2. Improbidade administrativa na Constituição Federal de 1988.
A Carta de 1988 abarcou o tema da improbidade administrativa de maneira condizente com sua importância.
Diferentemente da maioria das Constituições anteriores, ela especificou as sanções a serem aplicadas ao agente que pratica a improbidade, além de atribuir-lhe conseqüências de natureza política, resultantes na suspensão dos direitos políticos. Nesse sentido, Sobrane explica que
Não há dúvida de que o legislador constituinte levou em consideração a expressiva participação de agentes políticos detentores de mandatos em atos de corrupção e procurou erigir um conjunto de normas que trouxesse como sanção a suspensão dos direitos políticos, objetivando inviabilizar a permanência de tais pessoas em cargos eletivos. Ao cuidar dos direitos políticos, a Carta Magna estabeleceu as condições de elegibilidade para diversos cargos, assim como especificou as principais causas de inelegibilidade, deixando para a lei complementar a fixação de outras casas impeditivas da disputa dos cargos eletivos. Ao mesmo tempo, estabeleceu as finalidades a serem observadas pela lei complementar, dentre elas, a proteção da probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato[53]
Dessa forma, pela primeira vez houve uma referência à proteção da probidade administrativa no texto da Constituição[54], considerando a sua ofensa como uma das causas para a suspensão dos direitos políticos, sanção máxima aplicável em um regime democrático, a ser suportada pelo agente ímprobo.
Uadi Lammêgo Bulos, inclusive, constata que a constitucionalização da expressão à prática de improbidade administrativa atende aos anseios da sociedade contra a corrupção, o desrespeito à coisa pública e o enriquecimento ilícito[55].
Entretanto, o texto[56] que prevê a improbidade administrativa, na ótica de José Afonso da Silva[57], não tem boa redação.
Ele passaria a impressão de que a improbidade administrativa não é, em si própria, um sinônimo de imoralidade administrativa. Isso porque essa se inseriria em um sentido mais amplo, de tal forma que nem toda imoralidade administrativa resultaria, necessariamente, na suspensão dos direitos políticos, ressalvados os casos em que ela é adotada como pena acessória em condenação criminal. Mas,
a improbidade diz respeito à prática de ato que gere prejuízo ao erário público em proveito do agente. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo. O ímprobo administrativo é o devasso da Administração Pública[58].
Outra interpretação resultante do texto constitucional que aborda a questão da improbidade administrativa seria a de que a suspensão dos direitos políticos como conseqüência de sua prática pode ser aplicada independentemente de um processo criminal[59].
Essa é a conclusão que se chega por meio da leitura da parte final do dispositivo constitucional em tela, segundo o qual todas as sanções indicadas anteriormente são aplicáveis sem prejuízo da ação penal cabível, ou seja, independentemente dessa ação[60].
Em conseqüência, a suspensão dos direitos políticos, nesse caso, não constitui simples pena acessória. No entanto, ela não pode ser aplicada a partir de processo administrativo. Pelo contrário, a aplicação da suspensão dos direitos políticos deve preceder de processo judicial, seja ele criminal ou não, em que se apure a improbidade[61].
Percebe-se, desse modo, que o legislador constituinte especificou outras sanções passíveis de serem aplicadas ao agente que pratica ato de improbidade administrativa, sem demonstrar qualquer tipo de conivência com tal conduta[62].
A Constituição Federal, destarte, estabeleceu as sanções aplicáveis ao agente, especificando, da mesma forma, aquelas que deveriam ser minimamente abordadas pela legislação infraconstitucional, com o intuito de impedir que o legislador ordinário afastasse a aplicação do texto constitucional com a cominação de sanções inexpressivas à reprovação da improbidade administrativa[63].
Ademais, faz-se mister ressaltar que a Carta Magna escolheu pela imprescritibilidade[64] das ações que visam ao respectivo ressarcimento, decorrentes de atos ilícitos prejudiciais ao erário praticados por agentes públicos, fazendo com que o decurso do tempo não seja obstáculo à reparação do patrimônio da Administração[65].
Dessa forma, a prescrição alcança apenas a questão penal e não a ação civil de ressarcimento aos cofres públicos[66].
Por fim, cumpre ressaltar que o tratamento que não foi conferido pela Constituição Federal foi abarcado pela Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que versa acerca das sanções aplicáveis aos agentes públicos, em caso de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional.
3. Improbidade administrativa: definição
Prima facie, improbidade administrativa é a caracterização atribuída pela Lei nº 8.429/92 a certas condutas praticadas por agentes públicos e por particulares que nelas tomem parte. Essas condutas são explicitadas pelos artigos 9º, 10 e 11 da aludida Lei, com a definição dos atos de enriquecimento ilícito, dos que acarretam lesão ao erário e daqueles que violam os princípios da Administração Pública, respectivamente[67].
