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Os docentes do Direito e seu processo de formação em face dos novos paradigmas jurídico-democráticos decorrentes da Constituição da República de 1988

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Agenda 10/01/2012 às 10:13

Apesar de a legislação estabelecer que a preparação para o magistério superior deva ser feita, prioritariamente, em programas de mestrado e doutorado, os programas não têm propiciado formação nos saberes didático-pedagógicos, provocando uma lacuna na formação profissional e identitária dos professores dos cursos jurídicos.

"Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe."

Roland Barthes

RESUMO

Esta dissertação objetiva averiguar se os docentes jurídicos oriundos dos programas de pós-graduação em atuação nas Faculdades de Direito existentes na cidade de Belo Horizonte, à época das demandas sociais advindas dos novos paradigmas jurídico-democráticos têm recebido formação para o magistério na perspectiva do seu processo de desenvolvimento profissional e identitário que atende a esses novos paradigmas. Para isso, realizou-se um resgate histórico da formação dos professores dos cursos jurídicos no Brasil, desde a sua criação em 1827 até os nossos dias, e, também, uma pesquisa, utilizando-se o método indutivo, com entrevistas abertas semi-estruturadas, para investigar: a qualidade da formação dos saberes pedagógicos dos docentes; a importância que concebem à formação prévia dos discentes e até que ponto os objetivos propostos para a eficiência e eficácia do processo ensino-aprendizagem são alcançados; a sua articulação com os métodos utilizados e com a seleção dos conteúdos programáticos; e como os docentes avaliam o processo ensino-aprendizagem. Constatou-se que, apesar de a legislação existente estabelecer que a preparação para o magistério superior deva ser feita, prioritariamente, em programas de mestrado e doutorado, os programas realizados pelos entrevistados não têm propiciado formação nos saberes didático-pedagógicos, provocando, assim, uma lacuna na formação profissional e identitária dos professores dos cursos jurídicos.

PALAVRAS-CHAVE: docentes jurídicos; paradigmas jurídico-democráticos; saberes pedagógicos; formação docente profissional.

ABSTRACT

This dissertation intends to verify if the juridical professors derived from the post-graduation programs in activity in Law Schools existing in the city of Belo Horizonte at the time of social demands originated from the new juridical-democratic paradigms have received proper formation for the teaching practice in the perspective of their identity and professional development process which attends to those new paradigms. Thus, it was raised a historic report of the formation of Brazil’s Law School professors since 1827, when the first Law Schools took place, until these days, and also a research using the inductive method with semi-structured interviews in order to investigate: the quality of the formation of the professors’ pedagogic knowledge; the importance they conceive to the students back-ground and how the proposed objectives for the teaching-learning process efficiency are reached; its articulation to the methods used and to the programmatic contents selection; and how the professors treat the teaching-learning evaluation process. It was realized that, despite the legislation establishes priority preparation of master and doctored programs to be a professor, the post-graduation programs attended by the interviewed professors haven’t proportioned the sufficient didactic-pedagogic knowledge formation, which has caused a deficiency of Law Schools professors’ identity and professional formation.

KEYWORDS: juridical professors; juridical-democratic paradigms; professors’ pedagogic knowledge; professional teaching formation.


1 Introdução

O ensino jurídico no Brasil não pode prescindir de uma análise da conformação cultural e educacional transplantada por Portugal à sua colônia americana, sobretudo pela transmigração da família real portuguesa, em 1.808. Esse fato desencadeou um incremento na vida cultural brasileira.

