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A problemática do ensino jurídico

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Agenda 01/10/2001 às 00:00

6.DAS CONCLUSÕES

O que foi apontado nessas linhas ligeiras, recorde-se, principiou com a enunciação de três graves constatações acerca do ensino jurídico atual. A primeira delas voltada ao aspecto epistemológico, do que reclamou-se a inadequação do exercício do mero debruçar positivista da Ciência do Direito, incomportável na complexidade das relações sociais, não mais passíveis de serem pautadas em simplória exegese do direito positivo em vigor. Nesse passo, assinalou FRANCO MONTORO, até há pouco entre nós: A formação jurídica não se confunde com o simples conhecimento de leis vigentes, para a sua aplicação mecânica aos casos concretos. Essa formação legalista pode convir à figura ridícula de um João das Regras, decorador de textos e autômato na sua aplicação. A formação jurídica, objetivo fundamental do ensino do Direito, é outra coisa(5).

Em par com a dita censura, a denúncia do modelo aula-conferência coimbrã, expressão pinçada da fala do inesquecível SAN TIAGO DANTAS, que já em meados do Século reclamava atenção para o problema, augurando a importância de não se manietar o raciocínio jurídico do alunado, aferrando-o a fórmulas pré-concebidas de aprendizado, deixando-o liberto para a pesquisa independente, o debate, a participação, enfim, para a criação, como forma de exercitar e nutrir o senso axiológico do Direito.

O advento da Portaria 1886/94 do MEC anuncia avanços nesse campo, ainda que a mudança principal deva acontecer na mentalidade do corpo acadêmico. Nota-se a presença, entre as chamadas disciplinas fundamentais, de títulos tendentes ao treino do raciocínio jurídico, à formação do profissional do Direito desapegada da linha de assimilação de códigos e artigos enfileirados, absorvidos sem qualquer exercício crítico ou dialético(tenha-se como exemplo a introdução da cadeira de Filosofia, sob angulação geral e jurídica, ética e profissional). Isso dentre outros aspectos positivos, como a obrigatoriedade de destinação de cinco a dez por cento da carga horária total do curso para atividades complementares, incluindo pesquisas, seminários, monitoria, extensão, etc(art.4), a concentração em áreas de especialização a partir do 4 ano(art.8), a obrigatoriedade, para conclusão do curso, da defesa de monografia final perante banca examinadora(art.9), estágio de prática jurídica com um mínimo de 300 horas de atividades práticas, etc.

Que se comece, pois, obdecendo à Portaria 1886/94, que enverga em si a legitimidade de ter sido precedida por amplo debate no seio das IES jurídicas dos diversos quadrantes do país.

Quanto ao sucateamento das Federais, repristino o que dito alhures sobre sua inalienável tradição, sua história, a riqueza do material humano que possui, que pode e deve lutar, escorado no reconhecimento público de seus predicados, por tratamento condigno do Estado. Lamentavelmente não bastam boa vontade e sacrifícios pessoais para sensibilizar o trato político da questão. Que se use, então, dos meios disponíveis, legítimos num país que se pretende democrático, buscando de congressistas e políticos a atenção para o debate que cerca um dos maiores patrimônios nacionais, consubstanciador da cultura e do intelecto dos grandes juristas que ornamentam as galerias das Faculdades de Direito das Universidades Federais. Mãos a obra, gente. Lembrem do ensino de HENRY SOBEL, rabino radicado em São Paulo: melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão.

Por fim, fechando a tríade de problemas escalonados no início - e para que não se deixe nenhum sem resposta - vem a questão da proliferação de novos cursos de Direito.

É fato. Só no Estado de São Paulo contam-se cerca de duzentos cursos. Mas já se disse aqui que o mercado saberá impor sua seletividade, defenestrando as más instituições. Porém, não é o bastante, já que existem também os maus alunos, potenciais signatários daquele pacto de mediocridade antes mencionado. Algumas propostas, então, sem prejuízo do que já explanado em relação aos problemas anteriores(reorientação principiológica, mudança no modelo tradicional das aulas-conferência, ênfase ao desenvolvimento de senso crítico e lógica jurídica por parte do alunado e abandono da literalidade positivista), podem ser esboçadas.

Avulta, de logo, a necessidade de aprimoramento dos critérios de aprovação, ou credenciamento pelo MEC, afastando-se de qualquer ingerência política, e buscando, no âmbito da aferição pedagógica, voltada à área, a base para a formulação de requisitos sérios, inarredáveis. Há os que defendem, ante o excesso atualmente verificado, a simples interrupção dos credenciamentos. Assim não vejo, porque iniciativas sérias poderiam ser obliteradas injustamente, privando a comunidade sequiosa por bons cursos. Que se continue credenciando, mas aferindo cum grano salis os requisitos indispensáveis a uma escola de qualidade, restringindo o aumento do número de vagas e, paulatinamente fechando, sim, fechando, as instituições descompassadas com o perfil mínimo que é razoável de se exigir.

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Devem os novos cursos e os já existentes submeterem-se a um programa constante de avaliação, não só em relação ao aproveitamento final do corpo discente, mas dos próprios professores, que devem envergar titulação mínima, oferecer resultados de extensão e pesquisa, enfim, demonstrar devoção e interesse para com o ensino, que não pode significar apenas um bico para profissionais doutra seara, mas, até para estes, ocupantes de cargos estranhos ao magistério, que enverguem com a mesma seriedade a missão de extrema responsabilidade que é lecionar disciplinas jurídicas.

Que se dissemine, por fim, a prática do concurso para professores, mesmo em instituições particulares, cabendo no caso destas, quando muito, dispensar de exame seletivo tradicional juristas renomados, reconhecidos no meio acadêmico-doutrinário, valendo a presunção de qualificação decorrente dos títulos efetivamente ostentados.

Quedo-me convicto de que a adoção dessas diretrizes - felizmente sinalizadas na normatização recente do MEC e compreendidas pelo meio acadêmico - contribuirá para que, em futuro não muito distante, já se tenha a percepção de resultados no concerto das atividades forenses ou de alguma forma ligadas à ciência jurídica.


Notas

1. MELO FILHO, ÁLVARO - Metodologia do Ensino Jurídico, 3°  ed.,Editora Forense, 1984, p. 05.

2. RODRIGUES, HORÁCIO WANDERLEI - Novo Currículo Mínimo dos Cursos Jurídicos, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 11.

3. RODRIGUES, HORÁCIO WANDERLEI - Novo Currículo Mínimo dos Cursos Jurídicos, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 56.

4. LE GOFF, JACQUES - Uma Vida para a História (Conversações com Marc Heurgon), trad. de JOSÉ ALUYSIO REIS DE ANDRADE, 1 ed., Editora UNESP, 1998.

5. Apud MELO FILHO, ÁLVARO - Metodologia do Ensino Jurídico,3 ed.,Editora Forense, 1984, p. 17.

Sobre o autor
Pompeu de Sousa Brasil

juiz Federal titular da 3° Vara da Seção Judiciária da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRASIL, Pompeu Sousa. A problemática do ensino jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2112. Acesso em: 27 dez. 2024.

Mais informações

Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

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