Sumário: 1. Introdução; 2. Globalização e Crise do Estado; 3. Reforma do Estado Brasileiro e Proposta de Estado Gerencial; 4. Sociedade Participativa e Controle Social; 5. Intervenção do Estado na Atividade Econômica e Controle Social; 6. Controle Social e Informação; 7. Direito à Informação e a Constituição; 8. Direito à Informação e Realidade Empírica; 9. Conclusão; Notas; Bibliografia.
1. Introdução
O presente trabalho objetiva traçar algumas considerações sobre a importância da informação na promoção do controle social da atividade econômica. Para fundamentar essa afirmação, faz-se mister entender, primeiramente, o que vem a ser controle social e como esse conceito surgiu no cenário nacional.
É aí que entra a globalização, como fenômeno que trouxe para o contexto das reformas do Estado o exemplo emplacado noutros países, dentre esses exemplos o de controle exercido pela sociedade.
A mudança na concepção dos papéis do Estado é tendência mundial que tem provocado justamente as reformas estatais implementadas ao redor do mundo. Tais reformas estruturais, normalmente relacionadas à Administração Pública, à tributação e à previdência, difundem o "Estado Subsidiário"(1), de base ideológica neoliberalista.
Neste, o Ente Público exerce apenas as atividades tipicamente estatais, auxiliando, no mais, a iniciativa privada a se desenvolver, podendo firmar com esta inúmeras parcerias.
Nessa concepção moderna de Estado, que tenta – ao menos teoricamente - promover o próprio cidadão e sua participação nos mecanismos de poder, o controle social tende a exercer papel importante, na medida em que abre espaço para que a sociedade interfira nas decisões socialmente relevantes. "Sociedade participativa"(2) é o que se almeja com as reformas, particularmente com a reforma administrativa recentemente realizada.
Mostrar como o controle social pode ser realizada sobre a intervenção do Estado na atividade econômica é o passo seguinte. No entanto, ponderar as dificuldades para a adoção de um controle social num campo tão político quanto técnico, como é o caso da intervenção na atividade econômica, é algo ao qual não poderíamos nos furtar.
Dando seqüência a esse raciocínio, passaremos ao longo do texto, então, a justificar a importância do direito à informação nesse contexto. Como o direito à informação é decisivo para o controle social, em especial para o controle social sobre a intervenção do Estado na atividade econômica? Como o direito à informação nos é apresentado hoje no ordenamento jurídico brasileiro? Como ele é exercido e de que forma isso interfere no grau de participação social nos desígnios públicos?
Essas são as considerações que passaremos a dissecar.
2. Globalização e Crise do Estado
A revolução das comunicações e da tecnologia tornou o mundo, de certa forma, menor, aproximando os países e permitindo maior troca de informações e experiências de toda ordem. A redução das distâncias geográficas, em razão desses avanços tecnológicos e do primado da informação célere, foi sofrendo uma profunda intensificação, assumindo ares de marcha eminentemente econômica. A esse fenômeno de expansão de interesses das sociedade humanas tem-se denominado "globalização", cujo efeito de maior marca é a influência de um país ou grupo de países sobre outro.
A globalização não é um fenômeno novo na história, tendo assumido, ao longo do tempo, diferentes conotações. "A globalização já foi cultural, pelo poder do exemplo, como se deu no mundo helênico; foi política, pelo poder da espada, como no mundo romano; foi econômica, pelo poder das riquezas, como no mundo ibérico dos descobrimentos e religiosa, pelo poder da fé, como no mundo cristão."(3)
O movimento globalizador dos nossos dias, entretanto, não só é mais amplo como mais profundo, posto que fruto da "Era do Conhecimento", através da qual indivíduos, grupos, sociedades e Estados interagem de forma cada vez mais próxima em virtude do apurado desenvolvimento científico e tecnológico.
Reflexo desse jogo de influência é o infindável número de reformas estatais que se vêm operando por diversos países do mundo. Incontáveis Estados subdesenvolvidos e em desenvolvimento vêm, sob o pálio da globalização, desestatizando suas economias e promovendo profundas reformas tributárias e administrativas.
