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Imputação objetiva no Direito Penal Ambiental (inclusive no meio ambiente do trabalho)

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Agenda 27/08/2011 às 08:44

6. BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. De nossa própria lavra, v. G. G. Feliciano, Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental brasileiro, São Paulo, LTr, 2000, passim.

  2. La imputación objetiva en Derecho penal, pp.174 e ss.

  3. Yesid Reyes Alvarado, Imputación Objetiva, 2ª ed., Santa Fé de Bogotá, Temis, 1996, pp.196 e ss.

  4. Convém anotar, por oportuno, que a ilação do texto cinge-se à hipótese de crime de resultado, cuja configuração típica objetiva estaria obstada por não ser o resultado naturalístico concreção do risco criado. Volvendo, contudo, o foco de atenção para o direito brasileiro, ver-se-á que o artigo 54 da Lei 9.605/95 pune qualquer conduta consistente em "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora", donde a conclusão, adiante desenvolvida, de que aquela norma penal encerra, a um tempo, delito de resultado (poluir com danos efetivos à saúde humana ou de molde a provocar morticínio de animais ou destruição significativa da flora) e delito de perigo concreto (agora, restrito à integridade humana: poluição que possa resultar em danos à saúde). Uma vez que as Resoluções 03 e 04, de 28.06.1990 e 06.12.1990, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), estabeleceram, em substituição à Portaria 231/76 do Ministério do Interior, padrões de qualidade do ar a partir de concentrações de poluentes atmosféricos que, ultrapassadas, podem afetar "a saúde, a segurança e o bem-estar da população, bem como ocasionar danos à flora e à fauna, aos materiais e ao meio ambiente em geral" (artigo 1º, caput), a emissão gasosa irregular sujeita o infrator (comoa empresa citada, ad interim, no texto principal) à respectiva penalidade administrativa, ante a presunção de perigo (perigo abstrato). Para a condenação criminal, porém, impende fazer a prova do perigo concreto, usualmente pericial, de forma a integrar o tipo penal; uma vez atestado aquele perigo, o tipo objetivo estará realizado, mesmo na hipótese do exemplo (e ainda se a emissão gasosa houvesse obedecido os limites de concentração diária da Resolução n. 03/90), por se tratar - insista-se - de crime de perigo. A observância ou não dos patamares impostos pela autoridade em sua função reguladora funcionará, "in casu", apenas como elemento de convicção para formação do juízo de tipicidade subjetiva (mormente o dolo na conduta perigosa).

  5. Cfr. Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, pp.67-68 : "Isto posto, podemos completar a nossa noção inicial de Direito, conjugando a estrutura tridimensional com a nota específica da bilateralidade atributiva, neste enunciado: Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores. (...) Ultimamente, pondo em realce a idéia de justiça, temos apresentado, em complemento às duas noções supra da natureza lógico-descritiva, esta outra de caráter mais ético: Direito é a concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores. (...) Se analisarmos essas três noções de Direito veremos que cada uma delas obedece, respectivamente, a uma perspectiva do fato (‘realização ordenada do bem comum’), da norma (‘ordenação bilateral-atributiva de fatos segundo valores’) ou do valor (‘concretização da idéia de justiça’). (...) Donde devemos concluir que a compreensão integral do Direito somente pode ser atingida graças à correlação unitária e dinâmica das três apontadas dimensões da experiência jurídica (...)" (g.n.).

