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Estudo comparado dos direitos do empregado doméstico

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Agenda 05/04/2012 às 16:46

Desde 1º de janeiro de 2012, na Espanha, passou a vigorar o Real Decreto nº 1.620, de 14 de novembro de 2011, que trouxe novas regras para os empregados domésticos, conferindo-lhes novos direitos.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar algumas considerações em sede de direito comparado acerca dos direitos dos empregados domésticos do Brasil e da Espanha. Recentemente foi publicada a nova lei do trabalhador doméstico da Espanha corroborando com a orientação da OIT de 16/06/2011, para se estabelecer os mesmos direitos que outros trabalhadores possuem. Desta forma, sendo uma nova regra forjada no embate de interesses na relação de poder existente entre as classes patronais e laborais, há que se observar o resultado, os avanços e as resistências considerando que a estrutura do Direito do Trabalho espanhol não possui diferenças abissais em relação ao ordenamento brasileiro.

Palavras-chave: Empregada doméstica. Direitos trabalhistas. Estudo comparado. Direitos.

Sumário: Introdução. 1. Os direitos e obrigações dos domésticos estabelecidos pelo Real Decreto espanhol 1.1. Acesso ao trabalho. 1.2. Contrato de trabalho escrito. a) Direito de informação das condições de trabalho. 1.3. Direito ao contrato por período de experiência. 1.4. Remuneração. 1.5. Férias do empregado doméstico. 1.6. Jornada de trabalho e compensação. 1.7. Horário intrajornada.  1.8. Descanso semanal remunerado. 1.9. Menores de 18 anos. 2. Cessação do vínculo laboral. 3. Aviso prévio. 4. Quadro comparativo sintético dos direitos dos empregados domésticos espanhóis e brasileiros.


Introdução

Os trabalhadores domésticos do Brasil e da Espanha possuíam menos direitos trabalhistas que a maioria das demais categorias. No Brasil, os empregados domésticos só tiveram seus direitos deferidos em 1972, com a regulamentação da categoria mediante a promulgação da Lei Nº 5.859, de 11 de Dezembro de 1972, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 de forma expressa excluiu os trabalhadores domésticos da regra consolidada.

Na Espanha, semelhantemente, a primeira regra dos empregados domésticos veio com o Real Decreto nº 1.424, de 1985. Este Decreto foi muito criticado pelos sindicatos e associações por regulamentar situações laborais desfavoráveis a uma categoria composta em sua maioria por mulheres.

A partir de 01 de janeiro de 2012, na Espanha, passou a vigorar o Real Decreto nº 1.620 de 14 de novembro de 2011, que trouxe a nova regra para os empregados domésticos trazendo novos direitos. Desta forma, com este artigo pretende-se contribuir mediante análise comparada do regramento que disciplina o trabalho dos empregados domésticos no Brasil e na Espanha.

No direito espanhol, o conjunto de regras que regula a atividade laboral dos trabalhadores é o Estatuto dos Trabalhadores, Real Decreto Legislativo nº 1 de 24 de março 1995 com atualizações. Nele, a prestação de serviço doméstico, é tida e havida como uma relação laboral de caráter especial, nominando-a de serviço do lar familiar. Esta relação laboral especial foi inicialmente regulamentada pelo Real Decreto 1424/1985, tendo em vista as condições particulares de prestação de serviço e dos trabalhadores que se submetem ao serviço doméstico.

No Brasil, por outro lado, o direito dos domésticos foi regulado pela Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, com modificações posteriores, em especial da Constituição Federal de 1988 que, por sua vez, acrescentou novos direitos sociais, notadamente os direitos veiculados no artigo 7º, a saber: salário mínimo (art. 7º, inciso IV); irredutibilidade do salário (art.7º, inciso VI); décimo terceiro salário (inciso VIII); repouso semanal remunerado (inciso XV); férias anuais remuneradas (inciso XVII); licença à gestante (inciso XVIII); licença paternidade (inciso XIX); aviso–prévio (inciso XXI); e aposentadoria (inciso XXIV). Em 2006, no Brasil, foi promulgada Lei n.º 11.324, de 19 de julho de 2006, trazendo novos direitos à “empregada doméstica” com as seguintes possibilidades: contribuição patronal à Previdência Social; proibição de descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia; direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço); e a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante.


