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Considerações sobre as decisões judiciais que concedem o fornecimento de medicamentos sem o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA

Agenda 30/01/2012 às 13:43

Por lei, não há possibilidade de se fabricar, vender ou expor a venda produtos de saúde sem o prévio registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Entretanto, há decisões judiciais que impõem ao Estado a obrigação de fornecer medicamentos sem o registro na ANVISA.

Resumo:

No Brasil, por lei, não há possibilidade de se fabricar, vender ou expor a venda produtos de saúde sem o prévio registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Entretanto, é crescente a quantidade de decisões judiciais que impõem ao Estado a obrigação de fornecer medicamentos sem o devido registro na ANVISA. Demonstrou-se, por meio de análise da legislação em vigor e jurisprudência atual, como as determinações judiciais carecem de fundamento jurídico. Por outro lado, explanou-se a importância de se respeitar as atribuições da ANVISA, a qual é considerada de relevância pública para a preservação da saúde da coletividade brasileira.

Palavras-chave: Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Decisões judiciais. Ilegalidade de fornecimento judicial de medicamentos sem registro na ANVISA. Importância do registro de medicamentos no Brasil.

Abstract:

In Brazil, by law, there is no possibility to manufacture, sell or expose for sale health products without prior registration with the National Sanitary Surveillance Agency - ANVISA. However, it is increasing the amount of judicial decisions that impose an obligation to the State to provide medications without proper registration with ANVISA. It has been demonstrated through analysis of current legislation and current case law, judicial decisions as lack of legal basis. On the other hand, explained the importance of respecting the duties of ANVISA, which is considered relevant to the preservation of public health of the Brazilian community.

Keywords: National Agency for Sanitary Vigilance. Judicial decisions. Unlawful delivery of medications without legal registration at ANVISA. Importance of drug registration in Brazil.


Introdução

O crescente número de ações judiciais propostas em face do Poder Público com o fim de garantir o fornecimento de medicamentos, a realização de cirurgias e procedimentos, até mesmo a incorporação de novas tecnologias no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS tem sido motivo de preocupação para os gestores da saúde em todos os níveis federativos.

Dentre as ações judiciais que objetivam compelir o Poder Público a fornecer tais prestações de saúde, destacam-se aquelas cujo pedido principal envolve medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.

Em que pese existir farta legislação pátria que impede esse tipo de provimento jurisdicional, inclusive dando surgimento à Recomendação n° 31/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário, tem-se observado toda sorte de decisões judiciais que condenam os entes públicos ao fornecimento de medicamentos sem o devido registro na ANVISA, ferindo assim as normas jurídicas que regem o sistema brasileiro de vigilância sanitária, pondo em risco não só a pessoa que receberá o medicamento, como a generalidade das pessoas, ao permitir a entrada no território nacional de produto sequer registrado na ANVISA, sendo motivo de preocupação para os gestores públicos de todos os níveis.

Nesse sentido, por meio do presente artigo, tentar-se-á expor o tema de forma não exaustiva, evidenciando os motivos jurídicos pelos quais é ilegal deferir judicialmente medicamentos sem registro na ANVISA.


Desenvolvimento

A proibição legal de industrializar, vender ou consumir substâncias de interesse à saúde sem prévio registro nos órgãos de controle sanitário não é nova no Estado brasileiro, existindo, tendo validade e vigendo há mais trinta e quatro (34) anos, por meio da Lei 6.360, de 23 de setembro de 1976, quando a tarefa de registrar e fiscalizar a produção dessas substâncias ainda cabia ao Ministério da Saúde, nos seguintes termos:

Art. 1º - Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene, os cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e outros adiante definidos.

Art. 2º - Somente poderão extrair, produzir, fabricar, transformar, sintetizar, purificar, fracionar, embalar, reembalar, importar, exportar, armazenar ou expedir os produtos de que trata o Art. 1º as empresas para tal fim autorizadas pelo Ministério da Saúde e cujos estabelecimentos hajam sido licenciados pelo órgão sanitário das Unidades Federativas em que se localizem.

