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Indenização por danos morais decorrentes da cobrança vexatória nas relações de consumo

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Agenda 20/06/2011 às 19:11

INTRODUÇÃO

Há anos que podemos observar a expansão do consumismo, as relações cada vez mais complexas do mercado, o distanciamento entre o produtor e o consumidor, o apelo ao consumo exagerado e superficial, a agressividade dos novos meios de propaganda e publicidade, que vão se tornando inescrupulosas e configurando uma situação desfavorável ao cidadão consumidor.

Em decorrência da mudança social e das transformações políticas, o Direito e seus institutos tradicionais sofrem com o impacto dos novos tempos, pois os conceitos variam, a consciência autônoma passa a ser a consciência do sujeito social, e o judiciário reflete essa mudança.

Nesse contexto aparece a liberdade de escolher e de consumir. A partir de então se visualiza um conflito na sociedade brasileira; pois na esfera da produção, empresários e trabalhadores buscam lucros e salários cada vez mais elevados; por sua vez, no âmbito do consumo, as mesmas figuras – empresários e trabalhadores – reclamam por preços mais baixos, segurança máxima nos produtos e serviços colocados no mercado à sua disposição, um maior controle dos mecanismos de persuasão nas vendas, enfim, métodos protetivos conhecidos na relação de consumo.

O brasileiro consumidor surpreende-se diante do aumento de suas possibilidades de escolher produtos e serviços, que variam de forma, tamanho e preços. O objetivo dos fornecedores continua o mesmo: lucro; porém, o conceito metodológico das empresas veste-se agora não mais apenas de aumento de produção, mas de um poderoso conjunto de estratégias de marketing, publicidade e propaganda agressivas, buscando passar ao consumidor a idéia de consumir para satisfazer desejos e não necessidades, em um sistema que determina o grau de competitividade e a permanência das marcas no mercado.

"A sociedade de consumo transforma nutrição em gastronomia, a sexualidade em erotismo, o descanso do trabalho em ócio, a compra num espetáculo permanente, a venda numa arte, e assim, o consumo torna-se um espetáculo". [01]

O legislador, por sua vez, observou o novo cidadão, que pensa conforme as idéias impostas pelos meios de comunicação social, consome segundo os ditames da moda, é suscetível às propagandas e publicidades que criam necessidades e tornam o supérfluo indispensável; verificou que as empresas fornecedoras são essencialmente capitalistas e, ocupadas em aumentar mais e mais o número de vendas acabaram tornando o consumidor hipossuficiente, pois apesar de liberdade de escolha deste, ainda efetivamente distante do comando equitativo de tais relações.

Ante tais fatos, os contratos realizados no âmbito das relações de consumo, passaram a trazer com eles o desequilíbrio entre as partes, haja vista a maioria de tais contratos serem de adesão e o consumidor não possuir meios de expressar sua vontade acerca das cláusulas existentes, e, sendo a livre manifestação da vontade um dos requisitos elementares dos acordos, o consumidor viu seus direitos ameaçados.

Por conseguinte, a instituição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que passou a regulamentar a atividade humana relacionada ao consumo, de forma a criar princípios e regras em que se sobressaem, não mais a igualdade formal das partes, mas, a vulnerabilidade do consumidor, que por ser a parte mais fraca nessa relação deve ser protegido em toda sua amplitude.

O presente trabalho tem como finalidade explanar quais os mecanismos de proteção do consumidor; primeiramente, os princípios fundamentais que devem direcionar os contratos celebrados nas relações de consumo; a realização e a execução de tais contratos, os requisitos e normas quanto ao conteúdo, a sujeição dos contratos ao controle judicial, a ineficácia das cláusulas abusivas e a possibilidade de revisão dos contratos – seus princípios norteadores, requisitos, causas, tendências, e o entendimento dos tribunais.