Com isso, tem-se que a noção de improbidade administrativa que deriva do mencionado diploma legal é, de certa forma, abrangente, modificando qualquer referência legal ou doutrinária que, anteriormente à sua edição, vinculasse o termo de improbidade à ideia de desonestidade[68].
Como bem assevera a Procuradora da República Márcia Noll Barboza,
a partir da Lei de improbidade administrativa, devemos entender a improbidade administrativa como aquela conduta considerada inadequada – por desonestidade, descaso ou outro comportamento impróprio – ao exercício da função pública, merecedora das sanções previstas no referido texto legal[69].
No entanto, alguns doutrinadores[70] entendem que o comando legal em tela preocupou-se somente em definir os tipos de improbidade administrativa, sem, todavia, definir o que é ato ímprobo.
Dessa forma, ao deixar de definir o conceito jurídico de ato de improbidade administrativa, a Lei nº 8.429/92 permitiu que seu intérprete utilize-se de uma noção ampla da ação de improbidade administrativa, o que gera diversos equívocos, por possibilitar interpretações ampliativas ou analógicas contrárias ao princípio da reserva legal. Isso permitiu, até mesmo, que atos administrativos ilegais, praticados sem má-fé ou sem prejuízo ao ente público, fossem confundidos com os tipos presentes na aludida lei[71].
O professor Mauro Roberto Gomes de Mattos[72], inclusive, afirma ser a lei uma norma de conteúdo incompleto, assemelhando-se a uma norma penal em branco, ficando o aperfeiçoamento por conta de quem a interpreta.
Saindo, entretanto, do contexto da Lei de improbidade administrativa, faz-se mister entender algumas definições de importantes doutrinadores pátrios para se delimitar o seu conteúdo.
Vale ressaltar que a doutrina não define a improbidade administrativa de maneira consensual. A diversidade de definições e conceitos é resultado do enfoque que cada doutrinador destaca na análise da improbidade administrativa, em alguns momentos destacando aspectos da moralidade administrativa, e em outros dando maior ênfase ao enriquecimento ilícito do sujeito ativo que incorreu na conduta reprovável[73].
Alexandre de Moraes define os atos de improbidade administrativa como
aqueles que, possuindo natureza civil e definidamente tipificada em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público[74]
Por sua vez, Marino Pazzaglini Filho e outros autores, em uma análise introdutória sobre a questão em foco, constatam que
numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que sob diversas formas promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo ‘tráfico de influência’ nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interessados da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos[75]
Atentando às diversas ligações entre os mais variados ramos do Direito, Antônio Lamarca, consagrado jurista do Direito do Trabalho, também ensina a sua definição de improbidade administrativa:
“improbidade” é a “falta de probidade”; mau caráter; desonestidade; maldade; perversidade (...) juridicamente, porém, o sentido deve ser menos amplo. A não ser assim, o prosseguimento de todo e qualquer vínculo empregatício ficaria sempre na dependência do bem caráter, da honradez e da ‘bondade’ (contrário da perversidade) do trabalhador: uma empresa de grandes proporções deveria manter em seus quadros milhares de obreiros honestos, bons, de bom caráter, o que seria o mais completo absurdo[76]
Ademais, o professor Mario Roberto Gomes de Mattos[77] entende ser o ato de improbidade administrativa “aquele em que o agente público pratica ato comissivo ou omissivo com devassidão (imoralidade), por meio de uma conduta consciente e dolosa. É a prática de ato lesivo ao erário, ou que demonstre uma moralidade qualificada” (MATTOS, 2010, p. 31).
Por fim, ainda no campo das definições, Wallace Paiva Martins Júnior assevera que
improbidade administrativa revela-se quando o agente público rompe com o compromisso de obediência aos deveres inerentes à sua função, e essa qualidade é fornecida pelo próprio sistema jurídico através de seus princípios e de suas normas das mais variadas disciplinas [...] significa servir-se da função pública para angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das atividades na Administração Pública, menosprezando os deveres do cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confiados à sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial[78]
4. Improbidade Administrativa e moralidade administrativa: diferença
Indispensável se torna, nesse momento, trazer a diferença entre a improbidade administrativa e a moralidade administrativa, termos que, em uma primeira análise, podem transmitir uma falsa noção de igualdade absoluta que deve ser devidamente afastada.
Dessa forma, Marcelo Figueiredo analisa a probidade como espécie do gênero moralidade administrativa. No seu entendimento, “o núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações”, tornando-se “o corolário do princípio da moralidade administrativa” (FIGUEIREDO, 1995, p. 21-22)[79].