Podemos dizer que, com o processo da globalização, também vão surgir outras rupturas institucionais nas estruturas jurídicas e políticas legadas pelo Estado liberal, no século XIX, e pelo Estado social, no século XX. As rupturas mais importantes, segundo José Eduardo Faria(4), são:
"1 – mundialização da economia, mediante a internacionalização dos mercados de insumo, consumo e financeiro, rompendo com as fronteiras geográficas clássicas e limitando crescentemente a execução das políticas cambial, monetária e tributária dos Estados nacionais;
2 – desconcentração do aparelho estatal, mediante a descentralização de suas obrigações, a desformalização de suas responsabilidades, a privatização de empresa públicas e a "deslegalização" da legislação social;
3 – internacionalização do Estado, mediante o advento dos processos de integração formalizados pelos blocos regionais e pelos tratados de livre comércio e a subsequente revogação dos protecionismos tarifários, das reservas de mercado e dos mecanismos de incentivos e subsídios fiscais;
4 – desterritorialização e reorganização do espaço da produção, mediante a substituição das plantas industriais rígidas surgidas no começo do século XX, de caráter "fordista", pelas plantas industriais "flexíveis", de natureza "toyotista", substituição essa acompanhada pela desregulamentação da legislação trabalhista e pela subsequente "flexibilização" das relações contratuais;
5 – fragmentação das atividades produtivas nos diferentes territórios e continentes, o que permite aos conglomerados multinacionais praticar o comércio inter-empresa, acatando seletivamente as distintas legislações nacionais e concentrando seus investimentos nos países onde elas lhes são mais favoráveis;
6 – expansão de um direito paralelo ao dos Estados, de natureza mercatória ("lex mercatoria"), como decorrência da proliferação dos foros de negociação descentralizados estabelecidos pelos grandes grupos empresariais."
Segundo o aludido autor, tais rupturas - detonadas em grande parte, repita-se, pelo processo de globalização, que, em última linha, provoca a interdependência dos Estados, influindo na definição das políticas públicas internas destes - respondem pela crise atual do Estado do tipo nacional, indicando que os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de regulação, postos em pé há um século, já não mais funcionam.
O Estado Nacional já não é capaz de impor soluções aos problemas sociais e econômicos atuais, seja de um modo autoritário ou mediante negociação com os principais atores sócio-político nacionais.
Sob o aspecto da mundialização da economia, o desenvolvimento das forças econômicas a um nível planetário diminui o poder de coação dos Estados Nacionais. A mobilidade acrescida aos meios de produção e às operações financeiras, o crescimento dos intercâmbios e a internacionalização das firmas, impossibilitam a aplicação de políticas em um só país.
O Estado está limitado em suas políticas fiscais e intervencionistas, pelo poder de coação das grandes potências econômicas mundiais, razão pela qual uma política econômica e social isolada está condenada ao fracasso.
Tudo isso tem por consequência certa dose de perda da soberania e da autonomia dos Estados Nacionais na formulação de políticas internas. Diminuído seu poder de coação o Estado atual tem que compartilhá-lo com outras forças que transcendem o nível nacional e que, segundo sua posição na hierarquia mundial, o determinam.
Inegável, portanto, que diante desse quadro o Estado perde força, passando a ser mais facilmente controlado pelas elites interna e internacional. As leis e as políticas públicas passam a atender, passam a se curvar aos interesses desses grupos.
Em decorrência de todos esses efeitos que se pode extrair do processo de globalização, principalmente pela sua repercussão na estrutura do Estado Nacional e na organização de sua atividade econômica, é que se tem verificado, mundo afora, tantas reformas estatais, sempre com a finalidade de moldar o Estado às novas realidades e demandas mundiais. É mister ressaltar, de logo, que tais reformas trazem consigo mecanismos que visam dar maior legitimidade ao Estado, procurando contornar a crise que lhe cerca.
Analisemos, agora, de forma resumida, as linhas gerais da reforma realizada no Estado Brasileiro, impulsionada, dentre outros motivos, pelo descrito processo globalizador.
3. Reforma do Estado Brasileiro e Proposta de Estado Gerencial
Desde quando se começou a falar na reforma do Estado Brasileiro, cujo projeto oficial data de 1995, passou-se a estudar de que forma o Estado teria que ser alterado para desempenhar com maior eficiência os seus papéis.