Também esclarecer qual é a responsabilidade do fornecedor na oferta de crédito, o superendividamento do consumidor, a onerosidade superveniente, o exercício abusivo do direito nas cobranças de dívidas, a cobrança vexatória – suas causas e consequências – a apresentação das situações mais comuns de cobrança vexatória e o comportamento do consumidor ante tal circunstância.

Objetiva-se ainda, elucidar sobre as formas de reparação dos danos morais sofridos pelo consumidor decorrentes do abuso do direito do credor na cobrança de dívidas. Os meios de defesa do consumidor em juízo, a intervenção do Estado e o papel do Ministério Público e das entidades de proteção do consumidor; os critérios de tarifação e arbitramento na indenização por danos morais, bem como o atual entendimento jurisprudencial majoritário sobre o tema.

Assim, será demonstrado o avanço gerado pelo Código de Defesa do Consumidor, que está presente na maioria dos julgados por reparação de danos morais, uma vez que, nos dias de hoje o homem vive em constante relação de consumo.


CAPÍTULO I

DOS CONTRATOS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

1.1. Contratos e direitos humanos fundamentais

A Constituição Federal de 1988 inseriu no rol dos direitos fundamentais o direito do consumidor, tanto que o art. 5°, inciso XXXII estabeleceu: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Percebe-se, pois, que foi com razão que o Constituinte inseriu o direito do consumidor no rol dos direitos fundamentais.

Além de caracterizada como direito fundamental, a defesa do consumidor se qualifica também como um dos princípios da ordem econômica e financeira, conforme art. 170, inciso V, Constituição Federal.

Por se tratar de uma sociedade capitalista, como é a brasileira, fundada na livre iniciativa, na qual se verificam inúmeras formas de abuso de poder econômico, nada mais oportuno e justo do que se considerar o direito do consumidor como um direito fundamental.

No que diz respeito à competência normativa sobre a matéria é inteligência do art. 24, inciso VIII, da CF, serem competentes: a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor.

A União, no entanto, compete legislar normas gerais acerca do tema, enquanto os Estados e Distrito Federal possuirão competência suplementar, de acordo com o art. 24, § 1° e 2° da Carta Magna.

No Título IV da Constituição Federal, destinado à tributação e ao orçamento, em sua Seção II, que se refere às limitações ao poder de tributar, o § 5° do art. 150 dispõe que ''a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços'', determinando que se ofereça o devido esclarecimento acerca dos tributos incidentes sobre bens objeto de relações de consumo, em clara preocupação com o grau de informação que deve receber o consumidor, o que, aliás, é a tônica deste Código do Consumidor.

Ante o exposto, podemos observar a preocupação do legislador constituinte em garantir o respeito aos direitos do consumidor, primeiramente, conservando a todas as pessoas os direitos humanos fundamentais, bem como ao determinar princípios norteadores para as relações de consumo, com a finalidade de manter sempre a igualdade e o equilíbrio das partes, especialmente, nos contratos consumeristas.

1.2. Princípios constitucionais e o Código de Defesa do Consumidor

A defesa do consumidor ocupa posição de destaque em nosso ordenamento jurídico. É possível constatar que os princípios que envolvem tal defesa são princípios jurídicos basilares, visto que buscam a introdução de uma nova forma de pensar nos postulados da consciência jurídica.

Diante disso fica declarada a magnitude da garantia constitucional que possui no mínimo, disposições imediatas e emergentes, difundido de seu estado de princípio geral da atividade econômica do país, erigido pela CF, a virtude de corromper de inconstitucionalidade qualquer norma que possa ser um obstáculo à defesa da figura do consumidor.