Contudo, as discussões ocorridas já em 1826 no Parlamento Brasileiro indicavam a finalidade social e institucional do ensino jurídico que se iniciava, conforme noticia Valladão, citado por Venâncio Filho:

Expunha Cunha Barbosa que no curso se ensinassem não só as doutrinas indispensáveis ao magistrado, mas ainda ao legislador e ao homem de Estado, e acrescentava que tinham passado felizmente a um Governo constitucional representativo em que são indispensáveis as câmaras, e nelas membros que dignamente desempenhem as funções de que a nação se encarrega. Ainda não temos escolas em que se adestrem os brasileiros que nos hão de suceder neste augusto recinto; e se elas devem estabelecer, porque são necessárias; por que não as ligaremos desde já por este plano, em que o jurista pode ser magistrado, publicista, homem de Estado, etc. (VALLADÃO, 1927, p. 31 apud VENÂNCIO FILHO, 2004, p. 21)

Constatava-se a necessidade urgente de suprir as carências do campo do Direito encontradas pela corte que acabava de se instalar no Brasil. Essa situação é, assim, ilustrada por Barreto:

O Direito era, no Brasil, quando se operou a Independência, uma ciência estudada por um grupo insignificante de homens e não era estudada, mesmo neste grupo, com profundeza e pertinácia. Nem podia sê-lo. Não há ciência que se desenvolva sem ambiente apropriado, e o de uma colônia onde mal se sabia ler não é, com certeza, o mais adequado para o crescimento de uma disciplina, como a de direito, que supõe um estado de civilização bem definido nos seus contornos e bem assentado nos seus alicerces. (BARRETO, 1922, p. 9)

E continua o autor, ao tratar da inter-relação entre a formação da cultura jurídica brasileira e a do Estado Nacional:

Há 100 anos, quando se emancipou definitivamente da soberania portuguesa, era o Brasil uma terra sem cultura jurídica. Não a tinha de espécie alguma, a não ser, em grau secundário, a do solo. Jaziam os espíritos impotentes na sua robustez meio rude da alforria das crendices e das utopias, à espera de charrua e sementes. O direito, como as demais ciências e, até, como as artes elevadas, não interessava ao analfabetismo integral da massa. Sem escolas que o ensinassem, sem imprensa que o divulgasse, sem agremiações que o estudassem, estava o conhecimento dos seus princípios concentrado apenas no punhado de homens abastados que puderam ir a Portugal apanhá-la no curso acanhado e rude que se processava na Universidade de Coimbra. (BARRETO, 1922, p. 2-6)

Assim, com o propósito de promover a integração ideológica do liberalismo de então e formar os quadros da burocracia necessária para operacionalizá-la, eram formadas pessoas capazes não de pensar o Direito, mas de aplicá-lo à realidade ligada aos assuntos políticos, o que requeria o diploma universitário, preferencialmente, do curso jurídico, para integrar a classe dominante.

Por outro lado, desde sua criação em 11 de agosto de 1827 [01], os cursos jurídicos já enfrentavam as mais diversas dificuldades, tanto relacionadas às deficiências das instalações físicas, como também à falta de profissionais preparados para o ensino do Direito.

Com efeito, o aproveitamento dos prédios do Convento de São Francisco – em São Paulo, e do Mosteiro de São Bento – em Olinda, por um lado; e de outro, a dificuldade de preenchimento do quadro docente com professores brasileiros, fazendo com que muitos mestres fossem portugueses (VENÂNCIO FILHO, 2004), indicavam os primeiros problemas nesses dois cursos jurídicos implantados no Brasil.

Os prédios eclesiásticos em que foram instalados os dois cursos, com as suas celas, salões e corredores, não eram apropriados para o funcionamento de salas de aulas. Por conseguinte, tanto em São Paulo como em Olinda, os locais escolhidos foram aqueles que menos necessitavam de reformas para receber os cursos jurídicos.

A título de exemplo, registre-se excerto de ofício do diretor do Curso Jurídico de São Paulo, José Toledo Rendon, no qual informava ao Ministro do Império, as razões por que, preterindo o do Carmo e o de São Bento, escolhera o Convento de São Francisco:

O primeiro e o segundo não têm capacidade para neles se estabelecer os cursos jurídicos, porque não tendo celas senão na frente, estas têm pouca extensão, e apenas, em cada uma delas, se arranjariam três aulas; e para isto seria preciso expulsar os frades e demolir todas as celas, para delas, e dos corredores, formar salões. Portanto resta São Francisco.

