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Teoria do Tipo Integral

Agenda 01/10/2001 às 00:00

Sumário: 1. Introdução. 2. A problemática. 3. Elementos teletípicos ou teletipos. 4. Elementos teletípicos e normas de extensão. 5. O tipo integral e sua classificação. 6. Tipo integral: espécies. 7. O tipo integral: aspectos positivo e negativo. 8. Observações. 9. A tentativa na teoria do tipo integral. 10. A Participação na teoria do tipo integral. 11. Conclusões. 


            1. A Parte Especial das leis penais, ao contrário do que se pensa, não consegue, sozinha, cumprir a tarefa de toda a tipificação penal. A Parte Geral contém certas disposições que, em obediência ao princípio da economia legislativa, se estendem à Parte Especial, agregando-se aos tipos para formar certas figuras penais ou para completar a descrição típica. Pode-se afirmar, sem qualquer risco de erro, que não existe tipo autônomo, isto é, independente de outro dispositivo, insculpido, este, na Parte Geral do Código Penal ou, mesmo, em outras leis.

            2. Tome-se o homicídio para exemplo. Nele, vê-se que o tipo que o define é de uma simplicidade sem par: matar alguém, diz o art. 121 do CP. Todavia, outras informações devem ser buscadas para a operacionalidade da lei, tais como as que concernem a: tempo e lugar do crime (quando e onde se consumou?); aplicabilidade da lei brasileira (no território nacional ou no estrangeiro?); nacionalidade do agente (cometido por brasileiro ou por estrangeiro?); relação de causalidade (a conduta foi causa do resultado?); relevância da omissão (o omitente devia e podia agir para evitar o resultado?); elemento subjetivo (o fato foi doloso ou culposo?); fase de execução (o fato foi consumado ou tentado?); concurso de pessoas (o fato foi praticado por uma ou mais pessoas?); etc.

            3. Conseqüência dessa constatação é permitir afirmar que, ao lado dos tipos penais, há os elementos teletípicos (teletipos), como tais, acima exemplificados. Assim, o art. 121 do CP, sozinho, não consegue definir, por exemplo, o homicídio tentado, o homicídio culposo nem o homicídio com participação criminal. Para esse mister, determinados elementos teletípicos devem ser buscados e integrados ao art. 121: Art. 121 c/c art. 14, inc. II (homicídio tentado); art. 12l e s/ § 3º c/c art. l8, inc. II (homicídio culposo); art. 12l c/c art. 29 (homicídio com participação criminal).

            4. Os elementos teletípicos, tais como os aqui trazidos, são denominados, pelos autores, como normas de extensão. Assim, v.g., na tentativa de homicídio, o art. l4, inc. II, do CP, estender-se-ia até o art. l21, também do CP, para, juntos, formarem o tipo referente à tentativa de homicídio. Nada mais errado. Pode-se, até, admitir que o art. l4, inc. II, do CP, contenha uma regra, mas, nunca, uma norma, isto é, uma norma de conduta. Na verdade, ditos elementos teletípicos são uma espécie de tipo penal, mas de um tipo penal distinto daquele comumente conhecido por todos (o que descreve o homicídio, o furto, o roubo, o estupro, etc.). Trata-se de tipos integrativos, componentes de uma particular classificação dos tipos penais, a seguir proposta.

            5. Levando em conta que os tipos, como tais previstos na Parte Especial, embora dando nome aos respectivos delitos, dependem, para sua integralização, de outros, localizados na Parte Geral (teletipos ou elementos teletípicos), chegamos frente a duas espécies de tipos: o tipo nominativo e o tipo integrativo. O primeiro dá nome ao crime; o segundo completa a figura penal, aduzindo-lhe elementos específicos. A fusão dos dois tem como conseqüência o nascimento do que chamamos tipo integral. Assim, o tipo integral do homicídio tentado é o resultado da combinação do art. 121 (tipo nominativo) com o art. l4, inc. II (tipo integrativo), ambos do Código Penal.

