Publicada no dia 08/07/2011, a Lei Federal nº 12.440/11 veio acrescentar o Título VII-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituindo a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, além de alterar a Lei nº 8.666/93, em especial seus artigos 27 e 29, estabelecendo a obrigatoriedade da apresentação da CNDT pelas empresas licitantes como requisito de habilitação.
Referida lei teve sua vigência prevista para 04/01/2012, nos exatos termos do seu art. 4º, momento a partir do qual passaria a ser exigida dos licitantes.
O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, com a finalidade de criar um banco de dados integrado nacionalmente, com informações sobre as pessoas físicas e jurídicas inadimplentes perante a justiça do trabalho, assim como pela necessidade de padronizar e regulamentar a frequência, o conteúdo e o formato dos arquivos a serem disponibilizados pelos Tribunais Regionais do Trabalho com os dados necessários à expedição da CNDT, publicou a Resolução Administrativa nº 1.470/2011, alterada pelo Ato nº 01/TST.GP, de 02 de janeiro de 2012, estabelecendo em seu art. 10-A que as empresas que estivessem em situação irregular na data de início de vigência da lei, em 04 de janeiro de 2012, teriam 30 (trinta) dias, a partir dessa data, para efetuarem sua regularização.
Dessa feita, as empresas teriam efetivamente até o dia 04 de fevereiro de 2012 para se adequar à nova lei, passando a ser obrigatória a apresentação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas a partir desta data.
Pois bem. Adentrando no mérito, cumpre ressaltar que o novel diploma legislativo possui importante conteúdo social, haja vista buscar obrigar as empresas que participam de licitações públicas a se manterem adimplentes com relação às suas obrigações trabalhistas.
Essa importância foi referendada, quando da tramitação do Projeto de Lei nº 7077/2002 do Senado Federal, pelo Deputado Luiz Couto, relator do Projeto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, que esclareceu que:
“A proposição tem o intuito de aproximar o tratamento dado aos créditos trabalhistas do modelo criado para reduzir o inadimplemento junto à Fazenda Pública e à Seguridade Social. Realmente não é razoável que os contratantes com o Poder Público cuidem, apenas, de regularizar sua situação com a Fazenda Pública e com a Previdência Social, relegando a último plano a preferência legal dos créditos trabalhistas, em detrimento dos trabalhadores”.
Seguindo essa linha, Teresa Nórdima Luz Rodrigues Fernandes[1] entende que a lei busca:
“(...) acelerar os processos trabalhistas em fase de execução, conferindo maior eficácia na prestação jurisdicional (já que pouco vale o reconhecimento judicial de um direito se for impossível ter efetivada a decisão através do consequente recebimento do quantum devido), além de favorecer os bons pagadores, notadamente quando envolvidos em processos licitatórios”.
Nesse sentido também se manifestou Pedro Henrique Braz De Vita[2], ao ensinar que:
“(...) a exigência da CNDT não teria como objetivo apenas resguardar a Administração Pública de possível responsabilização subsidiária. Ela iria mais longe, buscando tutelar os cidadãos em seus direitos trabalhistas, desencorajando os empregadores de incorrerem no inadimplemento de suas obrigações, sob pena de não contratarem com o Poder Público”.
Também nessa linha de pensamento segue Daniel Guarnetti dos Santos[3], que esclarece que:
“(...) a Lei nº 12.440/2011, norteada pelo princípio constitucional da razoável duração do processo fincado no art. 5º, LXXVIII da CF (que somente pode ser considerado encerrado com a sua quitação integral - principal, honorários e tributos incidentes), criou um importante instrumento para a efetivação da execução trabalhista em prol da parte hipossuficiente conforme o princípio protetor do processo trabalhista”.
Não se olvide, ademais, como citado acima, que referida lei estabelece ainda efetivo instrumento de controle concreto a serviço da Administração Pública com a finalidade de evitar-se possível responsabilização subsidiária nas hipóteses de inadimplemento trabalhista por parte dos prestadores de serviço, quer na modalidade de culpa “in eligendo”, quando contratar empresas com débitos trabalhistas, quer na modalidade de culpa “in vigilando”, quando a inadimplência trabalhista das empresas contratadas se manifestar no decorrer do contrato.
