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Decadência e prescrição no Direito Tributário

Nos mais variados ramos do Direito, encontram-se dois institutos que, intimamente relacionados à segurança jurídica e à garantia da ordem social, geram efeitos extintivos, seja sobre direitos individuais ou coletivos, seja sobre sua pretensão. Trata-se, respectivamente, da decadência e da prescrição. Introduzindo o tema, Luciano Amaro assim preleciona:

A certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, da possibilidade de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclamá-lo. Dormientibus non succurrit jus. O direito positivo não socorre a quem permanece inerte, durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus direitos. Por isso, esgotado certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação ou defesa desse direito. [01]

Antes de se adentrar propriamente na explicação de como tais institutos operam no direito tributário, tem-se por bem mencionar, ainda que de maneira breve, as noções que a decadência e a prescrição encerram.

A decadência corresponde à extinção de um direito potestativo pelo decurso do prazo previsto em lei para o seu exercício sem que o titular do suposto direito aja para levá-lo a cabo. Como reiteradamente assinala a doutrina, o prazo decadencial somente se suspende, se interrompe ou terá impedido seu início nos casos em que lei assim determinar, não se lhe aplicando, sem disposição expressa, as hipóteses de suspensão, interrupção e impedimento prescricionais.

O instituto da prescrição, a seu turno, diz respeito à perda da possibilidade de se exigir judicialmente uma prestação de dar, fazer ou não fazer (perda da pretensão, do direito de ação), em virtude da inércia do titular do direito subjetivo em exercê-lo no prazo legal. Verifica-se, na linha do conceito fornecido, que a prescrição está relacionada a um direito que tem como correspondente um dever jurídico de prestação. O inadimplemento deste direito faz nascer a pretensão, que é justamente o poder de exigir a prestação. A partir deste momento terá início o prazo prescricional, o qual, uma vez decorrido, extinguirá a pretensão (e não o direito à prestação).

Os prazos prescricionais, ao contrário dos prazos decadenciais em geral, foram legalmente contemplados com hipóteses de suspensão, interrupção e impedimento. Apenas para que se visualize de forma adequada a diferença entre essas três causas que podem atingir os prazos prescricionais, diga-se que a suspensão da prescrição significa que, ocorrendo alguma causa suspensiva, o prazo fica sem fluir durante o tempo em que durar a respectiva causa, mas, cessada esta, volta ao seu curso apenas pelo que lhe faltava; a interrupção da prescrição corresponde à ideia de que, ocorrente algum evento interruptivo do prazo prescricional, este é interrompido, e, uma vez findo tal evento, volta a fluir pelo seu total. Vale dizer: reinicia-se a contagem do prazo, abandonando-se do cômputo o tempo transcorrido até o evento interruptivo. Por fim, o impedimento da prescrição é a impossibilidade de se iniciar a contagem do prazo, o qual se mantém íntegro durante toda a duração da causa impeditiva. Com o fim da causa impeditiva, inicia-se o curso do prazo prescricional.


Decadência e Prescrição no Direito Tributário

Com o tom crítico que lhe é peculiar, Luciano Amaro, antes de discorrer propriamente sobre a decadência e a prescrição no Direito Tributário, tece as seguintes considerações, totalmente pertinentes para esta ocasião:

Tratando-se de relação de natureza patrimonial – já que a obrigação tributária principal tem por objeto a prestação do tributo pelo devedor- o Código Tributário Nacional poderia ter-se limitado a disciplinar um prazo para que o Fisco, não satisfeito pelo sujeito passivo, ingressasse em juízo com a ação de cobrança, estabelecendo o lapso de tempo que entendesse adequado, e fazendo-o contar a partir do nascimento da obrigação tributária, com as causas de interrupção ou suspensão que fossem adequadas. [...] certamente influenciado pelas construções teóricas formuladas sobre a decadência e a prescrição, e, fundamentalmente, condicionado pelo fenômeno do lançamento (anomalia da pretensão tributária, que não se faz presente na dinâmica do exercício de direitos na esfera de outros ramos do direito), o Código Tributário Nacional optou por cindir a problemática dos prazos extintivos do direito do credor da obrigação tributária, fixando dois prazos, sendo o primeiro o lapso de tempo dentro do qual deve ser "constituído" o crédito tributário, mediante a consecução do lançamento, e o segundo, o período no qual o sujeito ativo, se não satisfeita a obrigação tributária, deve ajuizar a ação de cobrança. [02]

