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Obrigatoriedade dos precedentes

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5. Os Precedentes no Sistema Normativo Brasileiro

5.1. Premissas básicas

Conforme linhas acima, o ordenamento jurídico brasileiro caminha, infelizmente a passos não tão largos, para o desenvolvimento de uma cultura de seguimento dos precedentes.

A atual cultura do não seguimento dos precedentes é fruto de um pensamento já enraizado, em grande parte dos operadores do direito, de que a lei, e somente a lei, basta para a exteriorização do direito e sua aplicação ao caso concreto, pacificando situações sociais e dando concretude ao conceito de Justiça.

Contribui para preservação desta cultura da não obediência, de um lado, a falta de consciência da importância de ser dada, e preservada, coerência à aplicação do ordenamento jurídico, e, de outro, a ausência de regulamentação normativa expressa.

Em que pese já existam institutos que vinculam magistrados a decisões anteriores do próprio Poder Judiciário, tal como a Súmula Vinculante, é sentida a falta de um sistema normativo que imponha, dentro dos limites constitucionais, com respeito à liberdade de convicção e de pensamento do magistrado, o seguimento obrigatório dos precedentes no sistema jurisdicional brasileiro.

Entretanto, em que pese o atraso, o legislador, atento às necessidades da sociedade contemporânea, já começa a atribuir mais importância aos precedentes judiciais, por vezes obrigando o seu seguimento.

A mesma atenção já se desperta na doutrina, e, inegavelmente, nos próprios membros do Poder Judiciário, que pouco a pouco, passam a perceber que fazem parte de um sistema fechado, imersos todos em uma mesma realidade, e que cada decisão proferida o é pelo Poder Judiciário, e não pela pessoa física do magistrado, como forma de manifestação da maneira de pensamento e das opiniões deste.

Destacam-se nesse valoroso intento, qual seja, o de atribuir força vinculante aos precedentes, sem prejuízo da existência de outros institutos, e aqui serão alvo de comentários, as figuras da repercussão geral, da Súmula Vinculante, do controle de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal e do julgamento monocrático dos recursos, nos Tribunais.

5.2. Repercussão geral

A Emenda Constitucional nº 45 certamente destaca-se como uma das mais importantes, se não a mais importante, mudança no seio do sistema judiciário brasileiro.

Comumente denominada de Emenda da Reforma do Judiciário, ela introduziu na Constituição da República, expressamente, o direito fundamental da celeridade processual, reformulou em alguns pontos o sistema recursal no âmbito do Supremo Tribunal Federal, além de ter realizado outras relevantes alterações que foram muito bem recebidas, a exemplo da maior extensão da competência ratione materiae da Justiça do Trabalho.

Dito o genérico, convém pontuar o específico. Citada Emenda Constitucional acrescentou o parágrafo terceiro ao artigo 102 da Constituição, dispondo que: "No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros".

Ou seja, para a admissibilidade do Recurso Extraordinário passou a ser exigido mais um requisito, além dos já anteriormente existentes, ou seja, a demonstração da repercussão geral da matéria a ser discutida.

A norma constitucional, assim, sem se adentrar aqui à qualquer discussão acerca de sua eficácia plena, foi regulamentada pela Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, que inseriu os artigos 543-A e 543-B, no Código de Processo Civil. Vejamos o teor do texto deste Código:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

A leitura dos artigos do Código de Processo Civil deixa clara a intenção do legislador de somente submeter a julgamento do Pretório Excelso aquelas causas onde a questão discutida possa, de alguma maneira, intervir nos deslindes de outras demandas, ainda alocadas em instâncias inferiores.

Há de se lembrar, ainda, como fundamento da instituição de medida restritiva do cabimento do Recurso Extraordinário, a necessidade de reduzir o número de processos que chegam ao Supremo Tribunal Federal e, assim, concentrar seu precioso elemento humano nas causas de maior importância. Esta mesma consequência decorre do seguimento, em geral, dos precedentes, uma vez que, sabido de antemão o resultado de uma demanda, cujo julgamento será fundado em jurisprudência dominante, haverá desincentivo de judicialização e de interposição de recursos.

No mais, necessário observar que sempre haverá a dita repercussão geral quando a decisão recorrida estiver em sentido contrário à súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, a cujos precedentes o texto legal atribuiu grande relevância e visa preservar.

