4. Conclusões
A autonomia relativa dos Estados-membros, no tocante à condução de suas políticas de desenvolvimento, a qual compreende também mecanismos fiscais de atração, não pode ser sacrificada em nome de uma "guerra fiscal". [22]
Ao contrário, em nome dos princípios do federalismo cooperativo, essa autonomia deve ser preservada, e até fortalecida, desde que seja acompanhada de relações horizontais de cooperação, entre as unidades federadas.
E não só isso, mas também, deve ser acompanhada de ações e marcos institucionais introduzidos pelo Governo Federal, visando coordenar as ações dos Estados, bem como, corrigir os desequilíbrios estruturais permitindo um amplo desenvolvimento regional.
No Brasil, verifica-se que as transferências constitucionais, referentes às compensações federais,não são suficientes para a redução das desigualdades regionais, necessitando portanto de um papel mais ativo dos Ministérios ao mesmo tempo em que uma presença mais orgânica do Governo Federal nas regiões que carecem de desenvolvimento, exatamente com a finalidade de buscar a coordenação e a equalização dessas áreas frente ao contexto nacional.
No exercício da autonomia, é fundamental que os Estados brasileiros mantenham uma margem de possibilidade para que continuem a oferecer incentivos fiscais, entretanto, explorada dentro de um ambiente mais cooperativo e complementar, de maneira que a concorrência não elimine a possibilidade da cooperação.
Não basta que as unidades federadas fiquem sujeitas a "códigos de conduta" estabelecidos por eles próprios, pela União ou por instâncias superiores, evitando a "guerra fiscal", mas é necessário que tomem iniciativas, com o fim de estruturar competências locais que sejam capazes de aprofundar e dominar o conhecimento sobre as vantagens comparativas e competitivas de suas economias.
Em decorrência disso, cada Estado saberá buscar o que é útil e necessário para as necessidades específicas das suas estruturas internas, e assim poder valorizá-las.
Mas enquanto esse momento de amadurecimento político-tributário não chega, não se pode permitir, ao arrepio das garantias constitucionais, sobretudo daquela que diz respeito a segurança jurídica consagrada por atos jurídicos perfeitos firmados pelos contribuintes junto a entes federados, sejam qualificados os mesmos como inválidos, nulos ou inconstitucionais, pois essa é uma conta fiscal, das unidades federadas, dos Estados e do Distrito Federal, sob a batuta da União, e não uma conta dos contribuintes que de boa-fé e na forma da lei têm direito aos créditos derivados das operações fiscais realizadas.
Notas
- "Em nosso entender estas iniciativas de política publica tem uma longa história na economia brasileira. De fato, a guerra fiscal tem sido prática constante dos governos estaduais brasileiros pelo menos desde os anos sessenta. Ela tem tido como lugar típico de manifestação os programas estaduais de desenvolvimento, que nunca deixaram de existir em todo esse período. Da mesma forma, a utilização intensa do antigo ICM, atual ICMS, como instrumento preferencial tem sido uma marca constante destas políticas. Podemos até dizer que esse grande ressurgimento da guerra fiscal nos anos noventa, em boa parte, representa a repetição de técnicas e táticas desenvolvidas nas duas décadas anteriores. Por outro lado, essa repetição vem acompanhada por mudanças significativas no teor geral das políticas, resultado necessário das mudanças estruturais ocorridas na economia brasileira e contexto geral da economia mundial." Nesse sentido v. ALVES, Maria Abadia. Guerra Fiscal e finanças federativas no Brasil: o caso do setor automotivo. Campinas, UNICAMP, Departamento de Economia. Dissertação de Mestrado, 2001. Disponível no endereço eletrônico: www.federativo.bndes.gov.br
- CALCIOLARI, Ricardo Pires. Aspectos Jurídicos da Guerra Fiscal no Brasil, Caderno de Finanças Públicas, nº 7, Ministério da Fazenda, ESAF, Brasília, p. 5-29, dez. 2006.