  6. Tal como há no Brasil (1m.50cm. - art.201 do Código Brasileiro de Trânsito).

  7. Op.cit., p.200.

  8. Idem, p.203.

  9. Cfr., por todos, Cezar Roberto Bitencourt, Manual de Direito Penal, volume 1, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, pp.149-151, in verbis: "O Código Penal brasileiro, a exemplo dos códigos de outros países, não apresenta um conceito de ação ou omissão, deixando-o implícito, atribuindo sua elaboração à doutrina. No entanto, a sistematização do Direito Penal, a partir de Von Liszt, utiliza o critério da classificação em ação e omissão. (...) Ação é comportamento humano voluntário conscientemente dirigido a um fim. A ação compõe-se de um comportamento exterior, de conteúdo psicológico, que é a vontade dirigida a um fim, da representação ou antecipação mental do resultado pretendido, da escolha dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes ou necessários e o movimento corporal dirigido ao fim proposto. O resultado não pertence à ação, mas ao tipo, naqueles crimes que o exigem (crimes materiais). Ação e omissão, em sentido estrito, constituem as duas formas básicas do fato punível, cada uma com estrutura completamente diferente: a primeira viola uma proibição (crime comissivo), a segunda descumpre uma ordem (crime omissivo). Omissão, como assinalou Armin Kaufmann, ‘ é a não-ação com possibilidade concreta de ação; isto é, a não-realização de uma ação finalista que o autor podia realizar na situação concreta’ " (g.n.). Na análise de Reyes Alvarado, em ambos os casos o agente viola um dever jurídico ínsito à sua posição social de garante; ao omitir a ação que lhe competia, necessariamente agiu, àquele momento, como não deveria, de maneira que é irrelevante - e amiúde infactível - estabelecer se a conduta típica é comissiva ou omissiva. Ou, nas palavras de Alvarado: "Los infructuosos esfuerzos que esporádicamente se hacen para tratar de diferenciar en cada caso si determinados hechos delictivos (en su mayoría culposos) son acciones u omisiones nos muestran la artificialidad de la distinción, pues afirmar en el caso del ciclista ebrio que lo determinante es la acción de adelantar indebidamente al ciclista,o que en el caso de la novocaína lo decisivo es la aplicación de un equivocado narcótico tiene tanto sentido como señalar que en dichos eventos lo determinante es no haber observado la distancia reglamentaria de adelantamiento o no haber empleado el narcótico adecuado; aún menos aceptable es la infundada propuesta de inclinarse por el reconocimiento de una acción en caso de duda, como lo planteó KAUFMANN [Arthur]. Basta com imaginarnos que en el caso del ciclista ebrio (suponiendo aquí la existencia de una omisión) el conductor del camión hubiera iniciado la maniobra ceñida de adelantamiento com la intención de causar la muerte del ciclista para convertir, súbitamente al pretendido ‘delito omisivo’ en un ilícito de acción, y obtendríamos la curiosa conclusión de que la existencia jurídica de una acción u omisión depende de si el delito es cometido dolosa o culposamente. Vista así la superficialidad del debate, debe concederse razón a SCHMIHÄUSER cuando afirma que la discusión sobre la causalidad en las omisiones es uno de los más lamentables problemas artificiales que se ha planteado el derecho penal en el último siglo" (op.cit., p.48 – g.n.).

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  10. Artigo 13, 2ª parte, do Código Penal brasileiro: "Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido".

  11. Neologismo do autor (op.cit.,pp.264-265).

  12. Cfr. Entscheidungen des Reichsgericht in Strafsachen (Sentenças do Tribunal Supremo do Reich em matéria penal), ou RGSt, 63-211.

  13. Idem, p.223.

  14. Cfr., por todos, Damásio E. de Jesus (Direito Penal, 1º volume, pp.285-286), in verbis: "Iter criminis é o conjunto de fases pelas quais passa o delito. Compõe-se das seguintes etapas: a) cogitação; b) atos preparatórios; c) execução; d) consumação. (...) A cogitação não constitui fato punível. Observava Magalhães Noronha que há casos em que já constitui delito ‘o desígnio ou propósito de vir a cometê-lo, como sucede com a conspiração, a incitação ao crime (art.286), o bando ou quadrilha (art.288) e ainda outros, em que há o propósito delituoso, ou a intenção revelada de vir a praticá-lo. A impaciência do legislador, então, antecipa-se e não espera que ele se verifique, punindo, em última análise, a intenção, o projeto criminoso’. Todavia, a cogitação que não constitui fato punível é a que não se projeta no mundo exterior, que não ingressa no processo de execução do crime. Os casos apontados não são de simples cogitatio, mas de voluntas sceleris externada através de atos sensíveis. Na quadrilha ou bando, p. ex., o Código não pune cada um dos agentes por pensar em se reunir a três outras pessoas para o fim de cometimento de crimes, mas sim porque se associa para tal fim. Não se cuida de cogitação punível, mas sim de atos preparatórios de um crime que o legislador resolveu punir como atos executórios de outro".

