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Construção de hipóteses e de variáveis: métodos quantitativos

Agenda 03/01/2012 às 12:22

A principal vantagem dos projetos experimentais, além da possibilidade de casualização, é que permitem manipular a situação de forma que todas as variáveis independentes ou causais não se relacionem entre si no experimento.

Uma regra necessária em toda disputa, se se quer afastar o erro, é ficar de acordo quanto à denominação do assunto discutido e explicar claramente o que significa.

(Cícero, Da República)


O presente trabalho, no campo dos métodos de pesquisa em ciências sociais, apresenta um rápido estudo dos modelos experimentais, utilizando para tanto o texto Introdução à pesquisa social deH. M. Blalock Jr. (1976):

O objeto do modelo experimental é complexo e não pode ser apreendido sem um considerável conhecimento de estatística.

Como uma ideia simples e intuitiva do experimento ideal, existirá uma ou mais variáveis cujos comportamentos pretendemos compreender. A estas chamaremos variáveis "dependentes". A suposição básica que se faz é de que os valores dessas variáveis são influenciados por um outro conjunto de variáveis. Referimo-nos a estas como variáveis "independentes", reconhecendo que o mundo real pode ser muito mais complexo do que demonstra esta idealização simples.

Para simplificar, adotemos, por suposição, uma só variável dependente (digamos agressão em relação ao negro), e procuremos inferir os efeitos de uma só variável independente (digamos, grau de frustração). Partimos então para isolar e analisar os efeitos da variável independente sobre a dependente.

O senso comum sugeriria que se pudéssemos variar sistematicamente a única variável independente restante e observar o que acontece à variável dependente, poderíamos então analisar os efeitos da variável independente X (aqui, frustração) na variável dependente Y (aqui, agressão). Particularmente, a cada nível de X devemos associar um nível de Y.

Agressão Y

Vários fatos devem ser observados nesse gráfico. Primeiro, constitui uma curva irregular. Por que deveriam a natureza e a realidade, com suas características, se ajustarem ao nosso senso estético? Na realidade isto não ocorre, mas certamente é conveniente acreditar que ocorre, para que depois se possa descrever o relacionamento através de uma simples fórmula matemática, supondo que os desvios sejam explicados em termos de erro de mensuração.

O que notamos em segundo lugar, neste caso particular: em altos níveis de frustração um dado aumento de X (frustração) não produz uma grande mudança em Y, o que ocorreria quando X é pequeno. De maneira geral, uma curva matemática é muito mais precisa do que um enunciado simples como: "Quanto maior a frustração, maior a agressão". Infelizmente, existe um fato extremamente importante, que até agora foi ignorado. Como se pode saber se todas as outras causas da agressão foram controladas? Evidentemente, não existe nenhuma maneira aceitável de se testar esta suposição, mesmo porque um cético tem sempre a possibilidade de apontar alguma variável não-controlada que poderia ser uma causa possível. É claramente impossível enumerar todas as causas ou influências que possivelmente perturbam a relação. Os filósofos sabem disso há muito tempo, e por isso as noções de causa e efeito tornaram-se suspeitas. Entretanto, este fato não impediu o cientista de usar os termos – ou seus equivalentes – nem o impediu de fazer experimentos e inferências à base de seus resultados; simplesmente fez com que houvesse maior cuidado e menor pretensão.

Como se pode contornar esta dificuldade com relação a objetivos práticos?

