Por força da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, que alterou dispositivos do Código Tributário Nacional, foram acrescentados, no capítulo referente as modalidades de extinção do crédito tributário, especificamente no que tange ao instituto da compensação (art. 170), os seguintes ditames:
"Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento do tributo, objeto da contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial."
Desta forma, não bastassem as condições exigidas pelo "caput" do referido artigo, como créditos líquidos e certos do sujeito passivo, condicionaram tal instituto – modalidade de extinção do crédito tributário -, nos casos de busca da tutela jurisdicional do Estado, à decisão final do pleito, de que não caiba mais qualquer recurso.
Inobstante tais assertivas, e o real escopo da referida disposição, que parece ser, em uma análise apurada, "a priori", única e exclusivamente, mitigar a "maior conquista do contribuinte brasileiro, nos últimos cinqüenta anos, em sua luta contra os abusos do Fisco", na feliz lição de Hugo de Brito Machado(1) refletindo sobre o artigo 66 da Lei 8.383/91 (compensação via-autolançamento), tal disposição não encontra qualquer condão fático, legal e especialmente jurídico para o mister, "em tese", da Administração Fazendária, revogação dos ditames do artigo 66 da Lei 8.383/91.
Com efeito, longe de ser uma restrição ao instituto da compensação – como extinção do crédito tributário, (quanto mais ao regime de compensação de tributos Federais, via autolançamento), o artigo 170-A do Código Tributário Nacional, com redação dada pela Lei Complementar nº 104/2001, apenas veio a somar as disposições constantes do "caput" do referido artigo, vez que a compensação – modalidade de extinção do crédito tributário, exigia, e ainda exige hoje, créditos líquidos e certos, que podem, devem, e só serão apurados, pelo lançamento tributário já consumado, a cargo único e exclusivo do legitimado para tal ato jurídico – o Fisco, e/ou, e daí vem a modificação da Lei Complementar nº 104/2001, pela decisão judicial de que não caiba mais recurso, ou seja, da decisão judicial que declarar/constituir/condenar, que dado crédito fiscal do contribuinte, é líquido e certo, e pode ser utilizado para a compensação para com créditos tributários da Fazenda, extinguindo-se, por derradeiro, após a homologação da Administração Fiscal, o crédito tributário.
Aliás, neste particular (extinção do crédito tributário, atividade do Estado/ Administração e não do Estado/Juiz) já ensina a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo do novo veículo legislativo, o que denota-se inconteste no voto condutor do Ministro Ari Perglander(2), nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 78.301/BA:
"O procedimento do lançamento por homologação é de natureza administrativa, não podendo o juiz fazer as vezes desta. Nessa hipótese, está-se diante de uma compensação por homologação da autoridade administrativa. Ao invés de antecipar o pagamento do tributo, o contribuinte registra na escrita fiscal o crédito oponível à Fazenda Pública, recolhendo apenas o saldo eventualmente devido. A homologação subsequente, se for o caso, corresponde á constituição do crédito tributário e, nessa modalidade de lançamento fiscal, com sua concomitante extinção pelo efeito de pagamento que isso implica. O juiz, não pode, nessa atividade, substituir-se à autoridade administrativa. Bem por isso, a Egrégia 2ª Turma deste Tribunal nunca deferiu pedidos de compensação no sentido próprio, vale dizer, com efeitos de quitação, mesmo quando os créditos e débitos tenham sido apurados judicialmente através de perícia. Acolheu, no entanto, parcialmente, tais pedidos, para arredar o que a Administração pôs arbitrariamente como óbice à compensação em matéria tributária." (g.n).
Tais pensamentos assentados, devemos enfatizar, outrossim, por oportuno, que os brocardos que dizem respeito ao regime de compensação, via autolançamento, de tributos Federais, não sofreram qualquer mazela, pela entrada no mundo jurídico do artigo 170-A do Código Tributário Nacional, vez que o artigo 66, da Lei 8.383/91, é inquestionavelmente diferente, juridicamente e faticamente, da compensação asseverada e deferida pelo CTN, no ápice do seu artigo 170.
É diferente juridicamente pois:
a)A compensação deferida pelo artigo 170 do CTN é uma modalidade de extinção do crédito tributário, somente efetivada, com créditos líquidos e certos do Contribuinte, que provém do lançamento tributário consumado, efetuado pela Administração Fazendária, ou pelos preceitos normativos de uma decisão judicial, transitada em julgado, que defira tal pleito, e que deveras, dão o enfoque necessário ao pedido, ou seja, preceituam a liquidez e certeza dos créditos do contribuinte, necessários e imprescindíveis que são à extinção do crédito da Fazenda, como bem preceitua o "caput" do artigo supracitado.
b)A compensação deferida pelo artigo 66, da Lei 8.383/91, não é uma forma de extinção do crédito tributário, é sim, uma forma de compensação no âmbito do lançamento por homologação, que difere da anterior, pois nesta o contribuinte verifica a ocorrência do fato gerador, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo devido e faz o respectivo recolhimento, entretanto, ao invés de recolher o tributo, na sua totalidade, o contribuinte registra em sua escrita fiscal um crédito oponível a Fazenda Pública, anulando, por conseqüência o débito correspondente, tudo sob o manto da condição resolutória, de ulterior homologação de tal ato jurídico, pelo Fisco.
É faticamente diferente, eis que:
a) a Compensação deferida pelo artigo 170 do Código Tributário Nacional, depende do lançamento fiscal da Autoridade Administrativa Competente para tal mister, ou, da declaração judicial da liquidez e certeza dos créditos do contribuinte e a possibilidade de compensação com os créditos do Fisco, decorrendo da respectiva declaração (administrativa e/ou judicial) a extinção do crédito tributário.
b) A compensação deferida pelo artigo 66, da Lei 8.383/91, não depende de qualquer ato da Fazenda Pública, como por igual, não depende de qualquer pronunciamento judicial, vez que esta modalidade de compensação dá autorização ao contribuinte, unilateralmente (direito subjetivo), no âmbito dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, verificar o seu suposto crédito, derivado de um pagamento ilegal (a maior/indevido de tributo), e compensar com os créditos da Fazenda Pública, ficando, dependente, é claro, da posterior homologação da autoridade fiscal, que tem o prazo de 05 anos, para se pronunciar a respeito, podendo e devendo fiscalizar a referida compensação, podendo lançar de ofício penalidades, se entender indevida a compensação, em todo,ou em parte.
Em suma, os preceitos agregados pela nova legislação – Lei Complementar nº 104/2001, não trouxeram qualquer modificação à sistemática adotada pela Lei 8.383/91, artigo 66, que refere-se à compensação via-autolançamento, apenas e tão somente enfatizaram a necessidade, nos casos de compensação com a respectiva extinção do crédito tributário, que as decisões prolatadas em tais pedidos, efetivassem seus preceitos apenas e tão somente após o trânsito em julgado da sentença, fato que já era corolário consequencial da jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, vez que crédito líquido e certo, para a extinção do crédito tributário, só é verificado em acertamento oficial, ou seja, mediante sentença judicial (170-A), lançamento tributário, inscrição em dívida ativa (presunção) e título executivo extrajudicial (presunção), e nunca unilateralmente pelo contribuinte, fato que se dá, ao revés, na compensação via autolançamento.
NOTAS
1. A Compensação no Direito Tributário – Hugo de Brito Machado – Fonte: http//www.temis.com.br.
2. Fonte: Revista Dialética de Direito Tributário 18/17 –18. Compensação: Finsocial x Cofins: Vitória Notável dos Contribuintes no STJ. Ezequiel de Melo Campos Filho.