4. DA ALTERAÇÃO DA SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
A versão anterior da Súmula tinha como pressuposto basilar a responsabilização subsidiária do tomador de serviços pelo simples inadimplemento dos encargos trabalhistas. O entendimento que prevalecia na época nos Tribunais Superiores era que o trabalhador na relação de emprego é hipossuficiente, havendo a necessidade de protegê-lo dos desmandos do poder público.
O fundamento do princípio da proteção visa equilibrar as relações entre o capital e a força de trabalho, tendo em vista que são manifestamente desiguais. Tal desigualdade surgiu desde os primórdios da humanidade onde o mais forte sempre se manteve em posição privilegiada em relação aos demais no que tange a ocupação das terras e no aproveitamento da propriedade
Sobre o princípio da proteção, ministra o eminente Ministro Maurício Godinho Delgado (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do Trabalho, São Paulo: Ltr,2004. p.197-198):
[...] que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia -o obreiro-, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesse obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente.
A Constituição Federal de 1988 adotou como princípio basilar de todo ordenamento jurídico a dignidade da pessoa humana, que respalda na sua integralidade o principio da proteção adotado pela justiça do trabalho, conforme o inciso III do art. 1º da CF:
Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana consiste na humanização da relação do trabalho tendo por base o trabalhador como um ser humano, devendo ser visto como sujeito e não objeto de desenvolvimento das atividades laborais, cabendo ao poder publico garantir que o rol de direitos sociais seja garantido através de políticas públicas dirigidas a sociedade.
Sobre a importância deste principio, ensina Alexandre de Morais:
[...] concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
O Tribunal Superior do Trabalho, ao revisar a Súmula 331, acresceu o inciso V com o fito de adequar seu entendimento com os ditames estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, ressaltando que não será mais viável atribuir responsabilidade subsidiária ao Poder Público com base no argumento genérico de que não foi observado o dever de fiscalização dos contratos, conforme se extrai da leitura da referida Súmula:
Súmula 331:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional.
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.(grifo nosso)
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação
Ressalta-se que as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho já começaram a aplicar a Súmula com a nova redação, nos seguintes termos:
"A C Ó R D Ã O
3ª Turma
RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. O excelso STF concluiu, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, cujo acórdão ainda pende de publicação, que os artigos 1º, IV, e 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 não contrariam a diretriz traçada pelo artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao menos no que tange à completa irresponsabilidade civil da Administração Pública pelos danos causados pelas empresas ungidas em licitações contra seus próprios empregados. Para adequar sua jurisprudência ao entendimento do excelso STF, o TST, em sessão plenária de 25/05/2011 acrescentou o item V à Súmula 331 do TST, assentando que os entes da administração pública direta e indireta serão subsidiariamente responsáveis caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93. No caso, o quadro fático delineado pelo e. Tribunal Regional não permite concluir pela ausência de fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. Nesse contexto, não há como atribuir responsabilidade subsidiária à PETROBRAS impondo-se a sua exclusão da lide. Recurso de revista conhecido e provido(TST-RR-82500-08.2008.5.21.0011).
O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região vêm adotando o mesmo entendimento:
TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. Forma moderna e lícita de contratação, tendo como escopo a racionalização dos serviços, a jurisprudência consolidou a impossibilidade de formação de vínculo direto com o tomador, mas não excluiu sua responsabilidade em face de encargos trabalhistas inadimplidos pelo prestador (Súmula 331, IV do TST). Ainda que ente da Administração Pública, o tomador é responsável subsidiário por créditos trabalhistas devidos ao trabalhador, e inadimplidos, uma vez derivados do trabalho executado em cumprimento à avença realizada com terceiro. Isto porque ao tomador dos serviços incumbe exercer controle e fiscalização sobre a execução do contrato firmado(RO 0000051-07.2011.5.12.0021 – 6ª Turma, Rel. Des. Lígia Maria Teixeira Gouvêa).
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. INCISO V DA SÚMULA Nº 331
DO TST. CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA CULPOSA. Nos termos da nova redação do inciso V da Súmula nº 331 do TST ”Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.(RO 0002987-81.2010.5.12.0007 - 1ª Turma, Rel. Des. Viviani Colucci)”.
Extrai-se dos julgados da justiça laboral que para se adotar a responsabilidade subsidiária nos casos de inadimplemento de verbas trabalhistas pela empresa terceirizada será de suma importância que se configure a presença de culpa in vigilando ou in eligendo por parte do poder público, tendo em vista que a responsabilidade subsidiária do tomador, integrante da Administração Pública, se embasa em seu procedimento culposo derivado da desatenção aos preceptivos dos arts. 58 e 67, da Lei nº 8.666/93.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o julgamento da ADC nº 16 pelo Supremo Tribunal Federal, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho sofreu alteração no sentido de que a inadimplência da empresa terceirizada não pode transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos trabalhistas, devendo existir nexo causal do Poder Público na fiscalização do contrato e o não pagamento das verbas laborais por parte da empresa terceirizada. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a responsabilidade da Administração Pública se funda na culpa in eligendo e na culpa in vigilando.
A referida decisão reforçou a necessidade de efetiva fiscalização dos contratos com o fito de elidir a responsabilidade civil do ente público.
Desta forma, se o poder público escolheu bem a empresa contratada e fiscalizou a execução dos serviços, não há que se falar em condenação da administração pública pelo inadimplemento de verbas trabalhistas pela tomadora de serviço.
REFERÊNCIAS
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