            6. Mas, se aprofundarmos a análise da questão, veremos que o tipo integrativo pode ter três funções diante do tipo nominativo, a saber: função declarativa, quando, apenas, reforça-lhe ou reafirma-lhe os termos; função extensiva, quando amplia o alcance dos seus termos; função restritiva, quando reduz o alcance dos seus termos. No primeiro caso, temos o tipo integrativo declarativo; no segundo, o tipo integrativo extensivo; no terceiro, o tipo integrativo restritivo.

            Vejamos alguns exemplos retirados da Parte Geral do Código Penal:

            Tipos integrativos declarativos: territorialidade (art. 5º); relação de causalidade e conceito de causa (art. 13); crime consumado (art. 14, inc. I); crime doloso (art. 18, inc. I).

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            Tipos integrativos extensivos: extraterritorialidade (art. 7º); relevância da omissão (art. 13, § 2º); tentativa (art. 14, inc. II); crime culposo (art. l8, inc. II); participação criminal (art.29).

            Tipos integrativos restritivos: superveniência de causa independente (art. l3, § 1º ); agravação pelo resultado (art. 19); excepcionalidade do crime culposo (art. 18, parág. único). (Vejam-se, também, os arts. 2º e 4º da LCP, que restringem a punibilidade da contravenção, exigindo que seja consumada e praticada no território nacional).

            7. Ressalte-se que esse é, apenas, o aspecto positivo do tipo integral, ou seja, aquilo que ele deve conter (o tipo nominativo e o tipo integrativo, seja declarativo, extensivo ou restritivo). Há, também, o aspecto negativo do tipo integral, isto é, aquilo que ele não deve conter: o contratipo penal. A ocorrência de um contratipo penal, in casu, exclui inteiramente o tipo penal. (A respeito de contratipos penais, v. nosso artigo intitulado Teoria da Contratipicidade Penal, in Revista Literária de Direito, Ano VI, nº 33, janeiro/fevereiro de 2000, págs. 29 a 32).

            QUADRO SINÓTICO:

 

Tipo Integral

 

 

Aspectos Positivos

 

Tipo nominativo

 

Tipo integrativo

declarativo

extensivo

restritivo

Aspecto Negativo

Contratipo

            8. Uma observação há de ser feita, em face da pertinência da matéria:

            Se num tipo integral, o tipo integrativo é de natureza restritiva, toda e qualquer extensão considera-se um contratipo. Assim, se o fato só é punido quando praticado no território nacional, o seu cometimento no estrangeiro estará fora da incidência penal. Assim, também, se o fato só é punido a título de dolo, a culpa ou o fortuito funciona como excludente do tipo subjetivo.

            Agora, incursionando no tema da normatividade e da licitude, outra observação se impõe, mas para que não se confunda o contratipo penal (estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito) com a justificativa penal (estado de necessidade, legítima defesa). A distinção é muito simples: o contratipo, que é causa de exclusão do tipo penal, é específico de determinadas figuras, como, por exemplo, no aborto (art. 128 do CP), na injúria e na difamação (art. 142 do CP) e nas situações previstas nos arts. 18l e 348, § 2º, do CP, e, ainda, no art. 53, caput, da Constituição Federal; a justificativa, que é causa de exclusão da antijuridicidade, ao contrário, é genérica, podendo, pois, aplicar-se a um indeterminado número de fatos típicos, tais como, no homicídio, na lesão corporal, no furto, etc.

            Em seguida, faremos um estudo especial a respeito da tentativa e da participação criminal, à luz da teoria do tipo integral.

