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Os Juizados Especiais e a Justiça Comum

Agenda 01/10/2001 às 00:00

Criada pela Lei nº. 9.099, de 26/09/1995, a Justiça Especial, aquela que compreende os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tem este nome propositalmente. Ela é "especial" por ser diferente da dita Justiça Comum regida pelo CPC ou pelo CPP. Ademais, ela é opcional: o autor pode "optar" por ela, obviamente sujeitando-se às suas regras: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. E limitação quanto a recursos!

Nela, os Códigos de Processo Civil e Penal são subsidiários, somente podendo ser invocado, um ou outro, nos casos em que a Lei nº. 9.099/95 não dispuser nada (pode até dispor da mesma forma) ou remeter ao Código. Por esta suficiente razão, só é admitido um recurso / uma apelação, ao próprio Juizado (Corte, Conselho ou Turma Recursal), arts. 41 e 82 e respectivos parágrafos, em qualquer hipótese, ressalvados embargos de declaração (arts. 48 a 50 e arts. 82 e 83). O Superior Tribunal de Justiça (Súmula 203, de 04/02/98, DJ de 12/02/98, p. 35) entendeu que:

"Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau (*) dos Juizados Especiais."

(*) entenda-se Turmas Recursais.

Assim também tem decido o Supremo Tribunal Federal, o que, para mim, é bastante. Portanto, a Lei nº. 9.099/95 criou um "novo" sistema processual, diferente, especial. Nos limites da competência dos Juizados Especiais, a decisão (acórdão) da Turma Recursal é irrecorrível. É, talvez, o único caso de duplo grau de jurisdição, de fato e de direito, em nosso ordenamento jurídico. Não admite Ação Rescisória e, por prever recurso próprio, não admite, a meu juízo, Mandado de Segurança, embora já se tenha noticiado que o TJRJ admite Mandado de Segurança nos seus Juizados Especiais Cíveis.

Levantei, no portal do STJ, cerca de 150 jurisprudências (procurando em "recurso juizados especiais"), unanimemente, considerando descabido Recurso Especial de decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis. Observe-se que, na área criminal, há entendimento diferente. Das 150 jurisprudências, mais da metade diz respeito aos Juizados Especiais Criminais, admitindo Recursos Especiais em determinados casos.

No "site" do STF, há uma decisão, em Agravo Regimental de Agravo de Instrumento (Relator, o Min. Marco Aurélio), de 28/08/98 - DJ de 30/10/98 - cuja ementa é:

"Mostra-se insubsistente, sob o ângulo constitucional, norma local que implique criação de recursos. Esta ocorre no âmbito da competência para legislar sobre direito processual, não estando abrangida pela competência concorrente do inciso XI do artigo 24 da Constituição Federal."

Observe-se, ainda, que, anteriormente (Lei nº. 7.244/84), era admitido também Recurso Extraordinário. Contudo, quanta coisa mudou de lá para cá. Ver decisão de 01/02/94 - anterior, portanto, à Lei nº. 9.099/95 - do Pleno do STF na RCL-459/GO (DJ de 08/04/94, p. 7222), também disponível nas jurisprudência da Excelsa Corte ("recurso extraordinário e juizados especiais").

Em resumo, da Sentença, nos Juizados Especiais, cabe exclusivamente apelação, ou recurso, à Turma Recursal e fim! Note-se que nem o Tribunal de Justiça pode ser acionado. É o que diz a Lei nº. 9.099/95. Quem pretender prequestionar e / ou chegar a instâncias como os Tribunais de Justiça ou as mais altas (STJ ou STF) deve ingressar na Justiça Comum, abdicando da opção mais simples, célere e, sobretudo, mais econômica, de invocar os Juizados Especiais.