Este Convento tem celas na frente, e no lado direito. No lado esquerdo está a Igreja e, na retaguarda, o salão antigo e outro sumamente grande, em paralelogramo destinado para celas. O primeiro serve sofrivelmente para uma aula, e do segundo se podem formar duas.

Nos baixos do Convento, se podem estabelecer quatro aulas menores, formando-se duas da antiga ala dos frades e outras duas do lugar onde está a sacristia, mudando-se esta para o lugar antigo, por detrás da capela-mor de cujo lugar a mudaram os frades, por haver algumas ruínas nas janelas[...] (VAMPRÉ, 1924, p. 50 apud VENÂNCIO FILHO, 2004, p. 38)

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Situação idêntica era vivenciada em Olinda, onde foi solicitada a liberação de todo o Mosteiro de São Bento e realizada a retirada de todos os frades para receber os alunos e docentes dos anos seguintes, já que somente uma sala era utilizada para as lições, e ainda necessitava de reforços (apud VENÂNCIO FILHO, 2004).

Além da carência de brasileiros que pudessem ocupar os cargos de docentes dos cursos jurídicos no Brasil, a primeira legislação referente ao tema mencionava como requisito único para o exercício do magistério, a defesa de uma tese prevista ao final do curso, como complemento àqueles que concluíssem os cinco anos da graduação (BRASIL. CONGRESSO. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1977, p. 618). Tal requisito demonstra os aspectos vinculados ao processo de formação dos docentes, naquele período.

Surge, das análises dessas dificuldades enfrentadas, seja na criação dos cursos jurídicos, seja relacionadas à formação dos primeiros docentes e profissionais do Direito, o objetivo inicial de se desenvolver a presente pesquisa. Assim, com a intenção de lançar luzes sobre o papel do profissional da docência jurídica, sua importância e a sua parcela de contribuição para a conformação atual, pretende-se verificar a qualidade da formação dos egressos dos Cursos de Direito existentes [02], tão criticada na atualidade.

De fato os aspectos qualitativos de formação dos profissionais das carreiras jurídicas, os baixos índices de aprovação nos concursos públicos e nos exames de ordem, não têm sido poupados pelos críticos. Tais aspectos remetem às dificuldades identificadas ao longo daquele período inicial, anteriormente descrito, em que o Direito era pensado como instrumento de integração ideológica do liberalismo que se firmava.

Na realidade, como está demonstrado no Capítulo III deste trabalho, esse contexto marcado por constantes dificuldades não se restringe somente aos períodos inicial e atual, mas permeia toda a trajetória histórica do processo de formação, tanto dos docentes, como dos demais profissionais das carreiras jurídicas no Brasil.

Embora consciente da complexidade que envolve a análise do tema ensino jurídico, quer numa abordagem histórica, quer na atualidade, não se pode descurar da parcela de responsabilidade dos docentes na formação dos futuros profissionais jurídicos. Na verdade, nesse período é que se dá o primeiro contato deles com a ciência do Direito, cuja formação vem despertando a curiosidade dos estudiosos desde a criação desses dois cursos.

Isso posto, fatos atualmente relacionados ao aumento crescente e contínuo da quantidade de faculdades de Direito no Brasil, aliados aos constantes dados divulgados sobre os baixos resultados de aprovação tanto em concursos públicos para as carreiras jurídicas, como no exame para inscrição definitiva nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, despertaram o interesse para o aprofundamento das reflexões sobre essa problemática, inserida no contexto do ensino jurídico. Acudiu, então, a idéia de identificar as causas dessas dificuldades, partindo-se da investigação sobre o processo histórico vivido pelo docente dos cursos de Direito, propiciando um novo olhar sobre as reflexões já existentes.

De fundamental importância para essa reflexão foi a experiência pessoal como docente, aliada à formação pedagógica propiciada pela Disciplina Metodologia do Ensino Superior integrante do programa de mestrado em curso, bem como os anos de atuação nas Comissões de Ética e de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais. O trabalho nessas comissões propiciou o recolhimento de impressões do ensino jurídico sob vários ângulos. Assim foram coletados dados no acompanhamento profissional dos advogados, sobre os aspectos de formação profissional e identitária do docente e nas análises e acompanhamentos de processos de autorização e reconhecimento de Faculdades de Direito no Estado de Minas [03].

