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A sistemática e a evolução do uso da força no Direito Internacional: problemas jurídicos do Conselho de Segurança

Agenda 08/07/2011 às 16:37

As atribuições conferidas ao Conselho de Segurança da ONU são bastante relevantes e, em certas situações, demasiadamente amplas, aspecto que prejudica a segurança jurídica e a realização da justiça no plano internacional.

1. Introdução

O uso da força, desde os primórdios da sociedade de Estados, sempre sofreu restrições impostas pelo direito internacional. Ainda que a proscrição completa das guerras e a limitação do uso de atos coercitivos sejam vedações criadas apenas no século 20, pode-se afirmar que o sistema jurídico internacional, ao menos se considerados os aspectos posteriores à Paz de Westfália, sempre limitou, proibiu ou regulamentou o uso da força entre coletividades estatais.

O sistema legal vigente no âmbito internacional contém regras e princípios que proscrevem, de forma ampla, o uso da força pelos Estados. Estes, conforme as disposições do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, devem resolver eventuais litígios por meios pacíficos, os quais estão exemplificativamente enumerados no Art. 33 da Carta.

O uso da força, por sua vez, de acordo com o direito internacional, está restrito a situações específicas. Nestas, as atribuições conferidas ao Conselho de Segurança da ONU são bastante relevantes e, em certas situações, demasiadamente amplas, aspecto que prejudica a segurança jurídica e a realização da justiça no plano internacional. Esse defeito do ordenamento jurídico internacional, além de solapar seu funcionamento, afeta negativamente sua credibilidade perante os diferentes povos do mundo. Embora bastante evidente, o excesso de poderes do Conselho, no entanto, é vício de difícil e incerta solução, uma vez que está diretamente relacionado a aspectos sensíveis da soberania e da segurança das grandes potências.

Por meio de análise histórica, relatar-se-á o processo de concepção do imperfeito sistema legal internacional de regulamentação do uso da força. A análise das Resoluções 1970/2011 e 1973/2011, que autorizam a intervenção armada na Líbia, serão premissas para identificação dos principais problemas jurídicos do atual sistema normativo internacional.


2. Histórico

A classificação das guerras, com base no conceito ocidental de justiça, foi a primeira forma clara de limitação jurídica do uso da força. Com fulcro nessa classificação, doutrinadores - os quais foram, em grande parte, influenciados pelo direito canônico e pelos princípios do jusnaturalismo – determinaram as condições nas quais o conflito armado poderia ser considerado legítimo. Deve-se notar que, nesse período (séculos 16 e 17), predominava, no sistema europeu de Estados, o entendimento segundo o qual o ato legal era, ao mesmo tempo, legítimo e justo, perspectiva que foi atenuada e, em parte, modificada pelo advento do positivismo jurídico do século 19. (AMARAL JUNIOR, pp. 193 e 194).

Apesar de o conceito de guerra justa ser abstrato, excessivamente abrangente e não consensual, pode-se identificar as situações que eram abarcadas por ele, no entendimento de doutrinadores como Francisco de Vitória, Francisco Suarez e Hugo Grócio. Primeiramente, destaca-se a guerra punitiva ou sancionadora, dirigida contra o Estado infrator ou responsável por lesão a outro estado. Nesse tipo de conflito, o Estado, após ter sido indevidamente prejudicado por outro, material ou moralmente, pode usar da força com a finalidade de obter reparação ou de simplesmente punir a coletividade provocadora do dano. As guerras feitas contra os infiéis, a despeito da opinião contrária de doutrinadores como Francisco de Vitória, poderiam, igualmente, ser consideradas formas de guerra justa. No que concerne, especificamente, a identificação dos infiéis, nota-se que esta era feita com base na exclusão. Na Idade Média, eram infiéis todos aqueles que não pertenciam à cristandade, em especial os povos muçulmanos, em razão da proximidade geográfica destes. Após o advento das grandes navegações, o grupo de infiéis foi incrementado pelas diversas populações indígenas pagãs do continente americano. (AMARAL JUNIOR, pp. 193 e 194).