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Assim, ao se tratar de interpretação constitucional devem-se identificar quais foram as normas que receberam do legislador constitucional a categoria de princípios orquestradores do sistema de valoração. É preciso, pois, identificar tais princípios, posto sejam mais do que normas – dado o seu caráter fundamental no sistema das fontes de direito –, além de sua importância estrutural dentro do sistema jurídico, uma vez que irão servir como vetores para soluções interpretativas. [02]

Após essas exposições, está comprovado que a defesa do consumidor é uma garantia constitucional que engloba uma vasta gama de direitos que estão envolvidos em toda a Carta Constitucional ou em outros regimes e princípios colhidos por ela. Direitos que envolvem a obrigação positiva de atuar, legislar e decidir, na política, na lei e na justiça, pela defesa do consumidor, e pela aplicação efetiva dos princípios norteadores de tal lei protetiva.

1.3. Princípio da transparência

O princípio da transparência, positivado em nosso ordenamento jurídico no art. 4°, caput, da Lei 8078/90, assegura ao consumidor a plena ciência da exata extensão das obrigações assumidas perante o fornecedor. Assim, deve o fornecedor transmitir efetivamente ao consumidor todas as informações indispensáveis à decisão de consumir ou não o produto ou serviço, de maneira clara, correta e precisa.

Como ensina Cláudia Lima MARQUES,

"Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4º, caput, do CDC, o da Transparência. A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo". [03]

Desta forma, para que uma cláusula contratual restritiva do direito do consumidor possa ser considerada válida, é necessário que este, na época da contratação, tenha sido satisfatoriamente informado acerca da existência da referida cláusula e do seu conteúdo. Caso isso não aconteça, cabe ao Judiciário, forte no princípio da transparência, declarar nula a cláusula que restringe o direito do consumidor.

O princípio da transparência é considerado "inovação no sistema jurídico brasileiro", especificamente no CDC, pois a parte ao negociar tem que demonstrar clareza, tendo o fornecedor ou prestadores de serviços, que exibir idoneidade nos negócios, e na capacitação técnica, ademais, a transparência deve integrar-se com outros princípios como a boa-fé, embora haja inibição na aplicação da transparência, o paradigma mercadológico deve ser a concorrência para melhor satisfação do consumidor.

A questão da informação tornou-se vital em qualquer atividade humana, incluídas, naturalmente, as relações de consumo, seja a matéria contratual ou não. Hoje, mais do que nunca, informação é poder. Afinal, o dever de informar do fornecedor não está sediado em simples regra legal. Muito mais do que isso, pertence ao império de um princípio fundamental do Código do Consumidor. De mais a mais, os direitos do consumidor são irrenunciáveis. Os do fornecedor, não.

Dispondo a respeito do princípio da transparência nas relações de consumo, Claudia Lima Marques assevera: "Tal princípio concretiza a idéia de reequilíbrio de forças nas relações de consumo, imposto pelo CDC como forma de alcançar a justiça contratual". [04]

Por todo o exposto, conclui-se que o princípio da transparência, regente no Código de Defesa do Consumidor, é indispensável para a qualidade na prestação de serviços, pois através dele é adotada uma postura de respeito ao consumidor.

1.4. Princípio da boa-fé

O CDC exige que os agentes da relação de consumo, fornecedor e consumidor, estejam predispostos a atuar com honestidade e firmeza de propósito, sem astúcias ou recursos que impliquem prejuízos ao outro. Conforme João Batista de Almeida, "A boa-fé, ao lado da equidade, conduz à paz social e à harmonia entre as partes, permitindo que o mercado flua com regularidade e sem percalços, tanto na fase pré-contratual como no momento de sua execução". [05]

Este princípio nas relações de consumo traz uma carga significativa de regra geral de comportamento, está expressamente referido no inciso III, do art. 4°, e, de certa maneira, encontra-se difundido em grande parte dos dispositivos do Código do Consumidor, desde a instituição de seus direitos básicos (art. 6°), percorrendo pelo capítulo referente à reparação por danos pelo fato do produto, e, orientando basicamente os capítulos referentes às práticas comerciais, a publicidade, e a proteção contratual, merecedora de especial destaque de acordo com o inciso IV do art. 51 do Código do Consumidor, que considera nulas de pleno direito, cláusulas contratuais que "sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade".