O referido autor ainda completa dizendo que “a improbidade é exatamente aquele campo específico de punição, de sancionamento da conduta de todos aqueles que violam a moralidade administrativa” (FIGUEIREDO, 2001, p. 285-299)[80].
Por sua vez, Aristides Junqueira Alvarenga[81] também compreende o tema dessa forma, ao conceituar a improbidade administrativa como espécie do gênero imoralidade administrativa.
Ele ressalta que a moralidade administrativa pode ser contrariada pela conduta do agente público sem que isso constitua improbidade administrativa. Por exemplo, em virtude da ausência de comportamento desonesto[82].
Nesse sentido, é possível a ocorrência de casos de imoralidade administrativa que não se insiram no bojo da improbidade, visto que esta deve ser permeada pela desonestidade, pela má-fé, nem sempre presentes em condutas ilegais, ainda que causem prejuízo ao erário[83].
Ademais, José Afonso da Silva constata que a Constituição de 1988, ao alçar a moralidade como um dos princípios da Administração Pública expressos no artigo 37, demonstrou o desejo do legislador constituinte de que a imoralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato viciado[84].
A moralidade administrativa, inclusive, não se confunde com a moralidade comum. Pelo contrário, constitui ela uma moralidade jurídica, que torna falsa a afirmação de que todo o ato legal é honesto[85].
No que diz respeito à probidade administrativa, José Afonso da Silva entender ser, em doutrina semelhante às demais já mencionadas, uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição[86].
A probidade administrativa, destarte, deve ser entendida como o dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer” (SILVA, 2005, p. 669).
Em se desrespeitando tal dever, nasce a improbidade administrativa, que, segundo o autor em destaque, nada mais é do que uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem[87].
5. Improbidade administrativa culposa: possibilidade?
Controversa é a posição doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade ou não da aferição de ato de improbidade administrativa a partir de conduta culposa nos casos do artigo 9º e 11, em que a LIA não mencionou expressamente a possibilidade de responsabilização pela conduta culposa.
Quanto a essa polêmica, Mauro Roberto Gomes de Mattos é claro ao afirmar que o objetivo da Lei de improbidade administrativa é punir o agente público desonesto e não o inábil[88].
Sendo assim, para que haja a sua aplicação é imprescindível a constatação do dolo e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público manifestadas pela má-fé[89].
Nesse sentido, em caso de equívocos formais ou inabilidade do administrador público não há margem para a possibilidade jurídica da ação de improbidade[90].
Com esse entendimento, o autor afasta, inclusive, a possibilidade de improbidade administrativa culposa no caso do artigo 10, que menciona expressamente a conduta culposa em seu tipo.
Essa corrente teórica é reforçada por consagrados juristas. Para ilustrá-la, faz-se mister a análise dos ensinamentos de Alexandre de Moraes sobre a questão:
Afastou-se, portanto, a responsabilização objetiva do servidor público, pois a finalidade da lei é responsabilizar e punir o administrador desonesto. A Lei de improbidade, portanto, não pune a mera ilegalidade, mas a conduta ilegal ou imoral do agente público e de todo aquele que o auxilie voltada para a corrupção. O ato de improbidade administrativa exige para a sua consumação um desvio de conduta do agente público que no exercício indevido de suas funções afaste-se dos padrões éticos morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no artigo 11 da presente lei[91].
Por sua vez, Juarez Freitas também se posicionou sobre o caso no sentido da necessidade de dolo para a aplicação da LIA nos casos do art. 9º e 11:
para mim, para que haja improbidade administrativa, em qualquer uma das três espécies, há dois requisitos fundamentais. [...] O juiz precisa, simplesmente, de um princípio constitucional importantíssimo chamado "princípio da sensatez". [...] Então, o primeiro pressuposto é que, com bom senso, se examine o seguinte: há grave violação do senso médio superior de moralidade da comunidade? [...] É a primeira e mais grave pergunta para que haja uma improbidade administrativa, dada a gravidade das sanções em relação às três espécies. [...] E o segundo requisito, inequívoca intenção desonesta. [...] A mera irregularidade, a mera ilegalidade, para mim é insuficiente para condenar alguém por improbidade administrativa[92].
Ressalte-se, ademais, que o entendimento de que a aplicação da LIA depende da conduta dolosa nos artigos 9º e 11 e ao menos da conduta culposa no artigo 10 parecia ser dominante[93] no Superior Tribunal de Justiça, como se percebe pelo teor do julgado abaixo:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DEDIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11 DA LEI 8.429/92). ELEMENTO SUBJETIVO. REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PACIFICAÇÃO DO TEMA NAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 168/STJ. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS. 1. Os embargos de divergência constituem recurso que tem por finalidade exclusiva a uniformização da jurisprudência interna desta Corte Superior, cabível nos casos em que, embora a situação fática dos julgados seja a mesma, há dissídio jurídico na interpretação da legislação aplicável à espécie entre as Turmas que compõem a Seção. É um recurso estritamente limitado à análise dessa divergência jurisprudencial, não se prestando a revisar o julgado embargado, a fim de aferir a justiça ou injustiça do entendimento manifestado, tampouco a examinar correção de regra técnica de conhecimento. 2. O tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente da existência do elemento subjetivo. 3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu entendimento, no mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade administrativa. 4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa. 5. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA)[...][94].