Diante do que até o momento foi exposto, sobretudo considerado o teor do artigo 543-B do Código de Processo Civil, é forçoso concluir que a instituição da repercussão geral é medida que visa dar viés de obrigatoriedade aos precedentes exarados pelo Supremo Tribunal Federal, na medida em que devem ser respeitados pelos órgãos judiciários inferiores, que estarão compelidos a sobrestar o andamento dos processos em trâmite até o julgamento final da questão submetida à apreciação da Alta Corte e, não obstante, amoldar sua futura decisão ao entendimento do Supremo acerca da matéria, sob pena de cassação ou reforma liminar de suas decisões.

Resta atribuída, assim, maior feição de um sistema fechado ao Poder Judiciário, deixando de lado a idéia de ser este Poder formado por órgãos difusos e que prolatam decisões desencontradas, dado o subjetivismo da interpretação da lei. A idéia de coerência e racionalidade do sistema, aqui, é sentida de maneira extremamente nítida.

Anote-se que o artigo 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil, faz menção expressa à eficácia vinculante da decisão do Supremo Tribunal Federal, em termos de repercussão geral, inclusive para o próprio STF, vez que estabelece, ressalvados os casos de revisão da tese esposada no julgamento, que todos os demais recursos que versem idêntica questão terão a mesma solução.

Com efeito, tem grande relevância a inclusão do instituto da repercussão geral no ordenamento jurídico pátrio, residente na circunstância de que ele traz ao sistema maior racionalidade, celeridade e segurança jurídica.

Não se deve esquecer, porém, que nos mesmos termos do parágrafo supracitado, não haverá a fossilização do entendimento acerca da existência ou não da repercussão geral, haja vista a possibilidade, sempre presente, da revisão da tese de momento adotada.

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5.3. Súmula vinculante

A Emenda Constitucional nº 45 acrescentou à Carta Magna, ainda, o artigo 103-A, que instituiu a Súmula Vinculante. O texto da Constituição, ipsis literis, é o seguinte:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

A mesma Emenda Constitucional, ainda, dispôs em seu artigo 8º que "as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial". Portanto, as demais súmulas do Supremo não têm efeito vinculante, adquirindo-o somente e após confirmação, nos termos do mencionado artigo.

Não se pode afirmar, porém, que as súmulas não vinculantes perdem sua importância, eis que continuam ostentando efeito obstativo de recurso, nos termos do artigo 518, § 1º, do Código de Processo Civil:

Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º. O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Sem dúvida que grande inovação veio ao ordenamento jurídico nacional com a Súmula Vinculante. As duas maiores características da Súmula Vinculante são, de um lado, seu caráter cogente e obrigatório, e, de outro, a extensão, tanto horizontal quanto vertical desta obrigatoriedade, eis que a obrigatoriedade do seu seguimento alcança não somente os órgãos do Poder Judiciário, mas toda a Administração Pública, lato sensu.

Com isso, abre-se caminho à segurança, não só em sede do Poder Judiciário, mas também, e com o mesmo grau de coerência, aos demais órgãos da Administração Pública.

A Súmula Vinculante, que tem seus traços principais no já citado artigo 103-A, da Constituição da República, recebeu disciplina pormenorizada na Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Mencionada lei dispõe acerca da forma pela qual a edição da Súmula Vinculante é provocada, editada, quais os legitimados para a provocação e a importante menção à possibilidade de revisão do enunciado.

A edição da Súmula Vinculante, conforme já estabelecido na Constituição, ficou adstrita tão somente ao Supremo Tribunal Federal, não alcançando os demais órgãos de envergadura do sistema judiciário brasileiro.

Para a edição de Súmula Vinculante é indispensável a presença de certos pressupostos, quais sejam: a) a ocorrência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional; b) controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública; c) que tal controvérsia recaia sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas específicas; e d) que acarrete, todo o conjunto acima, grave insegurança jurídica e grande número de recursos com a mesma questão.

Os pressupostos acima elencados devem estar presentes, em conjunto, não sendo suficiente a ocorrência de apenas um, ou alguns deles.

