RESUMO: Este artigo visa analisar as metamorfoses do mundo do trabalho no final do século XX e, a partir do confronto da situação dos trabalhadores antes e depois dessas metamorfoses, identificar qual é a questão social hoje, no Brasil e no mundo, como também verificar perspectivas para o trabalho neste século.
Palavras-chave: Mundo do trabalho. Metamorfoses. Trabalhadores. Transformações. Questão social. Perspectivas.
1. INTRODUÇÃO
As medidas postas em prática para a reestruturação do capitalismo em face da crise estrutural deflagrada nos anos 1970, inspiradas no Neoliberalismo e tendo entre suas estratégias principais a mundialização da economia, a financeirização do capital e a flexibilização das relações de produção e de trabalho, associadas com o emprego das novas tecnologias, promoveram transformações sem precedentes nas relações de trabalho.
As reestruturações provocaram enorme aumento do desemprego e do trabalho informal. No trabalho formal, diminuíram-se direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que surgiram inúmeras modalidades de relações precárias de trabalho. Nos países pobres e nas economias ditas emergentes, verificou-se considerável piora nos seus já escandalosos indicadores sociais, fenômeno do qual não ficaram imunes nem mesmo os países de capitalismo central, onde o padrão do “Welfare State” tem decaído crescentemente. Ao mesmo tempo, resultaram enfraquecidos, quando não aniquilados, os antigos meios de defesa da classe trabalhadora, em especial os sindicatos e os partidos políticos de esquerda.
Revelaram-se, assim equivocadas previsões de autores como Méda (1997) e Rifkin (1995), para os quais estaríamos caminhando rumo ao “fim do trabalho”, após a ampliação das modernas técnicas e tecnologias de produção ao nível planetário. O mesmo se pode dizer das previsões de autores que, como Habermas (1991), vislumbraram a substituição da esfera do trabalho pela “esfera comunicacional”; e Offe (1989), que antevia a “perda de centralidade da categoria trabalho”.
O que se vê hoje não é “o fim do trabalho”, mas a fragmentação e heterogeneização do mundo do trabalho e, por conseguinte, dos trabalhadores. As transformações que afetam atualmente os processos de trabalho e as relações de produção modificam as condições materiais do trabalho e de vida do proletariado, sua composição profissional ou política e sua consciência de classe, e isto está acontecendo em escala mundial. Os estudos que outrora apontavam para um suposto fim das classes operárias se equivocaram por se basearem, principalmente, na contradição numérica das antigas classes operárias europeias ou estadunidenses. Se tivessem mirado os dados globais, teriam percebido que em nível mundial o proletariado está crescendo rapidamente e de forma constante (ANTUNES, 2010, pp. 117 a 125).
Portanto, hoje, mais até do que nos tempos da produção fordista e centralizada, a enorme maioria da população mundial ainda é constituída das pessoas que dependem, para sobreviver e manter suas famílias, da remuneração que recebem pelo seu trabalho. Este argumento é forte para nos permitir sustentar, concordando com Heidrich (2006), que a gênese da questão social continua residindo na contradição inerente ao sistema capitalista e na exploração de uma classe pela outra.
Este artigo aborda as metamorforses do mundo do trabalho no final do século XX e analisa a questão social antes das referidas mudanças, para, em seguida, procurar detectar se, e em que aspectos, essas transformações alteraram a questão social. O artigo também levanta as perspectivas de alguns autores para o mundo do trabalho no século atual.
2. AS METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO NO FINAL DO SÉCULO XX
Para uma análise mais compreensível das metamorfoses no mundo do trabalho, este tópico segue dividido em dois subitens, cada um deles contemplando um dos dois aspectos mais evidentes das citadas metamorfoses: (2.1) as mudanças ocorridas nos padrões das relações de trabalho e (2.2) o enfraquecimento das defesas tradicionais do mundo do trabalho, representadas pela consciência de classe, os sindicatos e os partidos políticos.
2.1 Mudanças nos processos de trabalho
Está fora do objetivo deste artigo a análise das crises estruturais do capitalismo. Limitamo-nos assim, por reputarmos necessário para a adequada contextualização de nosso tema, sublinhar a funcionalidade ao capitalismo, das mudanças nos processos de trabalho e das transformações por elas provocadas nas relações de produção. Partimos da premissa de que tais mudanças e transformações figuram entre as principais estratégias idealizadas, via Neoliberalismo, para o enfrentamento da crise iniciada nos anos 1970, como se pode constatar em inúmeros textos, dentre os quais citam-se Pochman (2000), Chesnais (2000) e Antunes (2010).