A harmonia das relações de consumo e a transparência, indicadas no caput do art. 4° como um dos escopos da Política Nacional das Relações de Consumo, serão o resultado da conduta geral da boa-fé, que deve ser buscada pelos dois pólos componentes das relações de consumo: consumidor e fornecedor, mesmo que ocupem posições antagônicas frente ao conflito de seus interesses.

Nesse sentido, os componentes das relações de consumo devem buscar o objetivo comum de melhor e com mais eficiência, fazer circular produtos e serviços com objetivo da geração de riquezas e benefícios a todos os integrantes do mercado de consumo.

Segundo Silvio Rodrigues, a boa-fé: "um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar". [06]

Como se pode perceber, é através deste princípio nuclear que não apenas os pólos atuantes da relação de consumo devem se localizar no momento do ato de consumo, mas até a própria legislação consumerista sofre reflexos dele, como por exemplo, o princípio da transparência (art. 4°, caput) que não deixa de ser um reflexo da boa-fé exigida aos agentes contratuais.

1.5. Princípio da vulnerabilidade

O princípio da vulnerabilidade do consumidor é tido como o princípio maior que rege as relações de consumo. Com seu reconhecimento no mercado de consumo, trazido explicitamente no CDC, em seu art. 4º, I, o legislador demonstrou a fragilidade do consumidor na relação perante o fornecedor.

Assim considera-se que todos os princípios, direitos e garantias relacionadas ao direito do consumidor decorrem do reconhecimento de sua vulnerabilidade.

O princípio da vulnerabilidade dá aplicação plena e efetiva do princípio da igualdade material quando, com seu reconhecimento, facilita de toda forma tanto a prevenção de ser o consumidor lesado em seus direitos, quanto sua defesa, seja em órgãos administrativos ou jurisdicionais.

Há de se considerar que o objetivo maior da Lei 8.078/90 é equilibrar juridicamente o consumidor e fornecedor, dada a desigualdade entre tais partes na relação de consumo, ou seja, tem-se uma parte detentora dos mecanismos de induzimento ao consumo (fornecedor) e uma outra que é a todo instante bombardeada por anúncios apelativos ao consumo tanto básico quanto exagerado (consumidor), sendo necessário armá-lo de certos instrumentos para que ele possa melhor defender-se. [07]

Percebe-se, dessa forma, o manifesto esforço de se evitar uma relação desigual e injusta, impedindo-se qualquer prejuízo para o consumidor. O Código de Defesa do Consumidor foi criado, exatamente, sob a perspectiva do reconhecimento da vulnerabilidade do indivíduo tutelado, sendo aquela o fundamento e a razão de ser de tal diploma jurídico, tentando-se, de todas as formas, buscar valores e princípios imprescindíveis para que fosse efetivada uma convivência mais harmônica nas relações de consumo do homem.

O desequilíbrio na relação de consumo é facilmente percebido observando-se aspectos de ordem econômica, jurídica, técnica, fática, política e normativa. Desta forma, detendo o fornecedor, o controle de todo efetivo, de todo o conhecimento passível de influenciar os consumidores na aquisição do bem ou do serviço.

Partindo desse princípio que o CDC confere instrumentos, inclusive no âmbito coletivo, para a facilitação da defesa do consumidor, seja com o estabelecimento da responsabilidade objetiva para o fornecedor ou até com a inversão do ônus da prova.