- LEMGRUBER, Andréa. A competição tributária em economias federativas: aspectos teóricos, constatações empíricas e uma análise do caso brasileiro. Dissertação de Mestrado. Departamento de Economia. UNB, 1999. Disponível no endereço eletrônico: www.federativo.bndes.gov.br
- VARSANO, Ricardo; FERREIRA, Sérgio e AFONSO, José Roberto. Fiscal Competition: a bird’s eye view. IPEA, Texto para discussão nº 887; 2002. disponível no endereço eletrônico: www.ipea.gov.br. V, tb do mesmo autor, Ricardo Varsano, A guerra fiscal do ICMS, quem ganha, quem perde, texto para discussão n. 500, obtido em http://www.ipea.gov.br/pub/td/td0500.pdf e, A evolução do sistema tributário Brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reforma, texto para discussão n. 405 obtido em http://www.ipea.gov.br/pub/td/td0405.pdf
- MELO, Marcos André. Crise Federativa, Guerra Fiscal e " hobbesianismo municipal ": efeitos perversos da descentralização São Paulo em perspectiva, Fundação SEADE,vol. 10, nº 3, 1996, pág 3.
- Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: XII - cabe à lei complementar: g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados
- Paulo de Barros Carvalho, assim se posiciona sobre o tema: "Dão margem a ingentes discussões, entretanto, as mensagens prescritivas introduzidas no ordenamento brasileiro pela Lei Complementar nº 24/75. E, no meu entender, justificadamente. A começar pelo tema da própria recepção na ordem instaurada com a Constituição de 1988, os dispositivos veiculados por aquele Diploma se prestaram a interpretações dissonantes, comprometendo, de certa forma, os objetivos que inspiram sua instituição.O primeiro argumento que torna duvidosa a constitucionalidade da Lei Complementar nº 24/75 decorre do fato de que a Constituição de 1967 determinava, no art.23, § 6º, que as isenções do então ICM seriam concedidas ou revogadas nos termos fixado sem convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar. O legislador complementar, entretanto, extrapolou a competência que lhe foi outorgada pelo constituinte, disciplinando não apenas a concessão e revogação de isenções, mas de toda e qualquer espécie de benefício relacionado ao imposto estadual,estando, por via de conseqüência, maculada em sua origem.Além disso, a Lei Complementar nº 24/75 dispôs, também, sobre sanções aos contribuintes envolvidos nas operações ilegitimamente beneficiadas. Em total agressão ao ordenamento jurídico pátrio, estabeleceu, no art. 8º, ser ineficaz o crédito fiscal relativo às operações beneficiadas, autorizando, simultaneamente a exigência do imposto reduzido em razão do incentivo tributário. A literalidade de tal dispositivo poderia levar ao equivocado entendimento de que, independentemente de julgamento por parte do tribunal competente – o STF –, as normas relativas à concessão de benefícios não teriam presunção de validade e o princípio da não-cumulatividade do ICMS não deveria ser respeitado. Tal conclusão, entretanto, não encontra respaldo no sistema constitucional brasileiro, que reserva ao Judiciário a apreciação de toda e qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito,afastando completamente a figura da autotutela.Ademais, cumpre observar que, considerado o caráter nacional do ICMS e o imperativo princípio da não-cumulatividade desse imposto, a anulação dos efeitos da norma jurídica concessiva de benefício fiscal teria como efeito restabelecer a exigência dos valores dispensados ou devolvidos pela Administração Pública ao contribuinte, e não alternativa ou cumulativamente, como pretendeu o legislador complementar, implicar a anulação do crédito de ICMS e a exigência do imposto dispensado pelo Estado de destino. Não podemos esquecer que o Texto Constitucional atribui ao legislador complementar a competência para fixar a forma de concessão das isenções, incentivos e benefícios fiscais, sem, no entanto, permitir a determinação de sanções à sua inobservância, muito menos quando a sanção estabelecida acarreta a anulação de créditos,em manifesta violação ao princípio da não-cumulatividade, e possibilita a exigência do ICMS pelo Estado ou Distrito Federal de destino da mercadoria ou serviço, pessoa política que, nos termos da Constituição da República, não é competente para tanto. Esse o motivo pelo qual entendo que o art. 8º da Lei Complementar nº 24/75 não foi recepcionado pela Carta de 1988.Havendo descumprimento da forma exigida para concessão de isenção,benefício ou incentivo fiscal, incumbe ao Judiciário apreciar sua constitucionalidade, e,caso seja declarada inconstitucional, cabe ao Estado de origem da mercadoria a exigência do tributo que havia sido dispensado, sendo inadmissível a vedação do crédito do contribuinte ou a cobrança do ICMS pelo Estado destinatário do bem." Texto obtido em http://www.barroscarvalho.com.br/art_nac/guerra_fiscal.pdf
- O Confaz tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional - CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais. Entre outras atribuições, compete ao Confaz promover a celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto de que trata o inciso II do art. 155 da Constituição (ICMS), de acordo com o previsto no § 2º, inciso XII, alínea "g", do mesmo artigo e na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975.
- Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica:I - à redução da base de cálculo;II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;III - à concessão de créditos presumidos;IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.
Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; II - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição Federal.
§ 3º - Mediante ato da autoridade competente da Secretaria da Fazenda, poderá ser vedado o lançamento do crédito, ainda que destacado em documento fiscal, quando em desacordo com a legislação a que estiverem sujeitos todos os Estados e o Distrito Federal, for concedido por qualquer deles benefício de que resulte exoneração ou devolução do tributo, total ou parcial, direta ou indiretamente, condicionada ou incondicionada.
Texto Maior. Até mesmo porque o adquirente das mercadorias e serviços, tendo amparo documental que contenha todos os elementos do negócio mercantil, não tem a obrigação nem as condições necessárias para pesquisar eventual existência de incentivo fiscal concedido ao fornecedor. Sobremais, além de faltar competência ao contribuinte para controlar a constitucionalidade de qualquer benefício fiscal concedido, caso este venha a ser declarado inconstitucional pelo órgão competente – o excelso STF –, a conseqüência advinda será aimediata exigibilidade do crédito tributário relativo ao tributo não recolhido ao Estado de origem, que o havia dispensado ou reduzido de forma considerada indevida pelo Judiciário.Contrariamente, a aplicar-se o preceito do art. 8º da Lei Complementar nº24/75, estaria o Estado de destino das mercadorias e serviços habilitado a, ele próprio,fazer julgamentos acerca da legalidade e constitucionalidade dos incentivos fiscais, e,considerando-os indevidos, exigir o imposto não cobrado pela unidade federada de origem.Tal atitude, além de suprimir a apreciação judicial, representa manifesta ameaça ao pacto federativo, uma vez que acarreta a exigência do imposto estadual pela pessoa política destinatária da mercadoria ou serviço, desprezando a repartição constitucional das competências tributárias e o caráter nacional do ICMS. Caracteriza, também, nítida ofensa ao princípio da não-cumulatividade, preceito constitucional que não comporta restrição de espécie alguma, salvo aquelas que o próprio constituinte relacionou: isenção e não incidência.A Constituição só proíbe o crédito do imposto nessas duas hipóteses, motivo pelo qual os incentivos concedidos mediante a adoção de técnicas diversas, como redução do imposto devido, da base de cálculo, diferimento ou até mesmo escrituração de crédito presumido, não possibilitam seja o creditamento obstado. Em casos como esses, tendo o benefício fiscal sido concedido sem autorização em convênio, cabe ao Poder Judiciário declará-lo inconstitucional, determinando que o ICMS seja exigido em consonância com o arcabouço constitucional do tributo, isto é, pelo Estado de origem das mercadorias e serviços. ob.cit.,http://www.barroscarvalho.com.br/art_nac/guerra_fiscal.pdf