Em decorrência desse estudo, inúmeras reformas setorizadas e projetos de reforma afloraram no país, a exemplo da reforma administrativa realizada em 1998, que trouxe consigo mudanças estruturais na Administração Pública.
A idéia central da reforma administrativa, sob a influência dos ventos da globalização, foi a de desburocratizar a máquina pública, criando condições para que a Administração pudesse prestar serviços de maior qualidade e de forma mais dinâmica aos administrados.
Noutras palavras, as idéias de fundo que nortearam a aludida reforma foram as de ter uma Administração a serviço do público; uma Administração eficiente, ágil, rápida, pronta para atender adequadamente às necessidades da população, facilitando o combate à corrupção; uma Administração que preze pela economicidade, transparência e publicidade; uma Administração de resultados.
Observe-se, portanto, que antes tínhamos um modelo de Estado burocrático, de cunho racional-legal, que tinha no procedimento sua forma de operacionalização. Com a reforma administrativa de l998, passou-se a difundir a idéia de que este modelo estaria ultrapassado e de que deveria ser substituído pelo estado gerencial, respaldado no controle social e no de resultados. Os defensores dessa teoria tem no conceito de eficiência - melhor trabalhado a partir da aludida reforma - o eixo do discurso para o desmonte das estruturas burocráticas.
Todavia, é preciso registrar que, em verdade, não existe incompatibilidade entre Estado burocrático e Estado gerencial. Vem se tentando imprimir a idéia de que eficiência é sinônimo de Estado gerencial, e que é contrária ao procedimentalismo do Estado burocrático. Porém, a verdade não é bem esta. Procedimentos como o concurso público e a licitação são louváveis na medida em que proporcionam o controle da Administração pública e preservam princípios como o da isonomia e o da moralidade.
Não se deve, portanto, querer refutar de todo as práticas do Estado burocrático. O importante é que se concilie o procedimentalismo que lhe é inerente com a novas formas de gestão do Estado gerencial.
A propósito, a ênfase que se vem dando ao controle social é uma das novidades do Estado gerencial. Poder-se-ia dizer que é a sua essência. Passemos, então, a analisar, de forma mais detida, o que vem a ser controle social, para, somente então, verificar de que forma este tipo de controle pode vir a ser implementado em relação à intervenção do Estado na atividade econômica.
4. Sociedade Participativa e Controle Social
Parece-nos interessante firmar, primeiramente, que o controle público pode ser estatal ou social. Controle público estatal é aquele que o Estado coloca sob sua tutela; é aquele prestado por um dos órgãos do aparelho estatal. O que se vem entendendo por controle social, por sua vez, é o controle promovido diretamente pela sociedade, dentro da concepção do que Luiz Carlos Bresser Pereira e Núria Cunil Grau chamam do "público não-estatal".
A idéia do controle social está atrelada ao ressurgimento da sociedade como elemento político. No século passado, o Estado existia para colocar ordem nas sociedades humanas, tidas como desagregadas, como conjunto de interesses desarmônicos e conflitantes.
Com o passar do tempo a sociedade reuniu forças para reclamar a sua reaparição no cenário político, como elemento essencial de uma relação de poder substancialmente democrática, "um protagonista recém-chegado e muito bem-vindo de um novo diálogo político Sociedade-Estado."(5)
"É nesse renovado Estado pluriclasse que o indivíduo deixa de ser um dado estatístico das democracias formais, aquele eleitor periódico, esquecido e abandonado nos interregnos eleitorais, para tornar-se o centro de todo processo político, como seu autor, ator, espectador e destinatário, permanentemente valorizado em todas as suas etapas e não apenas nas épocas de campanha política."(6)
A consciência desse distanciamento Estado-Sociedade findou por dinamizar o crescimento e a diversificação de métodos participativos com intuito de reverter essa realidade. Razão assiste, pois, a José Artur Rios quando averba que "é ponto pacífico que o desenvolvimento não pode ser adotado como meta única, e que a essência do desenvolvimento social é a participação."(7)
No momento que temos, por consequência direta dessas idéias, maior parcela da sociedade e do setor privado, envolvida com atividades de interesse eminentemente público - deixando o Estado, mais e mais, de prestar serviços de forma direta para dedicar-se apenas à regulação e fiscalização dos mesmos – é necessário também que esta mesma sociedade exerça, ela própria, controle sobre o interesse público que passou a gerir, compartilhando com o Estado essa responsabilidade.
