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Uma breve (re)visão da jurisdição no marco do Estado Democrático de Direito brasileiro

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Agenda 25/09/2011 às 10:47

Notas

  1. Não é raro, no entanto, encontrarmos decisões em direção oposta, tomando por fundamento o postulado por Montesquieu a fim de se adotar uma atitude de autocontenção. O exemplo vem do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 20.798-1/RO, que tratava da descriminalização do art. 58 (jogo do bicho), da Lei das Contravenções Penais, pelo seu desuso e pela tolerância da sociedade, no qual o Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho pontuou: "A descriminalização é tarefa da lei e não de seu desuso afrontoso. A função do juiz, em qualquer julgamento, é a de portar-se de acordo com o que disoõe a legislação vigente. Segundo a concepção de MONTESQUIEU, o juiz não é senão a boca da lei. Advirta-se para o fato de que ela continua sendo a fonte primacial do direito. Obra do legislador, só por ele pode ser revogada por outra lei, nunca por iniciativa do juiz, cuja função primordial é a de aplicá-la, regularmente" (STJ, Resp 20.798/RO, 6ª Turma, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJ 28.09.1992).
  2. "A superação do positivismo jurídico é indispensável à construção de uma hermenêutica material no direito que permita transpareçam e se evidenciem is interesses em questão, demandando, inequivocamente, opções, que supõem juízos valorativos sobre os dados de fato e de direito das situações em que se manifestam. Nessa perspectiva o trabalho do jurista e do juiz precisa ser criativo" (AZEVEDO, 1989, p. 73-74). E prossegue o autor: "Se tiver se preparado para ser criativo, não precisará esperar passivamente a modificação das leis para exercer na sua plenitude suas funções (...)" (id. Ibid.).
  3. Recentemente, observou-se um maior debate acerca da função do Judiciário nos casos da denominada Lei Ficha Limpa e da união homoafetiva, para ficarmos apenas nestes.
  4. Para Streck, a contraposição entre democracia e constitucionalismo/jurisdição constitucional (ou Direito) é um perigoso reducionismo. Para o autor, "a afirmação da existência de uma ‘tensão’ irreconciliável entre constitucionalismo e democracia é um dos mitos centrais do pensamento político moderno, que entendo deva ser desmi(s)tificado" (STRECK, 2009b, p. 19). Segundo ele, "se existir alguma contraposição, esta ocorre necessariamente entre democracia constitucional e democracia majoritária, questão que vem abordada em autores como Dworkin, para quem a democracia constitucional pressupõe uma teoria de direitos fundamentais que tenham exatamente a função de colocar-se como limites/freios às maiorias eventuais" (Id., Ibid., grifos no original).
  5. Conforme Barroso (2010, p. 32) judicialização "não se confunde com a usurpação da esfera política por autoridades judiciárias, mas traduz o fato de que muitas matérias controvertidas se inserem no âmbito de alcance da Constituição e podem ser convertidas em postulações de direitos subjetivos, em pretensões coletivas ou em processos objetivos".
  6. Santos entende que o exercício ativista da jurisdição reforça as "bases democráticas da formação da vontade social expressa pelo Estado" (2007, p. 278). Prossegue o autor afirmando que a denominada "jurisprudência dos valores" encontra amparo em nosso sistema constitucional e que eventual colisão de princípio fundamentais resolver-se-ia pela ponderação. Segundo Barroso (2009b, p. 332), "a denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição". A ponderação, como bem salienta Streck (2009b), nada mais faz do que repristinar a discricionariedade positivista nos "casos difíceis", dizendo que a proporcionalidade deve ser compreendida como coerência e integridade e não como juízo de equidade ou de ponderação. Nesse sentido, é inconcebível ma jurisdição com certo grau de discricionariedade ser democrática.
  7. É certo que tais decisionismos serão facilitados em virtude de uma abordagem positivista do caso examinado. Veja-se que em Hart (O conceito de Direito), assim como em Kelsen (Teoria Pura do Direito), o preenchimento da textura aberta ou vaga da norma dar-se-ia discricionariamente. Nas palavras do segundo positivista, por um "ato de vontade" (KELSEN, 1998, p. 394). Não muito diverso, o entendimento de Herbert Hart, nas palavras de Moro (2004), possibilita que naqueles casos denominados difíceis (hard cases), os quais resultariam propriamente da "textura aberta" da linguagem humana (conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais etc.), o fato estaria na área de "penumbra" do conceito, dando azo à discricionariedade. Segundo o autor, em posição semelhante está Kelsen, quando equipara a norma jurídica geral a uma simples "moldura" dentro da qual haveria de ser produzida a norma jurídica individual, possibilitando, assim, a existência de várias possibilidades de aplicação. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 390-391.