Hoje, na maioria dos países ocidentais, existe um consenso acerca da vulnerabilidade do consumidor, configurando esta como uma conquista histórica em favor do consumidor, como decorrência dos tempos modernos. Dessa maneira, para um perfeito entendimento do Sistema de Proteção do Consumidor, impende a necessidade da análise do referido princípio para uma consequente aplicação equânime da lei, tendo em vista que a vulnerabilidade é o alicerce da defesa do consumidor. [08]

1.6. Princípio da equidade contratual

Sobre a necessidade do equilíbrio contratual nas relações de consumo, os ensinamentos de João Batista de Almeida:

"Se há reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, do que resulta a intervenção estatal no sentido de protegê-lo, inclusive legislativamente, remanesce cristalino que a tutela do consumidor também se justifica pelo "objetivo de harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo", com o que se busca o "equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores"". [09]

Conforme consenso no que se refere ao desequilíbrio nas relações de consumo, estando o consumidor em uma posição de debilidade e subordinação estrutural em relação ao produtor do bem ou serviço de consumo, nada mais justo e correto do que buscar restabelecer o equilíbrio desejado quer protegendo o consumidor, quer educando-o, quer fornecendo-lhe instrumentos e mecanismos de superação desses desequilíbrios. Com isso, as relações de consumo poderão cumprir seus objetivos, com maior harmonia e redução de conflitos. [10]

Na filosofia das normas do CDC estaria à proteção do consumidor contra a lesão e os lesionários, preocupando-se especialmente com a justiça comutativa e o princípio da equidade. Tal preocupação econômica com a parte mais frágil e "necessitada" de direitos, na sociedade de consumo, seria como um novo paradigma do CDC, caminhando de forma conjunta com o princípio da boa-fé.

Segundo tal princípio, na ocorrência de uma cláusula abusiva esta será nula desde quando estipulada, afinal molda desvantagens desmedidas ao consumidor. Essa procura de equilíbrio e equidade contratual está inserida no princípio da boa-fé ou no princípio formulador máximo, o da confiança. Conforme demonstrado anteriormente, a boa-fé valoriza os interesses legítimos que levam cada uma das partes a contratar, e assim o direito passa a valorizar, igualmente e de forma renovada, o nexo entre as prestações, sua interdependência, isto é, a equidade contratual. [11]

Porém, tais princípios estudados até o momento, que devem estar presentes em toda relação de consumo, às vezes nem sempre tem sua aplicação efetiva, pois na maioria das vezes os fornecedores utilizam "contratos prontos", conhecidos como contratos de adesão, nos quais o consumidor não pode manifestar plenamente sua vontade. Contudo, tal situação também foi prevista pelo nosso legislador e, portanto, mais uma vez, o consumidor estará amparado nestes casos.

1.7. Da proteção contratual

Antes do advento da Lei 8.078 de 1990, o desequilíbrio nas relações contratuais trouxe como consequência abusos e lesões patrimoniais de toda ordem aos consumidores, que não encontravam resposta adequada no sistema até então vigente, geralmente em razão da aplicação rigorosa do "pacta sunt servanda", da falta de tratamento legislativo acerca da modificação e da revisão das cláusulas contratuais desproporcionais ou excessivamente onerosas, da falta de tipificação e sancionamento das cláusulas chamadas abusivas, da ausência de garantia legal e da não-regulamentação da garantia contratual, entre outros motivos.

No entanto, diante de tais ocorrências a nova lei atacou os pontos vulneráveis, visando à proteção contratual da parte hipossuficiente, o consumidor. Dentre as medidas adotadas, merecem destaque: a atenuação do princípio da força obrigatória dos contratos; a proibição e nulidade de cláusulas abusivas; a adoção das teorias da imprevisão e da base do negócio – permite a revisão e modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais e também daquelas que se tornam excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes –; controle e regulamentação do conteúdo dos contratos e a regulamentação das garantias legais e contratuais, além do acolhimento da interpretação favorável ao consumidor, conforme estudaremos no decorrer do presente trabalho.