Entretanto, tal posicionamento ainda não parece estar assentado na jurisprudência daquele Tribunal.
Não são raros os julgados que defendem o posicionamento adotado por Mauro Roberto Gomes de Mattos[95], que, conforme já destacado, não admite a conduta culposa do agente público para fins de subsunção no presente tipo, reconhecendo a necessidade, imprescindível, do dolo e da má-fé, pois apenas a ocorrência de prejuízo ao erário não seria suficiente para configurar o tipo em questão. Isso pode ser percebido através da análise do julgado abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DOS DEMANDADOS. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. AUSÊNCIA. COGNIÇÃO DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DIVERGÊNCIA INDEMONSTRADA. 1.O caráter sancionador da Lei 8.429/92 aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente pressupõe atos que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem(...)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. [...] 8. A ausência de dolo e de dano ao erário encerra hipótese de rejeição da ação de improbidade. Isto porque o ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da
natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva. Precedentes: (REsp 654.721/MT, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 01/07/2009; Resp 717.375/PR, DJ 08/05/06; REsp 658.415/RS, 2ª Turma, DJ de 3.8.2006, p. 253; REsp 604.151/RS, 1ª Turma, DJ de 8.6.2006, p. 121) [...] 11.Recurso especial desprovido [96].(grifo nosso)
Por sua vez, há aqueles que entendem que o ato de improbidade administrativa pode ser praticado por simples despreparo e incompetência do agente público, ou seja, através de conduta culposa.
Ao adotar esse entendimento e afastando a tese de inconstitucionalidade do tipo culposo em virtude da gravidade das sanções previstas na Constituição, Sérgio Turra Sobrane afirma que
não cabe, nesse ponto, falar-se em inconstitucionalidade do tipo culposo de improbidade administrativa mediante mero contraste com a gravidade das sanções constitucionalmente previstas. A Constituição da República não delineou o conteúdo da improbidade administrativa, apenas indicou a necessidade de sua repressão e relacionou as sanções aplicáveis. A gravidade das sanções não deve ser o elemento indutor da estruturação do conceito de ato de improbidade administrativa, uma vez que a Carta Magna não restringiu a atuação do legislador, que optou por uma concepção ampla dos atos de improbidade administrativa, dividindo-os em categorias diversas e admitindo também a forma culposa[97].
Nesse sentido, a justificação encontra fulcro na hipótese de ocorrência de casos em que o agente não atua com dolo, mas a sua conduta culposa e, ressalte-se, lesiva ao erário, revela plena incompatibilidade para o exercício do cargo ou da função, sendo razoável a aplicação da sanção de perda do vínculo[98].
Para os seguidores dessa corrente, portanto, se a conduta ilegal manifesta elemento volitivo doloso para a violação da lei, há a caracterização da improbidade administrativa. Em se tratando da modalidade culposa na aplicação ou interpretação da lei e existindo adequação da norma para a conduta na Lei nº 8.429/92, há a caracterização da improbidade administrativa culposa.
Outra justificação para a aceitação da conduta culposa em todas as modalidades da improbidade administrativa encontra-se no fato de, segundo seus defensores, ser inviável a especificação de todas as condutas passíveis de enquadramento na prática de atos de improbidade administrativa.
Tanto seria assim que o legislador teria adotado a técnica de elaborar uma descrição genérica no caput dos artigos 9º, 10 e 11, elencando, posteriormente, algumas condutas nos respectivos incisos, mas de maneira meramente exemplificativa[99].
Dessa forma, ainda que certa conduta não esteja elencada nos respectivos incisos, poderá ser enquadrada nas descrições genéricas dos mencionados artigos, tornando possível, destarte, a contemplação de qualquer conduta ímproba perpetrada pelo agente público[100]. Sobre o tema, Wallace Paiva Martins Júnior afirma que
mesmo imprevisto o ato em qualquer das hipóteses do rol desses dispositivos, constituirá improbidade administrativa se se acomodar à definição de enriquecimento ilícito, prejuízo ao patrimônio público e atentado aos princípios da Administração Pública[101].
Percebe-se, dessa maneira, a grande batalha entre as correntes acerca do tema, ainda não pacificado em sede doutrinária e jurisprudencial.