Cada caso é um caso, e ao Advogado cumpre aprender e respeitar os ritos próprios das justiças, conforme ela seja Comum (CPC e CPP) ou Especial (Lei nº. 9.099/95). No mínimo, para orientar adequada e corretamente aos que o procuram

Se o autor pode optar, o réu pode contestar, argüir preliminares, excepcionar, ...., se defender enfim, tudo na esfera do Juizado Especial em que foi acionado. Pode, se assim preferir, acionar a outra parte perante a Justiça Comum, também dita "tradicional", com bem mais que um pedido contraposto, sede em que terá muitas outras possibilidades de recorrer, embargar, agravar, em várias instâncias, o que a Lei nº. 9.099/95 não lhe permite (sequer pode reconvir). É uma troca entre a celeridade e economia, simplicidade, etc. (dispensando custas e Advogados até 20 salários mínimos, na primeira fase) e a ampla gama de recursos previstos nos nossos códigos de processo, incabíveis nos Juizados Especiais.

Quanto à possibilidade legal de formulação de pedido contraposto, por parte de quem queira "reconvir" - não há como negar ser o pedido contraposto uma forma branda e limitada de reconvir - , significaria entrar com outra ação, que a Secretaria de Distribuição trataria de distribuir por conexão.

Há quem defenda a possibilidade de uma forma de "reconvenção" no Juizado Especial, apesar da expressa vedação no art. 31 da Lei nº. 9.099/95. Argumentam os que assim pensam que um pedido contraposto é cabível no mesmo processo, como medida de economia processual. Desde que limitado aos 20 ou 40 salários mínimos, e não excedendo o pedido feito inicialmente pelo Autor, o Réu poderia, na contestação (portanto, superada, por frustrada, a fase da (Audiência de) Conciliação, fazer um pedido em conseqüência do qual o Autor virasse Réu e este, Autor (uma forma de reconvenção) sem que houvesse ampliação ou maior abrangência do (valor do) pedido inicial. A reconvenção, no CPC, ensejaria essa maior abrangência, por ser uma pretensão autônoma e independente daquela inicial do Autor.

A Lei nº. 9.099/95 tem regras procedimentais próprias e uma delas é não aceitar Autor / Requerente que não seja pessoa física, natural. Nem mesmo entes despersonalizados, como Condomínios, podem requerer ou invocar sua aplicação, o que constitui uma questão bastante controvertida, sendo admitido, em vários Estados, que Condomínios sejam autores perante os Juizados Especiais. Eu, particularmente, me filio à corrente que não admite Condomínios no pólo ativo. Condomínio não pode peticionar perante os JEC, sendo-lhe permitido apenas e tão-somente, se reclamado (pólo passivo), contrapor o pedido "nos limites do pedido que lhe fora posto". Ademais, entendo que Condomínios deveriam ser umas grandes "famílias" e, portanto, suas pequenas quizílias deveriam ser resolvidas extrajudicialmente.

Uma lei (nº. 9.841/99) estendeu o direito às Microempresas (ME), o que é negado às EPP - Empresas de Pequeno Porte, que, por conseguinte, não podem atuar no pólo ativo. A extensão do benefício, nos estritos termos legais, é apenas para as ME. Observe-se que em vários dos artigos da Lei nº. 9.841/99, quando as duas categorias são abrangidas, uma e outra são expressamente citadas. No caso do artigo 38 - diferentemente, por exemplo, dos arts. 2º., § 2º.; 36; e 37 - , somente as ME são citadas como aquelas a que se aplica o disposto no § 1º. do art. 8º. da Lei nº. 9.099/95. Ou seja, nos termos do citado art. 2º., somente "a pessoa jurídica e a firma individual que tiver receita anual igual ou inferior a R$ 240.000,00", à época da entrada em vigor da lei (isto é, as ME) podem propor ação perante os Juizados Especiais Cíveis, assim entendo, excetuados os concessionários de direito de pessoas jurídicas.

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Costumo dizer que a advocacia é a arte do contraditório, do debate, da troca de idéias e, sobretudo, de buscar novas interpretações. É interessantíssimo ouvir e participar de uma discussão desse tipo, exercitar a jusfilosofia pura, fazer a exegese de textos legais. Portanto, não é de admirar que se possa defender o direito de também estar estendido, por exemplo, o mesmo benefício às EPP. Quem sabe, muitos juízes vão admitir. Embora ache que não estou errado, me curvarei à decisão deles. E parabéns a quem tentou, arriscou, propôs. É para isso que somos Advogados: para questionar. Essa a beleza do Direito e da Advocacia.