  8. Ver, do autor: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
  9. Essa mudança de paradigmas dá início, segundo Moraes (2003), à crise do sistema representativo. Segundo o autor, "diferentemente do Estado Liberal, em que o Poder Legislativo, enquanto detentor da vontade geral do povo, predominava entre os demais poderes, a partir do Estado Social, o Poder Executivo vem assumindo, cada vez mais, o papel de grande empreendedor das políticas governamentais, relegando a segundo plano o Parlamento e, consequentemente, os partidos políticos, e fazendo surgir, com mais força e vitalidade, por absoluta necessidade prática, outros atores da competição política. Assim, a idéia básica do Estado Liberal, em que a crença da soberania popular e da representação política permaneciam intocáveis, como instrumentos infalíveis da participação da sociedade no poder, foi afastada pela chegada do Estado Social, demonstrando, claramente, que, diante das grandes transformações socioeconômicas, os representantes do povo muito pouco decidem, e os que decidem carecem de grande representatividade política" (Id., Ibid., p. 47).
  10. Para Bonavides (2004, p. 368), o Estado Social, "em razão de abalos ideológicos e pressões não menos graves de interesses contraditórios ou hostis, conducentes a enfraquecer a eficácia e a juridicidade dos direitos sociais na esfera objetiva das concretizações, tem permanecido na maior parte de seus postulados constitucionais uma simples utopia".
  11. Oportunas as palavras de Mello (2006), para quem a Constituição Brasileira de 1988 representa perfeitamente o ideário do Estado Social, que, todavia, entre nós, jamais passou do papel para a realidade. Trazendo alguns exemplos, o autor cita ainda alguns artigos: arts. 1º, III e IV, 3º, 3º, I, III e IV, 7º, II e IV, 170, caput, e incisos III, VII e VIII, 184, 186, IV, 191, 193 e 194. Por tudo isso é que Bonavides sustenta que a CF/88 é "basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social" (2004, p. 371). Para o constitucionalista, "os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra a Constituição do Estado social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder". (Id., Ibid.)
  12. Na edição de 2004 de seu Curso de Direito Constitucional, alertava o Professor Paulo Bonavides: "poderosas forças coligadas numa conspiração política contra o regime constitucional de 1988 intentam apoderar-se do aparelho estatal para introduzir retrocessos na lei maior e revogar importantes avanços sociais, fazendo assim um antagonismo fatal entre o Estado e a Sociedade. Não resta dúvida que em determinados círculos das elites vinculadas a lideranças reacionárias está sendo programada a destruição do Estado social brasileiro. Se isso acontecer será a perda de mais de cinquenta anos de esforços constitucionais para mitigar o quadro de injustiça provocado por uma desigualdade social que assombra o mundo e humilha a consciência desta Nação. Mas não acontecerá, se o Estado social for a própria Sociedade brasileira concentrada num pensamento de união e apoio a valores igualitários e humanistas que legitimam a presente Constituição do Brasil" (BONAVIDES, 2004, p. 371). Ao olhar atento de Nalini (2010, p. 978), "(...) [a] ideia de constituição é apontada como entrave ao funcionamento do mercado, como freio de competitividade dos agentes econômicos e como obstáculo à expansão da economia. Para essa parcela do pensamento pátrio, a Constituição não passa de um conceito meramente procedimental. Sua insuficiência e vulnerabilidade seria comprovável mediante constatação do número de emendas a que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi submetida" (p. 978).
  13. Constata-se tal tentativa na criação, por exemplo, das súmulas vinculantes, repercussão geral, uniformização de jurisprudência.
  14. Saliente-se, por oportuno, que norma não coincide com texto. Segundo Eros Grau, segundo o qual "a norma encontra-se, em estado de potência, involucrada no texto. Mas ela se encontra assim nele involucrada apenas parcialmente, porque os fatos também a determinam (..) a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos textuais que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Interpreta-se também o caso, necessariamente, além dos textos e da realidade – no momento histórico no qual se opera a interpretação – em cujo texto serão eles aplicados" (2009, p. 32). Ainda segundo Eros Grau: "A interpretação do direito é atividade voltada ao discernimento de enunciados semânticos veiculados por preceitos (disposições, textos). O intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete produz a norma" (GRAU, 1996, p. 102).