Nesse diapasão, a noção de "controle social" deriva da ampliação da esfera pública e do enfraquecimento dos limites Estado/sociedade.(8) A discussão em torno do controle social tem aumentado diante da certeza de que é preciso não só que o aparato do Estado se torne realmente público, mas também que o espaço do público não se esgote no estatal.
A intenção é que surja um novo padrão de relacionamento entre Estado e sociedade, no qual se verifique uma divisão de responsabilidades e tarefas, sobretudo em áreas como bem-estar, proteção ambiental, educação e planejamento urbano, tudo tendendo a amenizar o hiato que existe entre Estado e sociedade. Ao menos é esta a proposta do governo.
Governar de modo interativo significa equilibrar forças e interesses, capacitando atores e sistemas sociais a se organizarem. Criar cooperação voltada para objetivos comuns e vitais implica envolver organizações de tal modo a fazê-las compartilhar a responsabilidade pelas mudanças estruturais.(9)
Assim, no horizonte prescrutável da instituição estatal, é de se esperar o prosseguimento da tendência à pluralização das instituições participativas, não só multiplicando-as e facilitando a aplicação das mais tradicionais, como sejam o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular, como ampliando o uso das que estão despontando no campo do Direito Administrativo, como a coleta de opinião, o debate público, a audiência pública e o colegiado misto.
Experiências concretas merecem citação. O sistema das veedurías ciudadanas, recentemente implantado na Colômbia, estabelece que, toda vez que estão implicados recursos públicos, sejam eles mobilizados por agentes estatais ou privados, existe o direito da sociedade de controlar seu uso e destino.
"Os comités de vigilancia implantados na Bolívia – ainda que circunscritos ao nível municipal – também parecem apontar nessa direção. O caráter global dessas tentativas de controle social justifica seu acompanhamento, para poder definir suas condições de sucesso."(10)
Esse tipo de controle pode se dar, ainda, através de planejamento participativo, co-decisão, co-administração, controle estratégico e controle de execução, ou por qualquer outra forma inovadora que permita uma aproximação entre Estado e sociedade na hora de gerir bens e interesses públicos.
Essa noção de controle social torna-se importante na hora de verificar como a sociedade poderia contribuir para filtrar a intervenção do Estado na atividade econômica. Na prática, este tipo de controle sobre a intervenção estatal é de difícil operacionalização, conforme veremos.
5. Intervenção do Estado na Atividade Econômica e Controle Social
"No Brasil, a intervenção do Estado sobre a atividade econômica se dá de várias formas, que podemos classificar em três grandes áreas: [a] no mercado de crédito, [b] no âmbito tributário e [c] na esfera da dívida pública."(11)
Analisando cada uma dessas áreas de intervenção, respectivamente, temos que a intervenção do Estado no mercado de crédito se dá, maciçamente, através da atuação do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o qual, teoricamente, deveria fornecer crédito e subsidiar as taxas de juros das empresas que a ele recorrem.
Todavia, o que se verifica é que o BNDES favorece grupos dominantes, que estão próximos ao poder, na momento de conceder crédito, distanciando-se dos princípios que devem reger a Administração Pública, especialmente dos princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade. Sim, porque além de notoriamente favorecer grupos de domínio, também não possui uma gestão transparente nem presta conta de seus atos à Administração Pública, impossibilitanto qualquer controle por parte da sociedade.
Por consequência, é de se concluir que o BNDES não tem feito uso adequado do dinheiro público, haja vista que, visivelmente, não está voltado, não está preocupado com a melhoria da vida econômica-social da população. A permanência deste quadro demonstra a falta de compromisso do governo federal na condução desta política.
A intervenção do Estado na atividade econômica também ocorre no âmbito tributário. Nesta seara o governo federal vem incentivando a guerra fiscal entre os estados-membros, sem qualquer consulta às populações envolvidas, acarretando uma das duas resultantes: ou prejuízo de gerações futuras em detrimento das atuais, ou a situação inversa.
