Resumo
Este artigo científico versa sobre uma pesquisa de campo realizada no Centro Psiquiátrico judiciário Pedro Marinho Suruagy em Maceió-AL, estudo que incrementou o trabalho de conclusão de curso da graduação da autora, bem como evidenciou uma realidade triste e esquecida em nosso Estado, condição de uma classe que grita por mudanças, sendo necessária para tanto, a implantação de medidas sócio-políticas. No trabalho original, foi realizado um estudo aprofundado sobre a relação entre a Loucura e o Direito, com base na legislação penal e processual penal brasileira em comparação com a atual reforma psiquiátrica, movimento que trouxe uma nova forma de lidar com o portador de afecção mental. Enquanto a legislação não muda, alguns Estados brasileiros optaram por inserir mudanças significativas que viabilizam a reintegração social desse grupo tão marginalizado. Aqui, "quebramos o muro do manicômio" para mostrar a situação atual do louco infrator alagoano, acreditando no surgimento de políticas governamentais a serem desenvolvidas que garantam uma vida digna e de melhor qualidade para tais pessoas.
Descritores: loucura, crime, medidas de segurança.
1.INTRODUÇÃO
As questões relacionadas ao louco infrator há muito são objeto de controvérsias, principalmente sob o aspecto das medidas de segurança que lhes são aplicadas e o seu período de duração, já que, segundo a legislação vigente, o tempo de duração máximo é indeterminado, dependendo da averiguação, por perícia médica, da cessação da periculosidade do agente.
Em Alagoas, o estabelecimento para onde os pacientes mentais que cometeram delitos são encaminhados é o Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy. Conhecer a dinâmica de tal instituição, entender seus verdadeiros propósitos, analisar a aplicação das medidas de segurança, sua efetividade e implicações, em especial, quanto ao seu tempo de duração, foram uns dos nossos interesses para a realização deste estudo. Muitas foram as nossas indagações: Que conseqüências acarretariam para o interno a não determinação do tempo de duração das medidas de segurança que lhe foi submetida? Essa não determinação fere algum princípio constitucional? Como avaliar a cessação de periculosidade? É possível a utilização de critérios objetivos para tal averiguação? As condições institucionais permitem a perícia médica anual descrita na lei? Se permitirem, será que tal determinação é cumprida? O imputável que cometer o crime mais grave do Código Penal terá como limite máximo de cumprimento da pena o tempo de 30 anos. E o inimputável que praticar o crime menos grave, será passível de cumprir uma "sanção perpétua"? E quando o imputável cumpre seu tempo de pena, a sua periculosidade cessa? Que tipo de tratamento esses internos recebem? A reforma psiquiátrica tão proclamada na atualidade, com seus movimentos antimanicomiais, deveria atingir os centros psiquiátricos judiciários? Será que os internos são tratados exclusivamente como criminosos, tendo a medida de segurança equivocadamente um caráter de retribuição pelo mal causado (punição)?
Esses questionamentos e outros foram a motivação para investigar quais são os efeitos sócio-jurídicos oriundos da não determinação do tempo de duração da medida de segurança, entendendo tal estudo como algo de grande relevância social, frente aos questionamentos atuais e às poucas pesquisas científicas que se preocupam em averiguar as condições do louco infrator, além de permitir ao Estado de Alagoas, a visualização da realidade do seu único Centro Psiquiátrico Judiciário.
Ressalta-se o fato de muitas classes sociais serem excluídas e discriminadas, ou, ao menos, esquecidas, sendo o doente mental uma delas, enquanto que, por outro lado, imagina-se, com angústia, qual a representação social que possui o "louco infrator"? Este que carrega dois estigmas sociais, o de ser louco e o de ser criminoso.
O objeto de nossa pesquisa foi o seguinte problema: Em que extensão a não determinação das medidas de segurança é uma violação aos direitos dos internos no Centro Psiquiátrico Pedro Marinho Suruagy em Maceió-AL? Entendendo por não determinação, a falta de definição de tempo de duração (tempo máximo) e por efeitos sócio- jurídicos, as conseqüências que atingem tanto a esfera social como o âmbito jurídico.
