma garantia contra as práticas econômicas identicamente nazi-fascistas postas em prática, quando se começou a difundir o capitalismo canibalista liberal da globalização. É a respeito deste capitalismo que se discursa, e, segundo o qual, praticam-se atos governativos submissos a um mercado que busca substituir o Estado de Direito pelo não-Estado, ou, ao menos, pelo Estado do não-Direito, o qual pretende transformar o Estado Democrático dos direitos sociais em Estado autoritário sem direitos.

Constata-se que o pós-guerra de 1945 foi o momento em que a humanidade passou a reconhecer a importância fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana, e assistiu a este fundamento transformar-se de valor-base dos direitos fundamentais em princípio estruturante da democracia.

Conforme as explanaçõesde Rocha (1999), a revivificação do antropocentrismo político e jurídico volta o foco das preocupações à dignidade humana. Isso ocorreu, porque se constatou ser necessário, sobretudo, a partir da experiência do holocausto, proteger o homem, não somente, garantindo que ele permaneça vivo, mas que se mantenha respeitado e garantido o ato de viver com dignidade.

Observa-se, assim, que a história provou, especialmente, durante o século XX, que se pode romper o ato de viver, e, o pior, que se pode abolir o ato de viver com dignidade, sem que, para isso, tenha que se eliminar fisicamente a pessoa.

Na perspectiva de Pelegrini (2004, p. 05), "o princípio da dignidade da pessoa humana trata-se de tutelar a pessoa humana possibilitando-lhe uma existência digna, aniquilando os ataques tão freqüentes à sua dignidade".

Por isso que o respeito às diferenças culturais, religiosas, sociais, econômicas e individuais entre os povos constitui-se como garantia de existência digna, uma vez que não ataca a dignidade ínsita de cada ser humano.

Rocha (1999) contempla que toda forma de desonra ou de degradação do ser humano é injusta, e que toda injustiça é indigna e, portanto, desumana. Assim, dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, pois é a dignidade quem dita a condição superior do homem como ser, razão e sentimento, motivo por que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social.

Verifica-se, portanto, que não existe a necessidade de ter de fazer por merecê-la, porque ela é inerente à vida, e, nesse contexto, consolida-se como um direito pré-estatal.

Quanto às diretrizes básicas do princípio da dignidade humana no Direito Constitucional, Miranda (2000, p. 183) afirma que:

A dignidade da pessoa humana reporta-se a cada uma das pessoas, sendo individual e concreta; refere-se à pessoa desde a sua concepção, e não apenas desde o nascimento; a dignidade é da pessoa, seja homem ou mulher; como as pessoas vivem em relação comunitária, há o reconhecimento por cada pessoa da igual dignidade das demais; embora cada pessoa viva em relação comunitária, a dignidade que ela possui é dela mesma, e não da situação em si; o primado da pessoa é o do ser, e, não, o do ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade; só a dignidade justifica a procura da qualidade de vida; a dignidade pressupõe a autonomia vital de cada um, a sua autodeterminação frente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas.

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Realmente, a dignidade é intrínseca ao ser humano desde o momento em que este é concebido na vida intra-uterina, e, não, a partir do seu nascimento, uma vez que pertence ao primado da pessoa, o qual não se baseia no ter, e, sim, no ser. A busca pela qualidade de vida apenas se justifica, porque o homem é detentor de dignidade, que também supõe a independência de cada pessoa em relação às outras inclusive frente ao Estado e a quaisquer instituições públicas.

Então, pode-se afirmar que o princípio constitucional contemporâneo da dignidade humana atingiu toda a humanidade, tornando-se uma garantia contra todas as formas de exploração humana, ou seja, este princípio modificou todo o ordenamento jurídico, instaurando um novo modelo, com a finalidade de proteger o povo e de acabar com a mutilação da sociedade humana.

Conforme Santin (2007), a dignidade da pessoa humana não depende de suas características externas, de sua classe social, nem se pauta no gênero, na idade, na cor ou no cargo que se ocupa, tampouco nos bens materiais que se ostenta e nem se baseia na popularidade da pessoa, ou no fato de alguém ser útil para um grupo comunitário.

Conforme Kant (1960), a dignidade não tem preço, não podendo ser mensurada, e constitui-se como um atributo de todos os seres humanos. Logo, não é possível classificar que uma pessoa terá mais dignidade que a outra.

Sarlet (2001, p. 60), assim definiu a dignidade:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Verdadeiramente, a dignidade é uma virtude capaz de capacitar cada homem a ser merecedor de igual respeito por parte da sociedade e do Estado, de forma que assegura à pessoa proteção contra condutas desumanas e humilhantes, bem como lhe garante o mínimo existencial para usufruir uma vida com qualidade. Ademais, é a dignidade a característica intrínseca do ser humano a qual lhe proporciona o direito de participar ativamente das decisões importantes de sua existência, de seu destino e da harmonia com os seus semelhantes.

Segundo Reale (1996), observa-se a existência de, basicamente, três concepções de dignidade da pessoa humana, a saber: o individualismo, o transpersonalismo e o personalismo.

O individualismo tem sua origem no indivíduo, e consiste no entendimento de que cada homem, ao cuidar de seus interesses, termina por proteger e realizar, indiretamente, os interesses coletivos. Trata-se, em princípio, de direitos inatos, anteriores à formação estatal e estabelecidos como limites à atividade do Estado que deve abster-se, o quanto possível, de interferir na vida social do cidadão. Assim, são os direitos contra o Estado, a fim de se preservar a autonomia do indivíduo, denominando-se como direitos de autonomia e direitos de defesa.

O transpersonalismo é o contrário: através da realização do bem coletivo, salvaguardam-se os interesses individuais, de maneira que, se não existir harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Aqui, nega-se a pessoa humana como valor supremo, e a dignidade da pessoa humana efetiva-se no coletivo. Conseqüentemente, limita-se a liberdade em favor da igualdade, que tende a identificar os interesses individuais com os da sociedade, que privilegia estes em detrimento daqueles.

