Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Introdução ao Direito Arbitral no Brasil

Exibindo página 2 de 3
Agenda 21/06/2011 às 11:53

3 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS

No presente item analisar-se-á a evolução histórica da arbitragem, iniciando-se pela evolução do instituto na fase que antecedeu ao domínio de Roma até o período que antecedeu a promulgação da Lei nº 9.307/96 no Brasil. A análise considerará somente períodos importantes da história, com omissão de fatos que não possam ser comprovados.

3-1 – ARBITRAGEM PELO MUNDO

Como informa Rosemiro Pereira Leal, no período sacerdotal, anterior ao domínio de Roma, a arbitragem era, inicialmente espontânea e não prevista em lei, onde se escolhia terceiros – sacerdotes, caciques, pajés, técnicos, alquimistas etc. – predestinados à compreensão do direito humano e divino para decidirem os conflitos daquela época. [21]

Esse período era caracterizado pelo desconhecimento do Estado organizado conforme o modelo atual e, consequentemente, não existia um ordenamento jurídico que regulasse todas as relações jurídicas entre as pessoas. Nesse diapasão, os conflitos eram resolvidos, geralmente, por meio da autotutela, onde o mais forte ou mais astuto, normalmente, saía vitorioso. Com as manifestas desvantagens do sistema de autotutela e com a evolução intelectual dos povos, os conflitos, com o passar do tempo, passaram a ser resolvidos por terceiros que, conforme se acreditava na época, possuíam o monopólio da interpretação das leis humanas e divinas (modelo aristocrático da interpretação das leis).

Entretanto, o maior problema da época dizia respeito à execução dos julgados, pois o cumprimento espontâneo dependia do grau de prestígio que o árbitro desfrutava junto às partes.

O primeiro período que vai desde a fundação de Roma (754 a.C.) até o ano de 149 a.C. é conhecido como o período da Legis actiones – ações da lei – assim chamadas, pois se relacionavam com a Lei da Doze Tábuas [22]. Nesse sistema, o litígio era submetido a um magistrado do Estado (in jure) para, em seguida, ser decidido por um árbitro particular, onde este decidia conforme as regras estipuladas pelo magistrado, vinculando-se a formas e palavras sacramentais [23].

O procedimento, inspirados nas exigências de um povo primitivo, era nitidamente formalista, obedecendo a solenidades rigorosíssimas, em que as fórmulas verbais, cada uma das palavras e os gestos deveriam ser escrupulosamente obedecidos. Qualquer desvio ou quebra de solenidade, por mínimos que fossem, um gesto que fosse olvidado, ma palavra omitida ou substituída dava lugar à anulação do processo, com a vedação de propositura de outro sobre o mesmo objeto. [24]

Nesse período, diferentemente do anterior, o procedimento era dividido em duas fases. Num primeiro momento, o litígio era submetido a um magistrado (funcionário público), onde o autor formulava o pedido e o réu apresentava defesa. Depois de concedida a ação, o magistrado delimitava o objeto do litígio (litiscontestatio), nomeando o árbitro que deveria julgar o litígio. Na segunda fase, denominada de in iudicio, o árbitro, normalmente um particular, colhia todas as provas necessárias e, por fim, julgava o litígio. Todos os atos do procedimento eram orais.

Portanto, na primeira fase o procedimento se desenrola na presença do magistrado, funcionário público, onde num juízo preliminar, delimitava o objeto do litígio. Na segunda fase, o procedimento desenrolava-se perante um árbitro, que tinha a incumbência de decidir o litígio.

O período denominado de formulário ou per formulas coincide com o surgimento da República em Roma. Denomina-se período formulário, pois o autor ao expor sua pretensão indicava no álbum do pretor a formula correspondente à ação que pedia, onde se achava com outras muitas fórmulas estabelecidas pelo magistrado. A formula consistia num pequeno documento, fundado em modelo já publicado pelo pretor com seu edito, e que, na ocasião, era elaborado perante esse magistrado, com a colaboração das partes e do próprio magistrado, destinado a concretizar por escrito as pretensões daquelas e a fixar a missão do juiz, no mesmo documento indicado para decidir a causa. [25]

Nesse período a função de decidir o litígio continuava a cargo do árbitro, que era escolhido de comum acordo pelas partes ou em caso de controvérsia sobre sua pessoa, o pretor designava dentre os indicados na lista dos juízes. [26]

Portanto, o procedimento era dividido em duas fases. Na primeira fase o pretor (nomeado pelo Estado) fixava o objeto litigioso e as partes nomeavam o árbitro que decidiria o litígio. Numa segunda fase, o árbitro, sempre um particular, produzia as provas necessárias e julgava o litígio. Entretanto, apesar das diversas semelhanças, esse período diferia do anterior, porque houve a supressão do formalismo excessivo e os atos praticados passaram a ser escritos.

Após a supressão das fórmulas, período denominado de extra ordinem, o juiz oficial (nomeado pelo Estado) teve a incumbência de dar início ao processo, julgar e executar suas decisões. Houve, nesse período, a supressão da figura do árbitro.

Portanto, percebe-se nessa breve incursão ao direito romano, que a arbitragem foi gradativamente suprimida em conformidade com o gradativo aumento de poder do império romano. Passou-se da autotutela à arbitragem realizada por pessoas eminentes, que de acordo com a crença popular da época, tinham o dom de interpretar o direito divino e humano. Com a fundação de Roma, o Estado atribuiu-se, inicialmente, para si, parcela da função jurisdicional até se chegar a total abolição da arbitragem, extinguindo a figura do árbitro no Direito Romano.

Pode-se concluir que a arbitragem, na antiguidade, representava um meio-termo entre a autotutela e Poder Judiciário, na resolução dos conflitos. Ou seja, na medida em que a sociedade se organizava e o Estado se fortalecia, a arbitragem fora, paulatinamente, sendo abandonada até sua completa supressão.