No âmbito da advocacia, os trabalhos relativos aos julgamentos de processos ético-disciplinares geraram curiosidade sobre o tipo de formação conferida, ultimamente, pelas faculdades de Direito. Observou-se que, dentre os casos analisados em mais de oito anos como membro da Comissão de Ética e Disciplina da OAB/MG, os representados provêm de várias Faculdades de Direito indiscriminadamente, não havendo predominância de processos ético-disciplinares de egressos de determinada Faculdade de Direito ou de algumas específicas.

Diante dessas observações, pelo menos no que tange aos resultados referentes aos aspectos deontológicos da advocacia, não há como estabelecer diferenças substanciais entre as faculdades ou entre a qualidade da formação ofertada por seus docentes.

Noutra ponta, os dados e informações constantes dos pareceres elaborados para instruir os processos de autorização e reconhecimento de Faculdades de Direito no âmbito da Comissão de Ensino Jurídico, apresentam-se insuficientes para estabelecer conclusões sobre a qualidade da formação dos egressos ou mesmo dos docentes.

Ademais, até mesmo a legislação tendente a apresentar um quadro contendo as normas de reconhecimento mais consistentes, a partir da qual se passou a realizar avaliações das instituições, dos seus cursos e do desempenho dos seus estudantes ainda não apresenta resultados efetivos, devido, sobretudo, à descontinuidade dessas medidas. Além disso, o pouco tempo de implantação da sua última versão [04] não possibilita ainda análise dos resultados já aferidos.

Mesmo assim, o novo sistema de avaliação tem sido criticado [05], notadamente por ter sido a Lei que o aprovou (Lei 10.861/04), a da conversão da Medida Provisória nº. 147, de 16/12/03. Essa lei ignorou a proposta original apresentada pela comissão criada pelo Ministério da Educação em 2003, proposta essa elaborada a partir dos resultados do II CONED – Congresso Nacional de Educação –, realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1997. Nesse congresso, elaborou-se o Plano Nacional de Educação, que incluía, como meta, a revogação imediata da Lei 9.131/95, criadora do Exame Nacional de Cursos (Provão). Este foi substituído por processos de avaliação institucional periódica do ensino superior, com avaliações interna e externa de todos os setores envolvidos com o processo e tomando como referência o projeto político-acadêmico da instituição [06].

Além desses aspectos relacionados à avaliação do sistema educacional, também o movimento pela reabertura democrática no Brasil fez crescer o interesse em averiguar, neste estudo em que bases deveriam ocorrer, no ensino jurídico, as mudanças paradigmáticas necessárias à formação do profissional do Direito para o exercício da docência, levando-se em conta a formação para a cidadania, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, em oposição aos mais de 20 anos de regime político ditatorial. Vale lembrar que tal movimento foi chancelado pela Constituição da República de 1988, acompanhado dos avanços tecnológicos verificados na sociedade e das transformações no mundo do trabalho, sobretudo, pela ampliação de vagas no magistério superior em decorrência do aumento de Faculdades de Direito.

Esses novos espaços de discussão abertos com a Constituição de 1988, que geraram a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, de 20 de dezembro de 1996, também motivaram a realização do presente estudo. Assim, dada a importância dessa lei para a compreensão da trajetória da formação docente no Brasil, e, especialmente do docente dos cursos de Direito, buscará, aqui, analisar a inovação instituída pela LDB no âmbito da educação formal, quando se referiu à preparação pedagógica para o exercício da docência no ensino superior:

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.

Embora a LDB se refira apenas à preparação para o magistério e não à formação em nível de pós-graduação, e ao caráter prioritário e não exclusivo dos programas de mestrado e doutorado, percebe-se evolução na legislação, haja vista o novo enfoque dado ao magistério superior, conferindo importância significativa aos programas de pós-graduação stricto sensu.