  15. Op.cit., p.226.

  16. Nomeadamente, Manfred Burgstaller, apud Yesid Alvarado, op.cit., p.227, nota 100, e não sem contradição na própria obra: "no obstante, el mismo autor había señalado ya en una de sus primeras obras que ante la existencia de la realización de riesgos, resultaba superfluo el mantenimiento de un criterio de adecuación dentro de la imputación objetiva".

  17. Apud Yesid Alvarado, op.cit., p.229.

  18. Idem, p.256.

  19. Idem, pp.256-257.

  20. Idem, p.257 e nota 201.

  21. Idem, pp.257-263

  22. Em sentido semelhante, cite-se ainda Günther Jakobs, que concebe para os cursos causais hipotéticas uma função específica, a saber, a de demonstrar, sob condições ideais, a causalidade.

  23. Yesid Alvarado, op.cit., p.265, in verbis: "(...) las expectativas de comportamiento social emergen normalmente después de que com ayuda de cursos causales hipoteticos se han aprehendido reglas generales de causalidad, que nos indican resultados que pueden llegar a ser relevantes desde el punto de vista del derecho penal. En consecuencia, cuando mediante la experimentación teórica o práctica se arriba a la conclusión de que con ciertos comportamientos pueden ser evitados determinados daños a las relaciones sociales, tiene sentido para el derecho crear expectativas de comportamiento que consisten en indicar a los portadores de determinadas funciones la forma en que deben comportarse para evitar alteraciones a las relaciones sociales" .

  24. De outra parte, ainda se acolhidas as teses de Struensee e Kaufmann a respeito, os cursos serviriam mormente como circunstâncias judiciais do artigo 59 ("circunstâncias e conseqüências do crime"), porque nenhuma das atenuantes genéricas que constam do artigo 65 do Código Penal é adequada para a hipótese, sequer por aplicação oblíqua (analogia "in bonam partem"). A previsão do artigo 66 (circunstância atenuante inominada) não se nos revela, da mesma forma, aplicável, por se reportar a circunstância relevante anterior ou posterior ao crime; com efeito, ao situar no tempo do crime a circunstância (o que lhe valeu críticas por olvidar as circunstâncias concomitantes ao delito - cfr. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, volume 1,p.292), o legislador de 1984 aportou à consideração do intérprete apenas os eventos da realidade, isto é, o que efetivamente houve antes ou depois do crime (p. ex., o arrependimento do agente, a penúria do autor de um crime contra o patrimônio, a recuperação do agente após o cometimento do crime e antes da condenação, o trabalho benemérito do autor na comunidade em que vive - os três primeiros exemplos são de Julio Fabbrini Mirabete, Manual..., v. 1, p.293), e não o que poderia ter havido fosse outra a sucessão factual (cursos causais hipotéticos). Feita uma tal distinção, aliás, divisa-se - com raro discernimento para a hipótese - no que podem diferir, casuisticamente, as circunstâncias inominadas do artigo 66, normalmente vinculadas à conduta do agente, e as circunstâncias do crime do artigo 59, que podem encerrar caráter subjetivo (circunstâncias pessoais) ou objetivo ("gravidade maior ou menor do dano causado pelo crime, inclusive aquelas derivadas indiretamente do delito" - Julio Fabbrini Mirabete, Manual..., v. 1, pp.277-278); nesse último caso, admitem a consideração do grau de lesividade do delito (ou, na dicção legislativa, suas conseqüências), tendo em vista curso causal hipotético que, à míngua da atuação criminosa, ensejaria resultado equivalente. Já no primeiro caso essa consideração não é viável, porque a circunstância há de ser, como dito, de compleição integralmente real, anterior ou posterior à consumação delitual (os cursos causais hipotéticos são virtuais e, de regra, concomitantes). A dificuldade na distinção prática entre circunstância judicial e circunstância legal inominada informa, e.g., a seguinte observação de Mirabete sobre o artigo 66 (p.292): "Visa o dispositivo uma possibilidade de flexível individualização da pena. A rigor, porém, o juiz já poderá levar em conta na fixação da pena qualquer circunstância do crime, diante do disposto no artigo 59, orientador da escolha da pena base". Parece-nos que, em casos extremos, a sugestão haurida das elucubrações de Kaufmann e Struensee, adaptada ao ordenamento brasileiro, seja de elevada conveniência, sobretudo por razões de política criminal; assim, por exemplo, detém maior gravidade objetiva (conquanto ambas as condutas sejam igualmente reprováveis do ponto de vista ético) o assassínio de um indivíduo absolutamente saudável do que a morte dada a quem, dali a duas horas, viria a falecer naturalmente por falência interna de órgão vital (note-se que a circunstância tem base real - a falência do órgão vital - mas o curso causal que desfecharia é virtual e substitutivo, por hipótese, da conduta incriminada; daí porque sua compleição, no contexto criminoso, não é integralmente real); na dosimetria da pena, tais casos mereceriam, portanto, tratamento diverso na primeira fase do artigo 68, caput, do Código Penal.