            9. Vejamos a tentativa.

            O fundamento da punibilidade da tentativa, sendo misto, radica, a um só tempo, no perigo que representa para o bem jurídico (teoria objetiva) e na vontade manifestada pelo agente em oposição ao ordenamento jurídico (teoria subjetiva). Já a sua natureza é bastante controvertida, sustentando alguns, comparando-a com o crime consumado, tratar-se de um delito incompleto, por faltar elementos em sua estrutura. Outros, por sua vez, entendem que, na tentativa, o tipo subjetivo é completo, enquanto que o tipo objetivo é incompleto. A nosso ver, nenhuma dessas correntes está com a razão. Ambas vêem, na tentativa, uma figura total ou parcialmente truncada e fragmentária, além de dependente e subordinada ao crime consumado. O nosso vigente Código Penal em muito contribuiu para a disseminação desse pensamento, ao definir o crime tentado com ênfase para a sua não consumação (art. 14, inc. II) e ao tratar a tentativa como simples causa de diminuição de pena (art. l4, parág. único). Diametralmente oposto é o posicionamento da teoria do tipo integral. Para ela, a tentativa tem tipicidade própria, obtida da combinação de um determinado tipo nominativo com o específico tipo integrativo. Por exemplo: na tentativa de homicídio, a tipicidade surge da junção dos arts. 121 e 14, inc. II, do CP, sendo, portanto, uma figura completa, por apresentar todos os elementos de sua definição legal. O que não se pode fazer é confundir fato com crime (aqui significando fato típico). Na tentativa, o fato, sem a consumação, é incompleto, mas o crime é completo. Pode-se, mesmo, dizer que, no crime tentado, existe um particular estado de consumação. Se iniciada a execução do fato, sem que o resultado pretendido ocorra, por circunstâncias estranhas à vontade do agente, consuma-se a tentativa. Esta, só como fato, é incompleta e, enfim, por ser comparada ao crime consumado. Ora, também a consumação, como fato, não deixa de ser incompleta, perante o exaurimento. Na esteira desse pensamento, não é possível falar-se, v.g., em tentativa de crime de homicídio, mas em crime de tentativa de homicídio ou em crime de homicídio tentado.

            Mas, qual é a sanção aplicável à tentativa?

            O Código Penal pátrio, no art. 14, parág. único, ordena seja a tentativa punida, salvo disposição em contrário, com a pena do crime consumado, diminuída de um a dois terços. No art. 352, contudo, o estatuto penal parece fugir à regra, recomendado a mesma pena ao preso ou interno que, empregando violência contra a pessoa, evadir-se ou tentar evadir-se. Os autores, a uma só voz, explicam que, no caso, a lei, mediante disposição em contrário, equiparou a tentativa à consumação, sem permitir que a pena seja diminuída. Ora, a assertiva não é verdadeira. O citado art. 352 é crime que se classifica entre os delitos de atentado, cuja a estrutura repele a admissibilidade da figura tentativa. Em outras palavras: o crime em exame não admite a forma tentada. Mas, tentar evadir-se não significa tentativa, uma vez que o agente não consegue consumar a evasão? Não. Aqui, apesar de o fato permanecer incompleto, o crime está completo e consumado com a realização da ação alternativa (tentar evadir-se). Apesar de o verbo indicar mera tentativa, o tipo integrativo do art. 14, inc. II, do CP, não é jungido ao tipo nominativo contido no art. 352 do CP, que, então, somente tipifica crime consumado. Para evitar erros e afirmações falaciosas, talvez fosse melhor que a lei, em vez da expressão tentar evadir-se, empregasse outra, como procurar evadir-se, adotando, assim, a terminologia dos arts. 335 e 358 do CP (procurar afastar...).

            No CPM, há duas situações bastante singulares: a primeira, que se insere no parág. único do art. 3l, consiste em possibilitar-se a punição da forma tentada com a pena do crime consumado, mas só nos casos de excepcional gravidade; a segunda, constante do § 3º do art. 81, refere-se à pena de morte que, para o cálculo da pena da tentativa, é correspondente a trinta anos de duração.

            Curiosamente, às vezes, a tentativa do fato, e somente ela, envolve a consumação do crime, sendo que, por outro lado, a consumação do fato não passa de mero irrelevante penal. É o que ocorre, v.g., nos arts. 9º, 11 e 17, todos da Lei de Segurança Nacional, por evidentes e indiscutíveis fundamentos.

            10. Passemos, agora, à participação criminal.

            O Código Penal trata do assunto, ao referir-se ao Concurso de Pessoas, nos arts. 29 a 31. É, contudo, a primeira parte do art. 29 que nos interessa, em face de o seu conteúdo descrever um tipo integrativo extensivo: quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.