Isto porque, se o que se quer é o desenvolvimento futuro, não será feita a arrecadação no presente, de modo a atrair investimentos, tudo o que implica em abdicar hoje de verbas públicas para saúde, educação, segurança, em prol de redução de carga tributária. Por outro lado, se a opção for a de manter um nível de arrecadação atual, sem concessão de incentivos fiscais, havendo, porém, uma guerra fiscal em curso, deve-se abandonar qualquer possibilidade de atrair novos investimentos, de gerar empregos, entre outros benefícios; ou seja, a arrecadação futura ficará comprometida.(12)Como se vê, a decisão é extremamente cruel, e traz prejuízos à sociedade de uma forma ou de outra.
Além disso, os atos do governo, relacionados com o incentivo à guerra fiscal, ficam longe de serem transparentes e passíveis de controle por toda sociedade, demonstrando, isto sim, acentuado nível de intervenção do Estado sobre a economia, ao contrário do que é alegado pelo ideário neoliberal.(13)
Situação idêntica ocorre no contexto da dívida pública brasileira, quer através de concessão direta ou indireta de benefícios às empresas privadas, quer através da federalização das dívidas estaduais. Ou seja, o governo assume o passivo de determinadas empresas privadas, a exemplo de inúmeros bancos falidos, assim como se responsabiliza por dívidas dos estados-membros, sem que a população opine ou tenha o menor controle sobre esta situação.
Enfim, o que a realidade nos mostra é que a intervenção do Estado na economia favorece os donos do poder e aqueles que lhes cercam, permanecendo sem nenhuma transparência e controle por parte da sociedade, confrontando-se, em última análise, com o ideal neoliberalista que difunde o Estado Gerencial.
Inobstante este quadro, é importante afirmar que existe um sistema de controle público e social da intervenção do Estado nas atividades econômicas do Brasil, ainda que funcionando de forma deficitária ou, como no caso do controle social, de forma embrionária. Basicamente, tal controle se dá através do sistema de planejamento e orçamento, através das agências reguladoras, e através de mecanismos judiciais.
O controle através do sistema de planejamento e orçamento encontra-se previsto de forma detalhada na Constituição Federal, cuja Carta prevê o Plano Plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual. O que se questiona é qual o resultado deste complexo e sofisticado sistema, criado para, entre outras coisas, controlar a atuação do Estado e sua participação na economia.
A resposta não é muito animadora, haja vista que o sistema não vem tendo a eficácia que se lhe quis implementar. Primeiro porque tal sistema de planejamento e orçamento não é executado em seu conteúdo, mas apenas na forma. Segundo, porque a linguagem utilizada nas aludidas leis é muito vaga e pouco precisa, dando margem a manipulações por parte dos gestores públicos.
Por último, é normal existirem ajustes para adequar a despesa à receita efetivamente executada, momento em que é relativamente comum o privilegiamento de grupos ou atividades em detrimento de outros, igualmente contemplados no orçamento.
Com efeito, inobstante o sistema de planejamento e orçamento exista também como forma de controlar a intervenção do Estado na economia, tais falhas em sua execução têm acarretado a falência do controle público da atividade econômica.
Se esta é a triste realidade do controle público no tocante ao sistema de orçamento e planejamento, o que se dirá do controle social, que somente há pouco tempo vem tentando ser emplacado.
O chamado orçamento participativo é uma forma de controle social sobre o sistema de montagem do orçamento, na medida em que pressupõem a participação de membros da sociedade no momento de estabelecer prioridades e elaborar as diretrizes orçamentárias. Vem sendo empregado com relativo sucesso em algumas localidades do país, mas pode ter seu futuro comprometido devido ao alto grau de desinformação que permeia a sociedade de uma forma geral.
A outra forma de controle da atividade econômica que verificamos hoje no Brasil é a que se dá através de agências reguladoras. A estruturação da prestação de serviços público por empresas privadas, decorrente do processo de privatização brasileiro, levou o governo federal a importar o sistema de agências reguladoras, muito utilizado no direito norte-americano.
O Programa Nacional de Desestatização teve como uma de suas metas reordenar a posição estratégica do Estado na Economia, transferindo à iniciativa privada todas as atividades que por ela pudessem ser bem executadas, de forma a permitir que a Administração se dedicasse principalmente ao atendimento das necessidades fundamentais da população.