Conforme o texto constitucional, são legitimados para a provocação da edição de Súmula Vinculante, além do próprio Supremo Tribunal Federal, os mesmos legitimados para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, ou seja, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara, a Mesa da Assembléia Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Procurador Geral da República, O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Entretanto, o dispositivo Constitucional não traz rol taxativo. Isso porque, nos moldes do artigo 3º, da Lei 11.417/2006, são legitimados, ainda, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Tribunais Militares e o Defensor Público-Geral da União.

Sem dúvida que o alargamento da gama dos legitimados para provocação da edição de Súmula Vinculante é de indiscutível valia, em especial no que atinente à inclusão da Defensoria Pública. Por ser esta instituição a incumbida de prestar assistência jurídica integral aos mais necessitados, é ela, sem sombra de dúvida, a mais próxima da realidade social. Ora, é ao Defensor Público que cabe, dia-a-dia, de maneira singela e que se faça entender, a tarefa de explicar aos seus assistidos as decisões conflitantes do Poder Judiciário, que a um garante o direito, e a outro, em situação idêntica, nega.

Volvendo ao tema, para a aprovação da proposta de Súmula Vinculante, além da provocação de algum dos legitimados, ou da iniciativa, de ofício, do próprio Supremo Tribunal Federal, já atendidos os requisitos para sua edição, são necessários votos de 2/3 dos membros da Alta Corte, ou seja, no mínimo 08 (oito) Ministros.

Aprovada a Súmula Vinculante surge nova questão, de especial relevância, acerca dos seus limites subjetivos e objetivos. No tocante aos primeiros, ou seja, aos limites objetivos, a Súmula Vinculante em nada se diferencia das demais súmulas, que não tenham o caráter cogente. Assim, corresponde ela à definição positiva e objetiva de determinada questão de direito, de forma que seus limites objetivos são extraídos do conteúdo do enunciado.

Vale a ressalva, somente, de que, por vezes, para uma interpretação mais correta do enunciado da Súmula Vinculante, será interessante, quando não necessário, breve digressão e análise do conteúdo das referências que deram ensejo ao tal enunciado. Recorre-se, assim, aos casos concretos cujos julgamentos foram base para a edição da Súmula Vinculante, com o fito de encontrar suas fronteiras. Desta feita, em assim agir, procede-se a um verdadeiro distinguishing na aplicação da Súmula Vinculante.

Por sua vez, o limite subjetivo é aquele que determina o alcance do enunciado e, como já afirmado, este é amplo, não se relegando tão somente aos órgãos do Poder Judiciário, mas abarcando, da mesma forma, os demais poderes constituídos.

Mesmo o editor da Súmula Vinculante, ou seja, o próprio Supremo Tribunal Federal, está vinculado ao enunciado, sempre com a ressalva da possibilidade da revisão dele.

Atento a isso, o próprio legislador constitucional estabeleceu a possibilidade de revisão da Súmula Vinculante, delegando ao legislador ordinário, somente, a regulamentação deste processo.

Em verdade, trata-se de positivação de extrema importância, pois, na medida em que a Súmula Vinculante regula e obriga como se lei fosse, a possibilidade de sua revisão e cancelamento, com o fito de adequá-la à evolução social, é fundamental.

A possibilidade de revisão ou cancelamento da súmula é de extrema relevância quando se tem em vista que é da natureza da própria sociedade e do direito estar em constante transformação. Nesse sentido, faz-se imprescindível a possibilidade de alteração das súmulas vinculantes, para que elas possam ser adequadas a essas necessidades, também de índole prática. Todavia, do mesmo modo que a adoção de uma sumula vinculante não ocorre de momento para o outro, exigindo que a matéria tenha sido objeto de reiteradas decisões sobre o assunto, a sua alteração ou modificação também exigem discussão cuidadosa. À evidência, não procede o argumento de que a súmula vinculante impede mudanças que ocorrem por demanda da sociedade e de próprio sistema jurídico, uma vez que há previsão constitucional da revisão e revogação de seus enunciados. Ademais, a revisão da súmula propicia ao eventual requerente maiores oportunidades de superação do entendimento consolidado do que o sistema de recursos em massa, que são respondidos, também, pelas fórmulas massificadas existentes hoje nos tribunais. (MENDES e BRANCO, 2011, p. 1011).