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Como ficou demonstrado, ainda que não em palavras sacramentais, no excerto acima transcrito, o prazo decadencial contra a Fazenda Pública refere-se ao prazo de que ela dispõe para formalizar o crédito tributário, ou seja, para efetuar o lançamento. Já o prazo prescricional corresponde ao tempo que a Fazenda Pública tem para cobrar judicialmente o crédito tributário lançado em caso de inadimplemento deste crédito (aforar ação de execução fiscal). Em uma outra abordagem, poder-se-ia dizer que esgotado o prazo previsto em lei para que a Administração Tributária efetue o lançamento, constituindo o crédito tributário, haverá a caducidade, a decadência do direito de fazê-lo. Se, de outra parte, o lançamento foi levado a cabo, mas o sujeito ativo, mesmo ante a inadimplência do devedor, negligencia o prazo de que dispõe para ajuizar a competente ação de cobrança, haverá a prescrição do direito de ação. Verifica-se, por essa breve explanação, que o lançamento é o marco que separa, na linha do tempo, a prescrição da decadência.

Saliente-se que a prescrição e decadência relacionadas ao direito de restituição de pagamento indevido serão tratadas posteriormente em tópico especial.


Prescrição

No direito privado, a regra geral estabelece que a partir da violação de um determinado direito subjetivo nasce a pretensão para exigir a prestação deste, pretensão que se extingue pelo decurso do prazo prescricional previsto em lei.

No Direito Tributário, a prescrição se dá quando a Administração Tributária deixa de ajuizar, no prazo legalmente estipulado, ação de execução fiscal para obter a satisfação do crédito tributário.

Verifica-se, a partir da leitura do artigo 174 do Código Tributário Nacional, que o prazo de prescrição é de cinco anos, e deve ser contado a partir da data da constituição do crédito tributário. Neste ponto, surge uma celeuma doutrinária. Trata-se da discussão acerca da necessidade ou da desnecessidade de o crédito estar definitivamente constituído para que o prazo prescricional comece a fluir.

De um lado, há quem sustente que, em deferência aos princípios do contraditório e ampla defesa, é dado ao sujeito passivo impugnar o lançamento realizado, instaurando um litígio, o que, ao fim e ao cabo, pode, na linha do disposto no inciso I do artigo 145 do Código Tributário Nacional, ter repercussão no lançamento realizado. Neste caso, com a notificação do lançamento, o crédito estaria constituído, mas não definitivamente constituído, de modo que o prazo prescricional apenas poderia ter seu início a partir da decisão da fase litigiosa do lançamento. Parece aderir a esta corrente Hugo de Brito Machado, quando preleciona que:

Dizer que a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos significa dizer que a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar judicialmente, para propor a execução do crédito tributário. Tal prazo é contado da constituição definitiva do crédito, isto é, da data em que não mais admita a Fazenda Pública discutir a seu respeito, em procedimento administrativo. Se não efetua a cobrança no prazo de cinco anos, não poderá mais fazê-lo. [03]

De outra parte, outros autores entendem que o início do prazo prescricional se opera a partir da notificação do sujeito passivo, momento em que o lançamento ganha eficácia jurídica e em que o crédito tributário é constituído. Nesta linha, o processo de formação do lançamento seria concluído com a emissão do documento que o formaliza e a eficácia jurídica seria adquirida a partir da notificação. Defendem esta corrente Anselmo Souza e Luciano Amaro. Este último explica a controvérsia e, no fim, se posiciona, conforme se verifica do excerto abaixo transcrito:

Autores há que sustentam ser lançamento "definitivo" aquele não mais passível de ser alterado, nos termos do art. 145, por meio, por exemplo, de uma impugnação do sujeito passivo. Não cremos que proceda essa afirmação, pois, caso a prescrição só tivesse início depois de eliminada a possibilidade de eventual mudança administrativa do lançamento, o art. 149 protrairia o início do prazo prescricional para todas as situações em que, em tese, coubesse revisão de ofício do lançamento, o que não faria nenhum sentido. Efetuado o lançamento, sabe-se que o sujeito ativo tem a possibilidade de revê-lo (art. 145 c/c o art. 149). Assim sendo, supondo que, feito o lançamento, o sujeito ativo quedasse inerte até o esgotamento do prazo decadencial, sem acionar o sujeito passivo no sentido de cobrar o tributo, só ao término desse prazo (e mesmo na inexistência de qualquer ato revisional) é que se teria, em vez da consumação da prescrição, o termo inicial do lapso prescricional. Ora, mesmo que se proceda à revisão e que dela resulte diferença de tributo a ser lançada, a cobrança dessa diferença é que ficará sujeita a prescrição, contada a partir do novo lançamento, e não o montante originalmente lançado. Parece-nos mais plausível que a interpretação de que o Código Tributário Nacional teve em conta a concepção procedimentalista de lançamento que ele parece ter adotado, e, nessa linha, o lançamento já estaria ocorrendo com a prática de atos preparatórios de apuração de fatos e determinação de valores; assim, ainda não haveria uma "atividade administrativa definitva" até que ela fosse concluída pela notificação do quantum debeatur ao sujeito passivo. Enquanto isso não ocorresse estaria ainda em curso o prazo decadencial; mas, "concluído" o lançamento e notificado o sujeito passivo, passaria a fluir a prescrição. [04]

Apesar do debate existente em sede doutrinária, é importante assinalar que a jurisprudência tem entendimento no sentido de que, na pendência de processo administrativo, o prazo prescricional não flui.


Prescrição e lançamento por homologação

Ocorrendo o lançamento por homologação, pressupõe-se que houve o pagamento do tributo, e, portanto, não há que se falar em prescrição da pretensão pela falta de pagamento.

Entretanto, se o lançamento for homologado expressamente e posteriormente vier a sofrer alteração, a revisão de ofício não gerará um lançamento por homologação, mas sim um lançamento de ofício, com prazo prescricional se surgir pretensão pela falta de pagamento. Assim também se dá nos casos em que o sujeito passivo não antecipa o pagamento ou o faz a menor, pois o lançamento não será homologado, mas sim feito de ofício, igualmente com prazo prescricional.

Se, ao contrário, o que realmente ocorrer for um lançamento por homologação, houve pagamento do crédito tributário e não há que se falar em prescrição, uma vez que não surgiu qualquer pretensão por falta de pagamento.

As precisas lições de Luciano Amaro explicam este ponto de maneira clara:

Assim como não há decadência do lançamento por homologação (embora possa havê-la quanto ao lançamento de ofício, efetuável no lugar do lançamento por homologação), também não cabe falar em prescrição no caso de tributos lançados por homologação. Se essa forma de lançamento, que na modalidade expressa, quer na tácita, supõe o prévio pagamento, é intuitivo que, uma vez realizado o lançamento (por homologação expressa ou tácita), não há o que cobrar, e, portanto, não se pode falar em prescrição da ação de cobrança. Diversamente, se o tributo (lançável por homologação) for lançado de ofício (porque o sujeito passivo não "antecipou" o pagamento ou o fez a menor), poderá ocorrer a prescrição, mas aí já não se trata de prescrição da ação de cobrança de tributo lançado por homologação, e sim de tributo lançado de ofício. [05]


Interrupção do prazo prescricional no Código Tributário Nacional

Para que ocorra a interrupção de um prazo prescricional e este prazo tenha reiniciada a sua contagem, é necessário que ocorra alguma situação específica prevista em lei, hábil a gerar tal efeito.

