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O papel das fundações de apoio no contexto das universidades públicas no Brasil

Agenda 26/04/2012 às 14:47

O texto destaca que o marco jurídico legal e as normas universitárias aplicadas à fundação de apoio ainda são imprecisas, gerando confusão e desconfiança. Para a ciência, tecnologia e inovação avançarem no país, será necessária uma revisão das normas de direito público aplicadas a estas instituições.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo analisa o marco legal da fundação de apoio à universidade no país, tentando demonstrar que esta é um importante mecanismo de apoio a ciência, tecnologia e inovação no Brasil e no mundo. Desconfianças à parte, já que todo comportamento antijurídico deve ser objeto de sanção pelo Estado dentro dos parâmetros da lei, este trabalho tem como proposta advogar a tese de que a fundação de apoio é um instrumento que se bem regulado pode ser de grande ajuda a realização da missão da universidade em termos de produção e difusão do conhecimento, bem como em relação a sua responsabilidade social. Defende também a ideia de que a fundação está intimamente associada a fundraising (captação de recursos), articulando professores, ex-alunos e membros da comunidade em uma rede de apoio a universidade, estratégia que ainda é pouco ou mal utilizada por nossas instituições de ensino, pesquisa e extensão no país.

Por fim, o texto destaca que o marco jurídico legal e as normas universitárias aplicadas à fundação de apoio ainda são imprecisas, gerando confusão e desconfiança. Para a ciência, tecnologia e inovação avançarem no país será necessária uma revisão das normas de direito público aplicadas a estas instituições, bem como, do ordenamento jurídico universitário. Advoga-se, portanto, a tese de que a fundação de apoio à universidade pública no Brasil, se respeitada sua natureza jurídica e função social, pode ser um importante instrumento para a superação da crise da universidade pública brasileira, fortalecendo e efetivando o princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como, incentivando a produção e difusão do conhecimento, a pesquisa, ciência, tecnologia e inovação no país.


2. AS FUNDAÇÕES E O CONTEXTO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS NO BRASIL

O exame minucioso da origem e desenvolvimento dessa organização no Brasil e no mundo revela que a fundação (em sentido lato sensu) tem sua origem associada a uma preocupação com a ação social e transformadora, baseada em valores como a solidariedade e confiança mútua, indo além de modelos de administração no sentido clássico do termo. Na relação com a universidade pública, a fundação tem o papel de apoiar a universidade no cumprimento do seu compromisso social, com ênfase na Responsabilidade Social Universitária (RSU) e na gestão de recursos públicos.

Nessa discussão, é preciso reconhecer que vivemos em um século de crescimento das desigualdades sociais – acirradas pelo fenômeno da globalização paradoxal, que cria riquezas na mesma magnitude em que acentua a pobreza dos excluídos – em que o Estado, sem a participação da sociedade civil, não conseguirá ser eficaz na promoção de uma maior justiça social. As fundações, de maneira geral, pertencem a uma nova esfera pública formada por organizações que não fazem parte do Estado, nem a ele estão vinculadas, mas se revestem de caráter público na medida em que se dedicam a causa e problemas sociais e em que, apesar de serem instituições da sociedade civil de direito privado, não têm como objetivo o lucro, e sim o atendimento a sociedade e a efetivação de direitos. Essas instituições fazem parte de um novo setor na economia mundial, chamado de terceiro setor, que emerge das relações entre Estado e sociedade civil organizada.

O desenvolvimento da fundação de apoio no Brasil e do terceiro setor, de um modo geral, tem sido prejudicado por um marco legal impreciso, onde os sistemas jurídicos são variados e as características que definem os diversos tipos de fundações são muito numerosas: origem, recursos, fins, longevidade, forma de atuar, atividades ou tratamento fiscal, o que contribui para a falta de informação por parte da população. Essa particularidade e o fato da fundação de apoio estar diante de grandes desafios tornam necessária a discussão sobre sua origem, formação e gestão. Não só porque essas organizações se vêm compelidas a pensar no futuro, mas porque se defronta, em seu cotidiano, com problemas causados pela falta de mecanismos administrativos e jurídicos adequados a realização da sua função social.

