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Algumas linhas sobre o iluminismo sociológico de Niklas Luhmann e o Direito

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Agenda 13/08/2011 às 17:41

3) O direito nas sociedades arcaicas

As sociedades arcaicas refletem a sua organização social diretamente no direito. Essas sociedades baseiam toda a sua estrutura social no princípio do parentesco. A primeira diferenciação identificada por Luhmann, a segmentária, é percebida quando várias famílias se juntam, implicando a formação de novas famílias, "cuja coesão em uma tribo é mantida com base na ascendência e na história comum." [17]. Pelo fato de as relações estarem ligadas às relações de parentesco, a complexidade é bastante reduzida, não acarretando a existência de alternativas diferenciadas para a solução de conflitos.

Outra característica é a pouca diferenciação funcional dos papéis sociais, "o que resulta na impossibilidade de fixação de critérios especiais para a vigência do direito." [18]. Como consequência disso, percebe-se que o direito não tinha praticamente nada de abstrato; as normas aplicadas para a solução dos casos eram altamente concretas, ou seja, surgiam à medida que surgia uma nova situação que precisava ser resolvida. Não havia, portanto, a preocupação com a enunciação de normas de convivência para casos futuros, pois imperava o imediatismo da resolução. Entretanto, essa situação só foi possível por conta do baixo grau de complexidade das sociedades arcaicas:

"O centro da gravidade de consciência arcaica reside, portanto, em seu presente constantemente arriscado e pobre em possibilidades, o qual logo se obscurece na penumbra de um horizonte temporal indeterminado do passado, e que quase não tem futuro; pois só no presente existem vida e comunicação." [19]

O procedimento jurídico era, na verdade, ritualístico, expressando a concretude do direito em detrimento de seus aspectos futuros.

Entretanto, a sociedade é altamente dinâmica e não se configura da mesma forma por muito tempo. O desenvolvimento econômico, o surgimento de cidades, a quebra das relações de parentesco e vários outros elementos acarretaram o aumento da complexidade social. O direito até então vigente não era mais suficiente para a resolução de conflitos muito mais complexos que os anteriores. Assim, a sociedade foi passando por um novo processo de transformação, a qual Luhmann denominou diferenciação por estratificação, tendo reflexos na vigência do direito.


4) O direito nas sociedades antigas.

Nessas sociedades, principalmente em função do rearranjo social, várias características do direito anterior foram transformadas. Começou a surgir o centro funcional da política, tendo repercussão na diferenciação dos papéis sociais, o que ocasiona a formação de uma hierarquia de dominação, estatuindo a diferença entre níveis inferiores e superiores. Essa organização é de suma importância para as sociedades antigas pois é ela que possibilita a dominação política por certos grupos.

Nessa fase, inicia-se também a institucionalização do direito:

"Em face da configuração política da sociedade, tornam-se necessárias instâncias e processos, para que seja possível a convivência entre homens livres de forma juridicamente sustentável." [20]

Com isso, não era mais suficiente a aplicação concreta do direito; exigia-se uma certa abstração. Com a diferenciação dos papéis, começou-se também a distinguir uma pessoa responsável especificamente por essa tarefa de resolução de conflitos. Daí advém a necessidade de estar presente um juiz neutro, que não interfira parcialmente na decisão do caso concreto. Com esses novos aspectos, o direito começa a ter um sentido particular, se diferenciando levemente do restante do ambiente social, ou seja, tendo características próprias.

Com o aumento da complexidade, surgem novas alternativas de soluções jurídicas. Assim, a crescente complexidade é acompanhada de um simultâneo aumento contingencial. Isso, para Luhmann, significa desenvolvimento. Diante dessas novas dificuldades, a sociedade deve arranjar meios para que possa reduzi-las e, assim, tornar as comunicações mais diretas e fáceis. Dessa forma, diante da incipiente abstração do direito, percebem-se novos efeitos, como o aprimoramento da formação do jurista e uma mudança na concepção de direito vigente, a qual perde a identificação do direito com o caso concreto, passando a admitir o âmbito jurídico relacionado a uma norma que servirá de base para um futuro julgamento. Assim, já começa a surgir uma separação entre as expectativas cognitivas e as normativas, inexistente na sociedade anterior. Assim destaca Luhmann:

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" O processo judicial das culturas antigas é, assim, uma combinação das diversas formas evolutivas em todas as dimensões da generalização das expectativas. E é só nessa combinação que o processo muda o nível de congruência do direito. O processo, portanto, não é nenhuma ‘unidade natural’, mas uma generalização que coordena vantagens – de forma semelhante ao já visto com respeito à ideia de hierarquia." [21]

Além dessas características, cabe destacar o surgimento da conexão entre o direito e a moralidade e também é desse período a advento das ideias do direito natural, imanente a cada indivíduo e, portanto, imutável. Dessa concepção, emergem aspectos que se ligam ao direito como as concepções de justiça. Essa situação pode ser ilustrada pela distinção grega entre a lei natural – "physis" – e o direito – "nomos".

Esse direito é sustentado até o momento em que a complexidade e a contingência de uma sociedade transformada não podem mais ser contidas por esse sistema. O dinamismo da sociedade obriga a implementação de diferentes mecanismos de conciliação da vida social com a complexidade emergente. Nasce, assim, a sociedade moderna e, por conseguinte, a diferenciação funcional.