Há sempre uma possibilidade de que uma ou duas variáveis não-controladas destorçam a relação causal entre X e Y. Talvez não exista uma relação causal entre frustração X e agressão Y. Pode ser que uma terceira variável Z seja causa comum de X e Y de forma que, a não ser que ela seja controlada, parecerá haver – quando na realidade não há – uma relação causal. Esta situação simples pode ser diagramada como segue:

Z

X Y

Em tais casos chamamos a relação entre X e Y de "espúria". Ela se encontra nos dados, mas cometeríamos uma incorreção se concluíssemos, desses dados, que a frustração está produzindo a agressão. X e Y estão associados ou correlacionados, e de fato poderíamos prever ou estimar um a partir do outro, mas não existe nenhuma relação causal de significado prático ou teórico. Por exemplo, se tivéssemos que basear uma decisão política nessa associação, esperando reduzir a agressão Y através da redução da frustração X, ficaríamos desapontados. Em vez disso, deveríamos ter manipulado Z, uma das causas verdadeiras de Y. Naturalmente, o problema é que poderíamos não estar cientes da existência de Z e de sua influência sobre Y. Mesmo com uma adaptação perfeita do dado à curva, é sempre possível que um terceiro fator qualquer tenha permanecido constante, o que alteraria consideravelmente a relação inicial.

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Identificamos dois tipos de erros nesse exemplo: uma dispersão casual real e distorções sistemáticas produzidas por variáveis não-controladas, como Z, no caso. Na maioria dos exemplos práticos existirão alguns erros de cada tipo, mas infelizmente não teremos condições de avaliar sua magnitude relativa. Nosso maior desafio é eliminar possíveis fontes de erro através de planejamentos cuidadosos. Mas como se pode realizar isso na presença de um grande número de fatores intervenientes, a maioria dos quais desconhecidos? R. A. Fisher, famoso biólogo e um dos descobridores da moderna estatística, enfatizou que várias fontes de erros sistemáticos podem ser controladas pelo processo de casualizaçao, através do qual os dados são submetidos a "tratamentos" ou manipulações experimentais puramente ao acaso. Ilustremos esse processo em termos de nosso exemplo de frustração.

Suponhamos que o pesquisador decida utilizar dois níveis de frustração (moderada e alta), além de um grupo de controle que será tratado da mesma forma que os outros, exceto por não receber nenhuma frustração induzida deliberadamente. Intuitivamente, a solução óbivia seria jogar uma moeda e decidir quem faria parte do grupo experimental. Esta é uma ilustração simples do que Fisher entendia por casualização. Não os deixamos serem voluntários, nem confiamos no nosso próprio julgamento ou em qualquer outro mecanismo não-casual.

O que faz exatamente a casualização? Ela não estabelece um controle rígido sobre nenhum dos fatores. Com efeito, acreditamos que as leis da probabilidade produzem uma distribuição similar de todos os fatores que os indivíduos levam consigo para o experimento. Não se vai discutir aqui a teoria da probabilidade, mas a ideia geral deve ser familiar à maioria dos leitores. Se cada grupo for suficientemente grande, podemos esperar que os níveis médios de tolerância à frustração e o preconceito racial sejam aproximadamente os mesmos em todos os grupos. esta afirmação está baseada na mesma suposição e experiência que habilitam alguém a prever que a média possível de uma moeda dar "cara", quando jogada para cima muitas vezes, é mais ou menos a metade; que a soma de 7 para a combinação de dois dados é mais provável que qualquer outra; e que as mãos de bridge tendem a igualar-se depois de algum tempo. A maior vantagem da casualização é cuidar de numerosos fatores, todos de uma vez, sem mesmo sabermos quais são eles. Mas devemos sempre lembrar que a casualidade pode nos enganar e que, onde sabemos ou suspeitamos que fortemente que uma ou duas variáveis são importantes, é melhor mantê-las, se possível, sob rígido controle. Fazemos isso com tantas variáveis quanto possível e depois casualizamos o resto. quando recorremos à casualização, admitimos que não conseguimos manter todas as variáveis causais estritamente constantes e, portanto, teremos uma variação dispersa ou inexplicada. O objetivo da casualização é antes tornar essa dispersão o mais casual possível, do que relacioná-la sistematicamente às duas variáveis cujas relações estamos estudando.