Atualmente, pode-se citar, no direito comparado, a arbitragem desenvolvida na Itália. Nesse diapasão, o prof. Enrico Tullio Liebman informa que na Itália:

As partes podem subtrair uma causa de seu interesse à cognição do juiz, se convierem (compromisso) em submetê-la à decisão de árbitros de sua própria escolha (cfr. c.p.c., art. 806). Não podem ser objeto de compromisso as causas previstas nos arts. 429 e 459, as que se referem a questões de estado e de separação judicial e outras insuscetíveis de transação. Todavia, a decisão dos árbitros (laudo arbitral), para tornar-se eficaz, precisa ser entregue em cartório e obter decreto de executoriedade do pretor, o qual, porém, se limita a verificar a regularidade formal do laudo e do ato de entrega. [27]

Nota-se que a sentença arbitral no direito italiano não gera título executivo antes da homologação do pretor que, por sua vez, limita-se a verificar sua regularidade formal. Nesse caso, pode-se dizer que na Itália há controle externo das decisões arbitrais pelos órgãos judiciais.

3.2. ARBITRAGEM NO BRASIL

NoBrasil encontram-se indícios da arbitragem no Brasil sob o domínio de Portugal. Entretanto, a arbitragem foi inserida oficialmente na Constituição Imperial de 1824, in verbis: Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.

O Decreto nº 737 de 25 de novembro de 1850, que tratou do processo referentes às causas comerciais, foi um importante marco na história da legislação processual civil brasileira, pois o referido Decreto foi aplicado também mais tarde às causas cíveis.

O referido Decreto tratou nos arts. 411 a 475 do juízo arbitral. A referida lei instituiu o juízo arbitral, dividindo-o em voluntário e necessário (art. 411). A arbitragem é voluntária quando instituída pelas partes; é necessária quando for determinada pela legislação em determinadas causas que especifica.

Citem-se as principais diferenças entre a arbitragem instituída pelo Decreto nº 737 e a disciplinada pela Lei nº 9.307/96:

I) O Decreto nº 737 instituiu a arbitragem para solução de controvérsias decorrentes do direito comercial, não se estendendo, em princípio, às causas cíveis;

II) Como se viu, o referido Decreto instituiu a arbitragem necessária, instituto desconhecido na Lei 9.307/96;

III) A sentença arbitral, conforme o Decreto nº 737, só poderia ser executada, após homologada pelo Juízo de Direito do Comércio (art. 465); e

IV) O Decreto nº 737 reservava às partes o direito de recorrer da sentença arbitral, caso assim fosse convencionado no compromisso (art. 468). A legislação atual inadmite a estipulação de acordo que crie instância revisora das sentenças arbitrais, como se verá à frente.

Com os adventos do Código Civil de 01 de janeiro de 1916 e do Código de Processo Civil de 1939 – Decreto-lei nº 1.608 de 18 de setembro de 1939 – tratando, respectivamente, do compromisso arbitral e do processo arbitral, a arbitragem foi estendida para as causas cíveis.

Esse período teve por características a impossibilidade da execução da sentença arbitral, caso não houvesse homologação pelo Poder Judiciário (art. 1.045 do CC1916 c.c. art. 1.041 do CPC1939) e a indicação dos árbitros poderia recair sobre os próprios juízes, fato que dispensava, como é óbvio a homologação.

Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, a arbitragem passou a ser entendida como simplesmente um acordo de vontades. Nesse caso, o descumprimento do compromisso arbitral convertia-se em perdas e danos, dado a impossibilidade da execução específica do contrato.


4 – ARBITRAGEM E INSTITUTOS CORRELATOS

Inicialmente, cumpre salientar que os meios compositivos de conflitos dividem-se em: meios autocompositivos e heterocompositivos.

Os meios autocompositivos são assim denominados, pois a solução do conflito é encontrada pelas próprias partes envolvidas.

Os meios autocompositivos de conflitos subdividem-se em: autotutela, mediação e conciliação.

A autotutela, meio primitivo de resolução de conflitos, é a forma pela qual as partes resolvem seus conflitos mediante a sobreposição da vontade do mais forte ou mais astuto. A autotutela é característica de civilizações com baixo grau de desenvolvimento social e intelectual; as poucas leis existentes nessas civilizações não são corretamente cumpridas, pois o Estado não está suficientemente organizado para poder exigir seu cumprimento. Como muitas ofensas não são punidas pelo Estado, os próprios particulares resolvem o conflito, com imposição da vontade do mais forte.

Ressalvadas algumas civilizações que permitem a prática da autotutela na atualidade, a maioria dos Estados proíbe a sua prática, cominando sanções pela su prática. No Brasil, a autotutela foi proibida, sendo que sua prática configura o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, do Código Penal).

A autotutela não se confunde com a autodefesa, medida autorizada pelo ordenamento jurídico de forma excepcional, nos casos de impossibilidade de se recorrer ao poder jurisdicional para a proteção do direito ameaçado. A autodefesa consiste na possibilidade do próprio titular do direito ameaçado utilizar-se dos meios à sua disposição, moderadamente, com o escopo de afastar perigo iminente. Pode-se citar como exemplo de autodefesa a legítima defesa no direito penal (art. 25, Código Penal).

A mediação, outro meio autocompositivo de conflitos, é definida por João Roberto da Silva, in verbis:

...é uma técnica de resolução de conflitos não adversarial que, sem imposições de sentenças ou laudos e, com profissional devidamente preparado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo onde as duas partes ganhem [28].

Por isso, a mediação tem por escopo orientar as partes para a melhor solução do conflito. Para isso, conta-se com a figura de um profissional preparado para dirigir o diálogo entre partes, sem interferir no resultado final, denominado de mediador. A função do mediador é de auxiliar as partes na busca da solução do conflito.

A mediação é meio autocompositivo de conflitos, pois a solução é encontrada pelas próprias partes, com auxílio do mediador. Nesse caso, não há decisão, porquanto o mediador é pessoa auxilia as partes para que encontrem a solução mais benéfica para ambas.

Por fim, outro meio autocompositivo de solução de conflitos é a conciliação. A conciliação subdivide-se em: transação, renúncia e submissão.

Transação é o negócio jurídico pelo qual as partes põem fim (ou o previnem) consensualmente ao litígio, após concessões mútuas (art. 840 do CC-2002); renúncia ao direito sobre o que se funda a demanda é ato abdicativo pelo qual o demandante reconhece não possuir o direito alegado; o reconhecimento da procedência do pedido é a conduta do demandado que admite a procedência do pedido que lhe foi dirigido (submissão). [29]

Quanto aos meios heterocompositivos de conflitos em que um terceiro, estranho à controvérsia, decide o litígio, já foram suficientemente destacadas as diferenças entre a arbitragem e o poder judiciário.