A Súmula Vinculante pode ser revogada ou cancelada, mediante requerimento dos mesmos legitimados para a proposta de sua edição. Da mesma forma, pode o Supremo Tribunal Federal, ex officio, assim proceder, sempre com colhida da opinião do Procurador-Geral da República.

Por fim, no atinente ao tema da Súmula Vinculante, deve ser mencionada a possibilidade, inclusive com previsão constitucional, de endereçamento de Reclamação, diretamente ao Supremo Tribunal Federal, quando decisão administrativa ou jurisdicional violar seu enunciado.

Para o ajuizamento da Reclamação, também regulamentada pela Lei 11.417/2006, tem legitimidade qualquer jurisdicionado, ainda que a decisão que desrespeite a Súmula Vinculante tenha sido proferida em primeira instância.

Em se tratando de decisões administrativas, porém, que violem enunciado vinculante, é necessário o esgotamento da via recursal administrativa, sob pena de não conhecimento da Reclamação pelo Pretório Excelso.

Julgada procedente a Reclamação, o Supremo cassará a decisão judicial, ordenando que outra se profira, com o atendimento à orientação vinculante. Em se tratando de matéria com cunho administrativo, o Supremo cassará tal ato, para que outro seja coercitivamente proferido.

A Reclamação que tem cunho de ação autônoma, embora com feição próxima a recurso, tem seu grande mérito em proporcionar possibilidade de acesso, a qualquer jurisdicionado, ao órgão máximo do Poder Judiciário nacional, sem a necessidade de aguardo do julgamento de demorados recursos, pelos demais tribunais do país. Apresenta-se a Reclamação, de outro lado, como via rápida, aberta ao Supremo Tribunal Federal, a fim de fazer valer a autoridade de suas Súmulas Vinculantes.

Ante o exposto, é tranquilo afirmar que a Súmula Vinculante é a maior expressão, no ordenamento jurídico nacional, da força obrigatória dos precedentes, e tanto é assim que seu desrespeito pode gerar o acesso imediato e direto ao Supremo Tribunal Federal.

5.4. Controle de constitucionalidade, pelo STF

É sabido que o Brasil adotou o sistema misto de controle de constitucionalidade, no sentido de que se pode pleitear a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de determinada lei, pela via difusa ou concentrada.

Controle concentrado é aquele exercido pelos Tribunais, em ação própria, cujo mérito consiste, unicamente, na apreciação da constitucionalidade, ou não, da norma.

O controle concentrado tem, dentre outras peculiaridades, um rol restrito de legitimados ativos para o ajuizamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ou Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI).

No controle concentrado de constitucionalidade, pelos próprios termos da Lei 9.868/99, a decisão tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal tem efeitos vinculantes aos órgãos da Administração Pública dos entes federados, bem como do Poder Judiciário. Eis os termos legais:

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

O texto legal, portanto, é claro e não deixa dúvida, de que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, assume forma e conteúdo de precedente cujo seguimento é obrigatório.

A questão torna-se um pouco mais complexa, porém, quando a decisão do Supremo Tribunal Federal é proferida em sede de controle difuso. Este evidencia-se quando qualquer juiz, em qualquer lugar do território nacional, no uso de suas atribuições jurisdicionais, é provocado a declarar constitucional ou inconstitucional alguma lei, quando da apreciação de uma questão posta à sua apreciação, para a qual a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade é precedente necessário. Por óbvio que, nestas circunstâncias, a questão somente chega ao Supremo Tribunal Federal pela via recursal.

Tem como peculiaridade, essa forma de controle, a característica de a apreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei não ser o mérito da demanda, ou seja, a constitucionalidade, ou não, da norma, é declarada de forma incidental.

Indagação que surge, assim, é a seguinte: tendo o Supremo Tribunal Federal declarado a constitucionalidade, ou inconstitucionalidade, de uma norma, de forma incidental, quando do julgamento de uma outra questão, a decisão acerca da adequação ou não da norma posta diante da Constituição, constitui-se em precedente que deve ser seguido?

O artigo 28, da Lei 9.868/99, citado acima, atribui força cogente apenas às decisões tomadas pelo STF em sede de controle concentrado. Contudo, fundamentada posição doutrinária, liderada pelo Ministro Gilmar Mendes, que já foi acolhida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, defende a ideia de que, ainda que a constitucionalidade, ou não, da norma, tenha sido proferida em controle difuso, e, assim, de forma incidental, deve ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário. É a teoria da transcendência dos motivos determinantes.