Seguindo esse entendimento, Luiz Marcelo Figueira de Góis[4] esclarece que:
“Conjugando as inovações trazidas pela Lei nº 12.440/11 com a nova redação da Súmula nº 331, obtém-se um importante parâmetro, que deverá ser utilizado pela jurisprudência para determinar ‘se’ e ‘quando’ o Poder Público pode ser responsabilizado subsidiariamente pelos débitos trabalhistas contraídos pelas empresas que contratar. É que a Lei nº 12.440/11 traz critério objetivo e relativamente seguro para determinar se há ou não culpa dos entes públicos na terceirização de seus serviços: a CNDT. Ora, como a Lei nº 8.666/93 (alterada pela Lei nº 12.440/11) agora determina que a Administração Pública deve exigir dos licitantes a comprovação da regularidade quanto a obrigações trabalhistas antes da contratação, tem-se que a celebração de qualquer contrato de prestação de serviços sem a exibição da CNDT configurará a culpa in eligendo do ente público, necessária à sua responsabilização subsidiária, a teor do que dispõe o item V da Súmula nº 331”. (grifos nossos).
Nessa linha também se manifestou Daniela Moreira Sampaio Ribeiro[5], nos seguintes termos:
“De outro lado, a CNDT trará conseqüências diretas em um setor relevante de serviços: a terceirização de atividades. Isso porque as empresas que terceirizam serviços poderão exigir o documento das empresas que vierem a contratar. Tal atitude se justifica diante do posicionamento adotado pelo TST, expresso na súmula 331, no sentido de responsabilizar subsidiariamente o tomador de serviços pelos débitos trabalhistas contraídos pelas empresas terceirizadas, frente a seus empregados. A CNDT, nesse ponto específico, será uma ferramenta auxiliar para as empresas contratantes de terceirizadas, reduzindo o risco de contratação de más prestadoras, possibilitando também um controle durante a execução do contrato”. (grifos nossos).
Considerações feitas, podemos entender possível a aplicação da nova lei aos contratos em vigor?
Inicialmente, esclarecemos que o ordenamento jurídico pátrio, com espeque no art. 5º, XXXVI, estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Assim, e com suporte nas lições de Alexandre de Moraes[6], retiramos que o direito adquirido é aquele já consolidado no patrimônio do seu titular, em virtude da consubstanciação do fator aquisitivo previsto na legislação; ato jurídico perfeito é aquele que reuniu todos os seus elementos constitutivos exigidos pela lei, enquanto a coisa julgada é a decisão judicial da qual não caiba mais recurso, caracterizando-se, portanto, pela imutabilidade.
Com base nos ensinamentos de Francesco Gabba, difundidos por meio de sua obra “La Teoria della Retroattività delle Leggi”, Claudemir Silva[7] ensina que as leis não podem ser retroativas de forma a propiciar a violação de direitos adquiridos, que se configuram diante de uma lei nova, desde que esta se refira a matéria efetivamente regulada pela legislação antecedente.
No caso, os contratos supracitados foram assinados sob a vigência da Lei nº 8.666/93, sem as alterações efetivadas pela Lei nº 12.440/11, reforçando a tese de impossibilidade de aplicação retroativa. Importante esclarecermos ainda que os tribunais pátrios têm seguido o entendimento de ser vedado qualquer tipo de retroatividade, seja máxima, média ou mínima.
A retroatividade máxima incidiria sobre a coisa julgada e os fatos jurídicos consumados. Na retroatividade média a lei atinge os direitos exigíveis mas não realizados antes de sua vigência, vale dizer, direitos já existentes mas ainda não integrados no patrimônio do titular, enquanto na retroatividade mínima a lei nova atinge os efeitos dos fatos anteriores verificados após a sua edição.
Contrariamente à aplicação retroativa das leis aos contratos vigentes, em qualquer de seus níveis, o Min. Adylson Motta, do Tribunal de Contas da União assim se manifestou no Acórdão nº 821/2003:
“(...) o direito brasileiro adota o sistema constitucional quanto à retroatividade das leis e, portanto, a lei não pode ‘dar como inexistente ou inadequado o ato jurídico já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Outra explanação que se amolda ao presente caso, no meu modo de ver, dada pela Profª Maria Helena Diniz, é “se o contrato foi legitimamente celebrado, os contratantes têm o direito de vê-lo cumprido, nos termos da lei contemporânea a seu nascimento, que regulará inclusive seus efeitos’ (grifei). A seguir, aquela autora traz advertência de Carlos Maximiliano que também penso caber ao caso em tela: ‘Não se confundam contratos em curso e contratos em curso de constituição; só estes a norma hodierna alcança, não aqueles, pois são atos jurídicos perfeitos’. Em face das menções acima, seria ingenuidade alguém asseverar que naquelas hipóteses estamos diante de questões atinentes ao direito privado, ao passo que na matéria em exame cuida-se de direito público. Isto há muito ficou superado, como salienta o Ministro Moreira Alves na Adin 493 mencionada pelo Ministro-Revisor: ‘(...) Com efeito, figura entre as garantias constitucionais fundamentais a prevista no inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição Federal: (...) Esse preceito constitucional se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva’”.