A par dessa importância, outros fatores também se impõem na reflexão sobre o Direito e, por conseguinte, sobre o ensino, a saber: o fortalecimento constitucional dos papéis do Ministério Público e do Judiciário; a abertura de novos espaços para aspectos relacionados aos direitos coletivos e difusos; as questões indígenas; a função social da propriedade; as questões econômicas; a questão do meio ambiente; a proteção da vida privada e da intimidade, entre outras questões demandadas pela sociedade brasileira.

As observações desses fatores e dos trabalhos pesquisados sobre ensino jurídico desencadearam alguns questionamentos sobre esta problemática, quais sejam: a formação atual dos egressos dos cursos de Direito leva o aluno a pensar, criticamente, os problemas jurídicos considerando a realidade social, política e econômica? O ensino objetiva a construção de um conhecimento capaz de levar à solução dos complexos problemas da sociedade contemporânea, ou, ainda, mantém apenas a linha da aplicação do Direito à realidade, sem a superação da racionalidade instrumental, reduzindo o conhecimento e induzindo-o ao mero entendimento da aplicação da norma jurídica? Afinal, a formação do docente é calcada no mesmo raciocínio lógico-formal do passado? O fenômeno jurídico tem sido enfocado nas faculdades de Direito como um projeto sociocultural ou como um conjunto de regras tecnicamente elaboradas e irredutíveis à discussão? Como tem sido tratado o processo de formação profissional continuada dos docentes jurídicos para o enfrentamento das demandas verificadas na sociedade? Que aspectos estariam vinculando a formação dos docentes jurídicos aos programas de pós-graduação? Quais as motivações das recorrentes críticas relativas ao ensino jurídico?

Essas questões orientaram o trabalho investigativo do processo de formação profissional e identitária dos docentes dos cursos de Direito, elegendo-se a cidade de Belo Horizonte como o locus da pesquisa que seria realizada.

Contudo, para compreender esse processo, foi necessário estabelecer um marco temporal que possibilitasse aprofundar os trabalhos e melhor abordar o tema no universo já delineado. Foi eleito, então, o período a partir de 1996 – ano em que foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96. Essa lei inaugurou os novos tempos do processo educacional brasileiro, tendo em vista que retrata os anseios decorrentes das mudanças paradigmáticas operadas pela Constituição da República de 1988.

Assim, decidiu-se pelo estudo que priorizasse a relação entre a formação docente e o exercício do magistério superior nos cursos jurídicos já existentes há dez anos ou mais, na cidade de Belo Horizonte, objetivando investigar até que ponto essa relação tem interferido na qualidade do ensino.

Somente nesse período eleito, constatou-se aumento de vinte e uma para cento vinte e oito Faculdades de Direito no Estado de Minas Gerais, até o ano de 2006, e, somente na cidade de Belo Horizonte, a quantidade subiu de quatro para vinte e cinco [07].

Diante desse quadro, um estudo sobre a formação pedagógica de docentes para o curso de Direito, hoje, é de suma importância. Na verdade, o magistério é exercido nas inúmeras faculdades de Direito brasileiras por bacharéis, advogados, membros do Ministério Público e da Magistratura, competentes em suas áreas específicas de atuação, mas sem a adequada formação para o magistério. Daí balizam suas práticas docentes em suas experiências e metodologias e concepções educativas tradicionalmente vivenciadas. Observa Bittar:

Há que dizer, ainda, que a carreira da docência jurídica não obstante sua secular importância para a formação de bacharéis em Direito, parece encontrar-se à margem da atenção profissional do Direito. Tanto isso é verdade que sequer se costuma incluir entre as profissões e carreiras jurídicas a docência. Determinados preconceitos, ideologias, tradições, práticas, mentalidades e peculiaridades da área do Direito, que pode se chamar ciência aplicada, marginalizam a docência para o campo da subprofissão, do hobby, do prazer pessoal, da realização espiritual, da vazão de vocação inata, de espaço para a manifestação da vaidade intelectual. (BITTAR, 2001, p. 104)

Ante essa constatação e a velocidade com que se processam os avanços tecnológicos conformando a sociedade virtual e os meios de informação e comunicação evidenciados na virada do milênio, o desafio à educação é ainda maior. Nesse contexto, torna-se necessário aprofundar as reflexões sobre a qualidade da formação dos docentes jurídicos, numa cruzada que deve ser enfrentada por governantes, segmentos da sociedade organizada, pais, docentes e instituições, em prol de um desenvolvimento humano, cultural, científico e tecnológico que propicie o enfrentamento das exigências contemporâneas.