Embora ainda não consolidada e pacífica, nem mesmo no STF, a teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, ou da transcendência dos motivos determinantes, já é uma realidade e vem ganhando força, tanto que até mesmo proporcionou, ainda que de forma reflexa, modificação legislativa, como será observado adiante.

A transcendência dos motivos determinantes consiste na expansão dos efeitos do Acórdão proferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, onde, a seguir as regras clássicas do processo civil, tais efeitos apenas ocorreriam inter partes, a teor do disposto no artigo 472 do CPC: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros. (...)".

A bem da verdade, não há expressa consagração legislativa, em nosso ordenamento, da teoria da transcendência dos motivos determinantes. Resultou ela da mais moderna interpretação dada inciso X, do artigo 52, da Constituição Federal [02], motivo de grande celeuma em sede doutrinária, em que uns entendiam estar o Senado Federal vinculado à decisão do STF, devendo a Câmara Alta suspender a execução da lei, e outros, ao contrário, entendiam que tal manifestação do Senado seria discricionária. Não obstante, discutia-se, e ainda muito se discute, a respeito da natureza jurídica de tal manifestação do Senado Federal, se seria ela meramente declaratória ou constitutiva.

A adoção da teoria da transcendência dos motivos determinantes, como já o foi, insista-se, pelo próprio Supremo Tribunal Federal, exige que prevaleça o entendimento de que a natureza jurídica do ato do Senado Federal é apenas declaratória. Entender o contrário seria inviabilizar por completo a transcendência dos motivos determinantes, haja vista que se a decisão do STF, para ter eficácia erga omnes, dependesse do ato do Poder Legislativo, seu conteúdo não passaria de mera produção doutrinária.

Vários argumentos, que não cabem nas poucas páginas deste trabalho, justificam, para não se afirmar que exigem, a aplicação da teria da transcendência, tais como, dentre outros, o da supremacia da Constituição e necessidade de sua aplicação uniforme a todos os cidadãos, a posição ocupada pelo Supremo Tribunal Federal de guardião da Constituição e seu intérprete máximo, e até mesmo a dimensão política das decisões do Pretório Excelso.

Com efeito, não há mais maneira de entender a Constituição como base meramente filosófica, ética e moral de um povo, desprovida de força normativa, somente indicando os balizamentos ideológicos de um Estado. É o Texto Constitucional carregado de normatividade, apto a gerar efeitos de maneira efetiva na vida social do cidadão, determinando o caminhar do Estado Democrático de Direito. A força normativa atribuída à Constituição, atualmente, deve ser tamanha de forma a restarem atenuadas, quando não possível serem extirpadas por completo, as ditas normas programáticas, haja vista a falta de materialidade de que se revestem tais normas.

A inegável força normativa da Constituição é elemento indispensável para a transcendência, e, do outro lado da moeda, a transcendência é de suma importância para a que Constituição realize sua força normativa.

A própria Constituição fez do Supremo Tribunal Federal seu maior guardião e, de forma reflexa, determinou ao mesmo órgão que fosse o intérprete máximo dela. Nessa condição, natural que uma interpretação do Texto Constitucional feita pelo Pretório Excelso deva surtir efeitos vinculantes a todos, inclusive àquele dotados de certa liberdade de atuação e interpretação, como membros do Poder Judiciário de instâncias inferiores.

Por fim, argumento também de extrema valia, comumente utilizado por aqueles que simpatizam e defendem a transcendência dos efeitos determinantes da decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, vai no sentido de que as decisões da Corte não têm fundamento apenas de cunho jurídico, sendo dotadas, inclusive de fundamento e efeitos políticos, haja vista a abrangência de valores colocados em cada caso concreto levado à análise daquele órgão.

Essa insofismável conclusão traz novas perspectivas à atuação judicial, carregando-a de mais elementos que não só aqueles jurídicos e interpretativos.

Correto, por assim ser, que os efeitos de decisão proferida pelo órgão máximo do Poder Judiciário, colegiado com competência que se expande por todo o imenso território nacional, guardião e intérprete máximo da Constituição, possam transpassar as fronteiras de lide e ir além das partes que litigam.