Uma série de transformações de ordem tecnológica, política, social e econômica neste início de século tem causado profundas alterações para as universidades públicas. De um lado, a sociedade exige que as universidades públicas ampliem o acesso e participem de forma mais ativa do desenvolvimento social, de outro, diversos setores cobram mais qualidade e um maior compromisso com a produção da ciência, tecnologia e inovação. Todas essas questões têm levado a um consenso sobre a existência de uma crise nas universidades públicas no Brasil e também no mundo. Nesse sentido, textos lançados no Brasil falam das “ruínas” da universidade, ou do “naufrágio”, ou ainda das “ameaças” de as mesmas caírem na “penumbra” ou de serem “sitiadas”, ou ainda de serem reduzidas a “escombros” ou “dilaceradas”, entre tantas metáforas a que têm recorrido os autores preocupados com o destino da universidade.

Nesse cenário, cabe destacar as contribuições do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos nos livros Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (1999) e A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade (2003). Nessas obras, Santos analisa a situação das universidades no Brasil e identifica três crises: a crise de hegemonia; a crise de legitimidade e a crise institucional (SANTOS, 1999).

Para Santos, as universidades públicas brasileiras vivem, em primeiro lugar, uma crise de hegemonia resultante das contradições entre funções tradicionais da universidade e as que ao longo do século XX lhe foram sendo atribuídas. De um lado, a produção da alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos, necessários à formação das elites de que a universidade vem se ocupando desde a Idade Média. Do outro lado, a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais úteis à formação da mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento capitalista. A incapacidade da universidade para realizar a contento essas funções, até certo ponto contraditórias, levou o Estado e os agentes econômicos a procurarem fora da universidade meios alternativos de atingir esses objetivos. Ao deixar de ser a única instituição no domínio do ensino superior e na produção da pesquisa a universidade entra numa crise de hegemonia (SANTOS, 2003).

A segunda crise descrita por Santos é a crise da legitimidade provocada pelo fato da universidade ter deixado de ser uma instituição consensual em face da contradição entre a hierarquização do saber especializado, através das limitações ao acesso e do credenciamento de competências, por um lado, e as exigências sociais e políticas da democratização da universidade e da reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das camadas populares da sociedade, por outro (SANTOS, 1999).

Por fim, Santos registra a existência de uma crise institucional, que resulta da contradição ente a reivindicação da autonomia na definição dos valores e objetivos da universidade e a pressão crescente para submeter esta última a critérios de eficácia e de produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social. A crise institucional da universidade pública estaria associada a dificuldades de realização das suas funções tradicionalmente chamadas de ensino, pesquisa e extensão e a perda de prioridade da educação superior como bem público (SANTOS, 2003).

Para este autor, de modo geral, as universidades brasileiras têm se preocupado apenas com a crise institucional. Contudo, essa postura parece não ser a certa, na medida em que a crise só pode ser superada atacando-se o problema como um todo. Em outras palavras, a solução da crise na universidade necessita de uma visão holística e não de soluções pontuais como vem acontecendo no país (SANTOS, 1999).

Em verdade, uma visão holística das universidades requer a adoção de uma nova institucionalidade que vá além da estrutura departamental atual e das relações interpares. Essa nova institucionalidade deve ter como base a compreensão da universidade como um sistema complexo, isto é, como uma rede de articulações e conversações acadêmico cientificas, em que a participação não só da comunidade universitária, mas de todos os segmentos sociais (empresas, movimentos sociais, fundações etc.) é fundamental.

Essa nova institucionalidade tem, ao menos, 03 (três) protagonistas. O primeiro protagonista é a própria universidade. A universidade é hoje um campo social muito fraturado e no seu seio disputam setores e interesses contraditórios. É certo que em muitos países tais dissonâncias são por enquanto latentes, pois o que domina é a posição defensiva da manutenção do status quo e da recusa, quer da globalização neoliberal, quer da globalização alternativa. Em outras palavras, como a conjuntura no país não nos leva a crer que as reformas possam trazer benefícios para sociedade, os movimentos dentro da universidade (Associações Docentes, Diretórios de Estudantes, Tendências Partidárias) optam por barrar qualquer tipo de reforma temendo uma redução de direitos já conquistados (ROCHA, 2009).