O Superior Tribunal de Justiça seguiu esse entendimento, conforme se verifica dos termos do Resp. nº 697.416/SP:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. ART. 86 DA LEI N.º 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 9.032/95. BENEFÍCIOS CONCEDIDOS SOB O MANTO DE LEGISLAÇÃO PRETÉRITA. MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL. IMPOSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 543-B, § 3º, DO CPC. ACOLHIMENTO DA TESE.
1. Consoante entendimento até então firmado por este Superior Tribunal de Justiça, o aumento do percentual do auxílio-acidente, estabelecido pela Lei n.º 9.032/95 (lei nova mais benéfica), que alterou o § 1º, art. 86, da Lei n.º 8.213/91, teria aplicação imediata a todos os beneficiários que estiverem na mesma situação, sem exceção, não importando tratar-se de casos pendentes de concessão ou já concedidos, em virtude de ser uma norma de ordem pública, o que não implicaria a retroatividade da lei.
2.Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 613.033/SP, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, reafirmou a orientação no sentido da impossibilidade de aplicação retroativa da majoração prevista na Lei n. 9.032/1995 aos benefícios de auxílio-acidente concedidos anteriormente à vigência do referido diploma legal.
3. Desse modo, na sessão de julgamento realizada em 6/10/2011, a Sexta Turma desta Corte, ao julgar o REsp n. 981.124/SP, em caso semelhante ao dos presentes autos, aderiu à mencionada tese do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.
4. Recurso especial a que se nega provimento”. (grifos nossos).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assim se manifestou no citado RE nº 613.033/SP:
“EMENTA DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. LEI Nº 9.032/95. BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. INAPLICABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NA CORTE. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”. (RE 613033 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 14/04/2011, DJe-110 DIVULG 08-06-2011 PUBLIC 09-06-2011 EMENT VOL-02540-02 PP-00284 ).
Nessa linha, nem mesmo as leis de ordem pública retroagiriam, como bem explica Alexandre de Moraes[8], ao esclarecer que “o princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito aplica-se a todas as leis e atos normativos, inclusive às leis de ordem pública”, como a Lei nº 12.440/11.
Esse posicionamento restou bem delimitado pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 613173, nestes termos:
“Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, já se pronunciou no sentido de que os benefícios previdenciários devem regular-se pela lei vigente ao tempo em que preenchidos os requisitos necessários à sua concessão, de tal modo que - presente referido contexto de ordem temporal - não se revelava viável fazer incidir, como pretendido pela parte ora recorrida, uma nova lei (como a Lei nº 9.032/95) sobre o cálculo ‘das prestações futuras relativas a benefício já concedido pelo INSS’, como corretamente advertiu, em seu douto voto, o eminente Relator do ‘leading case’. Esse entendimento – que emana, diretamente, do postulado constitucional da segurança jurídica - desautoriza, ainda que se trate de diploma legislativo de ordem pública, a projeção imediata de lei nova (como a Lei nº 9.032/95) sobre os efeitos futuros resultantes de causa a ela anterior, sob pena de se configurar situação caracterizadora de retroatividade mínima (MATOS PEIXOTO, “Limite Temporal da Lei”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 173/459, 468; REYNALDO PORCHAT, “Curso Elementar de Direito Romano”, vol. I/338-339, item n. 528, 1937, Melhoramentos, v.g.), vedada pela cláusula inscrita no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição da República, como o evidenciam decisões deste Tribunal proferidas a propósito da inaplicabilidade de lei nova a benefícios de caráter previdenciário que tenham sido anteriormente deferidos (RTJ 111/1373 – RTJ 119/895 - RTJ 135/792 – RTJ 182/809 – RTJ 184/1179--1180, v.g.). (RE 613173, Relator: Min. Celso de Mello, julgado em 28/02/2011, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 03/03/2011 PUBLIC 04/03/2011) . (grifos nossos).