Muitos pleitos, ou causas de pedir, nem mesmo podem ser levados aos Juizados Especiais, e muitas matérias estão fora de sua competência, além da questão de uma alçada limitada, na área cível, a 40 salários mínimos (até 20, sem necessidade de Advogado) e, na área criminal, às infrações penais "de menor potencial ofensivo", assim entendidas as contravenções penais e os crimes a que o Código Penal estabeleça pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que esteja previsto, em lei, procedimento especial. Em nenhuma hipótese há condenação em pena privativa de liberdade.

Quanto ao limite de 40 SM, desenvolve-se interessante discussão. O art. 3º., II, da Lei nº. 9.099/95 remete ao art. 275, II, do CPC, e , neste caso, não se aplicaria o limite citado no inciso I do § 3º. do referido artigo 3º. (40 salários mínimos). O tema é controvertido, havendo decisões judiciais admitindo, ou não, o valor da causa e da eventual condenação acima daquele limite. Há aqueles Juízes e Tribunais que aceitam isso, baseado no fato de a redação do inciso II não excepcionar, como faz o inciso IV, os valores excedentes daquele teto de alçada genérica. Os que não aceitam entendem que o aludido § 3º. é aplicável a todos os incisos (o texto final do inciso IV seria, neste caso, desnecessário, uma vez que o § 3º. supriria a limitação pretendida) e, se assim não fosse, todos aqueles processos viriam buscar a rapidez e simplicidade dos Juizados Especiais Cíveis.

Procurei alguma jurisprudência no STJ e o máximo que obtive foi a decisão no REsp 146.189/RJ, que não é conclusivo. Não pude ter acesso ao Relatório nem ao Voto, somente obtendo a Ementa / Acórdão. Não dá para saber o que foi pedido no Recurso improvido. Pode ter sido questionada apenas a competência "ratione materiae", o que não me parece cabível questionar. O ponto crucial da dúvida diz respeito à renúncia (implícita ou não) ao que exceder os 40 salários mínimos. A meu ver, o Juizado pode receber, tentar a conciliação e instruir qualquer pedido dentre os citados no artigo que delimita sua competência. Ao julgar e ao sentenciar, contudo, o Juiz deve ficar adstrito a uma condenação, se for o caso, limitada a 40 salários mínimos, entendendo ter havido renúncia tácita, implícita e automática do autor, no momento em que optou pelo rito do Juizado Especial Cível, nos termos do art. 3º., § 3º., da Lei nº. 9.099/95. Tenho conhecimento de decisões, no Mato Grosso e em São Paulo, em que o valor da condenação superou os 40 SM. Eventualmente aquela do Rio de Janeiro, que gerou o REsp anteriormente referido, trate do tema. E outras, pela Ementa do Acórdão, igualmente não permitem que se saiba se foi esta a questão levantada e julgada / decidida.

Eu não tenho dúvida que o processo trazido à consideração dos Juizados Especiais (repita-se, opção dada ao autor, alternativamente à Justiça Comum) já é, em si, um tipo de julgamento antecipado, pelos ritos sumariíssimos. Note-se que, sob a Lei nº. 9.099/95, a celeridade é, certamente (deve haver exceção que confirme esta "regra"), maior que a verificada, por exemplo, nos casos de antecipação da tutela do CPC (art. 273, II, ou 330, I). Finda a Audiência de Instrução e Julgamento, é prolatada a Sentença, está manifestada a justiça e "antecipada" a tutela (nem antecipada: outorgada).