No período de predominância do binômio guerra justa/guerra injusta, os parâmetros de verificação da legitimidade da guerra tinham conteúdo eminentemente religioso. Hugo Grócio, embora tenha destacado aspectos temporais e consuetudinários do direito internacional (FONTOURA, p.18), não conseguiu desenvolver uma doutrina jusnaturalista isenta de aspectos religiosos. Sob influência dos princípios do direito romano, o jurista holandês considerava justa a guerra feita para recuperar a propriedade ilegitimamente retirada do domínio do Estado. Este, portanto, estaria legalmente autorizado para retomar, por meios coercitivos, sua propriedade usurpada. (BULL, p.226)

Durante os séculos 18 e 19, a guerra passa a ser entendida como um fenômeno natural nas relações entre Estados soberanos e, portanto, inerente à política internacional. O estadista, por sua vez, deveria planejar, preparar e executar a guerra como se fosse uma simples política pública. Os interesses do Estado, no âmbito internacional, poderiam, dessa forma, ser satisfeitos, basicamente, de duas formas distintas: mediante a diplomacia ou por meio do uso da força. Embora subsistisse a noção de guerra justa, esta era, na maior parte dos casos, completamente encoberta por considerações políticas. As Guerras Napoleônicas, por exemplo, apresentaram como causa primária aspectos puramente ideológicos. As alianças militares formadas contra a França revolucionária e a nova ordem instaurada após o Congresso de Viena foram determinadas pelas noções políticas de equilíbrio de poder e de legitimidade dos governos.

As guerras do período eram feitas, em sua maior parte, sem a participação ativa da população (embora, no caso da França revolucionária, esse aspecto começasse a se alterar). Os males causados às populações civis, para os padrões do século 20, eram bastante limitados. A perspectiva segundo a qual o conflito bélico é eminentemente negativo e prejudicial para os povos é posterior à Primeira Guerra Mundial, não obstante, no século 19, Jean Henri Dunant, após testemunhar a alarmante destruição humana da Batalha de Solferino durante o processo de unificação italiana, já denunciasse os horrores inerentes às guerras modernas (SOARES, p. 389). A proibição de conflitos armados interestatais, decorrente da valoração negativa atribuída consensualmente à guerra, ocorrerá, no entanto, de forma clara, apenas no século 20.

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O período posterior à Primeira Guerra Mundial foi bastante relevante para desenvolvimento do direito internacional no que concerne à regulamentação da guerra. Apesar de ter sido precedida por conferências de paz e por convenções de direito humanitário, o conflito mundial será o fato determinante na formação do novo tratamento recebido pela guerra na ordem jurídica internacional. A elevada quantidade de mortos e de feridos, a proporção inédita da destruição, o sofrimento indescritível da população civil foram fundamentais para que a sociedade internacional, consensualmente, impusesse, por meio de normas jurídicas convencionais, limites mais rígidos ao uso internacional da força. Dois foram os instrumentos legais que resultaram dessa nova percepção acerca da guerra: o Pacto da Sociedade das Nações (1919) e o tratado de renúncia à guerra (Pacto Kellog-Briand, ou Pacto de Paris, 1928).

O Pacto da Sociedade (ou Liga) das Nações objetivou a criação de organismo internacional multilateral que promovesse a paz e a cooperação entre as nações. No Pacto, havia previsão de órgãos que, por meio do concerto político e mediante a aplicação imparcial de direito internacional público, resolveriam eventuais litígios entre os Estados. O Conselho da Liga deveria agrupar as principais potências da época, a fim de, coletivamente, impedir ou remediar as situações de possíveis rupturas da paz internacional. A Corte Permanente de Justiça Internacional, por sua vez, seria o órgão judiciário supremo da organização, com a finalidade de dirimir conflitos entre os Estados por meio da aplicação das normas de direito internacional. Este, conforme o Estatuto da Corte, teria, como fontes principais, aquelas enumeradas no art. 38: tratados, costume internacional e princípios gerais do direito.

O conteúdo do Pacto de Paris, tratado multilateral composto por apenas três artigos, vedava, por completo, o recurso à guerra. No preâmbulo do tratado, vislumbra-se a consolidação de sensível mudança na mentalidade coletiva no que concerne ao fenômeno da guerra. Esta, diferentemente do que entendiam os estadistas do século 19, não deveria mais ser usada como instrumento legítimo de execução da política externa de um país: "persuadidos de que chegou o momento de proceder a uma franca renúncia à guerra como instrumento de política nacional" (tratado de renúncia à guerra, 1928, preâmbulo). A asserção do preâmbulo dialoga, de certa forma, com a concepção de guerra vigente até aquele momento, a qual foi sintetizada por Clawsevitz: a guerra como continuação da política por outros meios.