O personalismo rejeita tanto a concepção individualista, quanto a coletiva. Como resultado, não há que se considerar o predomínio do indivíduo, tampouco do coletivo. Assim, a solução deve ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias, e o desfecho pode ser a compatibilização entre os referidos valores, resultando numa ponderação onde se avaliará o que é pertinente ao indivíduo e o que se relaciona com o todo, mas que pode, igualmente, haver a predominância de um ou de outro valor.

Para Reale (1996), não existe valor que supere o da pessoa humana, de forma que a primazia pelo coletivismo não pode, jamais, sacrificar ou ferir o valor do ser humano. A pessoa é, então, o mínimo que o Estado ou outra instituição devem respeitar, e estes não podem nunca ultrapassar a valorização da pessoa humana.

Rocha (1999) aduz que toda pessoa humana é digna, singularidade considerada fundamental e insubstituível, e esta dignidade é ínsita à condição do ser humano, colocando-o acima de qualquer indagação.

Consoante Mota (2007), o ato de ser digno e a liberdade atrelam-se à pessoa humana, de forma indissolúvel, sendo uma das finalidades do Estado propiciar condições para que as pessoas se tornem dignas. Ou seja, enquanto cabe ao homem dar sentido à sua vida, ao Estado, cabe o dever de facilitar-lhe o exercício da sua liberdade.

Por fim, Rocha (1999) afirma que o princípio da dignidade da pessoa humana arraigou-se no constitucionalismo contemporâneo, fazendo-se valer em todos os ramos do Direito. Assim, a partir da sua adoção, estabeleceu-se uma nova forma de pensar a relação sócio-política baseada no sistema jurídico, passando a ser princípio e também o fim do Direito, hodiernamente, produzido, e observado nacional e internacionalmente.

2.2 A COMPREENSÃO DA DIGNIDADE HUMANA A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Segundo Santin (2007), a atual Carta Magna é qualificada como a mais democrática da história constitucional do Brasil, intitulada como a "Constituição Cidadã" pelo presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulisses Guimarães. Durante a sua promulgação, este deputado ressaltou ser a mesma o documento da dignidade da pessoa humana, da democracia, da liberdade, da justiça social e da cidadania, de forma que a luta pela redemocratização do país e pela reafirmação dos anseios populares consolidar-se-iam, formalmente, através de sua promulgação.

Assim, no âmbito interno brasileiro, importa destacar que um dos mais preciosos valores da ordem jurídica pátria, erigido como Princípio Fundamental, pela Constituição Federal de 1988, foi a dignidade da pessoa humana.

Santin (2007) aduz que a Lei Maior, ao consolidar a Nova República que nascia em 1988, baseou-se no respeito à pessoa, nos direitos fundamentais e nos princípios do Estado Constitucional Moderno, conferindo ao homem primazia e subordinando o Poder Público à ordem democrática constitucional. Esse foi um fato marcante, uma vez que representou para o povo brasileiro um marco nas lutas pelos direitos fundamentais ocorridas no Brasil, cuja sociedade encontrava-se imobilizada pelo autoritarismo da ditadura militar por mais de vinte anos. Pode-se afirmar, entre as conquistas alcançadas pelo novo Texto Supremo de 1988, que se destaca a inserção do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos de existência da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito inaugurado por esta Carta Política.

Então, o princípio da dignidade da pessoa humana compõe-se como a base de todos os direitos constitucionais, e, sobretudo, como orientador estatal, objetivando abolir os excessos que ocorreram durante o período da ditadura militar.

Rocha (1999) ressalta que as catástrofes humanas nas guerras motivaram a inclusão da dignidade da pessoa humana no Direito, como essência do sistema jurídico.

Observa-se que toda forma de desumanização atinge não apenas uma pessoa, mas, sim, toda a humanidade representada em cada homem, razão por que o princípio matricial do constitucionalismo contemporâneo, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana se erigiu em axioma jurídico.

As reflexões apresentadas por Rocha (1999) relatam que, quando o Estado não opta pela democracia, não se obriga ao acatamento do princípio da dignidade da pessoa humana, porque o autoritarismo e o totalitarismo revertem os termos iniciais do axioma jurídico existente neste princípio, tornando o Estado fim e o homem meio. Assim, se algo é meio, então tem um preço e não uma dignidade, de maneira que, quando o Estado reduz o homem a meio, este homem perde o respeito à sua dignidade, e se reduz a algo que pode ser objeto de substituição, tal qual ocorreu no nazismo e nas várias faces do fascismo, contrariamente à concepção democrática.

Neste sentido, infere-se que o Estado Democrático de Direito tem o dever de impedir que o homem se prive do seu valor-fim dignificante, além da obrigação de opor-se a que o homem fique recolhido às margens políticas e socioeconômicas, tornando-se rejeitado pela sociedade e, envergonhado de si próprio, anule-se como cidadão.

Santos (1998) afirma que todas as ações estatais devem ser avaliadas, a fim de se verificar se cada pessoa é tomada como fim em si mesma ou se é considerada como instrumento, como meio para se atingirem outros objetivos, sob pena de inconstitucionalidade e de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, o ser humano é visto como um paradigma avaliativo para cada ação do Poder Público.

Assim, por ser princípio constitucional, o respeito à dignidade da pessoa humana obriga, de forma irrestrita e incontornável, o Estado, seus dirigentes e todos aqueles envolvidos na política governamental, de maneira que tudo que o contrarie seja considerado juridicamente nulo.

Desta forma, Rocha (1999) ressalta que, para se ter uma sociedade democrática, deve existir, obrigatoriamente, o pleno acatamento ao princípio da dignidade da pessoa humana, caracterizando-se este princípio como axioma jurídico, ou seja, como fundamento do sistema constitucional. Ademais, é por esta razão que quaisquer formas de exclusão do homem do ambiente social dos direitos fundamentais, de participação política livre, de atuação profissional respeitosa, de segurança pessoal e coletiva pacífica são inadmissíveis numa perspectiva de Estado Democrático. A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana não revela somente uma mudança nas Leis Fundamentais dos Estados contemporâneos, traduzindo-se num novo momento do Direito. Possui a sua base no valor supremo da pessoa humana considerada em sua dignidade incontornável, inquestionável e impositiva. Portanto, há uma nova idéia de Constituição, porque houve uma mudança no modelo jurídico-constitucional o qual passa de um paradigma de preceitos, anteriormente vigentes, para um figurino normativo de princípios.