Esta nova visão da atuação do Estado na economia, com a diminuição de sua participação direta na prestação de serviços, impõe, por outro lado, a necessidade de fortalecimento de sua função reguladora e fiscalizadora. É, por esse fim, indispensável que se reestruture a Administração, de maneira que esta possa controlar eficientemente as empresas privadas que venham a assumir a prestação dos serviços públicos.(14)
Essas agências exercem não apenas o controle público da atividade econômica, mas também pretendem dar espaço ao controle social dentro de seu contexto. "No caso da ANEEL, por exemplo, a participação popular existe apenas no que tange às audiências públicas nos processos que afetem os direitos dos agentes econômicos dos setor elétrico ou de consumidores, com caráter meramente informativo, inexistindo qualquer poder decisório neste âmbito."(15)
"No que se refere à ANATEL, existe mecanismo semelhante, que é a consulta pública. Porém, a parte mais importante, no que tange à participação popular diz respeito ao seu Conselho Consultivo, também com funções opinativas, sendo que metade dos membros saem de representantes da sociedade."(16)
Vê-se, portanto, que o controle social no contexto das agências reguladoras, muito embora tenha sido previsto, assim o foi de forma extremamente tímida, principalmente se considerarmos que a participação social não tem tido qualquer poder de coerção, desempenhando papel meramente opinativo. Seria necessário, isto sim, que os usuários pudessem deliberar, a fim de conduzir os rumos das políticas públicas.
O controle público e social da atividade econômica passa, em última análise, pelo Poder Judiciário. Isto porque, quando o controle através dos demais Poderes e das agências reguladoras não estiverem funcionando a contento, deve-se procurar o Poder Judiciário. O lamentável é que também o Poder Judiciário não vem cumprindo seu papel no sistema de controle, principalmente devido à equivocada interpretação das normas constitucionais, especialmente dos princípios constitucionais.
Ainda há muita resistência do Poder Judiciário na hora de efetivamente fazer Justiça com base em princípios, inobstante se tenha indiscutivelmente avançado com a positivação dos princípios nas Constituições, ajudando a popularizá-los.
Outra questão que tem atrapalhado o controle da atividade econômica por parte do Poder Judiciário é sua auto-limitação na hora de avaliar critérios de oportunidade e conveniência dos atos administrativos, deixando essa decisão ao sabor do Executivo.
"Levando-se em conta que a maior parte dos atos de política econômica partem de uma compreensão de oportunidade e conveniência, e que o controle destes atos implicará na análise deste tipo de ato jurídico, a auto-limitação estabelecida pelo Poder Judiciário cria uma limitação perniciosa ao efetivo controle público e social da atividade econômica."(17)
O controle social, por sua vez, na seara do Judiciário, praticamente inexiste. A única manifestação que se poderia, talvez, classificar como controle social são as ouvidorias. Através delas é dado oportunidade à sociedade de expor as falhas do Judiciário, bem como de apresentar sugestões para que este efetue um melhor controle. Todavia, têm elas – as ouvidorias - sido parcamente implementadas, e as poucas de que se tem registro atuam de forma deficitária, ineficiente.
O que se deduz dessas assertivas, em síntese, é que o controle social, muito embora ventilado nos meios acadêmicos e no discurso governamental, não tem sido efetivado, principalmente quando se fala em controle social sobre a intervenção do Estado na atividade econômica.
Uma atividade que para funcionar envolve inúmeras leis e conhecimento técnico; uma atividade cuja intervenção ocorre através de orçamento, BNDES e guerra fiscal; uma atividade extremamente dinâmica e repleta de filigranas, como é a atividade econômica, não poderia mesmo proporcionar qualquer controle por parte de uma sociedade tão desinformada como é a sociedade brasileira.
A desinformação, portanto, diante do tecnicismo e da política que permeia a intervenção do Estado na atividade econômica, não poderia mesmo permitir uma filtragem da atuação estatal por parte da sociedade.
O pior é que esta mesma sociedade tem o direito à informação constitucionalmente garantido, previsto inclusive dentre os direitos fundamentais, mas não o exerce plenamente, não o esgota.
A dimensão desse direito em nossa Carta Magna e o desconhecimento da população acerca do mesmo é que serão objeto de nosso estudo d’ora por diante, tudo para que mais adiante possamos relacionar a importância do direito à informação – mais que isto, a sua consciência – para o exercício do controle social, especificamente para o controle social da atividade econômica.