Essa postura defensiva acaba sendo conservadora, não por defender a manutenção do status quo, mas, porque, desprovida de alternativas realistas, acaba por ficar refém dos desígnios da globalização neoliberal da universidade imposta pelo aparelho estatal. Segundo Santos, os universitários que renunciarem a esta posição conservadora e, ao mesmo tempo, recusarem a idéia da inevitabilidade da globalização neoliberal serão os protagonistas dessas mudanças dentro da universidade (ROCHA, 2009).

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O segundo protagonista pela resposta aos desafios de superação da crise das universidades públicas é o próprio Estado nacional sempre e quando ele optar politicamente por uma globalização solidária. Sem esta opção, o Estado nacional acaba por adotar, mais ou menos incondicionalmente, às pressões da globalização neoliberal e, em qualquer caso, transformar-se-á no inimigo da universidade por mais que os discursos falem o contrário (ROCHA, 2009).

O terceiro protagonista desse cenário de superação da crise é o cidadão individualmente ou coletivamente organizado em grupos sociais, organizações locais, fundações, sindicatos, movimentos sociais, organizações não governamentais e suas redes interessados em fomentar articulações cooperativas entrem a universidade e os interesses sociais que representam. Ao contrário do Estado, esse terceiro protagonista tem historicamente uma relação distante e por vezes mesmo hostil com a universidade precisamente em consequência da distância que esta cultivou durante muito tempo em relação aos setores populares da sociedade. Esse último protagonista tem que ser conquistado por via da resposta à questão da legitimidade, ou seja, por via do acesso não classista, não racista, não sexista e não etnocêntrico à universidade e por todo um conjunto de iniciativas que aprofundem a participação da sociedade na produção e difusão do conhecimento universitário como bem público (ROCHA, 2009).

Nessa terceira hipótese é que se encaixa a fundação de apoio, enquanto instituição da sociedade civil organizada, compostas de cidadãos e cidadãs coletivamente organizados, dispostos a colaborar com a produção de conhecimento da universidade e preocupados com a transformação social. Contudo, para que as fundações possam verdadeiramente desempenhar esse papel no processo de reinvenção do Estado e superação da crise nas universidades, é preciso que se faça um esforço no sentido de que a sociedade compreenda melhor as características e funções das fundações e que os agentes públicos exerçam de fato o controle sobre essas instituições.


3. PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DAS FUNDAÇÕES DE APOIO ÀS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

De modo geral a comunidade acadêmica tem percebido as fundações de apoio como instrumentos eficazes para gerenciamento de recursos humanos e materiais, destinados a projetos e programas elaborados pela universidade, sem a burocracia tradicional do setor público. Sem a menor dúvida, esse é um importante papel da fundação de apoio que costuma amparar o trabalho de professores e acadêmicos através do gerenciamento de projetos. Contudo, acreditamos que essa visão limita o papel e objetivo social da fundação de apoio e lhe retira a principal característica que é a promoção de objetivos científicos, acadêmicos, sociais, artísticos, culturais ou filantrópicos que estão relacionados à solidariedade humana e ao desejo de intervenção social.

Do ponto de vista histórico, segundo Paes, podemos afirmar que as fundações são explicadas pelo espírito de solidariedade humana dirigida para busca de mecanismos de auxílio às pessoas em situação de risco pessoal e social. Desde os primórdios da história da humanidade são registradas histórias de pessoas que imbuídas pelo amor às artes, à sabedoria, à cultura, ao próximo, destinavam bens para uma finalidade social ou filantrópica. Nesse sentido, as fundações passaram a se constituir como um instrumento por meio do qual pode o ser humano – enquanto pessoa física ou jurídica – transmite à sociedade e a sucessivas gerações seus ideais e convicções (PAES, 1998).

No Brasil, os registros das fundações começaram no período em que estivemos sob a égide das Ordenações Manuelina e Afonsina, nas quais já eram conhecidas as entidades denominadas de “mão morta”. O Código Civil de 1916, em seu artigo 16 determinava que as fundações são pessoas jurídicas constituídas por um patrimônio destinado a um fim de utilidade ou de interesse público, seja moral, cientifico, religioso, cultural, artístico ou cientifico, reconhecida como tal pelo direito positivo. Para o Código Civil de 1916 a fundação se formava pela vontade de uma pessoa que lhe dedicava bens suficientes de seu patrimônio livre, para a realização de certos fins sociais ou nobres (asilo, educandário, creche, hospital, estabelecimento de ensino etc.). Há, portanto, um patrimônio de afetação. Para criar uma fundação – dizia o artigo 24 do Código Civil de 1916: “far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública, ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la” (BRASIL, 2003).