Neste artigo, nos detemos a apresentar parte do último capítulo daquele trabalho de conclusão de curso, referente à pesquisa de campo realizada no Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy em Maceió-AL, mais especificamente, ao perfil do louco infrator em Alagoas e os efeitos sócio-jurídicos que decorrem da não determinação das medidas de segurança, considerando a possibilidade de prisão perpétua e a violação de direitos dos internos.
2.Métodos
O projeto de pesquisa foi analisado e aprovado em 19 de outubro de 2007, pelo Comitê de Ética em Pesquisa - CEP da Universidade Federal de Alagoas - UFAL, estando ciente da Declaração de Helsinque e da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, visto que envolve pesquisa com seres humanos.
Para tanto, no período de out/2007 a jan/2008, foi realizado um estudo descritivo, com abordagens quantitativa e qualitativa, tendo sido utilizados como instrumentos para coleta de dados para traçar o perfil do louco infrator em Alagoas, um formulário, a ser preenchido de acordo com informações contidas nos prontuários psiquiátricos-criminais (fichas) de todos os internos submetidos à medida de segurança naquele local, desde que com sentença judicial. Foram excluídos do estudo os internos que esperavam a determinação de sentença judicial que estabeleça submissão à medida de segurança.
Pesquisadora e orientador garantiram sigilo absoluto de quaisquer informações que pudessem identificar os sujeitos de pesquisa, ou que violasse a privacidade quanto aos dados confidenciais expostos nos prontuários analisados em qualquer fase da pesquisa.
O aspecto variante primário da pesquisa se refere à diversidade dos efeitos sócio- jurídicos decorrentes da não determinação das medidas de segurança.
Os aspectos variantes secundários podem ser descritos como: faixa etária, sexo, escolaridade, profissão, patologia, terapias realizadas, delito cometido, vítima, datas do início da internação e das revisões psiquiátricas realizadas, contidos nos prontuários psiquiátrico-criminais (fichas) dos internos, os quais puderam traçar um perfil do louco infrator em Alagoas. Deu-se ênfase ao dado referente às datas do início de cumprimento da medida de segurança e das revisões psiquiátricas realizadas, observando-se o tempo de submissão à medida e o intervalo de tempo entre as mesmas.
Posteriormente, os dados coletados foram organizados, interpretados, fundamentados teoricamente, comparados com outros estudos e com a legislação vigente, para uma descrição dos resultados, análise e discussão, utilizando um caráter quantitativo e qualitativo, fazendo-se uso de gráficos e tabelas, para melhor explanar os aspectos variantes.
3.Resultados: análise e discussão
3.1.Aspectos do local da pesquisa
O Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy (CPJ), localizado na BR 114, KM 14, S/N, CEP 57.083-000, Fone: 82 3315-1068; 3315-1071, é uma entidade pública inserida no complexo prisional de Alagoas, com acesso dificultoso para o pedestre. Pertencente à Secretaria do Estado de Defesa Social, antiga Secretaria de Segurança Pública, foi inaugurada em 1978, pelo Governador da época Divaldo Suruagy e pelo Secretário de Segurança Pública José Azevedo Amaral.
Em disposição circular ao pátio, existem 10 alas, descritas de A a J, cada uma delas contém 13 quartos individuais, com exceção da J, que possui apenas 10 quartos. Ao tempo da pesquisa, havia 112 internos, sendo 45 reeducandos (réus em cumprimento de pena que, por algum motivo, como exemplo, superveniência de perturbação mental, foram encaminhados para a instituição), 34 (sub judice), isto é, à espera de laudo médico e/ou decisão judicial e 33 (pacientes) com sentença judicial determinando submissão à medida de segurança. Logo, a nossa amostra foi composta de 33 sujeitos de pesquisa, número total de internos contido no CPJ, submetidos à medida de segurança.
O Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy possuía, na época, 160 funcionários, distribuídos nas seguintes funções: 11 na parte administrativa; 81 agentes penitenciários; 01 policial civil; 07 médicos; 01 dentista; 02 assistentes sociais; 07 psicólogos; 22 auxiliares de enfermagem; 09 cozinheiros; 10 auxiliares de serviços gerais (limpeza); 02 lavadeiras; 04 nos serviços de manutenção; 02 barbeiros e 01 motorista. Não há um terapeuta ocupacional na instituição, apenas uma sala chamada de Praxiterapia, onde os internos podem ler revistas, jornais ou realizar algumas atividades, porém sem nenhum fim terapêutico, apenas passar tempo.