  15. Conforme Didier Jr. (2010, p. 38), no Brasil já "inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extremamente complexo (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc.[...]), de óbvia inspiração no common law. Cf., ainda, THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo, ano 35, n. 189, nov. 2010, p. 9-52. Streck salienta, por sua vez, que "[é] possível constatar, sem muita dificuldade, que dia a dia encaminhamo-nos para um ‘hibridismo-sistêmico’, com a importação de mecanismos do sistema da common law (Súmulas vinculante, mecanismos que de filtragem recursal, como os previstos nas Lei 8.038 e 9.756) e do Direito tedesco (...)" (2002, p. 23).
  16. Abordando a diversidade de litigiosidades no Brasil, Theodoro Júnior, Nunes e Bahia alertam para o fato que as reformas processuais têm se concentrado na tentativa de uniformização da jurisprudência. Nesse sentido, o objetivo é "estabelecer ‘standards interpretativos’ a partir do julgamento de alguns casos: um Tribunal de ‘maior hierarquia’, diante da multiplicidade de casos, os julgaria abstraindo-se de suas especificidades e tomando-lhes apenas o ‘tema’ a ‘tese’ subjacente. Definida a tese, todos os demais casos serão julgados com base no que foi pré-determinado; para isso, as especificidades destes novos casos também serão desconsideradas para que se concentre apenas na ‘tese’ que lhes torna idênticos aos anteriores" (THEODORO JÚNIOR, NUNES E BAHIA, 2010, p. 24-25). Tomando por base o art. 285-A, do CPC, a proposta não escapa à crítica de Streck (2009b, p. 203): "Afinal, o que são ‘casos idênticos’? Se são ‘casos’, não podem ser somente ‘de direito’, pois não? Pois a figura do ‘caso idêntico’ só ocorreria se as partes fossem as mesmas, o pedido e a causa de pedir fossem os mesmos. Ou seja, se estivéssemos diante do mesmo caso já submetido à apreciação do Judiciário, e não somente daquele juízo. Então estaríamos diante de litispendência ou de coisa julgada!"
  17. Para Streck (2009b, p. 7), o "pós-positivismo deve ser entendido com o sentido de superação e não (mera) continuidade ou complementariedade. Pós-positivismo será compreendido, nesse contexto, no interior do paradigma do Estado Democrático de Direito instituído pelo constitucionalismo compromissório e transformador social surgido no segundo pós-guerra, que é aquilo que vem sendo denominado de neoconstitucionalismo".
  18. "O grande dilema contemporâneo será, assim, o de construir as condições para evitar que a justiça constitucional (ou o poder dos juízes) se sobreponha ao próprio direito. Parece evidente lembrar que o direito não é –e não pode ser – aquilo que os tribunais dizem que é. E também parece evidente que o constitucionalismo não é incompatível com a democracia" (STRECK, 2009, p. 339-340).
  19. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 390-391.
  20. O enfrentamento do texto perante o caso concreto, que resulta na produção da norma, implica na constante (re)criação do Direito. Conforme Cunha (2005, p. 325), "considerando concomitantemente o caráter social e normativo do Direito, pode-se afirmar que o contexto de aplicação da norma jurídica é constituído por uma dupla realidade: 1) a realidade social, pois, se de um lado o direito é condicionador da realidade, por outro lado ele é condicionado por ela numa inesgotável tensão dialética; 2) a realidade fática do caso concreto, pois os agentes de uma situação juridicamente relevante sempre trazem particularidades que fixam uma singularidade que deve ser considerada pelo intérprete". Daí ser inviável hermeneuticamente admitir a existência de casos idênticos.
  21. Nas palavras do autor, existe sempre um sentido que nos é antecipado (2009b, p. 163).
Sobre o autor
Nairo José Borges Lopes

Professor do Curso de Direito da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS). Mestre em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL/MG). Bacharel em Direito pela UNIFENAS. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Nairo José Borges. Uma breve (re)visão da jurisdição no marco do Estado Democrático de Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3007, 25 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20061. Acesso em: 23 dez. 2024.

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