O Código Tributário Nacional estabelece, no parágrafo único do seu artigo 174, os quatro casos de interrupção do prazo prescricional no Direito Tributário.

A primeira hipótese de interrupção da prescrição dá-se com o despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal.

O segundo caso previsto na lei é o do protesto judicial, cuja finalidade é a conservação de um direito, uma vez que no caso de protesto interruptivo da prescrição o credor manifesta oficialmente ao devedor o seu direito.

A terceira causa interruptiva estabelecida em lei corresponde a qualquer ato que constitua em mora o devedor, sendo que o ato mais comum é a própria citação. É preciso asseverar, entretanto, que outros atos como o protesto judicial, a notificação judicial, a interpelação judicial, os arrestos e as demais medidas cautelares também produzem o mesmo efeito. Vale dizer: qualquer medida judicial que o credor tome, demonstrando que deseja efetivamente receber o valor lançado tem o condão de constituir o devedor em mora.

Neste contexto, cumpre ressaltar que o devedor que não paga obrigação positiva e líquida no tempo de pagamento fica constituído de pleno direito em mora. Assim, a mora existe desde o momento do não cumprimento da obrigação tributária, sendo certo que a constituição em mora, por via judicial, é apenas um reforço da mora em que já se encontra o devedor desde o dia seguinte ao termo de pagamento do crédito tributário.

Por fim, a quarta hipótese de interrupção da prescrição dá-se por qualquer ato inequívoco que importe em reconhecimento do débito pelo devedor, podendo esta última hipótese ocorrer por ato judicial ou extrajudicial. Os casos mais corriqueiros de verificação concreta desta hipótese ocorrem com a confissão da dívida ou outro ato que demonstre o reconhecimento desta, como por exemplo, o pedido de parcelamento do débito e a compensação do débito.


Suspensão do prazo prescricional

Apesar de não haver previsão expressa dos casos de suspensão da prescrição no Código Tributário Nacional, a doutrina e a jurisprudência vêm estabelecendo hipóteses de suspensão do prazo prescricional. O parágrafo único do artigo 155, todavia, estabelece que durante o tempo decorrido entre a concessão da moratória em caráter individual obtida de maneira fraudulenta e a sua revogação (rectius: anulação), o prazo de prescrição não correrá, isto é, ficará suspenso. Tal dispositivo é aplicável em relação ao parcelamento, à remissão, à isenção e à anistia, de modo que, em todos esses casos, haverá suspensão do prazo prescricional.

Além disto, o entendimento doutrinário e jurisprudencial inclina-se no sentido de que, nos casos em que a exigibilidade do crédito tributário esteja suspensa, na linha do disposto no artigo 151 do Código Tributário Nacional, o respectivo prazo prescricional também ficará suspenso. Tal entendimento decorre do raciocínio de que, quando o crédito tributário não pode ser judicialmente exigido, a Fazenda Pública não pode propor a ação de execução, não se verificando, assim, a inércia do credor, não sendo possível, por consequência, o curso do prazo prescricional. Neste caso, o credor não age porque está legalmente impedido de fazê-lo.

Há ainda um outro caso de suspensão do prazo prescricional: trata-se da hipótese do § 3° do artigo 2° da Lei de Execuções Fiscais (Lei n° 6.830/80), que estabelece que a inscrição do crédito tributário na Dívida Ativa suspende o curso do prazo prescricional por cento e oitenta dias. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a Lei de Execuções Fiscais não poderia ter criado uma causa de suspensão do prazo de prescrição não prevista no Código Tributário Nacional, de forma que o dispositivo não poderia ser aplicado às execuções fiscais da dívida ativa de natureza tributária.


Notas

  1. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro; 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 395-396.
  2. Idem. pp. 401-402.
  3. MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit. p.245.
  4. AMARO, Luciano. Op. Cit. pp.414-415.
  5. Idem, p. 417.
Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUBARAK, Danielle Dutervil; GUIMARÃES, Fernanda Cosme Monteiro. Decadência e prescrição no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19423. Acesso em: 5 nov. 2024.

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