Defendendo a manutenção dos contratos vigentes perante leis posteriores, Adilson Abreu Dallari[9] esclarece que:
“Em apertada síntese, a norma que se pretenda retroativa não pode extrapolar sua função meramente valorativa do passado, jamais sendo-lhe permitido prescrever condutas obrigacionais pretéritas, em homenagem ao interesse maior protegido em nosso ordenamento da necessária estabilidade nas relações jurídicas. É preciso, uma vez fixados os direitos e deveres decorrentes da relação obrigacional, que as partes possam regular sua conduta patrimonial em função do vínculo estabelecido e não fiquem expostos às surpresas de uma lei nova.
Parece induvidoso que, dado ser a irretroatividade das leis, entre nós, um cânone constitucional, entendemos preponderar em nosso Direito, como regra geral, a irretroatividade, donde resulta a necessidade de expressa disposição legislativa quando há de se querer a norma retroativa. Ou seja, a menos que o legislador tenha expressamente dado à lei um caráter retroativo, vedado é ao intérprete deduzir tal efeito meramente vislumbrando a intenção tácita ou presumida do legislador.
Ainda que não existissem, como de fato existem, prescrições expressas no direito positivo (constitucional e ordinário) vedando a irretroatividade da lei, ainda assim se haveria de aplicar o princípio geral de direito no sentido de que tempus regit actum, ou seja: a licitude do ato deve ser apurada em função de lei vigente no momento de sua prática.
Efeito retroativo não se presume. Sem norma legal expressa, não há efeito retroativo. Mesmo havendo disposição expressa nesse sentido, não se pode aceitar plenamente a retroatividade, pois sempre será preciso verificar se não foram transgredidos os limites constitucionais. É certo, pois, que não existe efeito retroativo sem expressa previsão legal válida.
Maior relevância assume a questão quando se verifica que, ao se emprestar eficácia retroativa a uma regra jurídica, disso advirá a atribuição de um ônus obrigacional a alguém.
O princípio da irretroatividade da lei, assim, consagra a realização de um outro princípio, igualmente importante, que é o da necessária segurança jurídica das relações interpessoais.
Às partes contratantes assiste o direito de saber de antemão a extensão das conseqüências jurídicas previstas pela lei para o ajuste, para, diante do quadro legal vigente, formalizar suas respectivas projeções de obrigações futuras.
A lei em vigor no momento do ajuste, portanto, é que ditará sua disciplina, obrigando as partes àquilo que avençaram. Lei posterior que alterar o regramento dos contratos alcançará o negócio antes firmado tão-somente naquilo que implique na manutenção da legalidade de seu cumprimento, mas jamais poderá importar na atribuição às partes de responsabilidades, encargos e penalidades antes não previstas”.
Esse posicionamento parece ter sido corroborado pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, nos termos do Ofício Circular OF.CIRC.TST.GP nº 26/2012, enviado pelo Presidente do TST à Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, em que solicita a possibilidade da Corte de Contas sergipana recomendar a todos os órgãos da administração direta e indireta estaduais que passem a constar a exigência da Lei nº 12.440/11 em seus editais. A contrário senso, podemos entender que essa exigência não poderia ser exigida retroativamente.
Ofício similar, o Ofício Circular TST-GP nº 1.022/2011, foi encaminhado pelo TST ao Tribunal de Contas da União, gerando uma comunicação formal do Presidente da Corte de Contas da União às suas unidades técnicas para que passassem a verificar em suas ações de controle, quando fosse o caso, a necessária inclusão dessa exigência nos editais de licitação pelos órgãos e entidades fiscalizados.
Relevante trazer à colação, ainda, o PARECER CORAG/SEORI/AUDIN - MPU/Nº 0131/2011, da Auditoria Interna do Ministério Público da União, que defende que “a referida Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas deverá ser exigida, conforme o caso, após a entrada em vigor da Lei nº 12.440/11, ou seja, 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação”. (grifos nossos).
Conclusão idêntica foi proferida no 3º Fórum de Debates do Ciclo de Contratações Públicas, em que se retira que a CNDT não poderá ser exigida dos contratos em vigência, porque não fez parte do edital de licitação, devendo ser incluída nos editais a serem lançados após a entrada da vigência da lei.