Nas décadas de 1980 e 1990, no auge das reestruturações do capitalismo voltadas para o enfrentamento da crise iniciada nos anos 1970, desenvolveu-se uma teoria que vislumbrava naquele momento o nascimento de uma sociedade “pós-industrial” ou “pós-capitalista”, que viria ser responsável por várias mudanças (Gounet, 2000, pp. 93).
Para os adeptos da citada teoria, segundo ainda gounet (2000, pp. 93-94), as expectativas eram as seguintes: a) a sociedade industrial daria lugar a uma sociedade de informação, graças à mundialização e à introdução de novas tecnologias, em especial as oriundas de descobertas da microeletrônica, das telecomunicações e das biotecnologias, fazendo nascer a sociedade em rede; b) o trabalho deixaria de ser o fator de produção essencial, sendo substituído pela informação e o saber; c) o emprego na indústria e nas atividades manufatureiras diminuiria, enquanto aumentaria constantemente nos serviços e na indústria de informação; d) o trabalho mudaria de conteúdo, haveria o fim do trabalho como nós o conhecemos; a cadeia de montagem taylorizada daria lugar ao trabalho flexível, polivalente, efetuado em grupos ou em rede e mais valorizado que as operações repetitivas, monótonas, sem originalidade e sem imprevisto, que prevalecia nas fábricas até então; e) os empregos menos qualificados migrariam para os serviços e aconteceria uma dicotomia: de um lado, os experts, os técnicos que se beneficiariam deste trabalho enriquecido, e do outro, os que seriam excluídos dessa possibilidade e que deveriam se contentar com trabalhos menos interessantes; f) a passagem para a sociedade informacional mudaria a relação entre a vida profissional e a vida privada, pois uma parte maior das populações iria se dedicar à vida privada, pois se tornaria possível o aumento da produtividade com menos trabalhadores; g) o tempo de trabalho seria assim partilhado, sob a forma de uma redução do tempo de trabalho ou de um aumento de trabalhadores laborando em tempo parcial ou temporariamente, proporcionaria mais tempo para o lazer; o pleno emprego deixaria de ser um objetivo e cada vez menos os trabalhadores teriam o mesmo emprego por toda a vida, devendo tornar-se flexíveis e mudar constantemente de trabalho; h) ocorreria o fim do trabalho assalariado como base da sociedade do emprego assegurado; i) os Estados Unidos seriam o principal modelo da sociedade informacional e traçariam o caminho para esse tipo de sociedade e todos os outros países deveriam seguir.
No mesmo texto, Gounet (2000, pp. 95-96) já evidenciava o equívoco no essencial das previsões acima, demonstrando: a) que as mudanças ocorridas, ao invés de eliminar, na verdade agudizaram as contradições do capitalismo, enfatizando que estas contradições ampliadas é que estariam sendo a característica mais importante da sociedade atual; b) que esta sociedade será sempre, fundamentadamente, uma sociedade capitalista, e que essa característica se reforça na mesma medida em que se expande o mercado; c) que a base da sociedade é sempre a exploração do trabalho operário; d) que a classe operária tende a aumentar, não a diminuir; e) e que, desse modo, o trabalho é cada vez mais dependente do mercado e do capital e é, por conseguinte, cada vez mais alienado. (GOUNET, 2000, p. 95).
As conclusões de Gounet (2000) são procedentes, conforme se pode conferir na continuidade deste artigo, quando se faz uma comparação das condições vigentes no mundo do trabalho antes dos processos de reestruturação com a situação do mundo do trabalho hoje.
A indústria e o processo de trabalho se consolidaram ao longo do século XX com base no modo de produção conhecido como Fordismo, idealizado no seio da indústria automobilística e disseminado para todo o processo industrial, cujos elementos constitutivos, básicos, segundo Antunes (referindo-se ao século XX), eram dados:
“(...) pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operarário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. Menos de um modelo de organização societal, que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade, compreendemos o fordismo como o processo de trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste longo século” (ANTUNES, 2010, pp. 24-25).