5) O direito e a sociedade moderna

A mudança da sociedade incentiva e possibilita a transformação do direito. Nessa fase de diferenciação funcional, chega-se a um ponto em que o direito necessita ser altamente abstrato para que possa eficazmente realizar sua função de generalizar as expectativas normativas. A diferenciação funcional acarreta um crescimento dos problemas internos na sociedade e, dessa forma, um crescimento dos encargos decisórios em todos os planos da generalização. Nesse contexto, ao papel da legislação é conferida extrema relevância.

É conveniente ressaltar, no entanto, que a legislação não é um fenômeno atual. Ela já existe desde as culturas mesopotâmicas, mas, nesse período, o status jurídico dessa legislação era extremamente precário. Em Roma também houve um enfoque na legislação, mas seu caráter era diferente do caráter legislativo da sociedade moderna. Lá, era praticamente impossível a sua alteração. É somente com o enraizamento da diferenciação funcional que a legislação ganha um caráter específico.

Convém ressaltar ainda a distinção entre a diferenciação segmentária e a diferenciação funcional, baseada no princípio de divisão da sociedade em sistemas parciais. Sobre isso, diz Luhmann:

"Na diferenciação segmentária são formados diversos sistemas iguais ou semelhantes: a sociedade compõe-se de diversas famílias, tribos, etc. Na diferenciação funcional, os sistemas parciais, ao contrário, são formados para exercerem funções especiais e específicas, sendo, portanto, distintos entre si: para a política e a administração, para a economia, para a satisfação de necessidades religiosas, para a educação, para cuidar dos doentes, para funções familiares residuais." [22]

A partir do século XVIII, o direito só poderia ser considerado como tal se ele estivesse positivado. Por isso, afirma-se que a exigência para que o direito fosse considerado vigente era a sua positivação. Assim, vincula-se, no século XIX, a produção do direito ao Estado. Como conseqüência disso, surge a concepção de uma hierarquia das leis, tendo por base a fonte do direito. Luhmann denomina esse fenômeno de "catálogo de leis" [23]. Dessa forma,

"(...) a estrutura hierárquica das normas diferenciava e canalizava as reações a insuficiências, a ambivalências ou à falta de normas, dependendo do plano em que o problema fosse localizado. " [24]

Essas leis tinham um caráter de mutabilidade e de vigência condicionada distinto do caráter da legislação anterior à sociedade moderna.

À primeira vista, dá-se a entender que o papel do jurista ficou um pouco mitigado em relação ao papel do legislador. Em um primeiro momento isso realmente ocorreu, mas no século XX, conclui-se que nem todo direito tem forma de lei, admitindo-se, assim, o direito formulado pelos juízes – mas sempre seguindo os padrões do direito vigente. Essa constatação adveio do enorme número de problemas internos à sociedade que demandavam inúmeras outras decisões judiciais. Assim, pode-se dizer que esse direito das sociedades modernas

"(...) vige não por estar em consonância com normas superiores, mas porque sua alta seletividade preenche a função básica do sistema jurídico – o estabelecimento da congruência." [25]

E ainda complementa:

"Fica clara, então, (...) a relação existente entre o processo de positivação do direito e o desenvolvimento da forma de diferenciação funcional, entre a crescente abstração e especificação dos sistemas parciais da sociedade e a superprodução de possibilidades estruturalmente condicionadas." [26]


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO NETO, Menelick de. A Hermenêutica Constitucional sob o Paradigma do Estado Democrático de Direito In: Notícia do Direito Brasileiro – nova série, N.G. Brasília: Ed. UnB, 2º sem. De 1998.

LUHMANN, Niklas. A posição dos Tribunais no sistema jurídico. In: Revista da Ajuris. N.º 49. Porto Alegre: Ajuris, julho de 1990 (trad. de Peter Nauman).

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Modernidade, Tempo e Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.


Notas

  1. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. Pág. 45.
  2. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. Pág. 167.
  3. Idem. Pág. 169.
  4. NAVAS, Alejandro. In: PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Modernidade, Tempo e Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Pág. 204.
  5. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Modernidade, Tempo e Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Pág. 212-213.
  6. LUHMANN, Niklas. Op.cit. Pág. 174.
  7. LUHMANN, Niklas. A posição dos Tribunais no sistema jurídico. In: Revista da Ajuris. N.º 49. Porto Alegre: Ajuris, julho de 1990 (trad. de Peter Nauman). Pág. 150.
  8. LUHMANN, Niklas. A posição dos Tribunais no sistema jurídico. Pág. 153.
  9. Idem. Pág. 154.
  10. Idem. Pág. 155.
  11. Idem. Pág. 155.
  12. Idem. Pág. 157.
  13. Idem. Pág. 159.
  14. Idem. Pág. 160.
  15. Idem. Pág. 164.
  16. Idem. Pág. 164.
  17. Idem. Pág. 184.
  18. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Op.cit. Pág. 218.
  19. LUHMANN, Niklas. Op.cit. Pág. 188.
  20. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Op.cit. Pág. 222.
  21. LUHMANN, Niklas. Op.cit. Pág. 211.
  22. LUHMANN, Niklas. Op.cit. Pág. 176.
  23. LUHMANN, Niklas. Op.cit. Pág. 231.
  24. Idem. Pág. 231.
  25. PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Op.cit. Pág. 235.
  26. Idem.
Sobre a autora
Daniella Ribeiro de Pinho

Procuradora Federal, pós graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHO, Daniella Ribeiro. Algumas linhas sobre o iluminismo sociológico de Niklas Luhmann e o Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2964, 13 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19766. Acesso em: 28 dez. 2024.

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