1. Os direitos e obrigações dos domésticos estabelecidos pelo Real Decreto espanhol:

1.1. Acesso ao trabalho

Pela nova regra os empregadores podem contratar empregados domésticos diretamente ou por intermédio de agências públicas de emprego ou de recrutamento que disponibilizem os nomes dos candidatos às vagas. Neste procedimento de escolha, está garantido o princípio da igualdade de acesso ao emprego, proibindo às agências públicas de emprego ou de recrutamento, qualquer discriminação em razão de origem racial ou étnica, sexo, idade, estado civil, religião ou crença, opinião política, orientação sexual, filiação sindical, status social, linguagem/dialeto ou por ser portador de necessidade especial, desde que o trabalhador seja capaz de fazer o trabalho com as habilidades que se requer, descrito no Art. 4.2, (ESPANHA, da nova regra espanhola).

Na Lei do Empregado Doméstico Brasileiro, não há qualquer disposição sobre o acesso ao trabalho (BRASIL, Lei nº 5.859/72). Contudo, a Constituição Federal de 1988, garantiu a todos os trabalhadores no Art. 7º, inciso XXXI a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

1.2. Contrato de trabalho escrito

Semelhantemente ao direito brasileiro, na Espanha o contrato pode ser escrito ou verbal, contudo pelo Real Decreto passou a ser direito do empregado a exigência do contrato, a qualquer momento da relação laboral, bem como pela regra tornou-se imprescindível a formalização da relação de trabalho, pois é de responsabilidade do empregador a comunicação da ativação do trabalhador na Tesouraria da Segurança Social e do Trabalho. Caso o empregador não firme o contrato com o doméstico e comunique a Tesouraria aplica-se a presunção de que o contrato fora celebrado por tempo indeterminado e em tempo integral, alem das penalidades administrativas cabíveis (REAL DECRETO nº 1.620/2011, Art. 5.1, 2 e 4).

No Brasil, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é o meio de prova do contrato de trabalho. Inicialmente chamava-se exclusivamente Carteira Profissional, porém com o advento do Decreto Lei nº 926/69 (BRASIL, 1969), passou a chamar-se Carteira de Trabalho e Previdência Social. O empregador deverá anotar na CTPS a data de contratação, identificação do empregador, salário a ser pago, e poderá obter na agência do INSS o número de identificação da previdência (NIT) uma vez que é facultativo ao empregado doméstico.

Neste ponto é interessante observar que a Espanha filia-se a teoria contratualista impondo ainda, a obrigatoriedade ao empregador de registrar na tesouraria da Previdência Social a avença pactuada. Porém, no Brasil, há divergência quanto à natureza jurídica da CTPS, em razão da teoria contratualista e anticontratualista (MOSCHIN JÚNIOR, 2010, s/p). Contudo é consenso no Brasil da utilização da CTPS e da sua finalidade:

• probatória, pois que evidencia a existência de um contrato; e

• constitutiva, pois as anotações realizadas constituem prova em favor do empregado, excetuando as situações que decorrem algum tipo de vicio jurídico.

Em caso de contratação verbal, o Artigo 51 do Real Decreto nº 1.620/2011, prevê salvo prova em contrário, que o contrato de trabalho será considerado celebrado por tempo indeterminado e sua jornada completa se ele dura mais de quatro semanas, salvo prova em contrário. Assim, se o contrato de prestação de serviço doméstico exceder a quatro semanas deve ser feito por escrito. No que pese o legislador não ter estabelecido a obrigatoriedade do contrato de forma mais incisiva, atribuiu, via presunção de direito, as situações mais benéficas ao empregado, considerando sempre tempo indeterminado, jornada completa e remuneração integral.

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Segundo Rey Guanter (2007, p. 82), qualquer que seja a modalidade do contrato (verbal ou escrito) ou sua duração, se não estabelecido por escrito se presumirá celebrado por um ano, prorrogando-se tacitamente por período igualmente anual, o que trará maior beneficio ao empregado relativo às verbas indenizatórias, que são maiores.