Já vivi a experiência de "superantecipar" a decisão judicial, ao levar as partes, no dia e hora marcados para a Audiência de Conciliação no Cível, ao Juiz, em face de ter-me parecido urgente uma decisão, ante a postura de Requerente e do Requerido. A lei prevê a possibilidade de uma decisão judicial, até, no ato da redução a termo da apresentação da "queixa" ou do ajuizamento da ação, se as partes estiverem presentes e houver um Juiz disponível para, naquele instante e em substituição a toda a processualística prevista, instruir e julgar. No Juizado Especial Criminal, a sentença é sempre, ou quase sempre, dada em seguida à Conciliação, frustrada esta ou não, caso em que se homologa o acordo. Afinal, há sempre um Juiz, pelo menos, disponível durante as Audiências de Conciliação, para homologar por sentença os acordos. Normalmente, eles estão conduzindo audiências de instrução e julgamento enquanto, em outra sala, ocorrem as Audiências de (tentativa de) Conciliação.

Os Advogados precisam conhecer a Justiça Especial, se querem atuar nela. Há particularidades, peculiaridades, jurisprudência própria (pobre e escassa ainda, é verdade). Freqüentemente, por exemplo, eles reagem à exigência da presença da parte por eles representada. Trata-se uma exigência da lei (art. 9º.) que se sobrepõe ao que prescreve o CPC. Os juízes, no entanto, costumam dar força ao Conciliador que interpreta este artigo da Lei nº. 9.099/95 com o devido rigor (negando-se a promover a audiência sem a presença das partes).

Fui Conciliador nos Juizados Especiais Cíveis de Brasília durante mais de um ano. Costumava dizer, abrindo as Audiências de Conciliação, que estávamos ali para tentar evitar que mais uma questão viesse a ser submetida à apreciação e decisão de um terceiro, o imparcial Estado-Juiz, preferindo fazer prevalecer a vontade das partes em litígio, seu consenso, fruto de transigências recíprocas, se fosse o caso, consubstanciada em um acordo desejável. Frustrada a tentativa, primeira delas, marcar-se-ia uma Audiência de Instrução e Julgamento, perante um juiz togado, que iria propor, novamente, o acordo, ouviria as partes e decidiria. E como os juízes insistem em obter um acordo!

Observe-se que ao Conciliador cabe, tão-somente, registrar que as partes compareceram e fizeram, ou não, acordo ou que uma das partes - indicando-a - faltou à audiência de conciliação. Há uma possibilidade de ser suprido o não comparecimento ("pessoal") da parte, ou seja, quando o acordo é possível, devendo o Advogado da parte faltante deter os poderes extra para acordar, transigir, etc. No caso de acordo, até as duas partes poderiam estar ausentes e / ou representadas por Procuradores, não necessariamente Advogados, aliás (nas causas até 20 SM).

Essa "vontade manifesta das partes", uma vez homologada, transita em julgado de imediato e se torna irrecorrível, como no CPC. Juízes, algumas vezes, homologam acordos que não deveriam, talvez, ter homologado. Vi o caso de um acordo em que uma das partes não estava presente à audiência, circunstância que deve - por força da Lei, art. 9º., entre outros - extinguir o feito por desídia do autor, ou considerar os fatos alegados verdadeiros e incontroversos dada a revelia do Requerido, levando igualmente à extinção do processo, com sentença condenatória, salvo se evidente a falta de um bom direito ou absurdo o pleito. Naquele caso, o Conciliador omitiu o fato, elaborou o Termo de Acordo, levou-o ao juiz, que o homologou. Não deixou de ser uma decisão equivocada, por causa daquele vício. O Conciliador pode, ainda, deixar de informar ao Juiz quanto à ausência da parte e de sua representação por Advogado, nem sempre com poderes, por entender que vale a regra do CPC (até mesmo a falta da procuração, que poderia ser juntada em 15 + 15 dias). Isso não deveria ocorrer, mas Conciliador também erra.

Sugiro aos leitores navegarem, e participarem, pelos temas postos em fóruns de debate, para conhecer como os Juizados Especiais variam, em jurisprudência e procedimentos, de Estado para Estado, por exemplo, sobre a "indispensabilidade", por dispositivo legal, da presença da parte (e não somente de seu Procurador, o Advogado, por mais amplos que sejam os poderes outorgados). O art. 9º. da Lei nº. 9.099/95 diz que as partes devem comparecer pessoalmente a todas as audiências, sob pena da decretação, pelo Juiz, de desídia do Autor ou de revelia do Réu / confissão ficta sobre a matéria fática alegada, conforme quem esteja ausente, sempre extinguindo o feito.