No atual direito brasileiro, as fundações podem ser conceituadas como pessoas jurídicas de direito privado, criadas com o objetivo de atender a uma determinada finalidade considerada por seu instituidor, sendo dirigida por administradores ou curadores, conforme determinem seus estatutos. Destarte, as fundações de que falavam os artigos 24 e 30 do Código Civil de 1916, atualmente disciplinadas nos artigos 62 a 69 do Código Civil atual continuam a existir. Possuidoras de regime jurídico de direito privado, quase sempre estão voltadas para o próprio interesse, e com a possibilidade de remunerar pela prestação de seus serviços, detendo liberdade, inclusive, para determinarem sua própria extinção.

Segundo a professora Maria Helena Diniz, as fundações são universalidades de bens, personalizadas pela ordem jurídica, em consideração a um fim estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutável e seus órgãos servientes, pois todas as resoluções estão delimitadas pelo instituidor. É, portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei a capacidade jurídica para realizar as finalidades pretendidas pelo seu instituidor, em atenção aos seus estatutos, desde que religiosas, morais, culturais ou assistenciais. As fundações não possuem fins econômicos ou lucrativos, sua natureza consiste na disposição de certos bens em vista de determinados fins especiais, logos esses bens são inalienáveis, uma vez que asseguram a concretização dos objetivos colimados pelo fundador (DINIZ, 2002, p.211).

O Portal do Ministério da Educação define a fundação de apoio como sendo:

instituições criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, de interesse das instituições federais de ensino superior (IFES) e também das instituições de pesquisa. Devem ser constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos e serão regidas pelo Código Civil Brasileiro. Sujeitam-se, portanto, à fiscalização do Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil, à legislação trabalhista e, em especial, ao prévio registro e credenciamento nos Ministérios da Educação e do Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente. As Fundações de Apoio não são criadas por lei nem mantidas pela União. O prévio credenciamento junto aos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia é requerido em razão da relação entre as instituições federais e as fundações de apoio ser de fomento ao desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão, sendo função das fundações dar suporte administrativo e finalístico aos projetos institucionais (MEC, 2012).

Na esfera federal, a legislação aplicada à fundação de apoio pode ser encontrada nas Leis nº 8.958 de 20 de dezembro de 1994; 10.973 de 02 de dezembro de 2004; e 12.349 de 15 de dezembro de 2010; nos Decretos nº 7.423 de 31 de dezembro de 2010 e 5.563 de 11 de outubro de 2005; nas portarias interministerial nº 7.423 de 31 de dezembro de 2010 e 475/MEC/MCT de 14 de abril de 2008 e ainda nos pareceres CNE/CES nº 81/2003 e 364/2002. Contudo, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas no que diz respeito ao seu marco jurídico.

O crescimento das fundações nos distintos países, principalmente, da Europa e dos EUA trouxe conseqüências que, em muitos casos, tem tornado uma tarefa complexa definir o seu conceito e papel social em um cenário que os diversos atores se movimentam buscando uma posição que os identifique e lhes dê uma razão de ser nas novas circunstâncias. As fundações de apoio não são diferentes e junto a outros tipos de fundação estão dando provas de grande vitalidade, assumindo decididamente sua responsabilidade na resposta aos desafios da nova realidade social.


4. O PAPEL DAS FUNDAÇÕES DE APOIO NO CONTEXTO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

A proposta deste artigo foi a de levantar alguns pontos em relação à fundação de apoio sem com isso querer esgotar a discussão. Além disso, o artigo advoga a ideia de que o marco jurídico legal para a fundação de apoio precisa ser revisto e ampliado, na perspectiva de que a fundação se torne um mecanismo de fortalecimento da missão da universidade, além de propiciar parcerias, e alianças para a formulação de novas diretrizes para a produção e difusão do conhecimento, para ampliação da pesquisa, ciência, tecnologia e inovação, para realização de um desenvolvimento regional fundado nos princípios da sustentabilidade, solidariedade e democracia. Nesse sentido, apresentaremos a seguir alguns pontos que consideramos fundamentais nessa discussão:

1. O princípio da solidariedade social.A primeira conclusão a que podemos chegar nesse texto é que a fundação de apoio tem como base a solidariedade social e a preocupação com a ação social transformadora e emancipatória, baseada em valores humanitários e de confiança mútua. Na relação com a universidade a fundação tem o papel de apoiá-la no cumprimento da sua missão institucional além de colaborar no cumprimento das exigências quanto à Responsabilidade Social Universitária (RSU) com o atendimento a questões sociais. Em face de um mundo de complexidade crescente, de maior encontro e frequentemente, confronto entre culturas diversas, será no apelo à solidariedade entre povos e culturas que a intersubjetividade coletiva pode-se formar com mais facilidade. E será através de um continuado reencontro do sujeito, por meio de redes solidárias, que dizem respeito a suas múltiplas referências identitárias, que uma intersubjetividade coletiva intercultural vai-se constituindo.

Cada ser humano, de acordo com a sua própria cultura dá à palavra solidariedade algum conteúdo que lhe é significativo: justiça; amor; proximidade; adesão; auxilio; gratidão; compaixão etc. E aos destinatários nomes bem diferentes em razão do local e do tempo: marginais; excluídos; descamisados; despossuídos; sem-teto; destituídos de direitos; vulneráveis; em situação de risco; pobres; que têm fome; o terceiro mundo etc. Entretanto Sequeiros alerta que:

Em um mundo que não só perpetua, mas também aumenta o tamanho das desigualdades sociais, a consciência humana vai-se expandindo cada vez mais para a necessidade da solidariedade, talvez a categoria ética que melhor sintetize os desejos da humanidade neste momento. Então, tornar-se responsável pelo outro, em uma sociedade de relações assimétricas, está em perfeita sintonia como os desejos de nosso mundo (SEQUEIROS, 2000, p.20).

Portanto, o valor fundamental da solidariedade nos dias atuais é o compromisso ético que leva as pessoas a assumirem o desafio de transformação das raízes das situações geradoras de desequilíbrio e injustiça. Uma atitude que nasce de uma sensibilidade eficaz e transformadora da própria pessoa que reorganiza sua vida em outra direção: a da solidariedade, da responsabilidade e da justiça. Nesse aspecto, o imenso guarda-chuva da solidariedade tem protegido muitos outros valores fundamentais como: participação política; tolerância; interculturalidade; alteridade; diversidade; identidade; compartilhamento de ações; respeitar os valores do outro etc.

Todavia, a solidariedade nem sempre vem acompanhada do diálogo. A exigência de uma solidariedade em escala global supõe que todos superem a tendência a se fechar em si mesmo, de modo a abrir-se à compreensão dos outros, baseada no respeito à diversidade, no respeito à diferença. Reforçar a ideia de solidariedade entre o grupo pode constituir passos positivos e libertadores, mas, quando mal compreendidos, esse tipo de reivindicação contribui, igualmente, para tornar difíceis e até impossíveis o encontro e o diálogo com o outro.

Encontram-se justamente aí os perigos de afirmação das identidades ameaçadas, nos contextos globalizados e multiculturais, virem, ao afirmar suas identidades especificas, a desenvolver ou aprofundar fundamentalismos étnicos, religiosos ou de outra natureza. Nesse sentido, a solidariedade em si mesma não é salvaguarda da alteridade, do mútuo respeito às diversidades, a ação solidária emancipatória, em direção à realização de uma cidadania plena, à medida que, não for acompanhada por um pensamento critico e autorreflexivo em relação a suas práticas e experiências. Nesse sentido, as fundações de apoio se organizam e atuam a partir do paradigma da solidariedade social e do apoio mútuo fortalecendo os laços humanitários que unem os povos.