O mesmo autor sublinha como a fusão do fordismo com a organização taylorista do trabalho proporcionou a generalização dessa forma de produção no mundo capitalista, salienta seu comprometimento com o capital e sublinha o momento em que ela deu seus sinais de esgotamento:
“Esse processo produtivo transformou a produção industrial capitalista, expandindo-se a princípio para toda a indústria automobilística dos Estados Unidos e depois para praticamente todo o processo industrial nos países capitalistas. Ocorreu também sua expansão para grande parte do setor de serviços. Implantou-se uma sistemática baseada na acumulação intensiva, uma produção em massa executada por operários predominantemente semiqualificados, que possibilitou o desenvolvimento do operário-massa (mass worker), o trabalhador coletivo das grandes empresas verticalizadas e fortemente hierarquizadas. A introdução da organização científica taylorista do trabalho na indústria automobilística e sua fusão com o fordismo acabaram por representar a forma mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo de várias décadas do século XX, sendo somente entre o final dos anos 60 e início dos anos 70 que esse padrão produtivo, estruturalmente comprometido, começou a dar sinais de esgotamento ”. (ANTUNES, 2010, p. 37-38).
Desde a crise estrutural do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o capitalismo vem sofrendo, em escala mundial, profundas mudanças, tanto na sua estrutura produtiva quanto no universo de seus ideários, seus valores etc., com consequências no mundo do trabalho. Tais transformações fazem parte das respostas à citada crise e se dirigem por um lado, contra o modelo de regulação social-democrático que deu sustentação ao estado de bem-estar social em vários países centrais, e por outro lado contra o padrão produtivo fordista (ANTUNES, 2010, p. 190). Este autor realça o uso dos avanços tecnológicos e de novas formas de acumulação flexível, em especial o toyotismo, bem assim o propósito capitalista, embutido nas mudanças, de controlar o movimento operário e a luta de classes:
“Particularmente nos últimos anos, como respostas do capital à crise dos anos 70, intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo, por meio do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca, para o capital, especialmente, o toyotismo. Essas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência intercapitalista e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar fortemente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical e operário”. (ANTUNES, 2010, p. 195).
A partir de experiências em vários pontos do mundo, o fordismo/taylorismo foi mesclado com outros processos produtivos, recebendo denominações como neofordismo, neotaylorismo e pós-fordismo. Merecem destaques as experiências da Terceira Itália, do Vale do Silício nos Estados Unidos, de regiões da Alemanha e da região de Kalmar, na Suécia, que inclusive rendeu o chamado Kalmarianismo (ANTUNES, 2010, p. 24). Segundo Harvey, citado por Antunes (ANTUNES, 2010, p. 28), em todas as citadas experiências “o trabalho organizado foi solapado. Ocorreram altos níveis de desemprego estrutural e houve retrocesso da ação sindical. O individualismo exacerbado encontrou, também, condições sociais favoráveis, entre tantas outras consequências negativas”.
Na experiência do Japão o fordysmo/taylorismo não foi simplesmente mesclado com outros processos produtivos, tendo sido mesmo substituído completamente pelo denominado Toyotismo. Esse viria a ser o modelo eleito pelo capitalismo para realizar a empreitada da reestruturação produtiva por todo o mundo capitalista (ANTUNES, 2010, pp. 23-24).
O Toyotismo ou Ohnismo (de Ohno, engenheiro que o criou na fábrica Toyota) é uma forma de organização do trabalho que nasceu na Toyota, no Japão pós-1945, e que, muito rapidamente, se propagou para as grandes companhias daquele país. O Toyotismo se distingue do Fordismo, basicamente, nos seguintes traços: a) é uma produção muito vinculada à demanda, enquanto a produção fordista se dá em série e em massa; por isso, a produção é variada e bastante heterogênea, ao contrário da produção fordista; b) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, em contraste com o caráter parcelar do fordismo; c) funciona segundo produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas; d) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; e) funciona segundo o sistema kaban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque (os estoques são mínimos, em comparação com o fordismo); f) as empresas, inclusive as terceirizadas, têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da estrutura verticalizada fordista: enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25 % da produção; a fábrica prioriza o que é central em sua especialidade e transfere o restante a terceiros; a horizontalização estende-se às subcontratadas (terceirizadas), acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores; g) contempla o “emprego vitalício”, pelo qual o trabalhador aos 55 anos é deslocado para trabalho menos relevante; como também institui a prática de ganhos salariais vinculados ao aumento da produtividade; h) na empresa são organizados os denominados Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num instrumento para o capital apropriar-se do savor faire (saber fazer) intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava. (ANTUNES, 2010, pp. 54-55).