A casualização é, então, um artifício mais eficiente do que manter constantes todas as variáveis, mesmo onde elas são conhecidas. Uma série de fatores será – individualmente – de maior importância, embora seu efeito agregado possa ser pronunciado. Seria ridículo tentar medi-los cuidadosamente e tê-los sob rígido controle quando a casualização possibilita ao investigador admitir que seus efeitos estão seguramente eliminados. Além do mais, o estatístico pode calcular probabilidades exatas, permitindo detectar as possibilidades de distorção maiores que uma magnitude dada. Aumentando o tamanho da amostra e modificando o planejamento, o cientista pode obter quase qualquer grau de precisão desejado, embora, em geral, quanto maior o grau de precisão desejado, maior deverá ser a amostra.

Demonstrou-se que a casualização aumenta a eficiência do modelo. Existem, contudo, formas adicionais de aumentar a eficiência em situações em que o investigador se interessa por estudar, ao mesmo tempo, os efeitos de mais de uma variável experimental. Na maioria dos estudos existirão pelo menos duas ou três variáveis ou fatores que podem ser combinados de forma específica. As combinações de efeitos conjuntos, na literatura estatística se chamam "interações".

Tão logo se leve em conta a combinação de variáveis experimentais, a análise estatística pode tornar-se mais complexa. Basta dizer que foram desenvolvidas técnicas para estimar cada um dos chamados "efeitos principais" (média dos efeitos) das variáveis experimentais em separado, além dos efeitos da "interação" das várias combinações sobre os efeitos principais. também haverá variação casual, e portanto, podem-se fazer afirmações probabilísticas sobre a magnitude dos possíveis efeitos de variáveis que não tenham sido perfeitamente controladas no processo de casualização.

A principal vantagem dos projetos experimentais, além da possibilidade de casualização, é que permitem manipular a situação de forma que todas as variáveis independentes ou causais não se relacionem entre si no experimento.

Os elementos da casualização e simetria têm importância básica em todos os projetos experimentais. Os detalhes restantes podem ser modificados de acordo com o interesse pessoal, custos, e assim por diante.

O maior dilema que se enfrenta, em termos de custos, é saber quanto pode ser gasto para fazer o experimento, em comparação com o preço de um projeto mais complexo que pudesse testar maior número de hipóteses e prover maiores informações.

Até aqui admitimos que a casualização pode encarregar-se de fatores intervinientes, desde que em cada grupo exista um número suficientemente grande de casos onde os erros se anulem (saber qual o tamanho de um "número suficientemente grande de casos" é um problema técnico que requer conhecimento de análises estatísticas). este tipo de hipótese pode ser verdadeiro no caso de experimentos agrícolas em campos de trigo, onde o trigo geralmente não reage ao fato de estar sendo testado. Em relação aos seres humanos? O simples fato de saberem que estão fazendo parte de um experimento, ou que o ambiente é, de certa maneira, estranho, pode influenciar seu comportamento. Outro problema comum é que o pesquisador pode pensar que está manipulando uma única variável, como frustração, quando na realidade pode estar trabalhando com várias ao mesmo tempo, e essas variáveis desconhecidas podem estar efetivamente produzindo as diferenças.

Muitos investigadores farão o possível para que o ambiente experimental pareça natural. Em vez de se colocar um pequeno grupo num laboratório, a experiência poderia ser realizada num lugar mais comum: a casa de alguém, clube, etc. A mensuração poderia aparecer na forma de jogo, no caso de crianças, ou talvez como parte de uma pesquisa realizada por alguém completamente desligado dos supostos objetivos do estudo. Se a mensuração não puder ser disfarçada, o verdadeiro objetivo deve ser disfarçado de todas as maneiras.

Um problema igualmente sério é o de se evitar a reversão, ou seja, impedir que os indivíduos anulem o objetivo do estudo por não levá-lo a sério, e mesmo por tentar superar o investigador. É essencial, aqui, encontrar maneiras de motivar o indivíduo fazendo-lhe o apelo correto e, em alguns casos remunerando-o. É tarefa dos metodólogos – os que estudam os procediemntos de pesquisa dos cientistas sociais – empenharem-se em estudos avaliativos para anlisar que tipos de apelos são mais eficazes. em outras palavras, há cientistas sociais que experimentos dos experimentos!