Ambos os instrumentos jurídicos, no entanto, não foram suficientes para evitar a eclosão da Segunda Guerra Mundial. A historiografia é consensual no seu entendimento acerca do fracasso da Liga das Nações na consecução de seu principal objetivo: manutenção da segurança e da paz internacionais. A ausência dos Estados Unidos (principal potência da época), a necessidade de consenso em quaisquer situações de ação do Conselho (Art. 5 do Pacto), a inércia em relação à ruptura da paz em casos isolados (e.g invasão da Abssínia pela Itália e da Manchúria pelo Japão) foram alguns dos principais problemas enfrentados pela Liga. Esta, no final da década de 1930, encontrava-se bastante desacreditada perante a opinião pública mundial.

Os formuladores da Carta das Nações Unidas, tratado que institui a organização internacional mais importante do período posterior à Segunda Guerra, tentaram não repetir os erros materializados na Liga. Esse documento, no entanto, embora apresente aspectos realistas relacionados diretamente à política mundial do período, objetivou, como o Pacto Kellog-Briand, a proscrição completa da guerra. (SEITENFUS, p.129). Na realidade, no texto do documento, é utilizado o termo "uso da força" em lugar de "guerra", a qual poderia, na interpretação literal de alguns, ser limitada apenas ao confronto entre duas entidades estatais. O escopo da organização criada pela Carta é restringir o uso da força a situações bastante específicas, as quais podem ser resumidas a dois casos: legítima defesa e força empregada com autorização do Conselho de Segurança. Este, por sua vez, diferentemente do Conselho da Liga das Nações, reflete a distribuição do poder mundial, o qual passou a ser exercido pelas potências vencedoras da Segunda Guerra. Nele, apenas os membros permanentes (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China) apresentam poder de veto. Em comparação com a sua antecessora, a ONU é, politicamente, mais realista, e, estruturalmente, mais funcional, embora apresente problemas diversos e mantenha, em linhas gerais, os mesmo princípios e objetivos.

No que concerne especificamente ao uso legal da força, deve-se destacar o Capítulo VII da Carta, o qual contém prescrições acerca das medidas coercitivas que poderão ser empregadas pelo Conselho de Segurança. Este, no que tange à preservação da paz e da segurança, é, indubitavelmente, o órgão mais importante. A Assembléia Geral, apesar de ser mais representativa e, por conseqüência, mais democrática, tem a competência apenas exortatória em assuntos relacionados à segurança. À Assembléia, além disso, é vedado fazer recomendações acerca de matérias que estão em pauta do Conselho de Segurança (Art. 12, 1, da Carta das Nações Unidas). Existe, portanto, em matéria de segurança, evidente preponderância do Conselho, desde que este não se mantenha omisso ou inerte.

As atribuições e os poderes do Conselho de Segurança são bastante amplos. Conforme prescrito no Art. 39 da Carta, o Conselho tem a prerrogativa de determinar a situação que considera perigosa para a paz e para segurança internacionais. O uso do termo "determinar" em vez de "identificar" indicia a elevada discricionariedade do órgão no que concerne a declaração de existência de ameaça internacional. Após a determinação, o Conselho de Segurança é dotado de amplos poderes para a adoção de medidas que objetivem reverter ou cessar a situação de ameaça. Nesse caso, a utilização de forças armadas, conforme os Art. 40 e 41, podem ser empregadas de acordo com as prescrições do Conselho.


3. As medidas de força multilaterais no caso da Líbia

Na atualidade, situações de graves distúrbios internos que colocam em risco a população civil também ensejam intervenção multilateral autorizada pelo Conselho de Segurança. Essas situações, contudo, freqüentemente apresentam características indefinidas, nas quais a potencialidade de verdadeira ruptura da paz internacional é questionável. O difícil acesso dos órgãos da imprensa, a distorção dos fatos pelas autoridades constituídas e a falta de comunicação direta com a população são, em geral, as principais causas da obscuridade dos atuais conflitos civis. Ainda que inexistentes informações precisas, muitas das quais essenciais para a eficiente operação militar, o Conselho de Segurança tem autorizado a intervenção militar nas áreas de conflito, com o objetivo declarado de proteção dos civis e de fornecimento de auxílio humanitário.