3.2. Perfil dos internos participantes
a) Dados gerais de identificação
Quando iniciada a pesquisa, encontrava-se na referida instituição, com sentença judicial que determina medida de segurança, um número de 33 indivíduos de ambos os sexos, chamados pela instituição de pacientes.
Em relação ao sexo, o sexo masculino predomina entre os internos sob medida de segurança no local de nossa pesquisa. São 28 homens e 05 mulheres, equivalendo 85% e 15% respectivamente. Tal resultado é semelhante aos de outras instituições com o mesmo perfil, como os estudos de Kolker & Delgado (2003), realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Heitor Carrilho-RJ, de Moscatello (2001) e Teixeira & Dalgalarrondo (2006), no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha-SP, de Valamiel (1994), no Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz - MG e o estudo de Peres et al (1997), realizado em um Hospital de Custódia e Tratamento do Brasil. Em todos esses a porcentagem referente à população do sexo masculino ultrapassava os 80%.
Quanto à idade dos pacientes, foi encontrada uma variação de 21 a 72 anos, sendo a faixa etária distribuída da seguinte maneira: a faixa etária mais comum está compreendida entre 41 e 50 anos (34% ou 11). A seguir, 24% ou 08 tinham entre 31 e 40 anos; 15% ou 05 tinham entre 51 e 60 anos; 12% ou 04 tinham entre 21 e 30 anos; 6% ou 02 tinham entre 61 e 72 anos, e em 9% dos casos, o equivalente a 03 indivíduos, não constava a informação referente à idade.
Diferente dos estudos referidos anteriormente, os quais a faixa etária variou entre 31 e 40 anos, com idade média de 38,7 anos, os resultados apontaram para um predomínio da idade de 41 e 50 anos, um pouco mais madura do que a que os estudos destacam. Mas, a faixa dos 31 a 40 anos, considerada por Peres et al (1997:06) como uma população em idade economicamente produtiva, ficou aqui em 2º lugar, que aliada à população dos 41 aos 50 anos, somam 58%, o equivalente a mais da metade da nossa amostra. Logo, a maior faixa etária compreende dos 31 aos 50 anos.
Em relação à naturalidade, dividimos em dois grupos principais, aqueles advindos da capital (Maceió-AL) e os que são do interior.
Os internos são, em sua maioria, provenientes do interior do Estado, e, por vezes, com uma população predominantemente rural, em número absoluto equivalem a 21 indivíduos. São 64% oriundos do interior e 27% da capital. Em 9% da nossa amostra não consta a informação referente à naturalidade. Do mesmo modo foi encontrado na pesquisa de Peres et al (1997:06). Mas, em discordância com o nosso resultado, o estudo de Kolker & Delgado (2003: 171), realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Heitor Carrilho – RJ, aponta que 74,02% dos pacientes são oriundos da capital, enquanto 24,69% advêm das diversas regiões do Brasil, em especial da região Nordeste.
Referente à variável escolaridade, o nosso resultado é bem pior do que o estudo realizado no Rio de Janeiro por Kolker & Delgado (2003). Os autores (p.172) descrevem que do seu total de pacientes, 32,46% eram analfabetos, 44,15% não completaram o 1º grau, enquanto 8,4% o completaram, 6,49% pelo menos iniciaram o 2º grau (Ensino Médio), 3,24% completaram, 01 iniciou um curso superior e 01 outro concluiu. O nosso resultado chama a atenção, mas está de acordo com a realidade do nosso Estado, com um dos piores índices de analfabetismo do Brasil.
Dos 36% ou 12 pacientes, cuja informação consta serem alfabetizados, apenas 02 (dois) possuem o fundamental completo e 01 (um) concluiu 2º grau. Os outros 09 (nove) sabem apenas ler e escrever (alguns participaram de curso de alfabetização para jovens e adultos, quando a escola do CPJ funcionava), e são muitas vezes considerados semi-analfabetos, limitados a escrever o próprio nome e ler poucas, pequenas e simples palavras.
O analfabetismo totaliza um valor absoluto de 21 ou 64%. O que pode ser explicado também pela condição de vida da maioria, do interior, em especial da zona rural. Muitas dessas pessoas tiveram poucas oportunidades na vida, tendo que trabalhar muito cedo, como trabalhador rural.