De acordo com o CDC, os casos de lesão constituem-se de modo geral, nos casos de abusividade contratual, assim, entendem-se cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem obrigações iníquas, acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios da boa-fé e da equidade. [12]

Portanto, a cláusula abusiva intenta beneficiar uma das partes, ou seja, o abuso decorre do contexto, quando ela se origina não de acordo de vontades, mas de predisposição unilateral. Apesar das diferenças entre as cláusulas ilícitas e as cláusulas abusivas, a consequência jurídica é a mesma, ou seja, a nulidade. [13]

A definição de cláusulas abusivas, e os efeitos dela decorrentes, são aplicáveis tanto aos contratos de adesão quanto aos contratos paritários e são sempre consideradas nulas, prevendo a norma geral a proibição de cláusulas contra a boa-fé. São também consideradas abusivas todas as cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. Por isso, sempre que houver afronta contratual aos princípios consumeristas, há abusividade.

O fundamento jurídico em que sedimenta a doutrina brasileira o posicionamento acerca das cláusulas abusivas é o efetivo abuso de direito, contemplado pelo direito brasileiro de forma genérica, ainda que indiretamente, quando não considerou como ilícito o uso regular de um direito. As cláusulas abusivas seriam, portanto, uma especialização do fenômeno do abuso. Destarte, se pode concluir que o fundamento do repúdio às cláusulas abusivas assenta no princípio da boa fé.

Com o objetivo de evitar uma série de abusos e de injustiças, o direito pátrio adotou no art. 51, § 4º, do CDC, o controle judicial, declarando a nulidade das cláusulas abusivas. O controle judicial das cláusulas gerais de contrato tem sido encarado, muitas vezes, pelo ângulo particular da relação concreta submetida à apreciação do juiz. O controle judicial seria, assim, sucessivo, tendo como objetivo a relação concreta em juízo num dado momento.

Entretanto, tal controle, porém, sempre dependerá da iniciativa do lesado. A vantagem desse controle, segundo a doutrina, é que ele não necessita de organização de consumidores e tampouco da burocracia administrativa. Nos países em que não existe uma legislação específica sobre as cláusulas contratuais abusivas, esse tipo de controle seria o único disponível. [14]

A desvantagem é o fato de que este controle ocorre geralmente "a posteriori", o que não impede que as cláusulas contratuais gerais abusivas continuem a ser utilizadas por outros contratantes, pois os efeitos da decisão se limitam às partes que alegam a abusividade.

Nessa linha de raciocínio, verifica-se que a nulidade, por se revestir de caráter de ordem pública, pode ser arguida também pelo Ministério Público, quando explícito o interesse da coletividade, podendo ser pronunciada pelo órgão jurisdicional a qualquer tempo ou grau.

O CDC regulou de modo próprio a nulidade das cláusulas contratuais abusivas, não distinguindo a nulidade absoluta da anulabilidade e admitindo apenas a nulidade de pleno direito.

Por outro lado, o legislador optou pelo princípio da conservação, ou seja, invalida-se apenas a cláusula abusiva. Nula essa cláusula, subsiste o contrato se ficar assegurado o justo equilíbrio entre as partes.

Assim, a nulidade só afeta o contrato como um todo se a ausência da cláusula, apesar dos esforços de integração, acarretar ônus excessivo a qualquer das partes (art. 51, § 2º, do CDC).

Mesmo com a possibilidade de revisão e anulação, ou ainda, declaração de nulidade de cláusulas que possam causar prejuízo à parte hipossuficiente, os fornecedores intentando sempre o aumento da produção, vendas e lucro, ainda encontram maneiras de lesar o consumidor, especialmente quando o contrato versa sobre a oferta de crédito.

1.8. Proteção contratual na outorga de crédito

Os contratos de consumo que envolvem outorga de crédito ao consumidor devem submeter-se à regra contida no art. 52 do Código em comento, transcrito a seguir a fim de auxiliar o estudo:

Artigo 52: No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III – acréscimos legalmente previstos;

IV – número e periodicidade das prestações;

V – soma total a pagar, com ou sem financiamento.

Como bem se observa a norma determina seja obrigação da instituição financeira/fornecedora de informar prévia e adequadamente sobre os aludidos requisitos. No entanto, os elementos contidos no art. 52 da Lei 8.078/90 são exemplificativos, podendo haver outros dados que não estejam dispostos no referido artigo, porém de suma importância para o negócio. Em qualquer situação a instituição financeira, como fornecedora do produto e/ou serviço de crédito obrigatoriamente repassará ao consumidor, já na oferta, todas as informações relacionadas à outorga de crédito.