No curso da pesquisa sobre as produções referentes ao tema, percebeu-se que essa problemática transcende os limites nacionais, pois a preocupação com a formação e o desenvolvimento profissional dos docentes do ensino superior é um aspecto também estudado em outros países. Isso demonstra, ainda, que essa preocupação não se restringe apenas à área jurídica, nem somente ao cenário brasileiro. A esse respeito, assinala Benedito, citado por Pimenta e Anastasiou:

[...] o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos outros. Isso se explica, sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autodidata do professorado. Mas ela é insuficiente. (BENEDITO, 1995, p. 131 apud PIMENTA E ANASTASIOU, 2002, p. 36)

Constatada, pois, a necessidade da formação profissional dos docentes dos cursos jurídicos para fazer face às exigências contemporâneas que não mais se restringem à transmissão-assimilação de uma realidade legal posta, pretendeu-se perquirir se os egressos dos programas de mestrado e doutorado têm recebido formação profissional e identitária e detectar sob que concepção de ensino e aprendizagem orienta a sua prática docente. Como já dito anteriormente, constitui objeto desta investigação o processo de formação pedagógica dos docentes de Direito da cidade de Belo Horizonte. Essa escolha se justifica pois, com a profusão de faculdades de Direito hoje, verificada, há um vasto campo para a absorção de mestres e doutores nessas instituições, nas diversas funções relacionadas ao ensino superior, tais como coordenação, administração, pesquisa e a docência.

Ademais, os docentes, tendo conhecimento desse processo e cientes de suas deficiências, poderão buscar formas de atualização e aperfeiçoamento de sua prática, levando-se em conta as demandas que lhes forem se apresentando, bem como os avanços. Assim, além de contribuir com o seu próprio processo de formação continuada, o docente possibilitará também aos novos pós-graduandos, numa perspectiva de trabalho cooperativo, a construção identitária e profissional do docente dos cursos jurídicos.

Além disso, acredita-se que a troca de experiências entre os antigos e os novos participantes desses programas de pós-graduação, impeça a solução de continuidade da profissionalização docente. Para solucionar esse quadro é preciso manter sempre ativo o processo de formação continuada, objetivando a consolidação dos novos programas de mestrado e doutorado que estão surgindo. E então, investigar, perquirir até que ponto esses cursos têm-se preocupado com a formação dos docentes de Direito.

Esse enfoque requer o uso de uma metodologia que possibilite a democratização e a socialização do conhecimento, que seja comprometida com a produção do conhecimento e com a relação entre a teoria e prática, já que se vive numa sociedade em transformação calcada numa realidade viva e dinâmica (CHAMON, 1997). Há de se considerar, ainda que, somente na cidade de Belo Horizonte, já existem quatro programas de mestrado e dois de doutorado e mestrado em Direito [08].

Consideradas as mudanças paradigmáticas demarcadas legalmente pela Constituição de 1988, e mais especificamente pela promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, seguida da Portaria MEC 1.886/94, revogada pela Resolução 09/2004-CNE, de 29/09/2004, a questão fundamental a ser respondida neste estudo é: os docentes jurídicos, oriundos dos programas de pós-graduação e em atuação nas faculdades de Direito existentes à época da criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, têm recebido formação para o magistério que atende às demandas sociais na perspectiva do seu processo de desenvolvimento profissional e identitário?

Para alcançar as respostas a esse questionamento foi necessário um minucioso trabalho de busca. Nesse processo pôde-se observar, de um lado, a escassez de material produzido sobre a temática, especialmente no Estado de Minas Gerais; por outro, ausência interdisciplinar no material pesquisado, especificamente, entre o Direito e a Educação. Isso impediu que se percebesse como tem sido construída a interação do processo de formação do profissional das carreiras jurídicas com o do docente desse campo do conhecimento.