A variante profissão, 37% são trabalhadores rurais, 30% não consta a informação profissão, 12% e 6% são respectivamente pedreiros e serventes e cada um com 3%: pescador, comerciante, auxiliar de lanternagem, lavadeira e militar de reserva.
Destacamos a atividade rural relacionada, muitas vezes à agricultura e os que não constam qualquer atividade em prontuário. Dúvida surge se essas últimas pessoas não exerciam alguma atividade na época do cometimento do delito e conseqüente submissão à medida de segurança, sendo desempregados, ou se nunca exerceram atividade alguma em suas vidas, ou ainda, se foi falha na hora da coleta de dados quando da entrada na instituição. O que se sabe é que, tal informação não consta em seus prontuários, nem nas fichas de identificação, nem nos laudos periciais realizados.
Ressaltamos a importância de identificar a função (profissão/atividade) exercida pelo indivíduo, em seu contexto de vida anterior à institucionalização, para que se tenha um referencial sobre suas preferências e outras características pessoais, até mesmo frente à abordagem terapêutica e o plano de tratamento traçado.
Os estudos de Kolker & Delgado (2003:172) encontraram uma maior diversidade de profissões que o nosso, além do trabalho na lavoura, na pesca, na construção civil e o trabalho doméstico e braçal, os autores identificaram atividades como costureiro, cabeleireiro, marceneiro, mecânico de automóveis, ourives, laboratorista, fotógrafo, músico, técnico de computação, trabalhador da indústria, do comércio e na área de fisioterapia. No entanto, o número mais expressivo foi o daqueles que, segundo os autores, não chegaram a desenvolver nenhuma profissão.
b) Caracterização por diagnósticos
Cinco grupos de doenças foram identificados entre os 33 sujeitos de pesquisa, Esquizofrenias (81%), Retardo mental (8%), Transtorno mental e comportamental devido ao uso de substância psicoativa (5%), Transtorno de personalidade (3%) e Psicose epilética (3%).
Dentre os 33 da amostra, 29 tiveram apenas um diagnóstico, enquanto 04 foram diagnosticados com 02 tipos de doenças (Esquizofrenia + Transtorno mental e comportamental devido ao uso de substância psicoativa; Psicose epilética + Retardo mental; Esquizofrenia + Retardo mental e Esquizofrenia + Transtorno de personalidade). Assim como todos os outros estudos citados anteriormente em comparação a este, as Esquizofrenias, que se inserem no grupo das psicoses, apresentam-se em um número muito significativo, ocupando o 1º lugar. E igual aos estudos de Kolker & Delgado (2003: 172) e Peres et al (1997:06), o Retardo Mental vem em 2º lugar.
Referente às Esquizofrenias, 60% é do tipo paranóide, com Código Internacional de Doenças (CID) expresso como F20.0, caracterizada por alucinações visuais e auditivas, além do pensamento ilusório de perseguição. Atenta-se ainda para o uso de substâncias psicoativas (5%), incluindo vários tipos de drogas, determinando ao usuário, devido a um transtorno mental e comportamental decorrente da sua prática ou, muitas vezes da abstinência, o cometimento de um delito.
c) Tipo de delito
Dentre os delitos mais identificados, o homicídio ocupa o primeiro plano (66%), sendo 53,57% destes do tipo homicídio qualificados. A seguir, com 16%, o crime de lesão corporal, 5% tentativa de estupro e porte ilegal de armas e cada um com 2%: tentativa de homicídio, roubo e extorsão, aborto provocado por terceiro e ameaça.
Do total de crimes identificados, 06 (14,2%) tiveram mais de uma vítima. E em um desses, ocorreu um triplo homicídio.
Quanto à reincidência criminal, não havia registros nos prontuários. Mas, estudos de Moscatello (2001:04) demonstram que, numa população de 100 internos submetidos à medida de segurança, os crimes contra a vida (tentativas e homicídios consumados) prevalecem nos não-recidivistas, enquanto que entre os recidivistas destacam-se os crimes contra o patrimônio (furtos e roubos).
d) Vítimas mais freqüentes
Em relação à vítima, foi verificado o que Esposo (a) aparece em primeiro lugar com freqüência de 28% ou 10, sendo que em apenas um caso aparece o esposo (sexo masculino) e os outros 09 são do sexo feminino. A seguir ficaram as vítimas identificadas como outros (19% ou 07 vítimas), sendo 71,42% destes conhecidos não-familiares e 28,54% desconhecidos, que se tornaram vítimas por acaso.