            De pronto, verifica-se que estamos diante de uma situação integrativa extensiva, sem a qual o fato não encontraria tipicidade: a da participação (moral ou material). Na hipótese, diga-se, não se pode enquadrar a co-autoria, que é sem a menor dúvida, ligada à problemática da ação. Se autor é aquele que realiza a ação típica, co-autor é aquele que, juntamente com outro, realiza a ação típica. Isso é verdade ainda que os co-autores pratiquem ações diferentes, desde que típicas, havendo, logicamente, um liame subjetivo entre eles. Assim, um pode estar exercendo a violência sobre a pessoa (ação medial), outro, a conjunção carnal, no estupro, ou a subtração da coisa alheia, no roubo (ação final). A constatação de que a co-autoria não se enquadra no art. 29, primeira parte, do CP e, portanto, nas soluções trazidas, pela teoria unitária, à participação criminal, revela o acerto da teoria do tipo integral. Para ela, o tipo integrativo extensivo, ali contido, determina o tratamento penal unitário apenas para os participantes, não para os co-autores. No crime de infanticídio, por exemplo, qual a solução penal para o concurso de pessoas? Depende. Se o terceiro mata (esganando, estrangulando, sufocando), juntamente com a mãe, que está sob a influência do estado puerperal, o filho desta, durante ou logo após o parto, estará praticando homicídio. Mas, se somente concorre para o delito (induzindo, instigando), será réu de infanticídio, da mesma forma que a mãe, por força da teoria unitária contida no tipo integrativo extensivo (art. 29, primeira parte, do CP).

            Por outro lado, é bom esclarecer que há casos que o tipo indica estarmos diante de participação, quando, na verdade, trata-se de autoria ou co-autoria. Tal ocorre na concorrência em fato destituído de tipicidade praticado por outrem, como acontece frente aos arts. 122 e 351 do CP. De modo semelhante, dá-se nas hipóteses de autoria mediata.

            11. Finalmente, resumindo, temos as seguintes conclusões:

            1ª - todo tipo penal deve ser completado por algum dispositivo, o qual contém um elemento, a que chamamos elemento teletípico ou, simplesmente, teletipo;

            2ª - as denominadas normas de extensão são, na realidade, elementos teletípicos e, especialmente, tipos integrativos;

            3ª - a fusão do tipo integrativo com o tipo nominativo gera o tipo integral;

            4ª - o tipo integrativo é declarativo, extensivo e restritivo;

            5ª - o contratipo é o aspecto negativo do tipo integral;

            6ª - quando, no tipo integral, o tipo integrativo for restritivo, a extensão corresponde a um contratipo;

            7ª - o contratipo se distingue da justificativa, por ser específico de um delito ou grupo de delitos;

            8ª - a punibilidade da tentativa se fundamenta num critério misto: objetivo-subjetivo (perigo ao interesse e vontade ilícita);

            9ª - a tentativa possui a natureza de um delito completo, por força da combinação de um tipo nominativo com o tipo integrativo apropriado (art. l4, inc. II, do CP);

            l0ª - a estrutura da tentativa, como fato, é incompleta, mas, como delito, é completa;

            11ª - não se deve dizer, v.g., tentativa de crime de homicídio, mas, sim, crime de tentativa de homicídio ou crime de homicídio tentado;

            12ª - no art. 352 do CP, não se pode falar em tentativa, pois a ação alternativa, tentar evadir-se, já se refere a um delito consumado;

            13ª - há casos em que a tentativa do fato, e só ela, corresponde à consumação do crime (cf.: arts. 9º, 11 e 17 da LSN);

            14ª - a co-autoria não é objeto do tipo integrativo, que consagra a teoria unitária, prevista no art. 29, primeira parte, do CP, só aplicável à participação criminal;

            15ª - no infanticídio, como em outros crimes próprios, a co-autoria, diferentemente da participação, deve capitular-se segundo a incomunicável conduta de cada agente.

            16ª - por vezes, como se vê nos arts. 122 e 351 do CP, o partícipe é, na realidade, autor.

Sobre o autor
Dílio Procópio Drummond de Alvarenga

professor aposentado de Direito Penal na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Dílio Procópio Drummond Alvarenga. Teoria do Tipo Integral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2102. Acesso em: 25 nov. 2024.

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