O espírito da exigência da presença das partes é que estas poderiam, eventualmente, ir além na transação, e firmar acordo em bases que seus Advogados / Procuradores não estavam autorizados a aceitar / firmar. Isso também é freqüente causa de falta de acordo, quando o preposto vem para a audiência com uma limitação imposta pelo patrão, este a verdadeira parte requerida. Em tese, o próprio Autor e o próprio Réu sabem melhor do que qualquer outro o que aconteceu para provocar o pedido, como aconteceu, o que podem transigir e como acordar (assim, acordando, deixa de haver propriamente a "lide", ou esta se encerra no nascedouro, por deixar de existir uma pretensão resistida).

Se a procuração do Advogado, na hipótese de parte ausente, não contiver os poderes extra, mesmo que a outra parte queira o acordo, este não é possível. A Audiência de Conciliação não deveria nem ter início, posto que se dê início a estas com a advertência "ou se faz acordo ou se faz os atos conclusos com aquele entendimento, que leva à extinção e / ou ao julgamento do feito, com ou sem julgamento do mérito".

Li, em 24/4/1999, na internet (uol) que havia um Projeto de Lei mandado à Câmara dos Deputados pela OAB-SP (e que teria o apoio do Dep. Michel Temer) mudando os artigos 9º. e 68 da Lei nº. 9.099/95, de sorte a tornar obrigatória a participação de Advogados também na postulação perante os Juizados Especiais, ainda que em causas de valor inferior a 20 salários mínimos (pretende tornar cumprido o art. 133 da CF/88, acabando com o jus postulandi do simples mortal). Acho que é subverter o espírito daquela lei, que, salvo engano, contou com a participação do Dep. Michel Temer em sua propositura; acredito-o um dos co-autores do PL.

Hoje, há muitas Varas do Trabalho que exigem a presença de Advogados, negando a tradicional postulação pelo próprio Reclamante. Posiciono-me frontalmente contrário a essa idéia corporativista e extemporânea. Daqui a pouco até para habeas corpus vai ser necessário Advogado. Será o fim de muitas tradições e costumes louváveis no Direito brasileiro. Lembro que é uma faculdade optar pela Justiça Especial e, citando experiência pessoal, quando a escolhi em 1995 para acionar quem bateu em meu carro, pretendia exatamente exercer o papel de Autor enquanto "treinava" como futuro Advogado, torcendo para que a parte requerida não comparecesse assistida, o que teria levado o Juizado a me oferecer assistência jurídica "para que eu não ficasse prejudicado, em desvantagem".

Quer-me parecer que, se a parte desassistida não quiser um Advogado, o Juiz não tem o poder de impor-lhe um. Deve recomendar e mesmo nomear um dativo, se disponível na hora, como forma de pretender restabelecer o equilíbrio aparentemente quebrado. Porém isso não é uma obrigação, e se a parte preferir se defender sem Advogado, correndo e assumindo o risco de se ver prejudicada, pode fazê-lo. Saliente-se que não há condenação em honorários advocatícios, na primeira fase, postulatória, dos Juizados Especiais, mesmo nas causas com valor acima de 20 salários mínimos.

E qual Advogado vai querer atuar sem honorários, de vez que não propuseram alterar a questão de não haver honorários na fase postulatória / probatória / decisória, antes da eventual fase recursal? Portanto, nem sempre a Justiça Especial é inteiramente gratuita, mormente para quem a aciona (o Autor).

Claro que das decisões em que não ocorreu mera homologação de um acordo cabe apelação ou recurso, mas este é intencionalmente complexo, caro (para o padrão e o espírito da Justiça Especial), como que a desestimular a providência. O percentual de recursos na Justiça Especial, me parece, é bem baixo por essa razão: exige Advogado, degravação da fita da Audiência de Instrução e Julgamento e pagamento de custas (inclusive as que haviam sido dispensadas na primeira fase).