A Lei não concede a faculdade de prestar a informação. A norma prevê a obrigação do fornecedor em proporcionar todos os elementos envolvendo a concessão do crédito, mesmo que, por ventura, o consumidor não peça a informação. Esta é dada previamente, já no momento das tratativas preliminares para que o consumidor conheça as bases contratuais do futuro negócio. A adequação da informação vai depender do tipo de contrato e dos níveis social e econômico do aderente.

Ressalte-se que as normas referentes à Lei 4.595/64 são de organização, estruturação e funcionamento das instituições financeiras e do Sistema Financeiro Nacional em seu conjunto. E as normas do Código de Defesa do Consumidor são de conduta, ou seja, se tratar de produtos e serviços de crédito envolvendo consumidores, então, aplicam-se as regras do referido Código.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ já havia decidido que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, conforme a Súmula n. 297 [15]. Mas todas as dúvidas quanto à aplicabilidade da Lei 8.078/90 aos produtos e serviços de crédito foram dirimidas pela decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN 2591 [16], ajuizada em 26 de novembro de 2001 e requerida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF. Referida ação pleiteava a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, em 7 de junho de 2006, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu por maioria, julgar improcedente a ação direta, tendo sido vencido parcialmente o Ministro (Relator) Carlos Velloso, no que foi acompanhado pelo Ministro Nelson Jobim. Assim sendo, não restam dúvidas: o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos produtos e serviços de crédito. [17]

Deste modo, na outorga de crédito é necessária a transparência através de prévio e integral conhecimento dos requisitos obrigatórios previstos no art. 52 do Código do Consumidor, e a compreensão dos valores a serem negociados, as taxas de juros, de mora e de administração, comissão de permanência, encargos moratórios e multas por inadimplemento, dentre outros elementos que se fizerem precisos.

Preservar a transparência na concessão de crédito é condição essencial para que o consumidor manifeste sua vontade de modo livre. Mas a liberdade de escolha somente é eficaz quando o consumidor está ciente e bem informado dos direitos e dos deveres inerentes ao negócio que realizará futuramente. Destarte, a financeira, como fornecedora, deve assegurar que a confiança que o consumidor nela depositou seja recompensada com a informação clara, adequada, objetiva e precisa dos elementos essenciais do crédito concedido.

Destaque-se que o art. 46 da Lei 8.078/90 determina que os contratos de consumo, incluindo os de crédito, não obrigam os consumidores caso não lhes seja dada à oportunidade de ter conhecimento prévio de seu conteúdo ou na hipótese de redação que implique em dificuldade de compreensão do alcance do conteúdo contratual. Nesse sentido, poderá verificar-se a nulidade das cláusulas desconhecidas e interpretação de modo a descobrir se o consumidor assinaria ou não o contrato caso tivesse conhecimento das cláusulas, respectivamente, conforme os artigos 51 e 47 da Lei supra.

A proteção dos interesses e expectativas do consumidor deverá acompanhar o transcorrer das prestações contratuais, a execução do contrato e o cumprimento dos deveres principais e acessórios, instituindo inclusive uma proteção pós-contratual. No intuito de proteger a confiança do consumidor, foram instituídas garantias legais e, para proteger o equilíbrio contratual, foram as cláusulas abusivas afastadas por normas imperativas; ainda, dentre outros direitos, visando efetivar a proteção do consumidor durante a execução do contrato, como veremos a seguir.

Sobre a autora
Sara Rodrigues da Silva

Bacharel em Direito, Estagiária Credenciada do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sara Rodrigues. Indenização por danos morais decorrentes da cobrança vexatória nas relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2910, 20 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19382. Acesso em: 19 dez. 2024.

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