Segundo Miranda (1991), a dignidade da pessoa humana é a fonte ética, e confere unidade de sentido, de concordância prática e de valoração ao sistema dos direitos fundamentais. Já Silva (1996) aduz que os direitos fundamentais efetivam-se no valor da dignidade humana. Ou seja, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Destarte, a interpretação dos preceitos legais e constitucionais deve realizar-se sob o enfoque destes direitos. Com razoabilidade, Canotilho (1993) assegura que, para se interpretar a Constituição, faz-se necessária a compreensão prévia da teoria dos direitos fundamentais.

Sarlet (2001, p. 26) aduz que "a vinculação indissociável entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais já constitui, por certa, um dos postulados, nos quais se assenta o direito constitucional contemporâneo".

Isso quer dizer que a base dos direitos fundamentais sustenta-se na dignidade humana, de forma indissociável, constituindo-se como um dos postulados do direito constitucional hodierno.

Portanto, todos os direitos fundamentais são explicitações do princípio da dignidade da pessoa humana, e, conforme demonstra Sarlet (2001, p. 87), "por via de conseqüência e, ao menos um princípio, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa".

Assim, como a dignidade humana é a base dos direitos fundamentais, então se pode afirmar que estes direitos expressam o valor da dignidade, e, conseqüentemente, em cada um deles existe algum conteúdo ou projeção da qualidade de ser digno.

Segundo Pinto (2004), a diferença entre as concepções personalistas e as teses individualistas referem-se, em sua origem, à defesa da personalidade e da dignidade da pessoa humana. A tutela dos direitos fundamentais da pessoa na Constituição objetiva criar limites ao poder político, a fim de se evitar a ofensa da pessoa, como indivíduo e cidadão. Os direitos da personalidade constituem um reconhecimento da dignidade da pessoa, e devem ser respeitados, independentemente, de qualquer formalismo ou positividade. As experiências políticas de constitucionalização dos direitos da personalidade não podem esquecer que a defesa do indivíduo pelo Direito é bem anterior a qualquer idéia de Constituição. Na arquitetura normativa da atualidade, cuja produção jurídica constitui monopólio de produção pelo Estado, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana serve de âncora para a defesa desses direitos.

A dignidade da pessoa humana foi conferida pelo Texto Supremo como um valor de máxima relevância jurídica mediante formação principiológica, e, segundo a observação de Martins (2003, p. 99), "esta pretensão de plena normatividade está bem caracterizada com a opção constitucional de incluí-la na categoria de princípio fundamental".

A inserção da dignidade humana, como Princípio Fundamental da Lei Magna de 1988, entre os fundamentos da República Brasileira, realmente, revelou a intenção do constituinte em empregar-lhe plena normatividade, através de sua caracterização como princípio.

Dessarte, consoante os argumentos de Martins (2003), a sua normatização tem o papel de servir como fonte de solução jurídica, e, devido a esta característica, os princípios emanam obrigatoriedade.

De acordo com Rocha (1999), a dignidade da pessoa humana passou a ser aceita sobre qualquer outra idéia, a fim de embasar as formulações jurídicas do período pós-guerra, e exprime-se como valor supremo, constituindo-se como a essência do Direito que se elabora a partir de então. Assim, por ser um valor supremo e fundamental, a dignidade da pessoa humana converte-se em princípio de Direito a integrar os sistemas constitucionais positivados e promulgados contemporaneamente, elevando-se à categoria de princípio jurídico fundamental. Então, pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se a espinha dorsal da normatização jurídica, transformando-se no patrimônio jurídico-moral da pessoa, presente, sobretudo, nos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal de 1988.

Segundo Azevedo (2002), para que a dignidade da pessoa humana possaatingir a posição de princípio jurídico fundamental, orientando a interpretação e a aplicação das demais normas do ordenamento jurídico, deverá possuir o imperativo da intangibilidade da vida humana, originando, desta forma, os seguintes preceitos: gozo dos pressupostos materiais mínimos, para que se possa viver (condições materiais); respeito à integridade física e psíquica do indivíduo (condições naturais) e fruição das condições mínimas de liberdade e de convivência social igualitária (condições culturais).

Miranda (2000), por sua vez, sintetiza, como diretrizes básicas do princípio da dignidade humana no Direito Constitucional, estas assertivas: a dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e a cada uma das pessoas individual e concretamente; a dignidade da pessoa humana refere-se à pessoa desde a sua concepção e, não somente, desde o nascimento; a dignidade é da pessoa, seja homem ou mulher; cada pessoa vive em relação comunitária, o que implica o reconhecimento por todas as pessoas de que cada uma delas tem igual dignidade; embora cada pessoa viva comunitariamente, a dignidade que cada uma possui é dela mesma e, não, da situação considerada em si; o primado da pessoa é o do ser e, não, o do ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade; apenas a dignidade justifica a busca pela qualidade de vida; a proteção da dignidade das pessoas encontra-se além da cidadania portuguesa, e postula uma visão universalista de atribuição dos direitos; enfim, a dignidade pressupõe a autonomia vital do indivíduo, a sua autodeterminação frente ao Estado, às outras entidades públicas e às demais pessoas.

A Constituição da República Federativa do Brasil assegura direitos e deveres fundamentais a todos, entretanto destaca o principio da dignidade humana, em seu artigo 1º, inciso III, como valor absoluto, o qual serve como base para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.

Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 1°, inciso III, elevou a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos do Estado Brasileiro, ou seja, na Lei Maior, ela é posta como fundamento da própria organização política do Estado Democrático de Direito, nos termos em que se estrutura e visa a se desenvolver, legitimamente, a República Federativa do Brasil.

Rocha (1999) ressalta a importância de se interpretarem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil presentes no artigo 3° da Constituição Federal de 1988 acoplados aos fundamentos contidos no artigo 1°, mormente o da dignidade da pessoa humana, pois se constituem como impeditivos do pensamento individualista o qual poderia conduzir aos perigos do exagero interpretativo, o que se oporia à plena concretização do princípio da dignidade em vez de aperfeiçoá-lo em sua dimensão mais humana.

O que caracteriza o ser humano e o preenche de dignidade especial é o fato de que ele nunca pode ser meio para os outros, mas, somente, um fim em si mesmo. Uma vez que o texto constitucional afirma que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, conclui-se que o Estado existe em função de todas as pessoas, e não estas em função do Estado.

Neste contexto, pode-se afirmar que:

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de ser do estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado (como ocorre nos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana (ALEXANDRINO; PAULO, 2008, p. 87).

A inserção deste princípio na atual Carta Constitucional pretendeu garantir segurança a todos os cidadãos de que o Estado Brasileiro centralizar-se-ia no ser humano, de forma que a atuação estatal estaria voltada para a concretização da dignidade da pessoa humana, e, não, para a efetivação dos anseios do Estado, tal como acontece nos regimes autoritários e ditatoriais. Inclusive a intenção do constituinte originário foi o rompimento com o sistema anterior, a ditadura militar, a qual se comportava, não colocando a dignidade do homem como prioridade, mas, antes, importava-se em focar suas ações apenas em prol do Estado autoritário.

De acordo com as lições de Alexandre de Moraes apud Alexandrino e Paulo (2008, p. 88): "Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual".

Então, o fundamento da dignidade humana presente na atual Constituição assegura que o Estado não adotará práticas transpessoalistas do próprio Estado em desfavor dos direitos de liberdade dos indivíduos.

Logo, segundo Alexandrino e Paulo (2008), a dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo, a saber: de um lado, reflete-se como um direito de proteção individual, não apenas em relação ao Estado, mas, também, ante os demais indivíduos, e, de outro, forma a essência do dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.

Alexandre de Moraes (2000, p. 60) aduz que:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil.

Constata-se, portanto, que o valor da dignidade inerente a todo ser humano traz consigo conseqüências como a determinação lúcida e sensata que cada pessoa deve possuir na condução da sua vida. Ademais, a dignidade subentende a consideração e o respeito que se deve ter das outras pessoas. Deve, também, constituir um mínimo intangível dos diplomas jurídicos, e, somente, de forma excepcional, pode-se limitar a plenitude dos direitos fundamentais, contudo, sem desprezar a afeição que todas as pessoas são merecedoras na condição de seres humanos. Afinal, todos os direitos originam-se a partir da concretização deste fundamento da República Brasileira.

Barcellos (2002) afirma que a Constituição Brasileira estabelece a pessoa humana como o sujeito de direito legitimador de todo o ordenamento jurídico, isto é, a pessoa humana é o valor máximo da República.

Bobbio (2000, p. 500) afirma que o reconhecimento da dignidade da pessoa humana tende a garantir ao indivíduo não somente o direito à vida, pois este se caracteriza como um direito elementar e primordial do homem, no atual estado da humanidade, mas também como:

O direito de ter o mínimo indispensável para viver. O direito à vida é um direito que implica por parte do Estado pura e simplesmente um comportamento negativo: não matar. O direito de viver implica por parte do Estado um comportamento positivo, vale dizer, intervenções de política econômica inspiradas em algum princípio de justiça distributiva.

Portanto, ao Estado, cabe comportar-se, basicamente, de duas maneiras: inicialmente, manter condutas negativas diante dos cidadãos, a fim de assegurar o mínimo dos direitos, que é a vida de cada um. Depois, requerem-se deste ente estatal atitudes positivas, através de ações políticas e econômicas, justas e distributivas, para garantir o direito de viver baseado no princípio da dignidade humana.

Sarlet (2001) alega que o princípio da dignidade da pessoa humana, como valor áureo do sistema constitucional, opera com o fim de orientar o legislador bem como o aplicador das normas jurídicas, ao solucionar conflitos, guiando as diversas opções a serem realizadas no caso concreto, embasando garantias de condições mínimas de existência e de vida digna.

Canotilho (1997, p. 225) assevera que:

Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios.

Realmente, é neste sentido que a República deve existir: com a finalidade de ser útil ao homem, ou seja, esta deve se organizar, a fim de tornar a vida humana digna. Neste sentido, a atuação estatal deve se limitar ao ser humano, de forma que o equilíbrio das ações republicanas esteja focado na dignidade do homem, a quem a República deve servir, e, não, o homem quem deve servir ao aparelhamento estatal. Por isso, a dignidade da pessoa humana é fundamental como base desse sistema, uma vez que assegurará que as experiências de aniquilação humana voltem a tornar-se realidade.

A elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica, fez com que este fundamento da República amparado na dignidade da pessoa humana servisse como mola de propulsão da intangibilidade da vida do homem, dela se fortalecendo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a admissão da existência de pressupostos patrimoniais mínimos, para que se possa viver, assim como a reverência às condições fundamentais de liberdade e de igualdade.

Canotilho (1997) afirma que a dignidade humana expressa à República a idéia de uma comunidade inclusiva pautada pelo multiculturalismo religioso e filosófico. Ademais, ao indagar-se acerca do sentido que possui uma República baseada na dignidade da pessoa humana, enfatiza que esta deve considerar o princípio material subjacente à idéia de dignidade humana, ou seja, o autor acolhe a idéia do indivíduo conformador de si mesmo, isto é, aquele que comanda a sua vida de acordo com o seu projeto espiritual próprio.

Conforme Rocha (1999), a expressão do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Brasileiro significa que este existe para o homem, ou seja, que tem sua razão de ser, para assegurar condições políticas, sociais, econômicas e jurídicas capazes de permitir que o homem atinja as suas finalidades. Dessarte, o homem é o fim do Estado, isto é, o ser humano como sujeito de dignidade, de razão posta supremamente acima de todos os bens, inclusive do próprio Estado. Portanto, como o Estado é o meio cuja finalidade é o homem, o princípio da dignidade vincula e obriga todas as ações e políticas públicas, sendo, pois, o acatamento pleno ao princípio da dignidade o fator responsável para tornar legítimas todas as condutas, as ações e as opções estatais.

O homem é um fim em si próprio e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação, pois ele tem dignidade ontológica, de maneira que o Direito e o Estado deverão organizar-se em benefício de todos os indivíduos (KANT apud BARCELLOS; BARCELLOS, 2002).

Para Bonavides (1998, p. 384), "a dignidade do homem é o valor mais alto da Constituição. Não pode ser ferido. E que a liberdade espiritual, política e econômica do ser humano também não pode ser alvo de limitações que lhe atinjam o âmago."

Então, observa-se que a liberdade humana não pode ser atingida por limitações, porque ela pertence à dignidade do homem, cujo valor é o maior da Constituição, e, que, portanto, não pode ser aniquilado. Essa é uma garantia jurídica presente apenas nas Cartas Políticas as quais consagram e respeitam o valor da dignidade intrínseca do ser humano, tal como ocorre na Lei Maior Brasileira.

Para Rocha (1999), sem o respeito à dignidade da pessoa humana, não tem como se considerar o Poder exercido legitimamente, uma vez que a legitimidade tem sua única expressão no homem, respeitado em sua essência.

Sarlet (2001) afirma que todos os setores da ordem política devem ser atingidos pelo valor da dignidade humana, de forma que o Estado tem a obrigação de legislar normas e realizar políticas públicas, a fim de satisfazer as necessidades vitais básicas de seus cidadãos, velando, assim, por sua existência digna. Igualmente, a sociedade tem o dever de atuar em conjunto com o Estado, para a concretização destas leis e das políticas públicas. Então, observa-se que a dignidade da pessoa humana é um limite e também uma tarefa estatal, de forma que, ao considerá-la como uma prestação ativa imposta ao Estado, o respeito à dignidade humana exige que as ações estatais estejam guiadas para a preservação das condições de dignidade já existentes, assim como para a promoção da dignidade ainda por conquistar, o que criará condições que possibilitam o seu pleno exercício e fruição pelos indivíduos, uma vez que pertence a cada indivíduo isoladamente, não podendo ser alienada, violada ou perdida. Todavia, importante ressaltar que, em diversas situações, não é possível a cada indivíduo sozinho a obtenção de condições para a realização de suas necessidades existenciais básicas, necessitando-se a ação conjunta do Estado e da sociedade como um todo.

Enfim, Santos (1998) afirma que, ao se considerar o homem como um fim em si mesmo, e o Estado, existindo em função dele, não conduz a uma acepção individualista de dignidade humana, isto é, se acaso existir um conflito entre o indivíduo e o Estado, não significa que se privilegiará sempre aquele. A concepção adotada aqui é a personalista, uma vez que busca compatibilizar a relação entre os valores individuais e os coletivos. Assim, não existe predominância do todo sobre o indivíduo e tampouco subordinação do coletivo à pessoa humana. A solução será buscada em cada caso considerado em suas peculiaridades, de acordo com as circunstâncias, de maneira que solução pode estar na compatibilização, como, também, na preeminência de um ou de outro valor.

2.3 O ALARGAMENTO DA DIGNIDADE HUMANA DENTRO DAS NECESSIDADES DA TERCEIRA IDADE

Segundo Rodrigues (2010), o avanço no envelhecimento da população no Brasil é resultado do aumento da expectativa de vida, do progresso da medicina, assim como é conseqüência também da diminuição da taxa de natalidade. Assim, a atual situação do idoso brasileiro, isto é, da pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, consoante a Lei n° 10.741/2003, reclama por uma maior atenção, através de amparos especiais, uma vez que, muitas vezes, esta camada da população encontra-se em situação de desprezo e de abandono social.

Polettini (2010) afirma que o aumento da perspectiva de vida consiste em uma tendência mundial devido a vários fatores, tais como: os avanços tecnológicos na área da medicina, o saneamento básico, a educação e a cultura. Ou seja, a soma de todos esses fatores possibilitou consideravelmente a melhoria da qualidade de vida da população, em especial, dos idosos brasileiros, salvo algumas exceções quanto aos países que vivem em estado de miséria e de guerras. Assim, é certo afirmar que o Brasil tem acompanhado esta tendência mundial de envelhecimento da população, aproximando-se dos países desenvolvidos da Europa. O Estado Brasileiro teve papel fundamental na conquista de uma maior longevidade para sua população, através de campanhas de vacinação, de políticas sanitárias, de saneamento básico, águas potáveis e na melhoria das condições de habitação.

Para Ramos (2000), o envelhecimento da população mundial é um fato que não pode mais ser desconsiderado sob pena de se excluir dos grandes debates sobre os direitos fundamentais um enorme contingente de pessoas no planeta, portanto visões negativas da velhice ou, até mesmo, o descaso com os idosos devem ser superadas.

De acordo com Oliveira e Armelin (2009), envelhecer é um direito personalíssimo e social, uma vez que não é possível a sua renúncia, constituindo-se em um processo por que todos passarão, salvo se tal destino for desviado pela morte.

Rodrigues (2010) aduz que, não raro, o idoso, no Brasil, infelizmente, é vítima de agressão física, violência psicológica, moral, sexual, financeira, social, emocional, medicamentosa, além de negligência e abandono, o que resulta em situações que atacam a sua auto-estima, vitimando-os da desigualdade e da discriminação, já que a sociedade, freqüentemente, considera-os incapazes de autodeterminação.

Ramos (2000) assevera que, na Constituição Federal de 1988, dentre os direitos fundamentais, encontram-se os direitos sociais, os quais reclamam prestações positivas para se tornarem realidade e, entre eles, elenca-se a assistência e a proteção à velhice, tratada, com maior detalhamento, no Capítulo VII (Da família, da criança, do adolescente e do idoso), do Título VIII (Da Ordem Social), nos artigos 229 e 230.

Nesse sentido, observa-se que a Constituição Federal de 1988 destacou um capítulo para os idosos (Capítulo VII, do Título VIII: Da Ordem Social), demonstrando, assim, o constituinte, o respeito e a preocupação com estas pessoas, oferecendo-lhes uma tutela especial ante as suas peculiaridades.