  25. Com espeque em Claus Roxin.

  26. Op.cit., p.266, in verbis: "El control del resultado, el dominio objetivo del suceso causal, son entonces importantes en cuanto nos facilitan el aprendizaje de la causalidad general, sin que ello signifique indefectiblemente que cada regla causal genérica tenga que ser de interés para el derecho penal. Solamente cuando com base en lo que nos enseñe dicha causalidad general resulte necesaria la formulación de expectativas de comportamiento social, entonces habrá surgido un deber de actuación que constituye la base de la imputación objetiva. Esto significa que los conceptos de evitabilidad, conducibilidad o dominabilidad (objetivas), resultan de importancia para el derecho penal como presupuestos de las expectativas de comportamiento cuya inobservancia crea los riesgos jurídicamente desaprobados, sin que desempeñen ninguna función en la ulterior etapa de la realización de riesgos".

  27. Também aqui o recurso à sinédoque é usual (de maneira que, se não ressalvada, a referência à previsibilidade do resultado estará abrangendo, amiúde, a previsibilidade do curso causal).

  28. BGHSt 4, 360 (1954), condenando o motorista. O caso é referido por Claus Roxin (Derecho Penal, p.398) como paradigma de uma classe hipotética que somente admite equacionamento à mercê do critério da esfera de proteção da norma, porque o risco reprovado a que deu causa o motorista realizou-se num resultado desvalido que, ainda assim, não lhe é imputável; também é essa a nossa opinião.

  29. BGHSt 12-79 (1959).

  30. Alvarado, op.cit., p. 277(com apoio em Bernd Schünemann - nota 265 da obra).

  31. "princípio da incerteza de Heisenberg. Princípio da mecânica quântica que associa as propriedades físicas aos pares, de tal modo que ambas não podem ser medidas conjuntamente com mais do que um certo grau de precisão. Se A e V formam um desses pares (chamado de par conjugado) então D A.D V > k, sendo k uma constante e D A e D V variações nos valores experimentais de grandezas A e V. O exemplo da equação melhor conhecido relaciona a posição e a velocidade de um elétron: D p.D x > k, sendo k a constante de Planck" (Dicionário Oxford de Filosofia, p.312 - verbete ‘princípio da incerteza de Heisenberg’).