Ademais, como meio heterocompositivo de conflitos, vale destacar os tribunais administrativos. A principal diferença entre esse meio heterocompositivo de conflitos e a arbitragem, é que os tribunais arbitrais não exercem função jurisdicional e, com isso, suas decisões não são acobertadas pela coisa julgada material, podendo ser revistas a qualquer tempo pela própria administração e, principalmente, pelo poder judiciário. Cite-se como exemplo de tribunal administrativo as Juntas de Recursos instituídas pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.


5 – PECULIARIDADES DO PROCEDIMENTO ARBITRAL

Viu-se, anteriormente, que a arbitragem inicia-se pela convergência de vontades das partes. Ou seja, duas ou mais pessoas capazes, por meio de um negócio jurídico, instituem a arbitragem para a solução de um conflito que envolve direitos patrimoniais disponíveis. A lei 9.307/96 denomina esse negócio jurídico de convenção de arbitragem. A convenção de arbitragem divide-se em cláusula compromissória e compromisso arbitral

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios eventualmente derivados do contrato. [30]

Por outro lado, o compromisso arbitral é um negócio jurídico no qual as partes subtraem à apreciação do Poder Judiciário, litígio atual.

Tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral devem ser convencionados por escrito, pois essa é a forma prescrita em lei, sob pena de se considerar inexistente o ato.

Ademais, a principal diferença existente entre as espécies de convenção de arbitragem, diz respeito à eventualidade ou atualidade do litígio. A cláusula compromissória é celebrada para dirimir litígios futuros e incertos em decorrência da aplicação de um determinado contrato. Por outro lado, o compromisso arbitral é celebrado para dirimir conflitos certos e atuais decorrentes de qualquer causa que diga respeito a direitos patrimoniais disponíveis.

Com a instituição da arbitragem para dirimir conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, as partes podem convencionar que a arbitragem de direito ou por equidade (art. 2º, Lei 9.307/96). Saliente-se, ainda, que as partes podem escolher livremente as regras jurídicas que serão aplicadas pelo árbitro, desde que não viole a ordem pública e os bons costumes (art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 9.307/96).

A arbitragem por equidade, que deve estar expressamente convencionada, sob pena de nulidade, tem por escopo a resolução de conflito por pessoa com conhecimentos técnicos específicos de um determinado assunto. Nesse caso, a sentença arbitral proferida fundamentar-se-á no conhecimento técnico exigido, afastando-se desse modo as normas jurídicas pertinentes. Cite-se como exemplo: A instituição da arbitragem por equidade para resolver um conflito sobre a qualidade dos materiais empregados numa construção de grande porte. Nesse caso, é aconselhável a indicação de árbitro que seja engenheiro civil, e, por consequência, a sentença proferida fundamentar-se-á nos conhecimentos técnicos de engenharia civil.

O art. 13 da Lei 9.307/96 afirma que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. E o art. 14, do mesmo diploma legal, proíbe o árbitro de atuar, caso ele tenha com qualquer das partes relações que caracterizam as causa de impedimento ou suspeição dos juízes, arroladas no Código de Processo Civil vigente.

Entretanto, deve-se destacar que caso as partes tenham conhecimento da causa de suspeição ou impedimento do árbitro e mesmo assim indicarem-no para o exercício da função, fica descaracterizada a proibição do art. 14 supracitado, pois nenhuma das partes poderia alegar a suspeição ou impedimento do árbitro, pois ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza.

A parte, após tomar ciência do impedimento ou suspeição do árbitro, deverá alegá-lo na primeira oportunidade que tiver para manifestar-se nos autos, sob pena de preclusão.

Ademais, para ser árbitro, a pessoa deve ser alfabetizada e conhecer a língua portuguesa.

A arbitragem é instituída para solucionar um litígio, por meio de uma sentença. Entretanto, para alcançar o ato final – a sentença arbitral – é necessário percorrer um caminho, com a prática de vários atos. Esse caminho a percorrer é denominado de procedimento.

Procedimento é uma sequência ordenada de atos, todos encadeados logicamente, em que cada um deles é consequência do anterior e causa do posterior.

A arbitragem desenvolve-se mediante a prática de diversos atos que culminam numa decisão. Entretanto, o procedimento arbitral diferencia-se de outros procedimentos, pois a prática coordenada de atos é desenvolvida mediante contraditório. O contraditório, como se viu alhures, é a igualdade de possibilidade de influir na decisão de mérito a ser proferida.

Nesse caso, o procedimento que possibilita às partes a participação isonômica na construção do provimento jurisdicional é denominado de processo.

Por isso, a decisão proferida em procedimento pautado pela garantia do contraditório (processo) tem aptidão para tornar-se imutável. Nesse caso, a coisa julgada material é a garantia para as partes e para toda a sociedade de que a decisão de mérito que foi fruto de debate entre todos os sujeitos do processo não se modifique em razão de mudanças sócio-políticas ocorridas em decorrência da modificação de hábitos e costumes num determinado período histórico.

Sem adentrar em questões filosóficas pertinentes ao caso, a decisão de mérito oriunda de um processo, num determinado contexto histórico, deve manter-se incólume, porque circunstâncias posteriores não podem modificar juridicamente fatos que foram a base da decisão de mérito, aplica-se, nesse caso, o princípio do tempus regit actum.

A Constituição Federal de 1988 prestigiou a estabilidade das decisões ao erigir à categoria de direito fundamental, no art. 5º, inc. XXXVI, que, in verbis: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

O art. 25 da Lei de Arbitragem trata da questão prejudicial e está assim redigido in verbis:

Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.

A Lei de Arbitragem determina o sobrestamento do processo arbitral, caso surja controvérsia referente a direitos indisponíveis. Nesse caso, o sobrestamento do processo arbitral decorre da incompetência do árbitro para apreciar conflito que envolve direitos indisponíveis. Por isso, Remetem-se às partes ao Poder Judiciário para solucionar o conflito envolvendo a questão, sobrestando o processo arbitral.