Vale assinalar, a despeito da característica do toyotismo descrita na letra “h”, supra, que as CQQs, assim como os programas de “Qualidade Total” e outros semelhantes constituem técnicas para se conseguir no interior das empresas a adesão dos trabalhadores no sentido de aceitar integralmente o projeto do capital. Essas técnicas constituem, na prática, uma manipulação do trabalho, com o envolvimento dos trabalhadores, através de um processo ainda mais profundo de interiorização do trabalho alienado, pelo qual “(...) o operário deve pensar e fazer pelo e para o capital, o que aprofunda (ao invés de abrandar) a subordinação do trabalho ao capital”. (ANTUNES, 2010, p. 196).
A forma flexibilizada de acumulação capitalista, baseada na reengenharia, na empresa enxuta, trouxe consequências devastadoras para o mundo do trabalho, sendo as mais importantes as seguintes: a) a crescente redução do proletariado fabril estável, decorrente da reestruturação, flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo; b) o incremento do “novo proletariado”, do sub-proletariado fabril e de serviços, o que tem sido denominado mundialmente de trabalho precarizado e que se compõe de terceirizados, subcontratados, trabalhadores em part-time e várias outras formas assemelhadas em todo o mundo; c) o preenchimento dos postos de trabalho precarizados, inicialmente, por imigrantes (gastarbeiter na Alemanha, lavoro Nero na Itália, chicanos nos EUA, dekasseguis no Japão etc.) e hoje até mesmo por trabalhadores especializados e remanescentes da era taylorista-fordista; d) significativo aumento do trabalho feminino (mais de 40% da força de trabalho nos países avançados), que tem sido preferencialmente absorvido no universo do trabalho precarizado e desregulamentado; e) incremento dos assalariados médios e de serviços, embora esse setor já presencie também níveis de desemprego acentuado; f) exclusão dos jovens e dos idosos do mercado de trabalho dos países centrais: os primeiros acabam muitas vezes se inserindo em movimentos neonazistas e estes últimos, com cerca de 40 anos ou mais, quando desempregados e excluídos do trabalho, dificilmente conseguem o reingresso no mercado de trabalho; g) inclusão de crianças no mercado de trabalho, particularmente nos países de industrialização intermediária e subordinada, como os asiáticos e latino-americanos; e h) expansão daquilo que Marx denominou de “trabalho social combinado”, em que trabalhadores de diversas partes do mundo participam do processo de produção e de serviços (ANTUNES, 2010, p. 198).
Desse processo de mudanças, resultou:
“(...) uma classe trabalhadora mais heterogênea, fragmentada, heterogeneizada e mais complexificada, dividida entre trabalhadores qualificados e desqualificados, do mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e precários, imigrantes e nacionais, brancos e negros etc., sem falar nas divisões que decorrem da inserção diferenciada dos países e de seus trabalhadores na nova divisão internacional do trabalho”. (ANTUNES, 2010, p. 198).
Verifica-se, pois, que não existe a tão cogitada tendência de eliminação da classe trabalhadora, mas sim a sua precarização e com utilização ainda mais intensificada do que no período da exploração fordista/taylorista, ou seja, aumentaram os níveis de exploração do trabalho (ANTUNES, 2010, p. 198).
2.2. O enfraquecimento das defesas do mundo do trabalho
A reestruturação do modo de produção capitalista desqualificou ou paralisou as instituições nas quais recaía tradicionalmente a tarefa de transformar a queixa em denúncia de caráter geral e em protesto público, mais especificamente, os sindicatos e os partidos políticos (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009, p. 285).
Com relação aos sindicatos, o avanço do toyotismo em escala global os reduziu ao âmbito quase exclusivamente fabril, representado, conforme Antunes (2001, p. 246), por um “sindicalismo de empresa, de parceria, mais vulnerável e atado ao comando patronal”, o que não foi por acaso. Com efeito, no modo toyotista, a maior parte do processo de produção passou a ser realizada por terceiros, o que por si só já é suficiente para causar um grande abalo no sentimento de pertinência a uma mesma classe. Soma-se a isso tudo a estratégia de manipulação do trabalho, mediante técnicas para conseguir que o trabalhador pense e faça cada vez mais pelo e para o capital, das quais são exemplos a tão propalada “qualidade total” e os Círculos de controle de Qualidade (ANTUNES, 2001, p. 231).