Volto à afirmativa anterior, o Advogado tem interesse financeiro em que haja recurso para ter direito a honorários, e não vai contribuir facilmente para o acordo, que faz coisa julgada após a homologação com julgamento de mérito.

Recorre a parte que se sentir prejudicada e puder provar esse prejuízo (isto também é igual ao CPC). Se alguém comparece perante um Juizado Especial em uma Audiência de Instrução e Julgamento sem assistência jurídica e sai vitorioso - e a outra parte, que estava assistida, apelou (logicamente, porque perdeu a causa, fosse Autor ou Réu) - tinha um Direito muito bom e, realmente, não precisava de Advogado (nos limites da alçada para tal, ou seja, 20 salários mínimos).

Encontros dos Juizados Especiais realizados em várias partes do Brasil buscam (ou buscaram) estabelecer Enunciados para homogeneizar entendimentos e unificar
jurisprudências, o que a mim tem servido para provar que essa Justiça "Especial", como o nome diz, por ser ainda muito nova, não firmou tradição e talvez ainda demore um pouco para ter jurisprudências sólidas e, sobretudo, uniformes. Na verdade, são Encontros de "Juízes", que algumas vezes decidem contrariamente às decisões tomadas nesses Encontros e em Encontros anteriores e, sobretudo, sem nenhuma força jurisprudencial.

NOTA DE ATUALIZAÇÃO (do Autor) - em 16/11/2011

Em antigo artigo, escrevi:

"Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau (*) dos Juizados Especiais."

(*) entenda-se Turmas Recursais.

Assim também tem decido o Supremo Tribunal Federal, o que, para mim, é bastante. Portanto, a Lei nº. 9.099/95 criou um "novo" sistema processual, diferente, especial. Nos limites da competência dos Juizados Especiais, a decisão (acórdão) da Turma Recursal é irrecorrível. É, talvez, o único caso de duplo grau de jurisdição, de fato e de direito, em nosso ordenamento jurídico”.

(Jus Navigandi n. 51 (1/10/2011), disponível em <http://jus.com.br/artigos/2048)

Relativamente a essa dupla referência a “segundo grau”, recentemente, aprendi que as Turmas Recursais não podem ou devem ser consideradas como de segundo grau, sendo órgãos jurisdicionais de primeiro grau.

De fato, cada Turma Recursal é composta por juízes de primeiro grau, e não por desembargadores (ou seja, não configura ser um ”tribunal”), posto que seja, na sua esfera judicante, uma “última instância”. Isto é, é uma típica “segunda instância” sem ser um segundo grau.

Hoje, 16/10/2011, ouvi do Min. Celso de Mello uma esclarecedora lição: trata-se de uma decisão colegiada de primeiro grau, dois planos de decisão de primeiro grau, devido a serem os Juizados Especiais (quer os da Lei nº; 9.099/95 quer os da Lei nº. 12.259/2001) um sistema processual diferente, dito muito bem sucedido, lembrando Sua Excelência que, em Portugal, já havia algo similar desde 1822.

Uma outra atualização cabível é que o STJ vem admitindo recursos quanto a decisões de Turmas Recursais (que não estão, hierarquicamente, submetidas aos Tribunais, sejam os das Unidades \|Federativas ou os Tribunais Regionais Federais). Relativamente a estas últimas, existem as Turmas Nacionais de Uniformização, e já se discute criar Turmas Nacionais de Uniformização de Jurisprudência para os JEC / JECrim estaduais, ante as divergências constatadas entre decisões das Turmas Recursais de diferentes Estados, valendo destacar que os famosos Enunciados resultantes dos frequentes Encontros dos Juizados Especiais, realizados em várias partes do Brasil, buscam homogeneizar entendimentos e unificar jurisprudências, até que venham a existir esses órgãos de uniformização. Repito que, na verdade, são Encontros de "Juízes", que algumas vezes decidem contrariamente às decisões tomadas nesses Encontros e em Encontros anteriores e, sobretudo, sem nenhuma força jurisprudencial.

Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Os Juizados Especiais e a Justiça Comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2048. Acesso em: 22 nov. 2024.

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