Como o contrato pode ser exigido pelo doméstico, a nova regra concedeu prazo para regularizar os contratos em curso, firmados anteriormente a este Real Decreto, estabelecendo o prazo até 30 de junho para regularizar os contratos aos moldes desta regra.

a.                  Direito de informação das condições de trabalho.

Um aspecto de avanço na relação laboral doméstica diz respeito à clareza de informações dos serviços a serem prestados e a regulação do seu tempo, no contrato.

Nesta nova regra espanhola (Real Decreto nº. 1620/2011), o trabalhador doméstico tem o direito de ser informado de todos os elementos essenciais da sua prestação de serviço, tais como: salário em espécie; duração da jornada diária com seus momentos de ativação e descanso; atividades a serem desenvolvidas; o sistema de remuneração ou compensação dessas horas, bem como as regras da casa no caso de pernoite do doméstico.  É importante destacar que o doméstico deverá ter definido com precisão o horário de trabalho e de descanso intrajornada e o horário final das atividades diárias.

A regra espanhola induz a um controle metódico, mas não exaustivo das atividades, no sentido de garantir tanto para empregador quanto ao empregado a certeza dos momentos do labor, do descanso e das horas extras. No contrato, deverá constar o que poderá (ou não) fazer o doméstico; e para os internos (os que pernoitam) de forma objetiva os espaços que poderá visitar no ambiente comum do lar; o uso dos espaços comuns (cozinha, banheiro, sala, terraço) após sua jornada diária. Desta forma, o empregado e o empregador têm a certeza jurídica de suas respectivas obrigações e direitos.

O direito de informação das condições do trabalho, das atividades, metas e objetivos, correspondem a um mecanismo de garantia das duas partes contratantes, que propiciariam o melhor acordo de intenções na relação laboral. Assim, subjaz ao direito de informação, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da boa fé.

Na Cidade de Burgos, Espanha, vários organismos de assistências aos trabalhadores mais vulneráveis, Cruz Vermelha, Caritas e mais outras cinco instituições, reuniram-se para elaborar uma “plataforma comum” ajustando condições e valores remuneratórios mais favoráveis aos trabalhadores domésticos que forem contratados por intermédio desses organismos.

 Na legislação brasileira aplicada ao doméstico, não consta nenhuma regulação específica quanto ao direito de informação, dando azo ao abuso e desrespeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

O empregado doméstico não tem direito às horas extras. Com base no parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, esta categoria não está contemplada com a jornada de trabalho de 44 horas semanais prevista no inciso XIII, nem com o direito à remuneração por serviço extraordinário do inciso XVI. Assim, como Constituição Federal não estabeleceu o limite da jornada de trabalho do empregado doméstico, não caberá ao judiciário fazê-lo compelindo o empregador a uma obrigação que o ordenamento jurídico não lhe impõe.

Contudo, a 14ª Turma do Tribunal do Trabalho de São Paulo deferiu direito à hora extraordinária, com o seguinte fundamento:

A Constituição da República Federativa do Brasil tem como fundamento básico o princípio da dignidade humana. A negativa de limitação de jornada ao trabalhador doméstico e de pagamento adicional por horas extraordinariamente laboradas é retrocesso social, vez que o parágrafo único do artigo sétimo do Texto Maior não pode ser interpretado como forma de marginalização do empregado doméstico, mas sim como garantidor de direitos mínimos. A ausência de lei especial que regulamente jornada e remuneração adicional pelo trabalho extraordinário do trabalhador doméstico impõe ao julgador o dever de aplicar norma geral ao trabalhador diferenciado, de forma analógica, nos termos do artigo oitavo da CLT, a fim de cumprir com seu dever de distribuir justiça. ((TRT/SP, 2009, s/p)

Tal entendimento encontra respaldo em inúmeros artigos científicos relacionados ao tema dignidade humana e direito laboral, dos quais se destaca, pela concisão:

O Direito é um mecanismo a serviço da justiça e do bem comum, que abrange a atividade do legislador, do intérprete e do aplicador, os quais devem levar em conta, sempre, certos valores assegurados no ordenamento jurídico. No caso, esses valores estão na Carta Magna, que dispõe no art. 1º como fundamentos da nossa República e do Estado Democrático de Direito, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. O art. 170 diz que a ordem econômica funda-se na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano. (MELO, 2008, p. 103)

É muito comum, no Brasil, os trabalhadores domésticos internos trabalharem por 13 a 16 horas diárias e ainda aos sábados e domingos.  Portanto, pelo atual entendimento de que o doméstico não faz jus às horas extraordinárias, não teria sentido algum o interesse de se registrar os horários de trabalho, pois, de qualquer forma, os intervalos e os descansos entre jornadas e de finais de semana, ficariam ao influxo da relação de bom senso, necessidade e oportunidade do empregador.

 2.1 Direito ao contrato por período de experiência

Em ambos os países, o contrato por período de experiência está regulado pela regra comum dos trabalhadores, na CLT, no parágrafo único, do Artigo 445 e no Estatuto dos Trabalhadores, espanhol, no artigo 14 (Real Decreto Legislativo nº 01/1995).

Na Espanha, o tempo máximo do contrato de experiência é de seis meses para técnicos qualificados, e de dois meses para os demais trabalhadores, sendo este também o tempo máximo de experiência para os domésticos, segundo o Artigo 6º (Real Decreto nº. 1620/2011). Neste período de prova, deve-se pactuar necessariamente por escrito, ad solemnitatem coforme entendimento prolatado na Sentença do Tribunal Supremo (STS de 2001). A ausência do contrato presume-se que seja por tempo indeterminado e o seu interstício incorpora ao tempo de trabalho e para todos os efeitos remuneratórios e indenizatórios (FIGUEIRAL, 2010. p. 85 e 86).

No direito brasileiro, existem ainda algumas decisões em que não se reconhece a legalidade do contrato de experiência firmado entre as partes. Isto ocorre porque não existe uma lei que confira tal direito ao doméstico e também em razão de que o Contrato de Experiência regulado na CLT não se aplica àquela classe laboral. Dessa forma, inexistindo o permissivo legal, os contratos firmados com esta característica são tidos por tempo indeterminado.

Cabe destacar que, embora tardia, a iniciativa, porém oportuna, sob o ponto de vista do princípio da dignidade humana, está no Senado Federal para votação, que ocorrerá possivelmente ainda em 2012, o Projeto de Lei 5140/09, que permite o contrato de experiência de até 90 dias na relação laboral do empregado doméstico. O projeto já foi aprovado na Câmara Federal e atualmente está aguardando votação final no Senado. Pelo Projeto de Lei, a rescisão que ocorresse sob o manto do contrato de experiência, até o prazo de 90 dias, o empregador não teria a obrigatoriedade de pagar a multa rescisória com base no Fundo de Garantia (FGTS), bem como o relativo ao aviso prévio (BRASIL, Projeto de Lei nº 5140/09).

Embora não existindo amparo legal, mas havendo decisões jurisprudenciais para o período de prova, o empregador deverá assinar a carteira de trabalho no máximo 48 (quarenta e oito) horas logo após a admissão, bem como fazer o recolhimento previdenciário.

O contrato de trabalho do doméstico no sistema espanhol e brasileiro não difere quanto à forma  (escrito ou verbal) e duração (prazo indeterminado e determinado), com ressalva do contrato de experiência aludido no tópico anterior (Artigo 5.1 e 6.1 do Real Decreto nº 1620/2011).

No caso do contrato do empregado doméstico espanhol, o Real Decreto estabelece que se a prestação de serviço ultrapassar quatro semanas, tem-se por prazo indeterminado, da mesma forma que “na ausência de pacto escrito, o contrato de trabalho se presumirá ajustado por tempo indeterminado e a jornada completa quando sua duração seja superior a quatro semanas, salvo prova em contrário que indique a sua natureza temporal ou o caráter parcial dos serviços” (Artigo 5.2, Real Decreto nº 1620/2011).