Consultando, pois, a vasta literatura disponível, observa-se incipiente a publicação de obras relativas ao exercício da docência, especialmente de aplicação de metodologias aplicadas ao curso de Direito. Há obras sobre Didática no Ensino Superior, sobre o ensino jurídico. Todavia, proporcionalmente à quantidade de produções em cada área, poucas são as que estabelecem as relações entre ambas. Observa-se carência de material voltado para aspectos relativos à profissionalização do magistério nos cursos de Direito.

Tal hiato foi amenizado pela realização da pesquisa qualitativa em que se procedeu à investigação, considerando a relação teoria-prática e produção do conhecimento desenvolvido no ambiente escolar. Assim, foram coletados dados sobre os aspectos de formação para o magistério dos sujeitos eleitos, na perspectiva do seu processo de desenvolvimento profissional e identitário.

Foi realizado um estudo de caráter interdisciplinar ao longo da pesquisa, dada a necessidade de trânsito por questões relacionadas à formação política, à herança cultural, ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil e suas repercussões no processo de formação dos docentes jurídicos.

Também foram feitas várias incursões no campo da Educação, com o intuito de colher informações relativas aos saberes que compreendem o processo de formação do profissional da educação; as exigências atuais a ele postas, tanto do ponto de vista da construção de sua identidade profissional, como do seu espaço institucional de trabalho, considerando-se a característica multifária das possibilidades encontradas no âmbito das atividades da docência.

E no campo do Direito, para compreender como estão inseridos os saberes didático-pedagógicos na construção da estrutura dos saberes específicos da formação jurídica, buscou-se investigar a qualidade da formação pedagógica e metodológica do profissional do Direito que adentra a docência. Buscou-se, ainda, investigar o seu papel como sujeito essencial para o processo ensino-aprendizagem, já que é o principal responsável para a formação dos futuros profissionais do Direito.

O desenvolvimento da pesquisa possibilitou efetuar investigações sobre como tem ocorrido a conjugação dos saberes científicos com a necessária formação didático-pedagógica dos docentes nos programas de pós-graduação, bem como da forma com que acontecem a sua revisão e a incorporação de práticas inovadoras, tendentes a acompanhar as demandas vigentes, sob uma perspectiva de formação continuada.

Os trabalhos empreendidos consolidaram o entendimento de que o caráter complexo da problemática envolvendo o ensino jurídico requer um aprofundamento maior de investigação sobre o problema de pesquisa eleito. Tem-se a clareza de que o foco se restringe a alguns aspectos da realidade pela impossibilidade de se proceder à análise do tema em sua totalidade. Contudo, não se pode olvidar da parcela de responsabilidade cabível aos docentes ante esse quadro, tendo em vista que são eles o primeiro contato dos futuros profissionais jurídicos com a ciência do Direito, além do que são os encarregados de promover o trabalho de formação desses profissionais.

Afinal, esta dissertação encontra-se estruturada em seis capítulos. No primeiro capítulo, a introdução. Os procedimentos metodológicos utilizados no processo investigativo foram abordados no segundo capítulo. A fundamentação teórica intitulada Formação Profissional dos Docentes Jurídicos, que apresenta a revisão da literatura sobre a qual se embasa a pesquisa, foi tratada no terceiro capítulo. O quarto apresenta uma breve explanação sobre a trajetória da formação do docente jurídico no Brasil. Reservou-se ao quinto capítulo, o desenvolvimento das ações empreendidas na pesquisa realizada na cidade de Belo Horizonte. E, finalmente, são apresentadas as considerações finais sobre a pesquisa realizada, com recomendações para novos estudos.

Sobre o autor
Sidnei Justino dos Santos

Advogado, mestre em Direito e membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sidnei Justino. Os docentes do Direito e seu processo de formação em face dos novos paradigmas jurídico-democráticos decorrentes da Constituição da República de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20822. Acesso em: 25 dez. 2024.

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