Registre-se, no entanto, entendimento doutrinário diverso, exarado pelo Advogado da União Ronny Charles Lopes de Torres[10], que defende que:
“(...) em princípio, parece-nos que, nos contratos em andamento, deve ser mantido o raciocínio de que eventual impedimento gerado pela impossibilidade de emissão da CNDT, por parte da empresa, pode gerar a rescisão contratual, mas não a retenção dos valores devidos pelos serviços prestados ou bens oferecidos”.
Ricardo Alexandre Sampaio[11] também vislumbra a possibilidade de rescisão contratual, mas de maneira mitigada. Esclarece que, a princípio, não se mostra possível incluir documento como condição de habilitação que não tenha sido inicialmente previsto no edital de licitação, e colaciona o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – FORNECIMENTO DE “QUENTINHAS” – SERVIÇOS PRESTADOS AO DISTRITO FEDERAL – RETENÇÃO DO PAGAMENTO PELA NÃO-COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E LEGALIDADE.
Não se afigura legítima a retenção do pagamento do serviço prestado, após a efetivação do contrato e a prestação dos serviços contratados, pelo fato de a empresa contratada não comprovar sua regularidade fiscal.
Como bem asseverou a Corte de origem, ‘se a Administração, no momento da habilitação dos concorrentes, não exige certidão de regularidade fiscal (Lei 8.666/93, art. 29, III), não pode, após contratar e receber os serviços, deixar de pagá-los, invocando, para tanto, decreto regulamentar’ (fl. 107).
Recebida a prestação executada pelo contratado, não pode a Administração se locupletar indevidamente, e, ao argumento da não-comprovação da quitação dos débitos perante a Fazenda Pública, reter os valores devidos por serviços já prestados, o que configura violação ao princípio da moralidade administrativa. Precedentes.
Na lição de Marçal Justen Filho, a Administração não está autorizada a ‘reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob alegação de que o particular encontra-se em dívida com a Fazenda Nacional ou com outras instituições’ (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª ed. São Paulo: 2002, Dialética, p. 549).
Recurso especial improvido”. (Recurso Especial nº 730.800, Relator Ministro Franciulli Netto, p.21.03.2006).
Por fim, conclui entendendo que, verificada a irregularidade da empresa contratada, a melhor alternativa seria a concessão de prazo para sua regularização, sob pena de rescisão do contrato.
Entretanto, parece-nos que, em alguns casos, a rescisão dos contratos não seria adequada, tendo em conta o respeito à segurança jurídica, à irretroatividade das leis e a possibilidade de prejuízos ao interesse público que poderiam advir da adoção dessa medida.
Tomemos como exemplo aqueles contratos em que há exclusividade no fornecimento do bem ou do serviço. Como defender a tese de que a melhor solução seria a rescisão do contrato, sendo que tal ação resultaria em evidentes prejuízos ao serviço público?
Seria o caso, e.g., de contratos celebrados com as empresas fornecedoras de energia elétrica, em que a interrupção do serviço ocasionaria, como conseqüência, também a interrupção dos serviços públicos.
Medida viável nesses casos, a nosso sentir, seria a notificação judicial da empresa inadimplente para que regularizasse a situação de seus empregados, sob pena de multa pecuniária diária. Assim, manter-se-ia a prestação do serviço público, ao mesmo tempo em que se busca uma solução para a proteção dos direitos dos trabalhadores.
Essa concessão de prazo para que as empresas possam se regularizar nos parece um posicionamento interessante, tendo em vista a já citada finalidade social presente no novel diploma legislativo.
No entanto, deve restar definido de maneira veemente que a prorrogação dos contratos vigentes está vedada na hipótese de não apresentação pelas empresas contratadas da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas.
Esse pensamento é corroborado por Ricardo Alexandre Sampaio[12], que entende que:
“(...) ainda que a CNDT não tenha constado da relação de documentos habilitatórios exigida e verificada na licitação, entendo que a alteração legal (Lei nº 12.440/11) estabelece um novo panorama para contratar com a Administração Pública, segundo o qual essa passa a ser uma condição. Por isso, uma vez que a Lei nº 8.666/93 condiciona a prorrogação dos serviços contínuos (art. 57, inciso II) ‘à obtenção de preços e condições mais vantajosas’, entendo que somente possa ser vantajosa a prorrogação com empresas que possuírem a CNDT”.