No começo do ano de 2011, movimentos populares ganham força nos países de língua árabe. A Líbia, localizada no norte da África, e importante exportadora de petróleo, é tomada por manifestações populares, algumas pacíficas e muitas violentas, o que acarreta a ação repressiva do exército nacional líbio. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 26 de fevereiro, adota a Resolução 1970/2011, a qual, além de expressar grave preocupação acerca da situação do país africano, determina a solução pacífica do conflito civil, recomenda a análise da situação pela Procuradoria do Tribunal Penal Internacional e prevê a aplicação de sanções não militares (congelamento de bens do Estado Líbio no exterior, embargos econômicos, restrições a vôos internacionais). Na Resolução, previu-se prazo improrrogável para a solução do conflito, situação que seria analisada por comitê específico, composto pelos próprios membros do Conselho.

Em vista do prosseguimento da situação de extrema violência, com acirramento da guerra civil e com a tomada de porções do território pelas tropas rebeldes, o Conselho de Segurança aprovou, por maioria, a Resolução 1973/2011, a qual contém expressa condenação do governo Líbio pela violação de direitos humanos e por crimes contra a humanidade. Em todos os parágrafos da Resolução, determina-se a imposição de medidas coercitivas cujo fundamento legal é o capítulo VII da Carta da ONU. O Brasil, representado pela Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, vota contra a Resolução, uma vez que, no entendimento do país, as medida autorizadas pelo parágrafo 4 da Resolução são excessivas e, por conseqüência, não favorecem a solução do conflito:

"It is our view that the text of the resolution before us contemplates measures that go much beyond such call. We are not convinced that the use of force as provided for in operative paragraph 4 in the present resolution will lead to the realisation of our common objective – the immediate end to violence and the protection of civilians.

(…)

Many thoughtful commentators have noted that an important aspect of the popular movements in North Africa and the Middle East is their spontaneous, home grown nature. We are also concerned at the possibility that the use of military force as called for in operative paragraph 4 of today’s resolution could change that narrative in ways that may have serious repercussions for the situation in Libya and beyond". (grifos do autor)

O parágrafo mencionado possibilita medidas de força bastante amplas; sua única restrição é no que concerne à ocupação territorial forças de paz:

"4. Authorizes Member States that have notified the Secretary-General, acting nationally or through regional organizations or arrangements, and acting in cooperation with the Secretary-General, to take all necessary measures, notwithstanding paragraph 9 of resolution 1970 (2011), to protect civilians and civilian populated areas under threat of attack in the Libyan Arab Jamahiriya, including Benghazi, while excluding a foreign occupation force of any form on any part of Libyan territory, and requests the Member States concerned to inform the Secretary-General immediately of the measures they take pursuant to the authorization conferred by this paragraph which shall be immediately reported to the Security Council;" (grifos do autor)

Em seu voto, a representante brasileira ainda ressalta que os objetivos do Conselho, em especial a proteção dos civis, poderiam ser obtidos mediante diálogo diplomático e por meio de negociação, o que, de fato, vinha sendo tentado pela União Africana e pelo enviado especial da Secretária-Geral das Nações Unidas. As aspirações populares, por sua vez, são consideradas legítimas pela representante brasileira, embora esta ressalte que medidas de força não são o meio adequado para edificação de um Estado mais democrático.

O voto do Brasil, apesar de ter sido bastante coerente com a tradição diplomática brasileira, encobriu o problema jurídico relativo ao alcance dos poderes do Conselho, órgão responsável pela definição das situações de ameaça à segurança e pela execução das medidas de força necessárias para o restabelecimento da paz. O Conselho de Segurança, no que concerne à decisão sobre a autorização do uso da força, é dotado de prerrogativas demasiadamente amplas, pois determina, discricionariamente, quais são as situações que ameaçam a paz mundial. Em última instância, a necessidade de intervenção coletiva é determinada por juízo político, tomado pelo consenso das potências mundiais, o que solapa a juridicidade das ações do Conselho e da própria ONU.