Art. 10 - É vedada a importação de medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos e demais produtos de que trata esta Lei, para fins industriais e comerciais, sem prévia e expressa manifestação favorável do Ministério da Saúde.

Parágrafo único. Compreendem-se nas exigências deste artigo as aquisições ou doações que envolvam pessoas de direito público e privado, cuja quantidade e qualidade possam comprometer a execução de programas nacionais de saúde.

Art. 12 - Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.

Art. 76. Nenhuma matéria-prima ou nenhum produto semi-elaborado poderá ser empregado na fabricação de medicamento sem que haja sido verificado possuir qualidade aceitável, segundo provas que serão objeto de normas do Ministério da Saúde.

Art. 77. A inspeção da produção de medicamentos terá em vista, prioritariamente, os seguintes aspectos:

I – a fabricação, tendo em conta os fatores intrínsecos e extrínsecos desfavoráveis, inclusive a possibilidade de contaminação das matérias-primas, dos produtos semi-elaborados e do produto acabado;

II – o produto acabado, a fim de verificar o atendimento dos requisitos pertinentes aos responsáveis técnicos pela fabricação e inspeção dos produtos, aos locais e equipamentos, ao saneamento do meio, às matérias-primas e aos sistemas de inspeção e auto-inspeção e registro de medicamentos.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, houve a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, estabelecendo-se, doravante, que o controle de vigilância sanitária caberia ao SUS:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

Nessa perspectiva, foi editada a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, regulando, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado, nos termos do seu art. 1°.

No art. 6°, I, a, VI, assim prescreveu a Lei 8.080/1990:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações de vigilância sanitária;

(...)

VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;

Logo, com a Constituição Federal e a Lei 8.080/1990, coube ao Sistema Único de Saúde – SUS executar as ações de vigilância sanitária, bem como o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde, consoante regras de competência estabelecidas em lei.

Nos termos do art. 6°, § 1° da Lei 8.080/1990:

§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:

I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e

Com o intuito de melhorar o sistema de vigilância sanitária nacional, por meio da Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999, foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, e que tem sua finalidade e competência descritas no art. 6°, 7° e incisos do referido diploma legislativo:

Art. 6º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

VII - autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8° desta Lei e de comercialização de medicamentos; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

VIII - anuir com a importação e exportação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei;

IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;

X - conceder e cancelar o certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação;

XIV - interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XVI - cancelar a autorização de funcionamento e a autorização especial de funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XVIII - estabelecer, coordenar e monitorar os sistemas de vigilância toxicológica e farmacológica;

XXII - coordenar e executar o controle da qualidade de bens e produtos relacionados no art. 8º desta Lei, por meio de análises previstas na legislação sanitária, ou de programas especiais de monitoramento da qualidade em saúde;

Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

§ 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:

I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;

§ 5° A Agência poderá dispensar de registro os imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

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Como se pode perceber, atualmente, cabe à ANVISA promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, dentre os quais se incluem os medicamentos, nos termos do art. 8°, § 1°, I, da Lei 8.080/1990.

Ressalte-se que a dispensa de registro dos imunobiológicos, dos inseticidas, dos medicamentos e de outros insumos estratégicos, transcrita no § 5°, do Art. 8°, da Lei 9.782/1999, destina-se a permitir o uso desses produtos em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas e quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais.

Tal previsão visa a atender e solucionar os agravos de saúde pública de caráter endêmico ou pandêmico e/ou de urgência, que põem em risco a coletividade, ocasiões em que não se pode esperar pelo término do processo de registro do produto na ANVISA.

Logo, trata-se de previsão excepcional, e não de previsão ordinária.