  32. Contra, Eros Roberto Grau, "Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade", in verbis: "Então é certo, nítido como a luz solar passando através de um cristal (bem polido): a superação da indeterminação (o preenchimento) dos ‘conceitos indeterminados’ se opera no campo da interpretação, não no campo da discricionariedade; importa a formulação de juízo de legalidade, não de juízo de oportunidade" (p.329). Adiante (p.330): "O exercício, pela Administração, da autêntica discricionariedade – formulação de juízo de oportunidade, que apenas poderá exercitar quando norma válida a ela atribuir essa faculdade – não está sujeito ao controle do Poder Judiciário, salvo quando esse exercício consubstancie desvio ou abuso de poder ou de finalidade. Daí porque, embora o controle da discricionariedade apenas se justifique quando tal ocorra, o seu exame, pelo Judiciário, sempre se impõe. Por isso demite-se de seu dever, afrontando o direito, o juiz que liminarmente recuse o exame de ato discricionário, embora deva, após esse exame, se, em determinado caso, apurar a inocorrência de desvio ou abuso de poder ou de finalidade, abster-se de controlar (no sentido de questionar a sua correção) o ato". Entendemos, "venia concessa", que os argumentos do Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo contêm evidente carga retórica, procurando tecer um limiar sutil - e, nalgum sentido, artificioso - entre os conceitos de interpretação e discricionariedade, ou entre os juízos de legalidade e de oportunidade. Quando o juiz criminal fixa a pena do réu, na primeira fase do artigo 68 do Código Penal, inspirado em critérios de política criminal (assim p. ex., como ilustrávamos alhures, sobre a possível função dos cursos causais hipotéticos na dosimetria da pena, está decidindo sobre a oportunidade de uma reprimenda mais ou menos branda, exercitando um juízo de oportunidade que lhe foi atribuído pela lei penal. Na seara predileta do mestre (desenvolvida no artigo em comento): quando o juiz, nos autos de ação popular, decide que um determinado ato da Administração é lesivo ao patrimônio público ou contrário à moralidade pública (artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal), dimana, freqüentemente, um juízo de oportunidade, porquanto um tal ato, que lhe pareceu lesivo ou imoral, ao administrador pareceu - excetuados os casos de manifesta má-fé ou corrupção - bom e valioso (pense-se, e.g., no rumoroso escândalo dos precatórios, que em 1998 envolveu, entre outras instâncias do Poder Público, o município da São Paulo: o caso envolveu complexas operações financeiras, que ainda hoje suscitam dúvidas em técnicos e juristas; as autoridades envolvidas, por sua vez, sustentam que a negociação dos títulos públicos em bolsa, aparentemente lesiva aos cofres públicos, aproveitou à Municipalidade e atendeu às melhores intenções). De outra parte, já se reconhece legitimidade à ingerência do Poder Judiciário em atos administrativos eminentemente discricionários, como se lê em Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria Geral do Processo, p.217): "Constitui tendência contemporânea, inerente aos movimentos pelo acesso à justiça, a redução dos casos de impossibilidade jurídica do pedido (tendência à universalização da jurisdição). Assim, p. ex., constituindo dogma a incensurabilidade judiciária dos atos administrativos pelo mérito, a jurisprudência caminha no sentido de ampliar a extensão do que considera aspectos de legalidade desses atos, com a conseqüência de que os tribunais o examinam" (g.n.); noutras palavras, em conformidade com o que antes dissemos, rotular um dado aspecto como sendo de oportunidade ou de legalidade acaba se tornando tarefa puramente retórica, o que reafirma nossa convicção de que também o juiz, quando a lei assim o permite, atua com discricionariedade. À mesma conclusão encaminha-se, ainda, a derradeira digressão de Eros Grau, no sentido de que "apenas em determinada hipótese cabe aludirmos a uma discricionariedade judicial, porém também expressamente atribuída pela norma ao juiz" (como, de resto, ocorre com o administrador); "refiro-me à discricionariedade que o juiz pode exercitar ao decidir no âmbito da jurisdição voluntária", nos moldes do artigo 1.109 do Código de Processo Civil (op.cit., p.334). Ocorre que tal "autorização legal" torna-se cada vez mais freqüente na legislação, inclusive - e principalmente - no âmbito da jurisdição contenciosa; vejam-se, por exemplo, na seara juslaboral, os artigos 8º e 852-I, § 1º (com a redação da Lei 9.957/2000) da CLT (respectivamente: "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, (...) por eqüidade (...)"; "O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum"),e na seara penal, o artigo 76, caput e §4º, da Lei 9.099/95.

  33. "A compensação de culpas, que existe no Direito Privado, é incabível em matéria penal. Suponha-se um crime automobilístico em que, a par da culposa conduta do agente, concorra a culpa da vítima. A culpa do ofendido não exclui a culpa do agente: não se compensam. Só não responde o sujeito pelo resultado se a culpa é exclusiva da vítima" (Damásio E. de Jesus, Direito Penal, 1º volume, p.260).