Entretanto, cabe, ainda, investigar se o termo direito indisponível, empregado pelo legislador, tem natureza jurídica de questão prejudicial ou de questão preliminar.

A distinção não é destituída de utilidade, pois, serão distintas as consequências para o processo arbitral, caso se conclua que a questão referente a direito indisponível, a ser resolvida pelo juiz, seja de uma categoria ou de outra.

Antonio Scarance Fernandes define questão prejudicial, in verbis:

Questão que se caracteriza por ser um antecedente lógico e necessário da questão prejudicada, cuja solução condiciona o teor do julgamento da questão subordinada, trazendo ainda consigo a possibilidade de se constituir em objeto de processo autônomo. [31]

Ou seja, a solução dada à questão prejudicial, determinará o conteúdo da sentença arbitral. Em outros termos, a resolução da questão prejudicial traçará o caminho a ser tomado pelo árbitro na sentença, julgando procedente ou improcedente o pedido inicial.

Por outro lado, denomina-se de questão preliminar aquela cuja solução, conforme o sentido em que se pronuncie, cria ou remove obstáculo à apreciação de outra questão, denominada de questão principal. A possibilidade de apreciar-se a segunda questão depende da maneira pela qual se resolva a primeira. [32]

Portanto, a questão prejudicial, independentemente do resultado de seu julgamento, não impedirá que o árbitro aprecie a questão prejudicada, pois, nesse caso, apenas lhe traçará o rumo a ser tomado. A questão preliminar, por outro lado, torna-se um obstáculo a ser superado pelo julgador, pois seu reconhecimento, impedirá que o árbitro aprecie a questão principal.

Para concluir, a controvérsia surgida no processo arbitral referente a direitos indisponíveis pode ter natureza jurídica de questão prejudicial ou de questão preliminar, pois, sua inserção em uma das categorias, dependerá das circunstâncias do caso concreto, não se podendo, a priori, catalogá-la numa ou noutra espécie.

Analisar-se-á, neste momento, qual a denominação que deva ser utilizada paras as decisões finais proferidas pelo árbitro.

O prof. Alexandre Freitas Câmara afirma em sua obra que a denominação correta para a decisão final proferida no processo arbitral é laudo arbitral, pois entende que a denominação sentença somente poderia ser empregada, no direito brasileiro, para designar um ato jurisdicional, o qual permanece como monopólio do Estado, apesar do árbitro exercer função pública, não exerce atividade jurisdicional. [33]

Entretanto, os argumentos expendidos pelo autor não convencem.

Primeiramente, cumpre salientar que em vários dispositivos da Lei de arbitragem consagram o termo sentença. Por isso, de acordo com um raciocínio coerente, deve-se utilizar a terminologia empregada pelo legislador, independentemente de seu eventual atecnismo. Discussões acerca do emprego de terminologias pela lei são questões meramente acadêmicas, destituídas de utilidade prática.

Entretanto, para manter a coerência do presente trabalho e, também, como forma de refutar as argumentações expendidas pelo prof. Alexandre Freitas Câmara, entende-se o termo sentença está conforme a natureza jurídica da arbitragem no Brasil.

Ora, ao se concluir que a arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro é atividade jurisdicional, pois o procedimento arbitral, como se viu, é desenvolvido mediante o contraditório, em que todos os sujeitos colaboram para a construção da decisão final que, por isso, tem capacidade para se tornar imutável, garantindo assim a segurança jurídica para toda a sociedade, firmou-se a premissa de que o processo arbitral e o processo judicial se equivalem.

Por isso, não seria razoável afirmar que as decisões finais proferidas no processo arbitral e no processo judicial tivessem denominações diversas, sob pena de malferir o princípio da coerência lógica no discurso científico.

O prof. Alexandre Freitas Câmara sustenta a possibilidade de interposição de recurso contra a sentença arbitral, desde que expressamente prevista na convenção de arbitragem, in verbis:

Nada impede, porém, que as partes estabeleçam, na convenção de arbitragem, que a decisão do árbitro será passível de recurso para outro árbitro (que funcionaria como um árbitro revisor), ou mesmo para um tribunal arbitral. Será possível, aliás, que na arbitragem institucional as entidades arbitrais já se estruturem desta forma, com árbitros atuando como ‘órgãos monocráticos de primeiro grau’, e tendo suas decisões submetidas a um ‘tribunal arbitral de segundo grau’, para o qual as partes poderiam – desde que expressamente convencionada a possibilidade de assim agirem – interpor seus recursos. Relembre-se sempre que a arbitragem é liberdade, e as partes devem sentir-se livres para convencionar acerca do cabimento do recurso, se quiserem. [34]

Primeiramente, cumpre salientar que o surgimento da terceira onda renovatória do direito processual civil, ampliou-se o conceito de acesso à justiça, outorgando poderes para resolver conflitos a órgãos e pessoas que se situam fora do âmbito do Estado. Essa solução, de acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth, visou a corrigir a principal falha do sistema judicial estatal, a demora na resolução dos conflitos.

As constituições modernas, em conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, adotaram, com status de direito fundamental, o princípio da duração razoável do processo. Eis o que determina a Convenção, no art. 8º, 1, in verbis:

Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (grifos meus), por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

O Brasil, trilhando o caminho de outros países, incorporou ao seu ordenamento jurídico a presente convenção, Como informa Fredie Didier Jr., in verbis:

A República Federativa do Brasil é signatária desse Pacto (Pacto de San José da Costa Rica), que adquiriu eficácia no plano internacional em 18 de julho de 1978. O Congresso Nacional editou o Decreto 27, de 26 de maio de 1992, aprovando seu texto. O Governo Federal depositou, em 25 de setembro do mesmo ano, a Carta de Adesão ao mencionado pacto. Com a ulterior publicação do Decreto 678 (09.11.1992), o Pacto de San José da Costa Rica foi Promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. O procedimento de incorporação do tratado foi respeitado em seus mínimos detalhes. [35]

O Pacto de San Jose da Costa Rica, por tratar de direitos humanos, ao se incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro, por força do art. 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal de 1988, tornou-se norma de direito constitucional, integrando, o catálogo de direitos e garantias fundamentais. Flávia Piovesan defende esse posicionamento, in verbis:

A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte, conferindo-lhes hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais. [36]

Portanto, mais que mera sugestão aos poderes constituídos, o princípio da duração razoável do processo tornou-se garantia fundamental ao cidadão, pois cria deveres aos julgadores de processar e julgar os conflitos em tempo considerado racional.