A regra geral é do contrato de trabalho por tempo indeterminado, tanto no Brasil como na Espanha, como corolário do princípio da continuidade da relação de emprego. Desta forma, é considerado indeterminado o contrato em que se pactua sem estabelecer limite de tempo algum na prestação de serviço (FIGUEIRAL, 2010, p 57).  É a modalidade contratual padrão e corrente tanto que, se o contratado por tempo determinado ultrapassar prazo estabelecido, intencionalmente ou não, prestando serviço, transformará sua característica para tempo indeterminado (MARTINS, 2002, p. 102).

O contrato de trabalho por tempo determinado é uma das modalidades que regulamentam a relação empregatícia no Brasil (MARTINS, 2002, p. 103). Esta modalidade de contrato está disciplinada nos artigos 443, 451, 479 e 480 da Consolidação das Leis do Trabalho, na qual se encontra sua definição, regras de aplicação e rescisão.

2.2 Remuneração

O Estatuto do Trabalhador conceitua como salário o total das percepções econômicas do trabalhador, em dinheiro ou salário in natura, pela prestação de serviço laboral por conta de terceiros, tendo como valor mínimo o valor estipulado nacionalmente no denominado salário mínimo interprofissional (ESPANHA, Estatuto dos Trabalhadores, 1995, s/p).

O salário mínimo interprofissional é a remuneração mínima que um trabalhador pode perceber numa relação de prestação de trabalho na Espanha. O valor busca retribuir o trabalhador de forma que consiga manter as necessidades básicas sua e de sua família (GIRÓN, 2006. p. 207).

O trabalhador doméstico tem sua remuneração fixada em mês, dia ou hora. Desta forma o salário mínimo interprofissional fixado para 2012 pelo Real Decreto 1.888/2011 é de R$ 11,42 por hora trabalhada, R$ 48,67, por dia ou R$ 1.460,04/mês (valor em real segundo a cotação de março/2012).

O salário mínimo, no Brasil, foi estabelecido para 2012 no valor de R$ 622,00 por mês, “o valor diário do salário mínimo corresponderá a R$ 20,73 e o valor horário a R$ 2,83. (BRASIL, Decreto nº 7.655/2011, s/p).

Sérgio Martins diz que:

(...) salário é toda prestação fornecida diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em função da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstas na legislação (MARTINS, 2002, p. 159).

A CLT chama a atenção para a abrangência deste salário mínimo estabelecendo que o seu valor seja idôneo para, por dia normal de serviço ser “(...) capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte” (at. 76, CLT). Esta definição é a mesma descrita por Plácido e Silva[1].

Monteiro (2002, p.237), esclarece a natureza jurídica do salário, dizendo que:

a) O salário como preço do trabalho, esse posicionamento, típico do liberalismo econômico, vigorava no tempo em que se equiparava o trabalho a uma mercadoria, não se justificando nos dias atuais; b) O salário é uma indenização, para ao empregado como compensação pelas energias por ele despendidas em virtude de uma relação contratual de trabalho; c) Natureza alimentícia do salário, a principal crítica a essa corrente reside no fato de que o salário não tem caráter alimentar apenas, pois possui outros fins, como os de propiciar ao empregado habitação, higiene, transporte, educação, assegurando a manutenção do empregado e de sua família; d) Contraprestação pelo serviço prestado; e) dever de retribuição.

Observa-se que, no que pese o Brasil ter conquistado a 6ª posição no ranking das maiores economias do mundo (JORNAL ESTADO DE MINAS, 2011, s/p), o custo de vida do Brasil e Espanha não diferenciam muito. Segundo a consultora econômica MERCER (2012/s/p.)na pesquisa que envolveu 214 cidades em cinco continentes e que mede o custo comparativo de mais de 200 itens em cada local, dentre eles moradia, transporte, alimentação, vestuário, utilidades domésticas e entretenimento, respectivamente, São Paulo (10º lugar) e Rio de Janeiro (12º lugar) foram, em 2011, os locais mais caros, e Madri/ESP ficou em 60º lugar, ou seja, morar em São Paulo ou Rio de Janeiro é mais caro que morar em Madri. (MERCER, 2012/s/p.)