Em estudo atual do que se passa com os sindicatos na Europa e principalmente na França, Boltanski e Chiapello (2009, p. 287) afirmam que os deslocamentos do capitalismo deram o golpe quase mortal nos sindicatos, seja de modo voluntário e planejado, seja por meio de uma combinação de efeitos perversos e de má administração das novas condições. Ao longo do texto citado, seus autores apontam aquelas que seriam as causas do enfraquecimento dos sindicatos: a) altos níveis de dessindicalização, advindos da recomposição do tecido econômico, mediante a terceirização, a filialização, a recolocação e outras formas de degradação do emprego como tradicionalmente conhecemos (ibidem, p. 295); b) a transferência do emprego para o setor de serviços e para as pequenas e médias empresas, em grande parte resultado da recomposição dos modos de produzir, teve como consequência colocar os assalariados em estruturas pouco sindicalizadas, sem tradição de oposição, em que a precariedade maior se opõe à eventual vontade de organização (ibidem, p. 296); c) a desintegração da comunidade de trabalho, pois passaram a trabalhar num mesmo lugar pessoas provenientes de empresas diferentes e com estatutos diversos, o que contribuiu para desarmar e desorientar a ação coletiva (ibidem, p. 297); e d) a diminuição do nível de conflitos nas empresas, mediante a adoção de novos métodos de gestão das relações humanas que levam o empregado a se sentir como um participante ativo e satisfeito no processo de acumulação dos lucros, evitando-se com isto a participação dos sindicatos (ibidem, p. 297).
Recordando que os sindicatos e os partidos políticos são a expressão da consciência de classe (ou a “subjetividade” do trabalho), Antunes (2010, p. 167), salienta que a mesma foi também duramente atingida pela crise e pelas metamorfoses. Na mesma direção, Lopes e Abreu (2004, p. 6) recordam que as bases materiais da solidariedade de classe, como elemento histórico da organização da classe trabalhadora na luta pela emancipação humana, vem sofrendo recuos desde o final do século XIX, com o desenvolvimento da acumulação capitalista na sua escalada imperialista, sendo intensificada posteriormente no contexto do Estado de Bem-estar Social e no contexto da atual reestruturação flexível.
As citadas autoras assinalam que, se por um lado as atuais condições se contrapõem à tese do fim da centralidade do trabalho e da classe trabalhadora, ao mesmo tempo se consolida a compreensão de que se trata de um momento difícil para a conformação e fortalecimento da consciência de classe e das organizações de mediação política dos trabalhadores, pois sindicatos e partidos políticos, que no mundo todo fizeram e fazem essa mediação, estão acometidos por profundas crises (LOPES e ABREU, 2006, p.6). Estas pesquisadoras citam os casos da Itália, França, Alemanha e Inglaterra, como exemplo de alguns países do capitalismo central onde os partidos políticos com base na classe trabalhadora distanciaram-se do projeto emancipatório e avançaram rumo às políticas neoliberais. Os sindicatos nesses países, por sua vez, foram impelidos para uma postura defensiva, não só dos direitos conquistados pela luta histórica dos trabalhadores contra o capital, mas, principalmente, a defesa dos postos de trabalho (LOPES e ABREU, 2006, p. 6).
Esse mesmo processo se verificou no Brasil no decorrer da década de 1990, quando os sindicatos acuados pela ofensiva neoliberal, pela desestruturação do mundo do trabalho e pela destruição de suas bases em razão do desemprego e da terceirização, perderam seu vínculo com o horizonte de classe e deixaram-se levar, sob a pressão das circunstâncias, pela fragmentação da classe (ANTUNES, 2006, p. 465). Os sindicatos, buscando se preservar como corporação social, fecharam-se em si - e assim permanecem, neste momento crucial.
Essa atitude defensiva, agregada à influência político-ideológica dos agentes sindicais da socialdemocracia internacional, assumiu um caráter de revisão ideológico-pragmática do sindicalismo. A crise do capital passou a servir de pretexto para a disseminação da nova ideologia e prática reformista do concertamento social, ou seja, a linha do menor esforço da participação e do não-confronto com a política do capital. “Em torno da velha estrutura sindical varguista, germinou uma nova cultura corporativa não mais de Estado, mas de mercado” (ALVES, 2006, p. 463).