Por isso, a Lei de Arbitragem, fruto das reformas objetivadas pela "terceira onda renovatória", determinou, em seu art. 18, que a sentença arbitral proferida não ficará sujeita a recurso.

Nesse diapasão, cláusula que crie recursos destinados a modificar a sentença arbitral, com sobreposição de órgãos arbitrais, será nula de pleno direito. Nesse caso, a vontade das partes não pode prevalecer sobre os objetivos maiores do instituto da arbitragem. A norma que proíbe a instituição de recursos no processo arbitral tem natureza cogente, sobrepondo-se à vontade das partes.

Ademais, frise-se que, nesse caso o árbitro é escolhido em comum acordo pelas partes, em decorrência da confiança inspirada por ele, não seria razoável instituir recursos, pois o processo arbitral, objetivado para ser mais rápido na solução dos conflitos, equiparar-se-ia ao processo judicial no que concerne à prestação jurisdicional tardia, onde, na ânsia de criar recursos para o controle das decisões, eternizaria os processos arbitrais. Nesse sentido, os objetivos maiores da Lei de Arbitragem seriam omitidos, com frontal violação ao princípio da razoável duração do processo.

A título de registro, frise-se que o art. 30, da Lei de Arbitragem, autorizou, excepcionalmente, a oposição de embargos declaratórios com o escopo de corrigir erro material ou esclarecer obscuridade, dúvida ou contradição na sentença arbitral.

Portanto, a posição do prof. Alexandre Freitas Câmara não deve ser adotada no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de malferir o princípio fundamental da duração razoável do processo.

O art. 32, da Lei de Arbitragem, trata, em oito incisos, das nulidades que atingem o processo arbitral. O art. 32 determina que: É nula a sentença arbitral se: I) for nulo o compromisso arbitral; II) emanou de quem não podia ser árbitro; III) não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV) for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V) não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI) comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção ativa; VII) proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. inciso III, desta Lei; e VIII) forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, parágrafo 2º, desta Lei.

A primeira causa de nulidade refere-se à nulidade do compromisso arbitral (art. 32, inc. I). O compromisso arbitral, decorrente da vontade de pessoas capazes, é espécie de negócio jurídico. Por isso, todas as causas de nulidade que maculam o negócio jurídico, atingem, sem ressalvas, o compromisso arbitral.

Por seu turno, o art. 105, da Lei 10.406/02 (Código Civil) determina que: a validade do negócio jurídico requer: I) agente capaz; II) objeto lícito, possível, determinado ou determinável e, III) forma prescrita ou não defesa em lei.

A capacidade do agente para celebrar compromisso arbitral já foi estudada alhures.

O objeto do compromisso arbitral deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.

Por fim, o compromisso arbitral deve ser escrito como prescreve no art. 4º, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem.

A segunda hipótese de nulidade refere-se à sentença emanada de pessoa que não podia ser árbitro (art. 32, inc. II).

O art. 32, inc. II, da Lei de Arbitragem, refere-se, principalmente, aos casos de incapacidade que podem atingir toda e qualquer pessoa. Os casos de incapacidade estão arrolados nos arts. 3º e 4º do Código Civil. Outra hipótese de impossibilidade de ser árbitro decorre do desconhecimento da língua que será utilizada no processo arbitral, que abrange tanto o analfabeto, quanto o estrangeiro que não conheça a língua pátria.

Outra causa que obsta a pessoa de ser árbitro, refere-se aos casos de suspeição e impedimento arrolados pelo art. 114 e ss, do Código de Processo Civil.

Entretanto, nada obsta que as partes escolham árbitro suspeito ou impedido, desde que tenham conhecimento do impedimento ou suspeição ao celebrar o compromisso. Nesse caso, a sentença arbitral proferida será válida.

Ademais, a parte que tinha conhecimento da suspeição ou impedimento do árbitro e não se manifestou no momento oportuno, não pode alegar a suspeição ou impedimento para benefício próprio, sob pena de privilegiar a má-fé da parte. Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Há nulidade da sentença arbitral quando não respeitados os requisitos do art. 26 da Lei de Arbitragem.

Entretanto, como alerta o prof. Alexandre Freitas Câmara, o art. 26, da Lei de Arbitragem não trata de requisitos, mas de elementos, in verbis:

A Lei de Arbitragem apresenta, no seu art. 26, o que denomina ‘requisitos obrigatórios da sentença arbitral’. Dispensada a crítica quando à denominação sentença arbitral, que já disse ser, a meu juízo, equivocada, erra a lei ao falar em requisitos. Trata-se, aliás, de erro comum no ordenamento jurídico brasileiro, bastando citar o art. 458 do CPC, que sob a denominação de ‘requisitos essenciais da sentença, enumera aqueles que a doutrina prefere chamar ‘elementos essenciais da sentença’. Não se está aqui diante de requisitos, pois esta palavra designa ‘condição necessária para a obtenção de certo objetivo, ou para o preenchimento de certo fim’, sendo cronologicamente anterior ao objetivo que se quer alcançar. Assim, por exemplo, ‘as condições da ação’ são requisitos do provimento de mérito, pois são ‘condições necessárias’ para que tal provimento possa ser proferido, sendo anteriores cronologicamente à sua prolação. Já os ‘requisitos’ do laudo arbitral a que faz referência o art. 26 da Lei de Arbitragem não são cronologicamente anteriores ao laudo, mas o integram, o que faz com que se torne apropriada a denominação elementos. [37]

Por isso, adotando a terminologia do prof. Alexandre Freitas Câmara, os elementos da sentença arbitral, contidos no art. 26, são: I) o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II) os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; III) o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhe forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV) a data e o lugar em que foi proferida. Parágrafo único: A sentença será assinada por todos os árbitros.