1.5. Férias do empregado doméstico

O conceito de férias no direito brasileiro e espanhol são semelhantes, podendo-se valer do ensino de Martins, de que férias advém do latim “dias feriales”, a saber:

O período do contrato de trabalho, em que o empregado não presta serviço, mas aufere remuneração do empregador, após ter adquirido o direito no decurso de 12 meses. As férias visam, portanto, a restauração do organismo após um período em que foram desprendidas energias no trabalho. Importam direito ao lazer, ao descanso, ao ócio. (Martins 2002, p. 193)

Na regra geral, o art. 38.1 do Estatuto dos Trabalhadores (ET), trata das “férias anuais retribuídas”, de gozo obrigatório (“não substituível por compensação econômica” dobrada) e cuja duração “ em nenhum caso... será inferior a trinta dias naturais . O período de gozo da mesma – que não tem porque ser necessariamente ininterrupta e contínua, pois o artigo 38.2 do ET fala de “período de seu gozo”- deve aparecer fixado para todo os trabalhadores no calendário correspondente da empresa, tendo o trabalhador direito de conhecer “as datas que lhes correspondam dois meses antes, ao menos, do começo do gozo”, comenta GIRÓN (2006, p. 207).

As férias do empregado doméstico espanhol é de trinta dias por ano de serviço segundo o Artigo 9.7, podendo fracionar esse período em períodos menores desde que, ao menos, quinze dias deverão ser consecutivos, salvo empregos à tempo parcial. O doméstico interno - aquele que reside na residência familiar - tem o direito de durante o período de férias não estar obrigado a continuar na residência ou no local onde presta seus serviços. Contudo, se continuar na casa, deverá seguir os costumes da família, sem obrigatoriedade de assumir suas atividades laborais. (Real Decreto nº. 1620/2011).

Quanto à fixação da data das férias estabelece no art. 9.7 do Real Decreto que as partes poderão escolher as datas das férias e fixá-las no contrato. Em caso de não haver acordo, o empregador marcará a seu critério e conveniência os primeiros quinze dias e o empregado agendará os outros quinze, conforme seu querer.

O empregado doméstico brasileiro tem direito às férias anuais remuneradas de 30 dias com o respectivo acréscimo constitucional de 1/3 ao salário normal, após o período aquisitivo que é de 12 meses de trabalho, prestado ao mesmo empregador[2], conforme entendimento pacífico do TST:

De fato, não há dúvidas que os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, no tocante às férias, aplicam-se integralmente a esta categoria de empregados. Com efeito, os empregados domésticos são regidos por lei própria, qual seja, a Lei 5.859/72, e pelas regras previstas na Constituição da República. Contudo, já em 1973, a lei em referência foi regulamentada pelo Decreto n.º 71.885, que previu em seu artigo 2º: Art. 2º Excetuando o Capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados domésticos as demais disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. (TST, 2009, s/p.).

Quanto à fixação da data das férias, diferentemente da regra espanhola, será estabelecida por ato do empregador, “nos 12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito”, segundo o Artigo 134 da CLT.

1.6 Jornada de trabalho e compensação:

Conforme CARRION (2010, p. 214), jornada de trabalho é o tempo empregado no labor diário do empregado com habitualidade, excluídas as horas extraordinárias. Na mesma linha, é conceito de Sergio Pinto Martins que ressalta que este tempo de trabalho deve ser visto sob três aspectos:

a)                  Do tempo efetivamente trabalhado;

b)                 Do tempo à disposição do empregador; e

c)                  Do tempo in itinere.

No Brasil, foi a Constituição Federal de 1988, no Artigo 7º, que estabeleceu a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Entretanto, como a Constituição não conferiu ao empregado doméstico direito à jornada de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, razão pela qual, não tem direito à verba compensatória da intrajornada e às horas extraordinárias.

A Legislação espanhola harmonizada com a diretiva europeia de 2002, que dispõe sobre a organização do tempo de trabalho na União Europeia (EUR-LEX, 2002, s/p.), determina que os trabalhadores não podem ser obrigados a trabalhar mais de quarenta horas por semana, nos termos do art. 34 do Estatuto dos Trabalhadores (GIRÓN, 2006, p. 82).