A tendência à adoção da transcendência dos motivos determinantes vem ganhando inegável crescimento no Brasil, sendo capaz, por vezes, até mesmo de influenciar outros órgãos dos Poderes constituídos, a exemplo do Poder Legislativo.

Passemos a alguns exemplos práticos de aplicação da transcendência dos motivos determinantes.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917, em que tratou-se da redução do número de vereadores do Município de Mira Estrela, no estado de São Paulo, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou a aplicabilidade, ao Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, do efeito vinculante emergente da própria ratio decidendi que motivou o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Como consequência, diversos outros Municípios do país, por força da interpretação dada à Constituição, pelo Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação do Recurso Extraordinário em questão, tiveram o seu número de vereadores também reduzido.

No bojo de outro julgamento, Reclamação 4.335/AC, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, conforme o Informativo de Jurisprudência nº 454 do STF, ficou assentado:

(...) reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão da execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais fazendo-se à comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitam a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP (progressão de regime na lei de crimes hediondos). [03]

Portanto, de um lado, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Reclamação, fez valer a autoridade, não só de sua decisão, mas, outrossim, e fundamentalmente, dos motivos desta mesma decisão. Entendeu o STF, assim, que a declaração incidental da inconstitucionalidade de norma vincula os demais órgãos do Poder Judiciário, que devem negar aplicação à Lei.

Como consequência veio a lume a Lei 11.464/07, que estabeleceu as condições para a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados, previstos na Lei 8.072/90. A mudança legislativa, dispensada pela Lei de 2007, somente se deu após a já anunciada manifestação do Supremo, em sede de controle incidental de constitucionalidade, no Habeas Corpus de número 82959/SP, em que a Corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072/90, cujo teor vedava a progressão de regime.

5.5 Julgamento monocrático, nos Tribunais

Contudo, não somente o Supremo Tribunal Federal conta com ferramentas para a realização da política do seguimento dos precedentes, mas todos os órgãos colegiados do Poder Judiciário

A Lei 9.756, de 17 de dezembro de 1998, alterou várias disposições do Código de Processo Civil, entre elas a redação do artigo 557. Pela pertinência, mais uma vez, colaciona-se o atual texto de citado artigo:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

§ 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

§ 2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

O artigo 557 do CPC, sem sombra de dúvidas, consagra o valor dos precedentes emanados dos tribunais, a eles vinculando a sorte dos recursos. Resta estabelecida, assim, uma positiva supremacia vertical das decisões dos Tribunais, condenando à vida curta as decisões a elas contrárias, permeando o ordenamento jurídico de segurança e coerência.

Da análise do parágrafo 1º-A, acima citado, sobretudo pelo tempo verbal "poderá", conclusão outra não pode haver senão a de que a regra é passível de abrandamento, podendo ser relativizada diante do caso concreto, com a possibilidade, sempre presente, de revisão da jurisprudência. Por sua vez, o teor imperativo do caput, "negará", também não determina obediência irrestrita:

Nada obstante o teor imperativo da norma ("negará seguimento), o relator não fica obrigado a indeferir o recurso que foi interposto contrariando a súmula do próprio tribunal ou de tribunal superior trata-se de faculdade que a lei confere ao relator. Como não há procedimento legal para revisão de súmula de tribunal seria cercear a defesa do recorrente (CF 5.º LV) negar-se a examinar sua pretensão recursal, sob o fundamento de que é contrária à súmula da jurisprudência predominante do tribunal. A jurisprudência é dinâmica e, quando necessário, deve ser revista. (NERY, 2007, p. 961).

Doutra banda, a possibilidade de julgamento monocrático de recursos, a par de ser um grande incentivo a que as instâncias inferiores sigam as decisões proferidas pelas superiores, sob pena de reforma liminar de seu posicionamento, contribui, imensamente, para a celeridade processual e para a redução do número de recursos meramente procrastinatórios.

Sobre os autores
Rodrigo Emiliano Ferreira

Defensor Público do Estado de São Paulo

Bruno Luiz Turci

Advogado. ex-estagiário da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Emiliano; TURCI, Bruno Luiz. Obrigatoriedade dos precedentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2976, 25 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19849. Acesso em: 24 dez. 2024.

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