Ramos (2000) acrescenta que, como a Constituição Federal de 1988 erigiu a dignidade humana ao centro do ordenamento jurídico pátrio, então, para que se concretize esta dignidade teórica na prática, é indispensável que se efetive uma ampla esfera de direitos fundamentais.

Constata-se que, com o acolhimento deste princípio da dignidade humana, o Estado torna-se obrigado a adotar políticas públicas inclusivas, isto é, ações capazes de possibilitar acesso a todos os homens nos bens e serviços, de maneira que os mesmos possam ser parte ativa no processo socioeconômico.

No mencionado capítulo, o constituinte de 1988 atribuiu à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar os idosos na sociedade, assistindo-lhes preferencialmente em seus lares, garantindo-lhes participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar. A velhice é um direito humano fundamental, porque ser velho significa ter direito à vida e o direito de dar continuidade a esse fluxo, que deve ser vivido com dignidade.

Logo, Ramos (2000) aduz que não há como negar o propósito do constituinte e do legislador ordinário em proteger os idosos, e, além disso, o conhecimento das normas constitucionais e infraconstitucionais sobre a velhice é de importância vital para a disseminação de uma nova racionalidade, com o fim de valorizar esta fase da vida do ser humano, onde o respeito à dignidade humana deve estar presente.

Assim, o artigo 230 da Constituição Federal afirma que "a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida".

Portanto, constata-se que o constituinte reconheceu que o amparo aos idosos é uma obrigação da família, da sociedade e do Estado, através de sua inserção na sociedade, a fim de garantir-lhes bem-estar e qualidade de vida. Ademais, assegurou a defesa da dignidade destas pessoas constantemente desrespeitadas, em conseqüência da perda do vigor, fato este considerado como uma seqüência natural da vida do ser humano.

O §1° do artigo 230 da Constituição Federal assevera que "os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares". Ou seja, o constituinte pretendeu proporcionar às pessoas mais velhas maior comodidade e conforto para a execução dos programas de amparo, considerando as dificuldades naturais que os mesmos enfrentam nesta fase da vida.

Já o §2° do artigo 230 da Constituição Federal assegura que "aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos". Isso também expressa o zelo que o legislador constitucional revelou a estas pessoas, que, normalmente, têm seus custos financeiros aumentados em decorrência das necessidades naturais da idade.

O artigo 229 da Constituição Federal aduz que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".

Importantíssima esta inclusão, no texto constitucional, de que os filhos maiores tenham a obrigação de auxiliar e de dar amparo aos seus pais na velhice, nas dificuldades e nas doenças, uma vez que os maus tratos, o abandono, o descaso e a indiferença aos idosos devem ser banidos da sociedade. Em um Estado Democrático de Direito, fundamentado no valor da dignidade da pessoa humana, a proteção aos mais vulneráveis e aos mais necessitados deve ser seriamente perseguida, a fim de se consolidar, na prática, os valores contidos na Carta Magna Brasileira, conhecida como "Constituição Cidadã".

Quanto à legislação infraconstitucional, a Lei n° 8.842/1994 dispõe acerca da Política Nacional do Idoso, responsável pela criação do Conselho Nacional do Idoso, sendo o Decreto n° 1.948/1996 o ato normativo responsável por regulamentar a mencionada lei. Além deste, há também o Decreto n° 4.227/2002 o qual regulamentou o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI.

Além destes diplomas legais, há também a Lei n° 10.173/2001 a qual estabeleceu prioridade às pessoas com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos nos procedimentos judiciais, desde que figurem como parte ou como interveniente. Por fim, a Lei n° 10.741/2003, conhecida como o Estatuto do Idoso, a qual visa a garantir a inclusão e a integração dos idosos na sociedade, através da melhoria de sua qualidade de vida e do usufruto de outros direitos compatíveis com uma vida digna.

Segundo Ramos (2004), a aprovação do Estatuto do Idoso demonstra que a sociedade brasileira preocupa-se com o novo perfil populacional do Brasil, já que este não é mais um país de jovens, e, sim, uma nação em acelerado processo de envelhecimento, o que exige do governo e da sociedade a prática de ações voltadas para garantir os direitos fundamentais dos idosos.

Constata-se, portanto, de acordo com Oliveira e Armelin (2009), que a legislação nacional amparou o direito personalíssimo ao envelhecimento, destacando-o também como um direito social, ou seja, são direitos adquiridos a partir do nascimento, de forma involuntária e caracterizando-se como inalienável, tudo em consonância com a Constituição Federal de 1988, a qual elencou os direitos sociais entre os artigos 6° e 11, estando o idoso incluído no rol dos direitos trabalhistas vigentes.

Então, conforme Polettini (2010), pode-se afirmar que, no campo legislativo, o idoso brasileiro encontra-se muito bem protegido, a começar pela Constituição Federal, que, em seu artigo 1º, declara que são Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade humana. Assim, o idoso, como cidadão, já se acha protegido pelo princípio estrutural da Lei Maior, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana. Destarte, o idoso deve ser contemplado por todos os instrumentos que asseguram a dignidade humana aos brasileiros, sem distinção. Portanto, essa consideração já seria suficiente, porém, como o idoso, quase sempre, não é tratado como detentor de cidadania, então a realidade impeliu o legislador constituinte a expressar, no texto constitucional, os meios legais para que o mesmo não seja mais discriminado e passe a receber o tratamento que lhe é devido. Desta forma, o direito ao trabalho e à profissionalização são direitos fundamentais do idoso, e a Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o trabalho como um direito social e fundamental, através dos artigos 1°, IV e 230, caput:

Artigo 1°: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:

Inciso IV: os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Artigo 230: A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes direito à vida.

Percebe-se, destarte, que a Constituição Federal de 1988 não excluiu o idoso do direito ao trabalho, garantindo-lhe o acesso ao mercado laborativo, a fim de concretizar a sua dignidade humana em toda sua plenitude.