Nos dois países, a classificação da jornada de trabalho se dá de forma semelhante:

1) Quanto à duração: considera-se ordinária ou normal a jornada que se desenvolve dentro do limite legal, e extraordinária ou suplementar, aquela que ultrapassa o limite legal estabelecido; Considera-se contínua quando o labor ocorre sem intervalos, e descontínua, se ocorrer intervalo (GOERLICH PESET, 2010, p. 273 e 274.  FIGUEIRAL, 2002, p. 57);

2) Quanto ao período, pode ser diurno entre 5 e 22 horas e noturno entre 22 horas e às 5, do dia seguinte. Na Espanha, considera-se diurno o intervalo entre 6 e 22 horas e noturno das 22 às 06 horas.  Todavia são iguais os períodos do labor, podendo ser mista quando o labor se desenvolve tanto no período diurno como noturno, ou ainda, em revezamento, modalidade em que há labor alternado entre dia e noite, semanal ou quinzenalmente, segundo o Artigo 9.2.

Importante ressaltar que, no Brasil, os empregados domésticos não têm direito ao recebimento do adicional noturno nem o reconhecimento da hora noturna reduzida, por ausência de previsão legal.

1.7. Horário intrajornada

Os descansos previstos na intrajornada são aqueles concedidos ao trabalhador dentro de uma mesma jornada de trabalho. Esse direito tem por objetivo o repouso e a alimentação do trabalhador, com vistas à sua recomposição física e a manutenção da sua plena capacidade de trabalho. Este direito existe de forma geral para todos os trabalhadores espanhóis, porém, no Brasil, não existe para os empregados domésticos.

O empregado doméstico espanhol tem direito, pelo menos, a duas horas por dia para as suas refeições, tempo que não se computará o trabalho (Artigo 9.4). No caso do empregado brasileiro, como dito acima, não tem este direito regulado, logo não tem o direito, nem a possibilidade da respectiva indenização.

1.7. Descanso semanal remunerado.

O descanso semanal remunerado caracteriza-se pela interrupção remunerada da prestação de serviço, na qual o empregado não está obrigado a laborar para seu empregador pelo período que a legislação estabelece.

A limitação da duração da jornada de trabalho existe para garantir ao trabalhador os momentos de restauração de suas funções físicas e psíquicas. O descanso ou tempo livre encontra fundamento na ciência médica (aspectos físicos, psicológicos e sanitários), nos aspectos sociais (vida social, familiar, ócio). Para o empregador é imposta uma penalidade pecuniária como forma de desestímulo à excessiva jornada de trabalho (MARTINS, 2002, p. 454).

Pelo Real Decreto, os domésticos têm direito a trinta e seis horas consecutivas de descanso semanal remunerado, a saber, de sábado à tarde ou segunda de manhã e de todo a domingo. Para aqueles que trabalham por horas, o período de descanso é reduzida na proporção das horas efetivamente trabalhadas. Tal disposição está em consonância com a doutrina laboral espanhola, que conserva o descanso semanal unicamente o caráter retributivo do repouso semanal. Isto se deve, segundo Ahumad  “a que o salário do descanso semanal se considera como exigência necessária e essencial para o desfrute efetivo do descanso; a saber, como “um requisito inerente à noção de descanso”. (AHUMAD, 2002, p. 30 e GIRÓN, 2006, p.70).

O descanso semanal remunerado, por sua natureza jurídica, é um direito de ordem pública, irrenunciável, possui caráter tutelar, ante a desigualdade de barganha das partes, nos ordenamentos jurídicos do Brasil quanto da Espanha.

Sobre o autor
João Ernesto Paes de Barros

Advogado e Consultor Jurídico. Mestre. Doutorando na Universidade de Lisboa. Assessor Jurídico da Fundación Cauce (Burgos, Espanha), Vice-Presidente da Comissão de Advogado Professor da OAB/MT. Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/MT. Diretor Acadêmico e Coordenador do Curso de Direito (licenciado). Professor de Direito das Obrigações, Contratos e Responsabilidade Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, João Ernesto Paes. Estudo comparado dos direitos do empregado doméstico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3200, 5 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21449. Acesso em: 5 nov. 2024.

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