Nesse caso, a falta de qualquer dos elementos da sentença arbitral é causa de nulidade. Frise-se, entretanto, o posicionamento do prof. Alexandre Freitas Câmara que entende que a falta do dispositivo torna o ato decisório inexistente, in verbis:

Repete-se apenas, dada a importância conceptual do tema, que a ausência do dispositivo não gera nulidade, sendo causa de inexistência do laudo. A questão é importante, máxime por não se poder aplicar à inexistência as regras de nulidade, como, e.g., o prazo decadencial para a propositura da ação em que se pleiteará a declaração da nulidade do laudo arbitral. Isto porque, como se sabe, a inexistência não convalesce jamais, ao contrário da invalidade. [38]

Portanto, principal consequência desse posicionamento refere-se ao prazo para a propositura da ação anulatória, pois, como pelo explicitado pelo autor, a inexistência, ao contrário da invalidade, não se convalesce jamais. Por isso, poder-se-á propor ação judicial, mesmo após o decurso do prazo de noventa dias.

Os incisos IV e V, do art. 32, da Lei de Arbitragem, tratam das nulidades referentes às sentenças arbitrais que não respeitaram os limites convencionados pelas partes. A arbitragem, assim como o processo judicial, no julgamento das causas, devem respeitar os limites impostos, respectivamente, pela vontade das partes ou pelo pedido inicial. Nesse caso, o julgador não pode atuar de ofício, pois se adota no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da demanda.

O princípio da demanda nada mais é que a impossibilidade do julgador dar início ao processo. [39]

Portanto, com relação ao processo arbitral, o árbitro está adstrito ao que fora convencionado pelas partes, no compromisso arbitral, sob pena de afronta ao princípio da demanda.

Como se infere dos incisos IV e V, do art. 32, da Lei de Arbitragem, as sentenças arbitrais que afrontam o princípio da demanda podem ser: ultra petita, extra petita e citra petita.

A sentença arbitral ultra petita é aquela que aprecia o pedido e os fundamentos apresentados, mas concede quantidade superior à postulada [40].

Nesse caso, o autor requereu, de acordo com a convenção de arbitragem, X e o árbitro, na sentença, concedeu X+1. Nota-se que o árbitro, ao apreciar o pedido e seus fundamentos, concedeu um plus, pois, além de conceder o que fora pleiteado, conforme a convenção, concedeu um acréscimo que, de forma alguma, nem implicitamente, poder-se-ia deduzir da convenção de arbitragem.

Nesse caso, mantém-se o que fora decidido dentro dos limites da convenção de arbitragem, anulando-se, somente, a parte da sentença arbitral que excedeu o convencionado.

Configura-se sentença arbitral extra petita quando o árbitro aprecia o pedido diverso do postulado pelo autor, não deduzido do compromisso arbitral.

Nesse caso, o autor formula o pedido X e o árbitro, sem sequer apreciá-lo, julga o pedido Y. O árbitro, ao analisar pedido diverso do deduzido da convenção de arbitragem, estaria "criando" novo litígio, para o qual as partes não instituíram a arbitragem para sua resolução.

Por isso, a sentença arbitral proferida nesses termos deve ser totalmente anulada.

É possível distinguir a sentença arbitral extra petita da sentença arbitral ultra petita. Na sentença arbitral ultra petita, o árbitro concede o que fora pleiteado nos limites da convenção, além de conceder o que não fora pleiteado, extrapolando os limites do compromisso arbitral. Por outro lado, na sentença arbitral extra petita, o árbitro não aprecia o pedido formulado nos limites da convenção, apreciando pedido diverso, não deduzido do compromisso arbitral.

Nota-se que a sentença arbitral ultra petita extrapola os limites da convenção, pois concede quantidade superior à postulada, enquanto a sentença arbitral extra petita extrapola os limites em decorrência da qualidade do pedido, ou seja, concede coisa diversa da postulada.

Denomina-se, por outro lado, sentença arbitral citra petita aquela que deixa de apreciar pedido formulado pela parte, deduzido da convenção de arbitragem. Nesse caso, a parte formula dois ou mais pedidos, e o árbitro deixa de apreciar um deles.

Entretanto, não se deve confundir sentença arbitral citra petita com sentença arbitral que julgou parcialmente procedente o pedido. No primeiro caso, o árbitro não analisa o pedido formulado da parte, incorrendo em omissão; no segundo caso, o árbitro analisa toda a pretensão formulada, mas se convence que a parte tem direito somente a parcela do que foi pleiteado. Cite-se, como exemplo do segundo: o demandante que pleiteia indenização equivalente a mil reais e o árbitro entende ser cabível somente a título de indenização o equivalente a quinhentos reais.

A sentença que não aprecia um dos pedidos formulados é uma decisão formalmente una, mas materialmente dúplice, pois aprecia mais de um pedido com causas de pedir distintas. Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier, in verbis:

(...) a sentença que apreciou mais de um pedido, seja caso de cumulação, de reconvenção, de oposição etc., é formalmente uma, mas materialmente dúplice e cindível. Portanto, se se decidiu ‘um’ dos pedidos, e se ‘não se considerou o outro’ (ou os outros), parece que estaremos, na verdade, em face de duas sentenças: uma delas não eivada do vício e a outra inexistente, fática e juridicamente [41].

Portanto, conclui-se que a sentença arbitral que não apreciou pedido decorrente da convenção de arbitragem é válida com relação aos pedidos apreciados, e inexistente, fática e juridicamente, quanto ao pedido não apreciado.

Nesse caso, não houve decisão do pedido não apreciado pelo árbitro, podendo, independentemente, da propositura de ação anulatória, o árbitro ou o juiz apreciar o pedido.

Entretanto, prevalece o entendimento que as sentenças citra petita são inválidas [42]. Nesse, o juiz deverá, em ação anulatória, invalidar toda a sentença arbitral, mesmo que um ou alguns dos pedidos pleiteados tenham sido legitimamente apreciados.

O inc. VI, art. 32, da Lei de Arbitragem, determina que haverá nulidade da sentença, caso seja proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva.

As condutas arroladas no inc. VI, art. 32, da Lei de Arbitragem, são as mesmas tipificadas como ilícitos penais nos arts. 316, 317 e 319, do Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal).