Em terceiro lugar, os pais (genitores) estão em freqüência de 14% ou 05, sendo que apenas (01) um caso é de genitor enquanto 04 (quatro) de genitora. Somando as vítimas familiares unidos por laços de consangüinidade, ou seja, genitor (a), irmão (ã) e filho (a), estes totalizam 26% ou 09. Número menor do que o das vítimas identificadas como esposo (a). Nos estudos de Kolker & Delgado (2003:174), o número de vítimas familiares por laços de consangüinidade foi igual ao número de vítimas identificadas como esposo (a).
Somando as vítimas familiares não consangüíneos, tais como tio (a), sobrinho (a) e primo (a), totalizamos 9% ou 03, pois cada um foi equivalente a 3%. Enquanto que vizinho (a) possui o mesmo percentual (9%), e todas essas pessoas pertenciam ao sexo feminino (vizinhas). Destaca-se em um deles o duplo homicídio de mãe e filha que estava no colo.
Duas crianças (6%) e um idoso de 70 anos (3%) também foram visualizados como vítimas.
Porém, familiares (consangüíneos ou não consangüíneos), ou seja, esposo (a), genitor (a), filho (a), irmão (ã), tio (a), primo (a) e sobrinho (a) chegam juntos a 63%. Logo, os dados demonstram que pessoas do núcleo familiar são as mais vitimizadas, talvez pela ambivalência afetiva identificada no portador de transtorno mental, que ora ama, ora odeia, em especial, pessoas com quem mantém um vínculo mais próximo, ou por outro fator desconhecido.
e) Referência familiar
Quanto à referência familiar, os números mostram que 79% ou 26 possuem referência familiar, enquanto em 21% ou 07 não possuem, determinando a impossibilidade de contato. Salientamos que o que aqui se retrata é a referência familiar e não o suporte/apoio familiar. Este, segundo o serviço de assistência social da instituição pesquisado é muito pouco. Sendo visualizado um número mínimo de visitantes, durante os dias de visita (terças-feiras e domingo das 14:00 às 17:00 h). Outro ponto é a difícil aceitação da família, o abandono é freqüente, as famílias são, em sua maioria, numerosas e desestruturadas, residentes no interior do Estado e de baixa renda, o que explica também a dificuldade em chegar ao local.
Outros familiares, embora recebam benefício assistencial pertencente ao paciente, ficam com todo o dinheiro, ou compram o mínimo diante das necessidades do paciente, atribuindo à instituição toda a responsabilidade para com ele.
O estudo de Kolker & Delgado (2003:175) relata que entre os pacientes que possuem suporte familiar há um maior índice de desinternação. Mas, continuam os autores (p. 176) dizendo que, geralmente as famílias têm dificuldades de mantê-lo em casa porque, quando o paciente reagudiza (na linguagem popular entra em surto), ele é reiteradamente recusado por alguns serviços de saúde mental, haja vista a estigmatização de ser criminoso. E isso determina a reinternação, à volta para o manicômio de origem sem ter praticado nenhum delito, em desconformidade com a lei.
Essas famílias precisam também de um suporte social. Não é uma tarefa fácil. Por isso, entendemos que a indeterminação do tempo de submissão à medida de segurança, pode ser um fator que contribua para o abandono familiar. Muitas vezes o laudo psiquiátrico atesta a possibilidade de desinternação, mas a família sabendo que a depender do juiz (da lei), cuja decisão pode ser diferente ao que diz o laudo, o paciente pode continuar interno, procura o magistrado para tratar da inviabilidade de oferecer cuidados, pede para o serviço social da instituição esperar que se encontre alguém que possa cuidar do paciente ou, no pior, desaparece sem deixar contato. Não deve existir essa troca de papéis. A instituição não pode ficar com toda a responsabilidade, a família também deve ser responsável.
3.3.Da não determinação das medidas de segurança
Um dos principais aspectos debatidos em relação às medidas de segurança, é o seu tempo de duração, visto ser indeterminado. Por isso, para reflexão sobre se essa não determinação viola o preceito constitucional de vedação de prisão perpétua e outros direitos individuais, apresentamos o tempo de submissão à medida de segurança dos sujeitos de nossa pesquisa (n=33).
A maior parte dos internos participantes do nosso estudo possui tempo de internação até 03 anos (37% ou 12). A situação deles é a seguinte: 04 (cumpriram o prazo mínimo, mas o laudo não foi favorável à liberação); 02 (cumpriram o mínimo, laudo favorável à liberação, conseguiram a desinternação, mas a família ainda não compareceu à instituição, apesar de já ter sido informada); 02 (estão cumprindo o mínimo estabelecido); 01 (já cumpriu o mínimo, mas o laudo ainda não foi realizado) e 01 (segundo informações do prontuário ainda não fez laudo, porque está sempre agitado). Conforme o art. 97, § 1º, do Código Penal, cabe ao juiz, na sentença, estabelecer um prazo mínimo de 01 a 03 anos. Apesar desse mínimo legal estabelecido, foi identificada no prontuário, uma sentença que determinava um tempo mínimo de 05 anos, ou seja, uma violação legal e desrespeito ao louco infrator, que além de ter uma legislação alvo de discussão, ainda vem uma decisão judicial como essa, em desconformidade com o preceito legal.
Em 2º lugar, seguem os internos que estão entre 11 e 20 anos (27% ou 09) e, na seqüência, entre 04 e 10 anos (21% ou 07) e entre 21 e 30 anos (15% ou 05). Este último grupo chama a atenção pelo longo período de internação, 25 anos (01 interno), 28 anos (01 interno) e 29 anos (03 internos), estando estes últimos desde a fundação da instituição, pelo visto vão ultrapassar o limite legal para o imputável, que é de 30 anos. E ainda, eles não têm previsão de saída, já que estão inseridos no grupo dos que não possuem referência familiar. A instituição se tornou a sua casa, se é que se pode chamar de casa um lugar de onde não se pode sair, de onde não se tem perspectiva alguma, a não ser esperar a morte. Nenhum percentual ultrapassou os 30 anos, até mesmo porque a instituição, na época da pesquisa, possuía 29 anos de existência.
De acordo com a legislação do Código Penal, art. 97 § 1º e §2º, se o laudo feito após o prazo mínimo constatar a não cessação da periculosidade, a internação passará a ser por tempo indeterminado, devendo a perícia médica ser repetida, de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o juiz da execução determinar. Então, os pacientes que pertencem ao grupo que está institucionalizado entre 04 e 30 anos, que totalizam 63% ou 21 pacientes já cumpriram o mínimo legal de 01 a 03 anos e devem, segundo a lei, passar por perícia médica todos os anos ou quando o juiz de execução determinar. Por isso, veremos o intervalo de tempo entre as perícias desses 21 pacientes, que já cumpriram o prazo mínimo, desde a entrada na instituição.
A tabela acima mostra o intervalo de tempo entre as perícias médicas realizadas desde a entrada na instituição até os dias atuais. Segundo a legislação, o intervalo deve ser de um ano. Na tabela, eles estão destacados em preto, e, com exceção do paciente de nº 21, todos os outros apresentam algum intervalo maior que 01 ano, destaque para o paciente de nº 17, onde consta um intervalo de 11 anos, o nº 15 e o n.º 16, cada um de 12 anos e nº 20, 13 anos. Visualizamos desconformidade com a lei e violação aos direitos dos internos, impedindo-lhe de participar do convívio social e negando-lhe a possibilidade de liberdade.
Se a verificação da cessação da periculosidade através do laudo é a única forma de desinstitucionalização, imagina-se o que é ficar anos a espera para realizar uma perícia. Além do mais, sendo submetido às formas de tratamento descritas (que se limita ao uso de medicamentos), como poderá ser atestada a cessação da periculosidade? Que critérios são observados?
Em vermelho, mostram-se os anos das últimas perícias médicas realizadas, algumas, como a do paciente de nº 19 e de nº 02, ocorreram há 08 e 06 anos, respectivamente. Retrato de uma negligência e falta de respeito com os internos, além de também descumprir o mandado legal.