Ramos(2003) afirma queo respeito à dignidade humana, por estar estampado nos direitos sociais, é patrimônio de suprema valia, fazendo parte, tanto ou mais que algum outro, do acervo histórico, moral, jurídico e cultural de um povo, de maneira que, o Estado, enquanto seu guardião, não pode amesquinhá-lo, corroê-lo, dilapidá-lo ou dissipá-lo.

Assim, quando a Carta da República erigiu a princípio fundamental do Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana, fez de forma a assegurar que as normas e garantias ali presentes tivessem por fulcro a dignidade intrínseca do ser humano, ou seja, de homens, de mulheres, de crianças, de adolescentes, de adultos e de idosos, tomando a expressão em uma acepção ampla, independentemente de raça, de cor, de convicção política ou religiosa.

Destarte, ao traçar esses princípios como diretrizes fundamentais da República, o constituinte tratou de encaminhar, de acordo com a observação de Ramos (2003, p. 214), "toda a atuação do Estado e da sociedade civil em direção à efetivação desses fundamentos, diminuindo, com isso, o espaço de abrangência da concepção de que as pessoas, na medida em que envelhecem, perdem seus direitos".

Desse modo, ao envelhecer, uma pessoa continua receptora de direitos e garantias, uma vez que a faixa etária maior não determina a perda da qualidade de ser uma pessoa digna. Ademais, o ordenamento proíbe quaisquer formas de discriminação relativas à idade.

Para Ramos (2003, p. 215), "a CF/88 não deseja que o dispositivo seja visualizado a partir de etapas da vida, a não ser com o objetivo de implementar políticas públicas diferenciadas para assegurar os direitos fundamentais os quais todos os homens são credores".

O propósito da Constituição é este: orientar a criação de políticas públicas diversas, atentando para o fato de que cada pessoa é diferente da outra, e que, assim, necessita de cuidados específicos, conforme suas peculiaridades e o estágio de sua vida.

De acordo com Polettini (2010), a vida em sociedade liga-se intimamente à idéia de constituição familiar e também de labor, como forma de se obter remuneração suficiente, para se atender às necessidades da família. Por isso, a palavra aposentadoria apresenta um estigma ameaçador, uma vez que carrega dificuldades de se obterem meios para o sustento e a sobrevivência do indivíduo e de sua família. Percebe-se que não há uma preparação para esta nova fase da vida, que é a aposentadoria, onde a pessoa é impelida a romper sua rotina diária, de trinta anos, aproximadamente, e perder o seu trabalho. Observa-se que durante esses longos anos, a pessoa se mantém ocupada principalmente com sua família e com seu trabalho produtivo. Portanto, na prática, a aposentadoria pode ser frustrante, uma vez que é uma mudança drástica na vida do trabalhador, incluindo redução de renda, sensação de ociosidade e perda de importância social, já que se aposentar, mantendo o mesmo padrão de vida dos tempos da atividade é um ideal cada vez mais distante para trabalhadores do mundo inteiro. Assim, a grande maioria dos aposentados com proventos de média e baixa renda depende do valor que lhe é pago pelo Estado, para sobreviver e sustentar os seus dependentes, pois se verifica que muitos idosos sustentam a casa em que vivem, ou contribuem, significativamente, para a manutenção da família. Isso deixa bem claro que o idoso é considerado fator de equilíbrio social e de manutenção da família. Destarte, após o aumento da expectativa de vida, observa-se que a saída do mercado de trabalho aos sessenta anos de idade é certamente prematura.

Consoante Santin (2007), a visão capitalista a qual valoriza o ser humano apenas enquanto este for capaz de produzir o capital precisa ser superada. Ademais, a cultura que associa à velhice a noção errônea de decadência e de inutilidade do ser humano, tratando-o através de conceitos como filantropia e piedade, deve ser transformada.

Para Ramos (2000), é necessário superar a exclusão dos velhos, de forma a encarar a velhice, não apenas, como uma questão fundamental ao desenvolvimento da vida do homem, mas, sobretudo, como um direito humano fundamental.

Dúvidas não há de que a Constituição Federal Brasileira de 1988 visou a proteção ao idoso, almejando, assim, garantir a sua dignidade. Entretanto, cabe aos detentores do poder político e à sociedade não se omitirem ante esta realidade, para que não se negue efetividade aos direitos legais de proteção aos idosos, uma vez que tal conduta poderá reverter, no futuro, contra si mesmos.

A Declaração dos Direitos Humanos, em seu artigo 25, afirma que:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (Grifo nosso)

Assim, esse diploma jurídico reconhece a proteção à velhice, dispondo que todo ser humano tem direito a um padrão de vida o qual seja capaz de assegurar a si e à sua família segurança em caso de falta de trabalho, entre outros aspectos.

Segundo Santin (2007), não somente neste diploma legal, Declaração Universal de Direitos Humanos, mas tal reconhecimento existe inclusive em inúmeras constituições modernas, além do Brasil, como na China, em Cuba, na Venezuela, na Espanha, em Guiné-Bissau, na Itália, no México, no Peru, na Suíça, em Portugal e no Uruguai.

No entanto, para Ramos (2000), assim como os demais direitos sociais, positivar um sistema de proteção ao idoso, constitucional e infraconstitucionalmente, não garante a sua eficácia concreta, pois é necessária força normativa ao ordenamento jurídico. Isso é necessário, para que os responsáveis cumpram estes mandamentos com seriedade, através de atos e decisões baseados nos princípios e nos objetivos presentes na Constituição, de maneira que, enfim, todos os seres humanos possuam direitos iguais a usufruir uma vida digna.

Logo, Hesse (1991) declara que, para que o ordenamento jurídico possua força normativa, é preciso existir vontade dos poderes constituídos, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma conjunta, constituindo-se muito mais como uma questão política que jurídica. Destarte, enfatiza-se que, quanto mais intensa e forte for a vontade de uma Constituição, menos expressivas serão as limitações e as restrições determinadas à força normativa da Lei Maior.

Pode-se afirmar que a criação de políticas sociais diferentes para grupos específicos da sociedade é a aplicação concreta do princípio da isonomia, pois esta deve ser empregada na sua acepção material ou substancial, isto é, tratar os cidadãos iguais com igualdade e favorecer tratamento desigual aos desiguais, na medida da desigualdade destes, fundamentando, assim, a clássica lição de Aristóteles.