  34. Diga-se, por oportuno, que no plano ôntico a causalidade pode ser reportada tanto à conduta do agente quanto aos riscos por ela criados. Assim, no exemplo dado, a conduta de "A" é, sem dúvida, a causa da morte de "C"; todavia, essa conduta gerou, a rigor, duas situações de risco, inconfundíveis e de realização distinta ou apartada - o risco causado pelas lesões corto-perfurantes e o risco causado pelo envenenamento. Do ponto de vista ontológico, apenas esse último risco - relativo ao envenenamento - realizou-se no resultado; todavia, ao primeiro estágio do processo intelectivo de subsunção típica - aferição da causalidade - interessa apenas a relação causa-efeito reportávelà conduta, não aos riscos por ela gerados. Por isso, conquanto se possa classificá-los, a partir da análise ôntica, como riscos de realização indistinta e riscos de realização apartada, uma tal abordagem, exatamente por lidar com riscos e não mais com a conduta em si, está circunscrita, por convenção, ao segundo estágio de subsunção típica (imputação objetiva).

  35. Yesid Alvarado, op.cit., p. 280, nota 274.

  36. La imputación objetiva en Derecho penal, p.128-129, in verbis: "En lo que se refiere a lo que el derecho establece como estándares, esto es, a las normas contra las puestas en peligro abstractas, estas normas excluyen de manera radical del ámbito de lo socialmente adecuado un determinado tipo de comportamiento; de ahí que haya que evitar puestas en peligro abstractas. Por tanto, si el sujeto que ejecuta el comportamiento no respeta estas reglas jurídicas, su actuar no se convierte en socialmente adecuado por el hecho de que el comportamiento incorpore elementos destinados a coompensar el peligro". Todavia, adiante: "Desde luego, puede darse el caso de que un determinado daño, a causa de la compensación de riesgos, se pueda explicar no a través del comportamiento que constituye un riesgo no permitido, sino como simple consecuencia del riesgo general de la vida; esta cuestión, perteneciente a la realización de riesgos, puede sin embargo ser diferenciada perfectamente de la determinación del riesgo no permitido" (g.n.).Diverso, porém, é o caso das normas técnicas, desde que não fixadas juridicamente: seu objetivo é estabelecer um standard que possa ser alcançado de qualquer modo, tendo ou não em conta o descrito na norma; significa que, a esse respeito, admite-se amplamente a compensação de riscos: "(...), quien construye un muro de protección con un grosor menor del habitual entre los técnicos en la materia, sigue actuando de modo permitido si a la vez utiliza un material com un resistencia mayor. Cuando se renuncia a la regulación jurídica precisamente se pretende hacer posible la existencia de variantes".

  37. Op.cit., p. 280.

  38. Vitimologia é o "estudo das peculiaridades do crime cometido, em face da contribuição direta ou indireta propiciada pela vítima; ou do papel que ela assume espontaneamente no evento criminoso" (Dicionário Jurídico, Academia Brasileira de Letras Jurídicas, 4ª ed., São Paulo, Forense Universitária, 1996, p.829 - verbete ‘Criminologia’). Na ilação do Alvarado (op.cit., pp.282-283 ), analisar apenas a conduta do réu, e não a da vítima, épresumir a responsabilidade penal, em rota de colisão com o "favor rei"; retoma, nesse passo, o caso do condutor negligente e do ciclista ébrio, para observar que, analisada apenas a conduta do acusado, sobreviria em iguais circunstâncias uma indevida condenaçãocriminal.

  39. Op.cit., p. 283.

  40. Também no Brasil: artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, in verbis: "São diretos dos trabalhadores urbanos e rurais (...): (...) proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de dezoito anos". No Direito do Trabalho a maioridade, com o pleno exercício de direitos e faculdades, dá-se aos dezoito anos, como no Direito Penal (artigos 402, caput, da CLT, e 27 do Código Penal).