Entretanto, como afirma o prof. Alexandre Freitas Câmara, não é requisito para a invalidação da sentença arbitral, que o árbitro seja condenado na esfera criminal, bastando que as condutas sejam comprovadas na própria ação anulatória. [43].

Questão levantada pelo prof. Alexandre Freitas Câmara, diz respeito à prática das condutas arroladas no inc. VI, art. 32, da Lei de Arbitragem, por um dos árbitros, em caso de decisão colegiada. Nesse caso, o intérprete deve distinguir duas situações. Caso o árbitro que praticou um das condutas tipificadas, foi vencido, a sentença arbitral não deve ser anulada, pois seu voto não causou prejuízo. Por outro lado, em conformidade com o entendimento do prof. Alexandre Freitas Câmara, caso o árbitro peitado pronuncie-se favoravelmente à tese vencedora, mesmo que sem o seu voto, a causa pudesse ser julgada dessa maneira, a sentença arbitral deve ser anulada, em decorrência da influência que poderia ter sido exercida por esse árbitro sobre os demais. Eis as palavras do prof. Alexandre Freitas Câmara, in verbis:

Deve-se considerar, nesta hipótese, nulo o laudo se o membro do colegiado que praticou o ilícito foi um dos defensores do entendimento que atingiu a maioria (ou a unanimidade). Tendo o árbitro peitado proferido voto vencido, não se considera nulo o laudo, por aplicação do princípio do prejuízo (segundo o qual só há invalidade se houver prejuízo para as partes). Tendo proferido voto vencedor, porém, será nulo o laudo, ainda que sem seu voto aquele entendimento permanecesse vencedor, uma vez que se há de considerar a possibilidade de ter aquele árbitro, com seu voto, influenciado os demais. [44]

O art. 32, inciso VII, da Lei de Arbitragem, determina, que a sentença arbitral será nula quando proferida fora do prazo estipulado pelas partes ou, no silêncio, no prazo de seis meses.

Entretanto, o art. 12, inc. III, da Lei de Arbitragem, determina que a parte interessada notifique o árbitro para, no prazo de dez dias, prolate e apresente a sentença. Nesse caso, a notificação do árbitro é requisito essencial para eventual propositura de ação anulatória, pois, sem a devida notificação, faltaria à parte, interesse de agir, uma das condições da ação, sem a qual o magistrado não poderá apreciar o mérito da demanda anulatória.

Lembre-se que, mesmo que o árbitro profira sentença, depois de notificado, no prazo de dez dias, nada impede que a parte prejudicada com a demora pleiteie judicialmente indenização pelos danos causados pelo árbitro, mesmo que exclusivamente moral.

Por fim, o art. 32, inc. VIII, da Lei de Arbitragem, determina que a sentença arbitral será nula, caso o árbitro não observe os princípios do contraditório, da isonomia, da imparcialidade e do livre convencimento motivado.

A falta de qualquer desses princípios, ensejará a propositura da ação anulatória. Entretanto, para se manter a coerência lógica do presente trabalho, vale lembrar que o desrespeito aos princípios do contraditório, isonomia, imparcialidade do julgador e do livre convencimento motivado, impede a constituição da coisa julgada, com a consequente imutabilidade do conteúdo decisório da sentença.

Nesse caso, a sentença arbitral estaria sujeita a revisão judicial a qualquer tempo, não se aplicando o prazo de noventa dias estabelecidos para os casos de nulidade. Nesse diapasão, não se estaria perante uma sentença nula, mas tecnicamente inexistente, pois o conteúdo decisório da sentença arbitral foi construído por ato solitário do julgador, em contraste com o princípio da participação dos sujeitos nos atos decisórios, decorrência da adoção pela Constituição Federal de 1988 do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, prevalece no Brasil o que determina o texto legal, ao declarar que a sentença arbitral proferida com violação aos princípios do contraditório, isonomia, imparcialidade e persuasão racional gera nulidade da sentença arbitral [45].

O art. 33, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, determina que a parte prejudicada tem noventa dias, a contar da ciência da sentença ou do seu aditamento, em caso de acolhimento dos embargos declaratórios, para a propositura de ação anulatória.

Cumpre investigar, de forma sucinta, a natureza jurídica do prazo para a propositura de ação anulatória. O prazo tem natureza prescricional ou decadencial?

Grosso modo, sem se aprofundar no tema atinente à prescrição e decadência [46], a diferença fundamental entre os dois institutos reside na conceituação do que sejam direito subjetivo e direito potestativo.Pois,a prescrição é a perda do direito subjetivo, em decorrência do decurso do tempo e a inércia de seu titular. Por outro lado, a decadência é a perda do direito potestativo, decorrente do decurso do tempo e a inércia de seu titular.

O prof. Alexandre Freitas Câmara consigna, em sua obra, a diferença fundamental entre direito subjetivo e direito potestativo, in verbis:

Verifica-se, pois, que no direito subjetivo (direito à prestação) há na relação jurídica, além do titular do direito, uma outra pessoa (ou mais de uma), a qual tem o dever jurídico, cujo cumprimento é essencial para a satisfação daquele direito. Já no direito potestativo o outro sujeito da relação jurídica (além do próprio titular da posição jurídica de vantagem) não tem dever nenhum a cumprir, sujeitando-se, apenas, ao exercício do direito por seu titular. [47]

Nesse caso, no direito subjetivo, o titular do direito exige o cumprimento de uma prestação do outro sujeito, cujo cumprimento é essencial para a satisfação do direito. Por outro lado, no direito potestativo, o titular do direito não exige o cumprimento de nenhuma prestação, pois, ao exercitar seu direito, o outro sujeito deve apenas se sujeitar ao seu exercício.

Portanto, seguindo na esteira de pensamento do prof. Alexandre Freitas Câmara [48], conclui-se que o prazo de noventa dias, para a propositura de ação anulatória, é decadencial, pois não se exige do outro sujeito qualquer tipo de prestação, há, no caso, apenas sujeição de um ao exercício do direito pelo seu titular.

O parágrafo 2º, do art. 33, da Lei de Arbitragem, afirma que a sentença judicial que julgar procedente o pedido de anulação: I) decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e VIII; e II) determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses.