2. Vinculação ao terceiro setor.Por outro lado, fica claro que o surgimento de um grande número de fundações de apoio no mundo todo está relacionado ao processo de consolidação de um novo campo de atuação social também chamado de terceiro setor. É evidente que nenhuma sociedade pode sobreviver diante de um quadro em que o Estado se encontra fragilizado em sua ação e onde o mercado vive de um capitalismo selvagem. É nesse quadro que encontramos as fundações de apoio, onde a iniciativa de pessoas surge para atender o interesse público, o bem comum. Esse fenômeno se simplesmente observado em sua dimensão político-sociológica, já representa uma profunda revolução na tradicional dicotomia Estado x Sociedade. Contudo ele permite também que novas alternativas sejam buscadas, a partir de esforços colaborativos entre Estado e sociedade civil, em que o interesse público seja o denominador comum.

3. A preocupação com a identidade na diversidade. Vivemos em uma sociedade em que a diversidade e a diferença devem ser respeitadas. Contudo, em alguns casos, a fragmentação contribui para o esvaziamento de importantes iniciativas da sociedade civil. Nesse sentido, as fundações de apoio buscam encontrar uma identidade de atuação, ou seja, buscam encontrar um ponto orientador ao conjunto de múltiplas ações institucionais que executam junto às universidades. Esse ponto orientador (visão-missão) deve estar pautado pela natureza social das fundações.

4. Cultura democrática. Podemos também concluir desse breve estudo que é papel das fundações de apoio contribuir para a formação e o fortalecimento de uma cultura democrática e cidadã em nosso país. Todas as ações das fundações são ações baseadas na intervenção social que busca modificar formas de pensar, agir e sentir. Esse conjunto de contribuições vai construindo uma pedagogia social, formadora de uma nova cultura social. Em outras palavras, é função das fundações de apoio passar de uma ordem recebida para uma ordem produzida, passar de uma ordem social imposta para uma ordem social reinventada e “autofundada”.

5. Nova institucionalidade. As fundações de apoio podem contribuir também para a adoção de uma nova institucionalidade nas universidades fundada na participação, na igualdade e na governabilidade, ou seja, contribuir para que a sociedade seja capaz de entender e resolver seus conflitos sem recorrer à violência e à intolerância, fundada nas regras do jogo democrático. Ainda que saibamos que em uma sociedade de classe temos interesses diferentes é no espaço público que podemos contribuir para a igualdade e compartilhamento de interesses.

6. Democracia cultural. Cabe também as fundações de apoio tornar possível a democracia cultural, criando condições para que todos os diferentes sentidos e símbolos da diversidade social possam competir e circular em igualdade de condições. Em outras palavras, as fundações de apoio podem contribuir para o empoderamento dos setores populares, melhorando a qualidade de vida, aumentando os índices de participação. Dessa perspectiva, uma das importantes funções das fundações de apoio, enquanto instituições da sociedade civil é tornar possível a competência cultural, ou seja, criar condições para que as diferentes formas de ver, produzir, e entender o mundo dos setores populares possam circular e competir em igualdade de condições, assim como circulam os sentidos e símbolos do setores dominantes.

7. A transição do conhecimento universitário para o conhecimento pluriversitários. Estamos no curso de elaboração de uma nova institucionalidade para a universidade, mais aberta e menos hierarquizada, fundada numa visão pluralista do conhecimento universitário. Essa concepção deve ter por objetivo central responder positivamente às demandas sociais pela democratização radical da universidade, pondo fim a uma história de exclusão de grupos sociais e seus saberes de que a universidade tem sido protagonista ao longo do tempo e, portanto, desde muito antes da atual fase da globalização capitalista. Neste processo de desestabilização do modelo atual monista de produção do conhecimento universitário, por um novo modelo fundado numa visão pluralista e transdisciplinar do conhecimento as fundações de apoio passam a ter uma importância fundamental na medida em que viabilizam a interatividade entre o conhecimento universitário com outras formas de conhecimento dispersos na comunidade.

8. Apoio à extensão universitária. A extensão pode cobrir uma vasta área que atinge grupos sociais populares e suas organizações, movimentos sociais, comunidades locais ou regionais, governos locais, o setor público e setor privado. Além desses parceiros há também toda uma outra área que tem a sociedade como destinatária. Para que a extensão cumpra este papel é preciso evitar que ela seja orientada para atividades rentáveis com o intuito de arrecadar recursos extraorçamentários. Neste caso, estaremos perante uma privatização da universidade. Para evitar isso, as atividades de extensão devem ter como objetivo prioritário, sufragado democraticamente no interior da universidade, o apoio solidário na resolução dos problemas da exclusão social e da discriminação social e de tal modo que nele se dê voz aos grupos excluídos e discriminados (SANTOS, 2003).