Vale ressaltar que o paciente de número 19, entrou na instituição em 1992, o laudo atestou ausência de doença mental, mas o juiz o submeteu à medida de segurança, comprovando o que diz a legislação de que o juiz não é obrigado a aceitar o que diz o laudo do psiquiatra. Disposição que gera conflitos entre a saúde e a justiça. Ele ficou 09 anos sem realizar qualquer laudo e, como mostrado, sua última perícia data de 2001, ou seja, já faz 08 anos.
3.4.Dos efeitos sócio-jurídicos
Da nossa amostra (33), encontramos em 14 prontuários vários requerimentos pedindo a desinternação, mas que ainda não foram atendidos. Enquanto em 06 prontuários, já foi concedida a desinternação, mas o paciente continua na instituição, ou porque aguarda a família, ou porque a família foi informada, mas não compareceu, ou ainda, porque compareceu, porém não levou o paciente, ficando de retornar.
Os resultados mostram que a tendência de alguns internos é a internação perpétua devido à falta de referencial familiar, de perspectivas e de programas de reabilitação e reinserção social, e à existência de uma legislação que prevê a indeterminação no tempo de duração.
Apesar da Lei 10.216/01, que "sepultou" o modelo hospitalocêntrico de tratamento dos transtornos mentais, e da Lei 10.708/2003, que institui auxílio reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações, o manicômio judiciário ainda não se insere na rede pública de atenção psicossocial, sendo um dos fatores o fato de não ser gerido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), o que denota a necessidade de se rever a legislação e propor medidas viáveis para o tratamento do problema.
Enquanto a legislação não muda ou novas políticas governamentais não são desenvolvidas, em alguns lugares do Brasil transformações significativas vêm acontecendo. Por exemplo, no Rio de Janeiro, segundo Kolker & Delgado (2003: 176), a equipe do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, introduziu um dispositivo chamado pela equipe de "saídas terapêuticas", que possibilita a pacientes, a partir de um determinado momento da internação, passar os fins de semana em casa com o objetivo de progressivamente se reintegrar à sua família e à sua comunidade, pois assim, a equipe avalia o seu comportamento em casa e se sente mais segura em emitir pareceres favoráveis à desinternação.
Outra alternativa é aos poucos ir introduzindo o paciente na rede de Saúde Mental do SUS em um Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) - um serviço de atenção diária - antes de ser solicitada a desinstitucionalização, a fim de integrá-lo a um novo serviço.
Enquanto, para os pacientes que, embora tenham recebido autorização de desinternação, continuam na instituição, por falta de suporte sociofamiliar, acontecem as "saídas terapêuticas assistidas", isto é, com o acompanhamento de um terapeuta ocupacional do hospital, em grupos de 05 pessoas, os pacientes realizam saídas assistidas para se ambientar de novo à cidade e aos equipamentos urbanos principais, como os meios de transportes coletivos, as repartições públicas, os estabelecimentos comerciais, os espaços culturais etc. A idéia é também inserir esses pacientes em um CAPS mais próximo do hospital (Kolker & Delgado, 2003: 172).
No mesmo sentido, no Estado de Goiás, as Secretarias Estaduais da Saúde e da Justiça firmaram um convênio, implementando o PAILI (Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator), oficializado em fevereiro de 2006. Esse programa foi inspirado na experiência do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI–PJ), em Minas Gerais. Ambos procuram elaborar um projeto terapêutico individual de acordo com a singularidade de cada caso, buscam trabalhar junto da família para restabelecimento de vínculos de retorno ao lar, tentam garantir o acesso à rede pública (garantia constitucional), realizando um trabalho interdisciplinar e informando à autoridade judicial a evolução do tratamento de cada paciente.
Então, diante de uma reflexão da legislação, das indagações doutrinárias e da nossa pesquisa de campo, a partir da não determinação das medidas de segurança, pode-se afirmar que surgem alguns efeitos sócio–jurídicos. Não que a indeterminação do tempo seja o único fator que determine tais efeitos identificados como os mostrados a seguir, mas ela é um aspecto fundamental de concretização dos mesmos.
- Abandono familiar: o internamento desse indivíduo que permaneceu longe da família, recusado por toda a sociedade devido a sua possível periculosidade, levou-o a se transformar em um estranho para a própria família. Por outro lado, essa família que ficou tanto tempo sem qualquer responsabilidade perante tal indivíduo, mostra-se acuada em recebê-lo, diante dos compromissos que terá e da certeza de que, se depender da lei, com a justificativa de defender a sociedade, ele continuará interno. O desinteresse pelo futuro daqueles que cumprem medida de segurança é demonstrado não só pelos familiares, mas é incentivado pela sistemática política de segregação, na qual está imbuída a legislação que prevê a indeterminação do tempo de duração da medida.