Nesse contexto, considerando as necessidades da terceira idade, são necessárias políticas públicas, no sentido de inserir os idosos no usufruto dos direitos sociais na sua totalidade, ou seja, como sujeitos de direito na ordem jurídica, não somente, em relação à saúde, ao lazer, à previdência e à assistencial social, mas, principalmente, quanto à ampliação de seu direito de acesso ao mercado de trabalho, mediante incentivos do governo e da sociedade em geral, para que desfrutem de sua dignidade humana em toda sua plenitude.

Segundo os ensinamentos de Duguit (1996), os homens nascem partícipes de uma coletividade, e estão, portanto, sujeitos a todas as obrigações que subentendem a manutenção e o desenvolvimento da vida coletiva.

Assim, para que haja o alargamento da dignidade humana dentro das necessidades da terceira idade, necessário se faz que a obrigação de proteção e de resguardo da pessoa idosa seja repartida entre todos, a saber: a família, a sociedade e o Estado, conforme preceitua o princípio constitucional da solidariedade e o artigo 230, caput, da Constituição Federal de 1988.

Nesse diapasão, é fundamental que toda a sociedade conheça os direitos relativos aos idosos, a fim de propiciar-lhes a sua fruição juntamente com o Estado.

Um trabalho realizado por cinqüenta estudantes universitários de ambos os sexos, escolhidos aleatoriamente, dos diferentes cursos da Universidade Federal da Paraíba, Campus I, em 2006, resultou no artigo "Abordagem Psicossocial de Estudantes Universitários sobre os Direitos dos Idosos" de Rodrigo Silva Paredes Moreira e outros (2006). De acordo com os dados desse artigo, constatou-se que, ao serem estes mesmos estudantes pesquisadores indagados, se conheciam os direitos dos idosos garantidos por lei, vinte e nove responderam afirmativamente, todavia vale salientar que, dentre estes cinqüenta estudantes pesquisadores entrevistados, vinte e três eram acadêmicos de Direito. Destarte, o mencionado trabalho de pesquisa concluiu que é evidente a defasagem destes conhecimentos em um momento em que inexistem programas sociais capazes de suprir as demandas desta parcela da população.

De acordo com Moreira et al. (2006), os resultados acerca do que os universitários da pesquisa pensam sobre os direitos dos idosos incluíram que, no âmbito psicológico, o idoso é visto por características positivas e negativas. Entre estas, estão o cansaço, a invalidez, a fragilidade, a depressão e a incapacidade, e, entre aquelas, há a percepção de ser uma pessoa bastante capaz, que encara a vida de forma positiva. Quanto ao cunho social, para estes estudantes universitários, o idoso é representado como uma pessoa discriminada, marginalizada e tendente ao abandono, além de ser alvo de preconceito e de desprezo pela sociedade. Em relação ao aspecto jurídico, os mesmos estudantes definiram o idoso como uma pessoa que já adquiriu algumas conquistas, por exemplo, o transporte público, o cinema grátis, as preferências em filas, o direito à moradia, entre outros. Enfim, na dimensão cultural, para os referidos estudantes, existe a idéia do idoso como uma pessoa que deve ser respeitada, que deve ter acesso aos eventos culturais e que tem muito a ensinar aos outros.

Laytano citado por Duarte (1998) afirma que a velhice é um fenômeno social, definido por um processo natural da evolução humana, caracterizado por peculiaridades, abrangendo aspectos psicossociais importantes, de forma que a valorização do idoso como uma pessoa útil na sociedade favorece maiores possibilidades para se alcançar um estilo de vida melhor para o idoso, para a família e, assim, para a comunidade.

Moreira et al. (2006) afirmam que o envelhecimento saudável inclui, sobretudo, a observância do atendimento das necessidades que transcendem a manutenção de um bom estado de saúde física. Assim, os idosos precisam do reconhecimento, do respeito, da segurança e de se sentirem participativos e atuantes em sua comunidade, expondo suas opiniões, seus pensamentos, seus interesses e, também, suas experiências de vida. Ademais, é indispensável que sejam aceitos como pessoas com necessidades e direitos especiais, sem qualquer discriminação. Atesta-se, também, que se observa uma representação negativa do idoso em termos da prática profissional, dificultando-lhe o usufruto pleno de seus direitos de cidadão, e que muito pouco se tem feito, a fim de superar esta realidade. Assevera, ainda, que o respeito aos direitos do cidadão, tais como a vida, a saúde, o trabalho, entre outros, deve ser buscado como uma obrigação pelos que governam independentemente das instâncias de poder.

Marangoni (2007) aduz que, no contexto contemporâneo, as novas experiências da velhice associam-se ao trabalho pós-aposentadoria, à inserção em atividades sociais, culturais e de saúde fora do ambiente familiar, por exemplo, as Universidades da Terceira Idade e os grupos de convivência. Não menos importante é o estabelecimento de outras formas de relação afetivo-sexual as quais surgem na sociedade, cuja população torna-se progressivamente mais envelhecida.

Conforme Oliveira e Armelin (2009), há diversas vantagens para o idoso que labora, pois este se conserva ativo física e intelectualmente, além de sentir-se independente, útil e valorizado.

Finalmente, para se entender o idoso, é necessária a reflexão do próprio envelhecimento, especialmente, quanto à distribuição desigual dos direitos e dos deveres do cidadão.

Sobre a autora
Juliana Vasconcelos de Castro

Possui mestrado e especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa onde atualmente estuda doutoramento em Direito Privado Romano. Membro da Associação Nacional de Advogados de Direito Digital, onde atua em grupos de trabalho em startups, healthtechs e relações de trabalho digital. Sócia-fundadora do Juliana Vasconcelos Advogados, nas áreas de Direito Digital e de Startups. Compliance officer. Palestrante, docente e autora de e-books e de livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Juliana Vasconcelos. O resgate da dignidade humana do idoso através do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2884, 25 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19188. Acesso em: 2 nov. 2024.

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