Uma extensão universitária consiste na definição e execução de projetos e programas com ativo envolvimento das comunidades, movimentos sociais, organizações populares, ONGs, no enfrentamento de problemas cuja solução podem beneficiar dos resultados da pesquisa e da extensão. Sob esse aspecto, os interesses sociais são articulados com os interesses científicos dos pesquisadores e a produção de conhecimento científico ocorre assim estreitamente ligada à satisfação de necessidades dos grupos sociais que não têm poder para pôr o conhecimento técnico e especializado ao seu serviço pela via do mercado. A luta contra a mercantilização e transnacionalização da universidade só é possível com a construção de uma alternativa que marque socialmente a utilidade social da universidade, mas formule essa utilidade de modo contra-hegemônico (SANTOS, 2003).

9. Articulação com as redes. É necessário que o conhecimento produzido pela universidade passe a ser produzido em rede, o que significa que nenhum dos nós (clusters) da rede pode assegurar por si qualquer das funções em que se traduz esse bem, seja ele a produção de conhecimento, a formação graduada e pós-graduada ou a extensão. Isto implica uma revolução institucional e uma revolução nas mentalidades. As universidades foram desenhadas institucionalmente para funcionar como entidades autônomas e autossuficientes. Mas, essa nova realidade em rede está a exigir mudanças.

Assim a construção de uma rede de universidades implica no compartilhar conhecimentos, saberes, recursos, equipamentos, mobilizar estudantes e professores na rede com a possibilidade de construção de planos, projetos e programas de forma coletiva, além da adoção de uma avaliação participativa realizada pelos integrantes da rede, valorizando as especificidades locais. A rede não apaga as especificidades locais, ao contrário, tende a valorizá-las no interior da rede.

Uma cultura de rede tem como objetivo fortalecer a universidade no seu conjunto ao criar mais polivalência e descentralização. A reforma com vista a uma globalização solidária da universidade como bem público, deve partir da solidariedade e da cooperação no interior da rede de universidades, que deve estar integrada com universidades estrangeiras e apostar nas formas de integração que valorizem o cidadão e não o mercado. Obviamente que essas relações já existem, só que precisam ser intensificadas até o ponto de serem tão constitutivas da rede que deixam de ser consideradas exteriores.

As fundações podem contribuir nesse processo de articulação das universidades públicas com outras redes sociais formadas por empresas, movimentos sociais etc.

10. Integração com a comunidade e apoio ao desenvolvimento cientifico e tecnológico. Por fim, as fundações de apoio cumprem um importante papel na mediação entre a sociedade e a universidade, trazendo demandas sociais para dentro da universidade e levando conhecimento para fora dos muros da universidade. Pode ainda contribuir na difusão e aplicação prática, na construção de tecnologias sociais a partir do conhecimento universitário.

Essas são alguns desafios que ora são compartilhados pelas fundações de apoio e que são estímulos obrigatórios para gerar a energia social necessária à criação de uma nova realidade social, contribuindo para uma sociedade mais justa e mais humana. Os fios em comum para esse tecido podem ser encontrados no reino dos valores de solidariedade, senso de responsabilidade, confiança mútua, partilha, rejeição à desigualdade violência e opressão. Em um próximo artigo, aprofundaremos cada um desses pontos levantados.


Referências

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Sobre o autor
José Cláudio Rocha

Professor pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) é professor do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias (DCHT), Campus XIX, Camaçari e coordenador do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB). tem graduação em direito (UFBA); ciências econômicas (UFBA) e análise e desenvolvimento de sistemas (UNINASSAU). Especialização em Administração Pública (UEFS); Ética e Desenvolvimento (INEAM/OEA) e Gestão de Projetos (UNIRIO). Mestrado (UFBA) e Doutorado (UFBA) em educação e pós-doutorado (UFSC) em direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, José Cláudio. O papel das fundações de apoio no contexto das universidades públicas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3221, 26 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21632. Acesso em: 18 nov. 2024.

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