A intervenção coercitiva, desde que autorizada pelo Conselho de Segurança, não pode ser classificada como ilegal. O problema reside na relação estrutural entre os principais órgãos das Nações Unidas e nas competências atribuídas a eles pela Carta de 1945. Em uma entidade na qual se pretenda distribuir igualitariamente o poder, a decisão sobre a aplicação ou não da medida de força e a execução desta devem pertencer a órgãos diferentes, sob pena de o órgão detentor de ambas as prerrogativas cometer arbitrariedades e excessos. No caso da ONU, o Conselho, em matéria de segurança, tem poderes plenos e incontrastáveis, uma vez que sua atuação, destinada a identificar e a eliminar as ameaças à paz, exclui a de qualquer outro órgão; a decisão tomada pelo Conselho, além disso, não é passível de revisão ou de ponderação por outro órgão.

Conforme lembra Ricardo Seitenfus, essa estrutura concentradora e desigual foi criticada por Hans Kelsen nos primórdios da organização. Segundo o jurista austríaco, o monopólio da violência legítima no âmbito internacional não pode ser de uma instância executiva. Kelsen analisa especificamente a concentração, no Conselho de Segurança, do juízo de existência delitual e das medidas coercitivas decorrentes do eventual delito. No entendimento do jurista, a primeira atribuição deveria ser de uma instância jurisdicional, pois esta, isenta, em teoria, de intenções políticas, identificaria, com maior imparcialidade, a existência do delito (ou da ameaça à paz). (SEITENFUS, PP.127 e 128) A instância jurisdicional, além disso, seria mais ponderada e comedida na decisão acerca das medidas de força aplicáveis aos casos de ruptura da paz.

Embora a solução de Kelsen seja juridicamente adequada, ela é politicamente inviável, uma vez que suscita a possibilidade de o Conselho, como mero órgão de execução, agir contra os interesses dos membros permanentes. Estes, na estrutura kelseniana, não poderiam exercer o direito de veto, uma vez que não deliberariam sobre a aplicação da força. Por mais enfraquecidas que algumas das potências estejam no momento atual, não se pode esperar que elas renunciem à prerrogativa de ter a última palavra acerca de assuntos relacionados à segurança internacional.


4. Considerações finais

A doutrina da guerra justa não é mais aplicável na regulamentação do uso da força no âmbito internacional. Hodiernamente, a guerra e a intervenção armada em geral podem ser consideradas lícitas ou ilícitas. A regra predominante é a de proscrição completa do uso da força. As exceções, com base no princípio geral do direito, devem ser interpretadas restritivamente. A exceção mais relevante é aquela que se refere ao uso da força com autorização do Conselho de Segurança, colegiado político e oligárquico das Nações Unidas. Segundo interpretação literal dos dispositivos da Carta, o uso da força somente poderia ser autorizado pelo Conselho em casos de ameaça ou de ruptura efetiva da paz e da segurança internacionais. Na prática, entretanto, em razão dos poderes discricionários conferidos ao Conselho, medidas coercitivas são aplicadas em variadas situações, desde que convenientes para os membros permanentes. O voto dissidente do Brasil, no caso das Resoluções direcionadas ao conflito na Líbia, expressa o não alinhamento político brasileiro em relação às grandes potências e, indiretamente, indicia o problema acarretado pela amplitude excessiva de poderes do Conselho. A fundamentação do voto discordante brasileiro evidencia que, em última instância, a decisão de aplicação da força foi eminentemente política. Esse vício do órgão mais importante da ONU poderia ser parcialmente solucionado mediante o aumento do poder do órgão jurisdicional. Essa reforma, no entanto, demandaria vontade política das grandes potências, o que, em curto prazo, não é possível se vislumbrar.


Bibliografia:

AMARAL JR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008.

BULL, Hedley. A sociedade anárquica. São Paulo: IPRI, UnB, IOE, 2008.

FONTOURA, José Augusto. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009.

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2000.

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2004.


Sites:

http://www.un.org/Docs/sc/ (consultado em 05/2011)

http://www.itamaraty.gov.br/ (consultado em 05/2011)

Sobre o autor
Mauro Kiithi Arima Junior

Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIITHI, Mauro Arima Junior. A sistemática e a evolução do uso da força no Direito Internacional: problemas jurídicos do Conselho de Segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2928, 8 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19493. Acesso em: 22 nov. 2024.

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