Entretanto, cumpre fazer uma distinção necessária entre as hipóteses dos incisos I e II, parágrafo 2º, art. 33, da Lei de Arbitragem.

As hipóteses do inciso I, do referido artigo, apesar do texto legal declarar que o juiz, em caso de procedência do pedido de anulação, deverá anular a sentença arbitral, são causas de anulação do processo arbitral, inclusive a sentença arbitral. Cite-se, como exemplo, para aclarar o caso, a hipótese de nulidade do compromisso arbitral. Nesse caso, a nulidade do referido compromisso atingirá, irremediavelmente, todos os atos processuais, pois a causa de nulidade surgiu antes da instauração do processo arbitral.

Por outro lado, o inciso II, elenca as nulidades que atingem, exclusivamente, a sentença arbitral, deixando incólume o processo arbitral. Cite-se, como exemplo, a sentença arbitral proferida sem um dos elementos necessários elencados no art. 26, da Lei de Arbitragem. Nesse caso, o juiz, ao julgar procedente o pedido, anulará a sentença arbitral, determinando que o árbitro profira outra em seu lugar, sem, no entanto, anular os outros atos processuais que foram praticados no processo arbitral.

Justifica-se essa distinção, pois, no caso de anulação do processo arbitral, todos os atos processuais deverão ser renovados. Por outro lado, no caso de somente a sentença arbitral ser anulada, o juiz mandará o árbitro proferir nova sentença, mantendo incólumes os outros atos processuais praticados, com respeitos aos princípios da economia e celeridade processuais.

A sentença arbitral que apreciou o mérito, independentemente do decurso do prazo para a propositura de ação anulatória, constitui-se em título executivo. Nesse sentido, o art. 475N, inc. IV, do CPC, in verbis: São títulos executivos judiciais: IV) a sentença arbitral.

Entretanto, antes de continuar, deve-se fazer uma distinção necessária. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart entendem que a sentença não deve ser confundida com a tutela do direito. A sentença é técnica processual, enquanto a tutela do direito é a satisfação da pretensão do autor. Por isso, não é a sentença que é declaratória, constitutiva ou condenatória, mas sim, a tutela do direito. Portanto, fala-se, de acordo com os autores, em tutela declaratória, tutela constitutiva e tutela condenatória [49].

Nesse caso, pode-se afirmar que as tutelas declaratórias e constitutivas se confundem com a própria sentença. Ora, como se viu, se a tutela do direito é a satisfação da pretensão do autor, as sentenças que declararam a existência ou inexistência de relação jurídica ou constituiu ou desconstituiu uma determinada relação jurídica satisfizeram a pretensão do autor, independentemente da prática de atos posteriores à sentença. Por outro lado, a tutela condenatória não se exaure na prolação da sentença, pois necessita para sua satisfação do concurso da vontade do devedor ou de atos materiais de auxiliares da justiça [50].

Dessas considerações, não se pode concluir que somente as sentenças que consagram a tutela condenatória são títulos executivos, pois as sentenças que prestam a tutela declaratória, eventualmente, podem ser tidas como títulos executivos. O art. 4º, parágrafo único, do CPC, afirma que é admissível ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito. Nesse caso, mesmo que a parte requeira a declaração e o julgador conceda tutela declaratória de direito violado, a sentença constituirá título executivo.

Portanto, as sentenças que concedem a tutela condenatória ou declaratória, conforme o parágrafo único, art. 4º, do CPC, caso não satisfeitas voluntariamente pelo devedor, necessitam, para sua satisfação, da utilização de meios executivos.

A sentença arbitral será executada pelo Poder Judiciário, conforme os arts. 461 e 461-A, no caso de ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, de não fazer ou entrega de coisa ou, pelo art. 475-I e ss, do CPC, em se tratando de cumprimento de obrigação por quantia certa.

O prof. Alexandre Freitas Câmara explica o motivo pelo qual a sentença arbitral deve ser executada junto ao Poder Judiciário, in verbis:

...o árbitro não é dotado do imperium necessário à realização prática do comando contido na decisão. Tal decorre do fato de que no processo executivo realizam-se atos de força, com a invasão do patrimônio do executado e sua sujeição à responsabilidade patrimonial. Tais atos de sub-rogação não podem ser praticados senão por aquele que detém o poder soberano, razão pela qual a execução forçada do laudo arbitral, da mesma forma que a atuação das medidas cautelares, se faz por ato judicial, sendo necessária a instauração de processo executivo que terá, pois, índole jurisdicional. [51]

A posição explicitada pelo prof. Alexandre Freitas Câmara é fruto de seu posicionamento, segundo o qual o árbitro não exerce função jurisdicional, pois seu exercício é monopólio do Estado. E os atos de força praticados no processo executivo decorrem, necessariamente, da função jurisdicional, faceta do poder soberano do Estado.

Por outro lado, Fredie Didier Júnior afirma que, in verbis:

A questão, aqui, é de incompetência e não de falta de jurisdição: a lei, o permitir a arbitragem, investe-lhe em competência apenas para certificar direitos, não para efetivá-los. Basta lembrar, por exemplo, da execução penal: normalmente, o juiz da execução não é o mesmo juiz que proferiu a sentença penal condenatória (art. 65 da Lei Federal n. 7.210/1984). A circunstância de o juiz não ter, neste caso, poder executivo não significa que não esteja investido da função jurisdicional. Falta-lhe, apenas, competência funcional. [52]

Portanto, em conformidade com a natureza jurídica da arbitragem defendida neste trabalho, não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição ao legislador ordinário de conceder poder executivo ao árbitro, pois a questão não está relacionada ao exercício ou não da função jurisdicional pelo árbitro, mas se o árbitro, de acordo com a legislação vigente, tem competência ou não para praticar atos executivos.

Ademais, o procedimento de execução é instaurado mediante a propositura de ação de execução. A ação executiva será endereçada ao juiz que seria competente para apreciar a ação de conhecimento.

Sobre o autor
João Paulo Chelotti

Advogado atuante em SP. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista UNIP. Pós-graduado lato sensu em direito processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUCMINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHELOTTI, João Paulo. Introdução ao Direito Arbitral no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2911, 21 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19381. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!