Há que se falar também dos chamados "efeitos de maturação", tais como cansaço, fome ou (em experiemntos de duração prolongada) uma experiência adquirida.


Conclusões Práticas

Em sua maior parte, a pesquisa experimental tem sido realizada por psicólogos. Os psicólogos sociais também adaptaram os métodos experimentais a pequenos grupos em laboratórios. Apesar das dificuldades com a pesquisa experimental – que certamente não são mais temíveis do que nocaso de alternativas não-experimentais – estes estudos com pequenos grupos deram ao cientista social grandes insights teóricos.

Também desenvolveu-se um interesse pela aplicação de métodos experimentais a projetos de larga escala, envolvendo comunidas inteiras. Nesses trabalhos de larga escala, além das dificuldades anteriormente mencionadas, enfrentam-se certas dificuldades práticas. Frequentemente são decisões políticas que determinam que umas comunidades recebam os programas expereimentais e outras não. Isto demonstra o tipo de seleção que a casualização tem como propósito eliminar.

Como observação final, gostaria de enfatizar um ponto que deve ficar bastante claro a partir desse rápido estudo dos modelos experimentais. O processo de pesquisa consiste sempre em um série de compromissos: em cada ponto onde se deva tomar uma decisão importante precisa haver um julgamento para se saber uma determinada parte dos dados, ou suposições não testadas, vale as despesas e sacrifícios extras, necessários pra se obter a informação desejada. Se um pesquisador decide em favor de uma variável ou de um projeto de pesquisa, é forçado a bandonar outros.

Em termos ideais, estas decisões deveriam estar baseadas em conhecimento anterior, obtido através de descorbertas de pesquisas cumulativas. Quanto menos adiantado o campo e menos exato este conhecimento, menos plausíveis serão as suposições que se devem fazer. Mas todas as pesquisas envolvem suposições não testadas, fato que pode ser frustrante. É importante que compreendam quais as suposições que estão sendo feitas a cada estágio do processo de pesquisa. Tal compreensão requer um mínimo de planejamento de pesquisa, e requer também certa tolerância para com as ambiguidades das descobertas com que todos os cientistas aprendem a trabalhar.


Referências bibliográficas

BLALOCK Jr. Hubert, M. Introdução à pesquisa social.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1976.

CÍCERO, Marco Túlio. (106-43 a. C) Da República. São Paulo: Escala.

FISHER, Ronald Aylmer. Statistical Inference. 1953. Disponível em <http://digital.library.adelaide.edu.au/coll/special/fisher/stat_inf/index.html> acesso em 22 de maio de 2011.

Sobre o autor
Alexandre Fernandes Dantas

Professor de Direito Constitucional e Ciência Política da Universidade Estácio de Sá, Pesquisador filiado ao CONPEDI, Advogado, Pós-graduado lato sensu em Direito e Gestão da Segurança Pública pelo PPGD/UGF, Mestre em Direito pelo PPGD/UGF-RJ, Doutorando em Ciências Políticas e Relações Internacionais pelo IUPERJ. Autor do livro "Direitos humanos: teoria e história". Com diversos artigos publicados, dentre eles: "Repercussão Geral dos Direitos Humanos" (REDP UERJ, 2011); "Acesso à Justiça e Assistência Jurídica Gratuita no Brasil" (Âmbito Jurídico, 2011); "Justiça social: sociedade com pluralismo de fundamentações" (RDS, 2010); "República: além do sistema de governo" (Vox Juris 2009). Membro da Comissão OAB vai à Escola.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Alexandre Fernandes. Construção de hipóteses e de variáveis: métodos quantitativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3107, 3 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20773. Acesso em: 22 nov. 2024.

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