Por fim, faz-se importante mencionar corrente doutrinária que entende, com base no art. 32, § 1º, da Lei nº 8666/93, que a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas poderia ser dispensada nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.
Defendendo esta tese, Greyce Silveira Carvalho[13] argumenta que:
“Por outro lado, não se pode desconsiderar o permissivo contido no art. 32, § 1º, que relativiza a necessidade de comprovação de certos requisitos de habilitação nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão. A razão de ser da regra consiste no fato de que determinadas hipóteses de contratação, seja pela imediaticidade na entrega do objeto, seja pelo reduzido valor deste, não demandam a investigação da idoneidade do particular contratado”.
Com entendimento contrário, Marçal Justen Filho[14] aduz que:
“Deve-se reconhecer que existem requisitos de habilitação cuja exigência é facultativa e que poderão ser dispensadas em alguns casos. Assim se passa, por exemplo, com a qualificação econômico-financeira e com a qualificação técnica, que não necessita ser examinada em algumas hipóteses. Em tais hipóteses, a dispensa da exigência da documentação é uma decorrência da ausência de requisitos de habilitação. Mas há alguns requisitos de habilitação cuja exigência é necessária em todos os casos. Assim se passa com a habilitação jurídica, com a comprovação da ausência de falência e com a regularidade com a seguridade social. Esses requisitos devem ser exigidos ainda nas hipóteses referidas no art. 32, § 1º. (...) A interpretação exposta conduz à conclusão de que, mesmo nas hipóteses previstas no dispositivo ora examinado, a Administração estará impedida de contratar se verificar que os requisitos mínimos e indispensáveis não estão preenchidos
Há quem possa argumentar que o disposto no art. 32, § 1º da Lei nº 8666/93 não se aplicaria à regularidade fiscal, posto ser essa exigência prevista constitucionalmente, hipótese diversa da exigência de apresentação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, que é exigida por lei ordinária.
Com efeito, o § 3º do art. 195 da CF/88 estabelece que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Entretanto, parece-nos que, com base na moderna teoria do bloco de constitucionalidade, idêntico raciocínio deve ser seguido com relação à obrigatoriedade da apresentação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas.
Senão vejamos.
Ana Maria D´Ávila Lopes[15], de maneira bastante clara, assim se posiciona quanto ao tema do bloco de constitucionalidade:
“No Brasil, a defesa da existência de um bloco de constitucionalidade está ancorada no §2° do art. 5° da Constituição Federal de 1988, no qual se estabelece que os direitos e garantias expressos na Lei Fundamental não excluem outros decorrentes dos princípios ou do regime por ela adotados, assim como os previstos em tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil faça parte. Essa norma evidencia o reconhecimento da forca expansiva da dignidade humana e dos direitos fundamentais no sistema jurídico pátrio (PIOVESAN, 1995, p. 160). Deve-se, desse modo, entender que os direitos e as garantias fundamentais não são apenas os que se encontram expressos na Constituição, mas também aqueles que possam hermeneuticamente decorrer do regime democrático adotado e dos princípios constitucionais previstos, além dos que se encontrem em documentos internacionais, desde que versem sobre direitos humanos”.
E, buscando suporte nos demais princípios e valores que compõem o bloco de constitucionalidade, retiramos do art. 1º da Constituição Federal de 1988 que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos os valores sociais do trabalho.
Nessa linha, reforçando a importância dos valores sociais do trabalho, Antônio Rodrigues de Freitas Júnior, citado por César Reinaldo Offa Basile[16], esclarece que:
“(...) hoje, portanto, mantém-se a vida com o labor, mas ele não é apenas atividade do animal laborans; transformou-se na forma de realização do homem, que realiza seu trabalho não somente para atender às necessidades de sua existência.. A partir do trabalho, o homem mantém sua vida e desenvolve suas potencialidades, agindo e participando da sociedade. Trabalhar é a forma com que a maioria das pessoas no globo terrestre encontra para buscar uma vida com dignidade. É indispensável, portanto, que não apenas seja assegurado o trabalho, mas este em condições dignas”.
Assim, parece-nos que também a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas deve ser exigida, cumprindo os valores sociais previstos constitucionalmente.
Portanto, em uma primeira análise acerca da nova lei, entendemos que deve ser privilegiada a função social do novo diploma legal, restringindo-se a participação em licitações públicas das empresas que não apresentem a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas.