ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA INTEGRACIONISTA DA UNIÃO EUROPÉIA
União Econômica e política
O contexto de integração na atual União Européia concentra-se na história de guerras do velho continente. Daí resulta a grande diferença com o fundamento da integração Latino-Americana, a qual, possui por escopo assumir novo posicionamento frente ao comércio internacional, além de ganhar forças em mesas de negociação, fortalecendo-se frente as grandes potências.
Para os operadores da União Européia, por certo que a questão econômica assume grande importância, contudo, não podemos negar que a gênese da integração foi a busca pela paz, evitando-se os horrores de décadas passadas.
Ao final da 1ª Grande Guerra Mundial, surgiu o Manifesto Europeu aprovado em Viena, em 1924, em que os europeus firmavam o compromisso de buscar elos duradouros entre os povos. A 2ª Grande Guerra Mundial, apesar dos resultados, só veio firmar o intento, e o que há de mais importante, a intenção estava por ser firmada entre vencidos e vencedores. Depois de duas guerras mundiais, é claro, que a vontade popular e política esta extremamente aguçada. Principalmente pelo medo de uma possível terceira guerra.
Inicialmente tivemos a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, em 1851. Após tivemos O Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia e o Tratado Constitutivo da Comunidade de Energia Atômica, ambos em 1957. Todos os projetos citados obtiveram grandes êxitos e com isso outros países manifestaram interesse em aderir, fato que incrementou ainda mais a integração.
O Tratado de Roma após suas revisões e tendo alcançado com êxito o mercado comum, passou a objetivar a união econômica e política, tendo para isso, em 1993, surgindo o Tratado da União Européia. Passando a ser conhecida não mais como Comunidade Econômica Européia, mas como União Européia.
A mudança terminológica não foi sem propósitos, a retirada da palavra econômica, independente de permanecer o seu intento, quis significar uma maior importância aos aspectos sociais e políticos, querendo dar a entender que o aspecto humano passa a ser firmado como mais importante do que o aspecto econômico.
Estrutura orgânica da União Européia
Realizando uma breve análise comparativa da estrutura orgânica do Mercosul e da União Européia, observaremos que são bastantes semelhantes no aspecto dos órgãos, existindo diferenças no que diz respeito as competências e na natureza supranacional dos órgãos europeus.
Os órgãos são os que seguem:
a) o Conselho da União Européia – órgão de decisão, cabe a ele coordenar as políticas da integração, integrado por um representante ministerial de cada Estado-membro, delibera por unanimidade;
b) a Comissão – órgão técnico que cuida para que as regras, os princípios e as decisões dos tratados sejam cumpridas, podendo até mesmo negociar tratados com outros países e organizações internacionais;
c) o Parlamento Europeu – representa o povo europeu, zela pela proteção dos direitos dos cidadãos;
d) o Comitê Econômico e Social – órgão auxiliar, de natureza consultiva, composto de representantes dos diversos setores econômicos e sociais, serve para aproximar as necessidades dos segmentos setoriais para serem discutidos;
e) a Secretaria Administrativa – funciona como órgão burocrático, arquivando os documentos da União Européia, além de publicar o Boletim Oficial das Comunidades Européias. (11)
Ordenamento Jurídico da União Européia
Neste tópico encontra-se a maior diferença com o Mercosul, decorrente já da opção pela supranacionalidade, deixando para o passado a idéia de intergovernabilidade (opção mercosulista). A partir do momento que se opta pelo conceito de supranacional, acaba-se no transcorrer do percurso esta escolha sendo exteriorizada pela criação de um Tribunal de Justiça supranacional, fator este já realidade para a União Européia.
Elizabeth Accioly (12) enumera algumas características do ordenamento jurídico europeu, sendo elas a harmonia dos dispositivos internos com os da comunidade (tratados) e o respeito a integração que as normas comunitárias devem ter perante o ordenamento interno. Portanto, a Europa tem muito bem resolvida a questão dos tratados internacionais, o que não acontece no Mercosul.
Compõe-se do direito originário e do direito derivado, compreendendo o primeiro os tratados constitutivos (Tratado de Roma, Ata Única Européia e o Tratado da União Européia), o direito derivado, por sua vez, compreende os instrumentos que nascem dos órgãos comunitários, ou seja, regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres.
O regulamento (Conselho) é de aplicação direta nos ordenamentos nacionais, uma vez que corresponde a Lei maior da União Européia. A diretiva impõe resultados, deixando a forma para alcança-los para os Estados nacionais decidirem. Aqui esta o instrumento de harmonização da comunidade européia. Possui efeito direto, mas não aplicabilidade direta.
A decisão dirige-se ao Estado ou ao particular e os obriga individualmente. É aplicada quando ocorre desobediência ao disposto no Tratado da União Européia.
Os meios vistos até agora vinculam as partes. O que não ocorre com as recomendações e os pareceres, os quais, servem para sugerir uma determinada forma de atuação, evitando-se para o futuro uma sanção.
O Tribunal de Justiça, por sua vez, implica na uniformização da jurisprudência comunitária, evitando, caso não existisse, decisões diversas para casos idênticos, a depender dos juízes nacionais, além, é claro, de aplicar o direito comunitário.
Os instrumentos colocados a disposição do Tribunal de Justiça são: a ação por incumprimento – contra os Estados que não cumprem os dispositivos do Tratado; o recurso por omissão – objetiva o controle da legalidade; o recurso de anulação – que vai de encontro as decisões das instituições comunitárias que não possam permanecer em vigência por irem contra a própria comunidade; a ação de reparação de danos – quando uma instituição da comunidade comete um ilícito causando danos aos direitos dos cidadãos, estes podem se utilizar dessa; o reenvio prejudicial – a ordem interna quando sente dúvida pode enviar o caso para apreciação da ordem comunitária.
ANÁLISE COMPARATIVA DOS SISTEMAS TRIBUTÁRIOS DO MERCOSUL
Método comparativo utilizado
Inicialmente tomamos o cuidado de apresentar o processo de integração do Mercosul, logo em seguida, apresentamos um processo de integração que normalmente nos é apresentado como modelo a ser seguido, o que para nós não foi levado a termo, uma vez que a exposição da sistemática da União Européia servirá apenas como parâmetro.
A análise que objetivamos ser construída no transcorrer do presente trabalho tem por escopo revelar semelhanças e diferenças que possam contribuir ou obstacularizar a harmonização do direito tributário no processo integracionista do Mercosul. Para isso devemos nos utilizar de um método comparativo, através das vias do Direito Comparado.
De nada adianta apresentarmos uma análise comparativa sem acompanhamento de uma síntese comparativa. A ausência desta produz um trabalho incompleto ou imperfeito. Porque? Porque ao Direito Comparado cumpre descobrir tendências jurídicas ou mesmo influenciar que as mesmas ocorram.
A matéria que ora estudamos, aliás, é tida pelos estudiosos do Direito Comparado como realista, isto porque, não se apega apenas ao intuito cultural, mas sim, que sua investigação tenha valor muito mais abrangente que o cultural, alcançando o status de político-econômico.
Nosso estudo assume importância para o melhor conhecimento dos sistemas tributários dos países integrantes do Mercosul; para melhor interpretarmos ou melhor compreendermos a interpretação que se é dada para determinado aspecto, como o que ocorre com a necessidade de internalização dos tratados internacionais no Brasil; e, para o que há de mais importante, a supressão de lacunas existentes.
Para os alemães o direito comparado é nada mais, nada menos, que a comparação de direitos. E, para isso, existem dois métodos, a macrocomparação e a microcomparação. (13)
Na macrocomparação realiza-se a comparação entre sistemas jurídicos em sua totalidade. Não se busca realizar a comparação de todos os sistemas jurídicos, muito menos todos os elementos constantes nos sistemas jurídicos, mas sim, realiza de forma geral a classificação dos sistemas jurídicos (comparação entre sistemas jurídicos; agrupamento dos sistemas jurídicos; e, por último a comparação entre as famílias de direitos).
Por sua vez, a microcomparação trabalha com institutos específicos dos sistemas jurídicos, é, portanto, especializada. Como exemplo podemos citar o estudo dos tratados internacionais entre os países mercosulistas.
O método de Direito Comparado escolhido para discorrermos sobre a harmonização do direito tributário no Mercosul foi o da microcomparação. Primeiramente, porque os sistemas jurídicos dos países do Mercosul são da mesma família, o que facilita em muito o trabalho. Seria diferente se fossemos analisar a possibilidade de harmonização entre Brasil e Inglaterra, em que as bases dos sistemas jurídicos são completamente diversas.
Além de termos a facilidade dos países mercosulistas terem a mesma base jurídica, temos que não existem grandes diferenças entre os sistemas tributários existentes, sendo enorme a possibilidade de harmonização. E, como veremos adiante, essa possibilidade pode ser contemplada mais facilmente através da utilização do Imposto sobre Valor Agregado, o qual, aliás, só não existe no Brasil.
Sistema Tributário da Argentina
A Constituição Argentina não sistematizou o direito tributário, porém, contém alguns dispositivos constitucionais tributários, os quais versam sobre princípios (capacidade contributiva, confisco e igualdade jurídica) e competências em matéria tributária (artigos 104 e 67, inc. 2º). Aqui fazemos uma primeira observação esclarecendo que a limitação de competências impostas nem sempre é respeitada.
Os impostos do Estado Federal são: impuesto a las ganancias - sobre a renda de pessoas físicas ou jurídicas, sendo agravadas as rendas nacionais e exteriores, sendo o seu cálculo semelhante ao do lucro real da legislação brasileira; impuesto al valor agregado - sobre o consumo - IVA, imposto real por só lhe interessar a natureza das operações, por considerar as diversas operações como fatos geradores diferentes é classificado como tributo múltiplo, caracterizando por ser não cumulativo; impuesto sobre consumo específico - sobre a fabricação de alguns produtos em decorrência do grau de danosidade à saúde (tabaco, bebidas alcoólicas...), sendo arrecadado de forma cumulativa; impuesto sobre los bienes personales no incorporados al proceso económico - sobre o patrimônio bruto, alcançando os bens em território nacional ou estrangeiro, sem computar as dívidas dos sujeitos passivos.
Os impostos provinciais: impuesto sobre los ingresos brutos - sobre o exercício habitual de atividade comercial, profissões autônomas, indústria, locações de bens, execução de obras e prestação de serviço; impuesto inmobiliario - sobre a condição de proprietário, imposto extrafiscal; impuesto de sellos - sobre a instrumentalização de atos jurícios (escrituras, hipotecas, contratos...).
Observamos que a Argentina, em decorrência até de sua expansão territorial, possui, assim como o Brasil, vários impostos, sem é claro, alcançar nosso país em quantidade. A nível de imposto sobre o consumo – IVA – é o país mais vanguardeiro. Possui imposto específico sobre determinados produtos, enquanto, o Brasil optou por agravar esses produtos sem para isso criar um imposto específico. Os países do Mercosul tratam a matéria de uma das duas formas existentes, ou agravam ou possuem imposto determinado. Vale lembrar que o Brasil tributa o consumo, porém, pelas três esferas políticas, União – IPI, Estados – ICMS e Municípios – ISS.
Sistema Tributário do Brasil
Iremos perceber que o Brasil é o único país que dispõe pormenorizadamente a matéria tributária no âmbito constitucional. Além do que, temos a maior carga tributária do Mercosul, sem a correspondente contra-prestação. Não só do Mercosul, mas uma das maiores do mundo. Podemos destacar constitucionalmente os princípios, a delimitação de competências, as imunidades, as isenções e as espécies tributárias.
Impostos da União: imposto sobre importação; imposto sobre exportação; imposto sobre proventos de qualquer natureza - sobre a renda e proventos, de pessoa jurídica ou física; imposto sobre produtos industrializados - IPI, sobre o consumo, não cumulativo e imune para as exportações; imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativo a títulos ou valores mobiliários - IOF, ou seja, operações financeiras; imposto sobre grandes fortunas - o qual esta pendente de lei complementar.
Impostos dos Estados e Distrito Federal: imposto sobre transmissão causa mortis e doação - sobre a sucessão hereditária e sobre a doação (transferência a título gratuito), sobre bens móveis, já que os imóveis terão hipótese de incidência do Imposto Territorial Urbano; Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS, sobre o consumo, assim como o IPI de competência da União. Não cumulativo, podendo ser seletivo (para o IPI esta caracterísca é obrigatória). Incide sobre as importações (menos para o consumo final) e não incide sobre as exportações; imposto sobre propriedade de veículos automotores - IPVA.
Impostos dos municípios: Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana - IPTU, sobre o terreno ou prédio da zona urbana; imposto sobre transmissão inter vivos - sobre imóveis, desde que onerosa; imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS, sobre o consumo, assim como o IPI e o ICMS, os produtos devem ser definidos por lei complementar, dando margem ao que temos hoje nos tribunais superiores: busca pela maior parcela de arrecadação por parte dos entes políticos, ainda que esteja delimitada a competência na Carta Magna.
O que mais chama a atenção frente aos demais países é a quantidade de tributos, concomitantemente a especialidade que chegamos em matéria de tributação. Em decorrência, chegamos a conclusão que não só devido a natureza de cada tributo existente no Brasil e nos demais países, a facilidade de harmonização e a importância maior desta encontra-se no imposto sobre o consumo.
Para o Brasil a dificuldade aumenta, não só pela quantidade, mas pela forma que se encontra distribuída a competência sobre a tributação sobre o consumo. Partilhamos a competência para as três esferas, onde encontramos a União com o IPI, os Estados com o ICMS e os Municípios com o ISS.
Esta divisão vem causando inúmeros transtornos para a própria implantação da reforma tributária, pois, corresponde ao maior acesso orçamentário e por isso mesmo, outras formas que possibilitem tributação estão sendo disputadas por todos os entes políticos (internet). Com certeza trata-se de um dos maiores obstáculos a ser superado pelo Brasil.
Sistema Tributário do Paraguai
Da mesma forma encontramos neste país princípios constitucionais tributários, além de conceder isenções.
Impostos em espécie (não serão apresentados por entes políticos): impuesto a la renta - sobre a renda das pessoas jurídicas e físicas; impuesto unificado - sobre as rendas de pessoas físicas em decorrência de sua atividade profissional (atividade individual); impuesto a comercialización interna de ganados vacunos - sobre a transferência de gado; impuesto al valor agregado - diferentemente dos outros países possui uma lista taxativa de produtos que são agravados no momento da importação não alcançando as diversas etapas do processo produtivo; impuesto selectivo al consumo - sobre o consumo interno.
Assim, como os países a serem analisados a seguir possui um sistema tributário muito simplificado, não causando maiores problemas para o processo de harmonização, tendo que ajustar alguns elementos apenas.
Possui incidência sobre a renda; sobre transferência de gado, isso porque o país possui uma atividade comercial neste segmento extensa e, por certo, objetivou o maior proveito arrecadatório sobre a atividade.
Como não poderia deixar de ser, não foge as regras e também tributa o consumo. Isso só vem a demonstrar que realmente com exceção da Argentina e principalmente do Brasil as dificuldades a serem superadas são poucas, representando a vontade política a maior dificuldade.
Sistema Tributário do Uruguai
Apresentaremos por espécie e não por entes políticos, mesmo porque possui poucos impostos: impuesto sobre la renta - sobre a renda das pessoas jurídicas; impuesto al valor agregado - IVA, sobre o consumo, não cumulativo, em que possui como fatos geradores a circulação de bens, a prestação de serviços e a importação de bens; e, o imposición a las ganacias de las personas jurídicas - sobre o patrimônio, tendo como base de cálculo o lucro contábil ajustado; imposto de caráter monofásico, incidindo sobre as importações e não sobre as exportações.
Não foge das características vistas com o sistema jurídico do Paraguai, porém, de maneira mais clara que esse país tratou a tributação sobre o consumo, criando para isso, o IVA, estando, por certo, mais perto da harmonização.
Sistema Tributário da Bolívia
Seguem seus impostos: Impuesto a las utilidades de las empresas mineras - sobre as empresas que atuem com minerais e metais; impuesto a las utilidades de las empresas de hidrocarburos - sobre a renda líquida anual dos resultados financeiros na atividade de hidrocarburedos; impuesto al valor agregado - sobre o consumo, porém, incide sobre os bens móveis, a prestação de serviços e a importação, sendo isenta a exportação; régimen complementario al impuesto al valor agregado - sobre a renda de pessoas físicas (trabalho e/ou capital), outra espécie sobre o consumo; impuesto a los consumos específicos - sobre a comercialização e a importação de determinados bens (cigarros, bebidas alcoólicas, aparelhos de som, etc), outra espécie sobre o consumo; impuesto a la renda presunta de empresas - sobre o patrimônio líquido das empresas; impuesto a la renta presunta de propietarios de bienes - sobre a propriedade imóvel e de veículos automotores.
Tributa algumas atividades econômicas tendo como fundamento sua importância econômica (minerais, metais e hidrocarburedos). Por outro lado, tributa bens que causem prejuízo a saúde, aproveitando-se da alta comercialização desses para fins arrecadatórios.
Sistema Tributário do Chile
Resume-se a cinco impostos: impuesto a la renta - sobre rendimentos ainda não auferidos e sobre rendimentos já auferidos; impuesto global complementario ou impuesto personal - sobre os rendimentos; impuesto al valor agregado - sobre comercialização, a prestação de serviços e a importação; impuesto a los tabacos e a los combustibles - sobre alguns produtos, assim como o anterior trata-se de imposto sobre o consumo, sendo o primeiro geral e esse específico; impuesto territorial - sobre o valor fiscal e comercial do imóvel.
De forma idêntica tributa algumas atividades específicas.