  41. Apud YesidAlvarado, p.285.

  42. Damásio E. de Jesus, Direito Penal, 1º volume, p.251. O autor ressalva entendimento divergente de parte da doutrina brasileira, sustentando que o sujeito ativo deva responder por dois crimes: tentativa de homicídio e homicídio culposo. À luz da teoria da imputação objetiva, essa parece ser a compreensão mais idônea do ponto de vista científico: superada a instância da causalidade (por ser óbvia na hipótese, física e estatisticamente), o juízo normativo impõe reconhecer a criação de duas situações de risco juridicamente reprovado, autônomas e díspares: a primeira, com a investida a estocadas, e a segunda, com a precipitação da vítima nas águas fluviais. O sujeito ativo não deflagrou, pois, um único contexto de perigo, mas dois, ingerindo indevidamente, mediante condutas diversas, no âmbito de competência da vítima, ao expô-la a riscos não permitidos e não consentidos. Essa análise traduz a autonomia das condutas para fins jurídico-penais, ambas passíveis de imputação objetiva - assim como o resultado que lhes acede - ao sujeito ativo, que não se ateve, num caso como noutro, à esfera do risco permitido, frustrando o princípio da confiança. Alfim, no terceiro estágio - imputação subjetiva - , constatar-se-á que o sujeito ativo agiu, na primeira conduta, com volição e consciência atreladas ao resultado pretendido (morte), sem no entanto alcançá-lo, por circunstâncias alheias à sua vontade (artigo 13, II, do Código Penal); na segunda conduta, não poderia atuar conscientemente ("animus necandi"), uma vez convencido de que seu desafeto estava morto; sequer de dolo eventual se há de cogitar, porque o agente não assume, subjetivamente, o risco de produzir um resultado que, acredita, não se produzirá (por entendê-lo já realizado). Há, pois, culpa inconsciente, porque, de qualquer modo, o sujeito ativo terá violado, imprudentemente, seu dever objetivo de cuidado (visto ser objetivamente previsível que um corpo recentemente ferido, sem paralisação imediata e evidente de funções vitais, possa ainda abrigar vida). Daí a conclusão, para a qual já atinava parte da doutrina nacional: a primeira conduta admitirá subsunção ao tipo penal do artigo 121, caput (presumindo-se inocorrente qualquer circunstância qualificadora), c.c. artigo 14, II, do Código Penal; a segunda, ao tipo penal do artigo 121, §3º, do Código Penal, respondendo o agente pelos dois delitos, em concurso material (artigo 69, caput, do Código Penal). Essa será, em via de regra, a leitura mais consentânea à teoria da imputação objetiva, em todas as demais hipóteses de erro sucessivo ou dolo geral.

  43. "De observar-se (...) que não é necessário que o dolo persista durante todo o fato, sendo suficiente que a conduta desencadeante do processo causal seja dolosa. Suponha-se que o agente dispare projétil de arma de fogo contra a vítima, que vem a desmaiar. Crendo que se encontra morta, o sujeito efetua outros disparos em face de impulso de ódio, provando-se que os últimos é que mataram a vítima, não o primeiro. Acreditamos que ninguém se animaria a afastar o homicídio doloso" (idem, ibidem). Obviamente que não: os disparos ulteriores não ensejam senão o incremento do risco reprovado criado com o primeiro disparo; não criam novo risco, tratando-se, pois, de conduta única, diversamente do que ocorre no exemplo da ponte (vide nota anterior).

  44. Apud Yesid Alvarado, p.286 e nota 289.

  45. Embora inegável que a conduta física do agentecausou a morte, das situações de risco que gerou - lesões corto-perfurantes e envenenamento - apenas essa última realizou-se no resultado.

  46. Op.cit., p.289.

  47. De se observar que, em seu Derecho Penal – Parte General ("Strafrecht – Allgemeiner Teil"), Claus Roxin não inclui esse exemplo no tópico relativo à exclusão da imputação em caso de resultados que não estão cobertos pelo fim de proteção da norma de cuidado, inserindo-o no tópico anterior (exclusão da imputação se falta a realização do risco não permitido). Volta a referir tal exemplo, contudo, à p.378, já tratando dos resultados não cobertos pelo fim de proteção da norma.

  48. O exemplo é atribuído a Hans-Heinrich Jescheck, consoante referência do próprio Claus Roxin no item 6.d de suas "Reflexões sobre a Problemática da Imputação em Direito Penal" ("Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht", publicado originalmente em "Festschrift für Richard M. Honig"), a respeito da esfera de proteção da norma como critério de imputação.

Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Imputação objetiva no Direito Penal Ambiental (inclusive no meio ambiente do trabalho). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2978, 27 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19869. Acesso em: 23 dez. 2024.

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