- Aumento da estigmatização do louco infrator: se a própria legislação coloca o tempo de internação por período indeterminado, com fundamento na defesa social e na incapacidade do sujeito de manter relações interindividuais por conta da presunção de periculosidade, mais ainda aumenta o temor da população, o preconceito e a discriminação. A tal pessoa não lhe é dada oportunidade, nem acompanhamento necessário para se desenvolver. Em meio a trancas e exclusão não é possível o seu crescimento.
- Cronificação da doença: ao tipo de tratamento que o interno é submetido por longos anos, com a falta de recursos institucionais e ociosidade exacerbada, afastado do mundo real e tendo como único ou principal tratamento o medicamentoso, espera-se a sua piora clínica, inviabilizando o seu retorno social. Além de que, diante de uma desinternação não progressiva se torna difícil a sua aceitação em instituições não-prisionais públicas ou filantrópicas, do mesmo modo é complicada a sua adaptação ao meio dessa forma de libertação.
- Violação aos direitos humanos: o louco infrator, apesar de fazer parte de uma minoria discriminada, deve ter a sua dignidade respeitada. Mas, seus direitos não são efetivamente protegidos. O que ocorre é falta de estrutura física nas instituições que o acolhem, de recursos financeiros e humanos; longos intervalos entre uma perícia e outra, más condições de acomodação, tratamento inadequado sem observação de inovações terapêuticas e sem treinamento do pessoal e, como se não bastasse, a segregação indefinida, gerando uma vida imprevisível.
- Transgressão à vedação constitucional de prisão perpétua: consideramos estar demonstrada a implicação de prisão perpétua como resultado da não determinação do tempo de duração máximo das medidas de segurança, diante dos resultados visualizados em pesquisas de outras instituições no Brasil e dos resultados práticos por nós encontrados: como longas datas de internação, sem previsão de desinternação, nem tampouco a existência de projetos/programas que a favoreçam. Frágil é a fundamentaçãodesse procedimento indeterminado, em especial, frente às novas formas terapêuticas e novos caminhos em saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as Residências Terapêuticas e os Centros de Convivências, além dos programas que estimulam a desinternação e o convívio familiar com incentivos financeiros.
4.Conclusão
Concluímos que o sistema atual de execução das medidas de segurança configura uma das maiores violações aos direitos humanos no mundo contemporâneo. Isso porque, apesar das medidas de segurança se fundarem teoricamente no tratamento do louco infrator, não existe uma rede de serviços de atenção à saúde mental estruturada, capaz de prestar assistência de forma contínua, integral e individualizada, nem políticas públicas de promoção à saúde mental e à convivência familiar e de prevenção aos transtornos mentais.
O que existe e uma legislação ultrapassada que necessita de mudanças a fim de poder ser adotado um sistema de responsabilização coerente com os avanços da reforma psiquiátrica brasileira.
Conseguimos traçar um perfil do louco infrator submetido à medida de segurança no único centro psiquiátrico judiciário de Alagoas, trabalho que até o momento não tinha sido realizado. Pudemos conhecer características dessa instituição, sua organização e funcionamento e identificamos alguns efeitos sócio-jurídicos decorrentes da não determinação das medidas de segurança, sendo comprovada a possibilidade de penas perpétuas, ou de, pelo menos, limitações e perdas perpétuas.
Frente às nossas indagações propomos um repensar na abordagem jurídica à questão da loucura, em matéria criminal, o que também implica um repensar nos próprios alicerces filosóficos do direito penal: seus fundamentos e a sua função social do direito de punir, para que possa ser reformulada a legislação pertinente à medida de segurança, que é atualmente aplicada sem qualquer coerência.
Talvez seja até necessário que tal instituto escape um pouco dos limites do direito penal, e remeta-se à saúde. Por enquanto, seres humanos continuam afastados da sociedade, por tempo indeterminado, sem perspectivas futuras, nem qualidade de vida. E, enquanto outros Estados já deram o primeiro passo, Alagoas nem conhece ainda a sua realidade.
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