Dentre as análises feitas pela Agência para o registro de medicamentos, encontram-se aquelas previstas no art. 16 da Lei 6.360/1976:

Art. 16. O registro de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, dadas as suas características sanitárias, medicamentosas ou profiláticas, curativas, paliativas, ou mesmo para fins de diagnóstico, fica sujeito, além do atendimento das exigências próprias, aos seguintes requisitos específicos: (Redação dada pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

I - que o produto obedeça ao disposto no artigo 5º, e seus parágrafos. (Redação dada pelo Decreto nº 6.480, de 1.12.1977)

II - que o produto, através de comprovação científica e de análise, seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias;

VI - quando se trate de droga ou medicamento cuja elaboração necessite de aparelhagem técnica e específica, prova de que o estabelecimento se acha devidamente equipado e mantém pessoal habilitado ao seu manuseio ou contrato com terceiros para essa finalidade.

VII - a apresentação das seguintes informações econômicas: (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

a) o preço do produto praticado pela empresa em outros países; (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

b) o valor de aquisição da substância ativa do produto; (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

c) o custo do tratamento por paciente com o uso do produto; (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

d) o número potencial de pacientes a ser tratado; (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

e) a lista de preço que pretende praticar no mercado interno, com a discriminação de sua carga tributária; (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

f) a discriminação da proposta de comercialização do produto, incluindo os gastos previstos com o esforço de venda e com publicidade e propaganda; (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

g) o preço do produto que sofreu modificação, quando se tratar de mudança de fórmula ou de forma; e (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

h) a relação de todos os produtos substitutos existentes no mercado, acompanhada de seus respectivos preços. (Incluído pela Lei nº 10.742, de 6.10.2003)

Nesse sentido, para que haja registro de medicamentos no Estado brasileiro, com a respectiva autorização para comercialização e circulação do produto em território nacional, o laboratório farmacêutico deverá instar a ANVISA para tal fim, comprovando, minimamente, que o medicamento é: seguro, eficaz e de qualidade, bem como deverá apresentar informações a respeito do preço que pretende praticar, a fim de que a ANVISA possa realizar análise prévia acerca do preço que será fixado para o produto, bem como monitorar a evolução dos preços dos medicamentos, coibindo eventuais abusos, nos termos do art. 7°, XXV, da Lei 9.782/1999:

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

XXV - monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de saúde, podendo para tanto: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

a) requisitar, quando julgar necessário, informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados, em poder de pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

b) proceder ao exame de estoques, papéis e escritas de quaisquer empresas ou pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

c) quando for verificada a existência de indícios da ocorrência de infrações previstas nos incisos III ou IV do art. 20 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, mediante aumento injustificado de preços ou imposição de preços excessivos, dos bens e serviços referidos nesses incisos, convocar os responsáveis para, no prazo máximo de dez dias úteis, justificar a respectiva conduta; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

Em síntese apertada, o registro de um medicamento na ANVISA tem por objetivo: 1. Analisar sua segurança; 2. Analisar sua eficácia; 3. Analisar sua qualidade; 4. Analisar e monitorar o seu preço.

Explique-se o que se entende por segurança, eficácia e qualidade de medicamentos.

Medicamentos seguros são aqueles cujos efeitos terapêuticos advindos de sua utilização superam os seus efeitos colaterais, isto é, o medicamento traz mais benefícios do que malefícios.

Medicamento eficaz é aquele que, em um ambiente ideal, comprova atuar sobre a enfermidade que se propõe tratar, isto é, o medicamento comprova, em ambiente de laboratório (ideal), que realmente atua sobre a doença.

Medicamento de qualidade é aquele que comprova obedecer as regras das Boas Práticas de Fabricação (BPF) expedidas pela ANVISA, consistente em um conjunto de exigências necessárias à fabricação e controle de qualidade de produtos farmacêuticos a fim de que o resultado seja: a produção de lotes iguais de medicamentos; o controle de qualidade dos insumos; validação dos processos de fabricação; instalações e equipamentos adequados e treinamento de pessoal. [01]

Portanto, a ausência de registro do medicamento na ANVISA implicar em dizer que:

Não se sabe se o produto traz mais benefícios do que malefícios (segurança);

Não se sabe se o produto realmente atua sobre a doença para que é indicado (eficácia);

Não se sabe se o produto está sendo fabricado conforme a legislação sanitária brasileira, isto é, em lotes iguais; com qualidade de insumos; com processo de fabricação validado pela ANVISA (qualidade);

Não se pode rastrear os lotes de medicamentos para fins de controle sanitário (uma vez que não existe lote registrado na ANVISA), impossibilitando a atuação das autoridades sanitárias, na eventualidade de se precisar retirar o produto do mercado, para proteger a saúde da população; (poder de polícia - urgência)

Não se pode fiscalizar o estabelecimento de produção do laboratório para verificação o adimplemento das Boas Práticas de Fabricação (BPF) expedidas pela ANVISA; (poder de polícia - regular)

Não se pode controlar o seu preço, mormente quando se trata de cumprimento de decisão judicial, onde a Administração Pública fica totalmente refém do preço estabelecido pelo laboratório, uma vez que é pressionada a cumprir a decisão judicial e o laboratório não está sujeito às regras de fixação de preço da ANVISA.

Essa situação foi devidamente analisada pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, mormente à época da audiência pública n° 04, realizada pelo Supremo Tribunal Federal para discutir as questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de prestações de saúde, dando origem à Recomendação Nº 31, DE 30 DE MARÇO DE 2010, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, onde se sintetiza as conclusões do Supremo Tribunal Federal a respeito desse tema e na qual se recomenda aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais que evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, nos seguintes termos:

CONSIDERANDO que os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovação pela ANVISA, na forma do art. 12 da Lei 6.360/76 c/c a Lei 9.782/99, as quais objetivam garantir a saúde dos usuários contra práticas com resultados ainda não comprovados ou mesmo contra aquelas que possam ser prejudiciais aos pacientes;

RESOLVE:

I. Recomendar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais que:

b.2) evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei;

Por fim, para espancar qualquer dúvida a respeito da vedação legal de se deferir, judicialmente, o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA, traga-se à lume o Art. 19-T, da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, alterada pela Lei 12.401, de 28 de abril de 2011 [02], que dispôs sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, nos seguintes termos:

Art. 19-T - São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.

Ademais, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal na defesa da indispensabilidade do referido registro, nos termos do voto condutor do acórdão proferido pela Corte Especial do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n° 175, Relator Ministro Gilmar Mendes, após extensa colheita de elementos sobre o tema da saúde em audiência pública:

O registro de medicamento [...] é uma garantia à saúde pública. E [...] a Agência, por força da lei de sua criação, também realiza a regulação econômica dos fármacos. Após verificar a eficácia, a segurança e a qualidade do produto e conceder-lhe o registro, a ANVISA passa a analisar a fixação do preço definido, levando em consideração o benefício clínico e o custo do tratamento. [...] Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.

Como dito alhures, a necessidade do registro só pode ser dispensada na hipótese de medicamentos adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública, pelo Ministério da Saúde, nos termos do supratranscrito § 5º, do art. 8º, da Lei n. 9.782/99.

Fora da regra excepcional, determinar judicialmente a dispensação de medicamento e insumos para a saúde sem o devido registro na ANVISA, implica em negar vigência aos dispositivos legais já referidos, matéria jurídica que, nos Tribunais, apenas pode ser apreciada e decidida mediante a suscitação de incidente de inconstitucionalidade, sob pena de ofensa à cláusula constitucional de reserva de Plenário (art. 97, CRFB/1988), repisada na Súmula Vinculante n° 10 do Pretório Excelso:

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Súmula Vinculante n. 10 - Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Outrossim, a decisão judicial que determina o fornecimento de medicamentos e produtos destinados à saúde sem o devido registro na ANVISA, está, em tese, obrigando à Administração Pública à prática de conduta proibida pelo Código Penal:

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Recentemente a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ entendeu, por unanimidade, ser impossível a determinação de fornecimento de medicamento que não possua registro na ANVISA. Nos termos do voto do Ministro Relator, João Otávio de Noronha:

"Por óbvio que a indicação de tratamento com medicamento não registrado, mesmo que subscrito por médico habilitado, não torna legal a importação de medicação de comercialização não autorizada no Brasil. Até o contrário, pois pode o médico sujeitar-se às penas da lei na referida hipótese. Tampouco a solução "alternativa" encontrada pelo Tribunal, isentando a Unimed de proceder à importação em seu próprio nome, mas, determinando-lhe que viabilize a importação por outrem, disponibilizando meio financeiro para tanto, pode transmutar em lícito o ato de importação de medicamento não-registrado. Ora, se a legislação em vigor veta a importação e comercialização de medicamentos não registrados nos órgãos competentes, está descrevendo uma conduta que considera proibida, não cabendo ao Judiciário impor ao recorrente que aja em confronto com a lei. Ante esse fato, a controvérsia encontra solução em um princípio constitucional, qual seja: o da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Trata-se de princípio genérico e abstrato, pois assegura a todos (com exceção do Estado) a realização de atos, permitindo condutas sobre as quais não incide nenhuma norma reguladora. Nada obstante tais características, é de íntima aplicação em sede de direito penal, tributário e administrativo, dado que, nessas esferas, a lei define condutas permissivas e proibidas, não havendo permissão de generalidade. O império e a submissão ao princípio da legalidade conduzem a uma situação de segurança jurídica, pois exige-se a subordinação de todos à lei. Diante de tais considerações, não vejo como o Judiciário possa afastar uma conduta tida por contravenção pela lei para impor a quem quer que seja que realize ato proibido. Cabe a ele, que é o Estado, a resolução dos conflitos de interesses; mas, evidentemente, isso não pode significar a imposição de condutas proibidas, sob pena de ferir esse princípio regulador e informador, que é uma garantia constitucional de liberdade ao jurisdicionados. Há, ainda, uma última questão a ser tratada. Pode-se objetar acerca do direito à saúde, que é assegurado a todos e constitui um dever do Estado, princípio este que vem embasando as decisões deste Tribunal acerca do fornecimento de medicamento gratuito pelo Estado, às quais me referi nas linhas acima. Se sopesado esse fato, poder-se-ia entender que, de um lado, este princípio constitucional de direito à vida e à saúde e, de outro, o da legalidade são conflitantes do ponto de vista do presente feito, pois estariam a indicar resultados distintos. Ocorre que não é o caso, e só fiz menção a isso para espancar quaisquer dúvidas. De fato, tem o recorrido o direito inarredável à saúde; contudo, não há nos autos indicações de que o tratamento prescrito pelo médico seja o único meio de recuperar sua saúde. O médico fez uma recomendação de tratamento e nada foi esclarecido sobre alternativas de forma que o tratamento pudesse ser viabilizado com eficácia por outros meios que não os mencionados nos autos. Portanto, nada indica que a importação de medicamento de comercialização não autorizada seja o único meio de restabelecer a saúde do recorrido. (grifo nosso)"

Por fim, frise-se que todo esse controle a respeito do registro de medicamentos e outras substâncias de interesse à saúde, visa possibilitar que as autoridades sanitárias do Estado brasileiro tenham o controle sanitário das substâncias de interesse à saúde, inclusive medicamentos, que estão sendo disponibilizadas aos cidadãos do país, permitindo a ação do Poder Público em casos de emergência, como lhe é imposto por previsão legal, nos termos do art. 7°, 70 e 75, da Lei 6.360/1976, pelos quais se estabelecem verdadeiros deveres da Administração em agir permanentemente no que concerne à vigilância sanitária:

Art. 7º - Como medida de segurança sanitária e a vista de razões fundamentadas do órgão competente, poderá o Ministério da Saúde, a qualquer momento, suspender a fabricação e venda de qualquer dos produtos de que trata esta Lei, que, embora registrado, se torne suspeito de ter efeitos nocivos à saúde humana.

Art. 70. A ação de vigilância sanitária se efetuará permanentemente, constituindo atividade rotineira dos órgãos da saúde.

Art. 75. O Ministério da Saúde baixará normas e aperfeiçoará mecanismos destinados a garantir ao consumidor a qualidade dos medicamentos, tendo em conta a identidade, atividade, pureza, eficácia e inocuidade dos produtos e abrangendo as especificações de qualidade a fiscalização da produção.


Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que o fornecimento, por via judicial, de medicamento que não possua o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, constitui-se em provimento jurisdicional ilegal, nos termos do art. 12, da Lei n° 6.360, DE 23 DE SETEMBRO DE 1976 c/c Art. 19-T da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, alterada pela Lei 12.401, de 28 de abril de 2011.

Outrossim, o fornecimento, por via judicial, de medicamento que não possua o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, vulnera o controle sanitário do Estado brasileiro, impossibilitando que as autoridades sanitárias verifiquem a segurança; a eficácia e a qualidade de um determinado medicamento, bem como impossibilita o exercício de poder polícia regular ou em casos de urgência, nos termos dos parágrafos 21 a 24 do presente artigo;

Ademais, o fornecimento, por via judicial, de medicamento que não possua o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, impossibilita qualquer tipo de controle de preço do produto pela Administração Pública, mormente quando se trata de dever inescusável de cumprimento de decisão judicial, não estando o laboratório sujeito às regras de fixação de preço da ANVISA, o que lhe possibilita fixar o preço que desejar em face do Estado brasileiro.

O próprio Poder judiciário, após intenso debate no seio da audiência pública n° 04, realizada pelo Supremo Tribunal Federal para discutir as questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de prestações de saúde, concluiu expressamente, por meio da Recomendação Nº 31, DE 30 DE MARÇO DE 2010, art. I, b.2, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que os Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais devem procurar evitar autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, o que se constitui em diretriz importante, a ser seguida por todo magistrado que se deparar com ações dessa natureza.

Por fim, determinar judicialmente a dispensação de medicamento e insumos para a saúde sem o devido registro na ANVISA, implica em negar vigência aos dispositivos legais já referidos, matéria jurídica que, nos Tribunais, apenas pode ser apreciada e decidida mediante a suscitação de incidente de inconstitucionalidade, sob pena de ofensa à cláusula constitucional de reserva de plenário (art. 97, CRFB/1988), repisada na Súmula Vinculante n° 10 do Pretório Excelso.


Referências bibliográficas.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL, Lei n° 6.360, de 23 de setembro de 1976.

BRASIL, Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990.

BRASIL, Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999.

BRASIL, Lei 12.401 de 28 de abril de 2011.

BRASIL, Recomendação N° 31 de 30 de março de 2010, Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

BRASIL, Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal.


Notas

  1. Atente-se que para ser incorporado no âmbito do SUS, o medicamento deverá comprovar, além da segurança, eficácia e qualidade, outros requisitos mínimos, a saber, a efetividade e o custo-efetividade, comprovados em ambiente real, isto é, após uso pela população em geral. Efetividade é a análise dos resultados efetivamente obtidos com a utilização de um determinado insumo em ambiente real. Custo-efetividade é o estudo que busca analisar se houve ganho de saúde adicional com a utilização do insumo, ou seja, no caso da assistência farmacêutica do SUS, se o medicamento que se pretende utilizar traz maiores benefícios do que aqueles já disponíveis no sistema e, em caso afirmativo, se o benefício advindo justifica o gasto financeiro a ser realizado.
  2. Que entrará em vigor em outubro de 2011, conforme art. 2° da Lei 12.401 de 28 de abril de 2011.
Sobre o autor
Higor Rezende Pessoa

Advogado da União. Coordenador de Assuntos Judiciais da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Higor Rezende. Considerações sobre as decisões judiciais que concedem o fornecimento de medicamentos sem o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3134, 30 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20982. Acesso em: 23 dez. 2024.

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