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A institucionalização da mudança dos paradigmas jurídico-valorativos e a democratização das relações sociais de gênero

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Agenda 03/05/2012 às 08:25

A valorização das mulheres deve ser promovida por agentes públicos. Por vezes, em razão da falta de treinamento, de uma formação humanística, agem como se as vítimas de agressões fossem as próprias culpadas. Criminalizar as condutas não impede sua realização.

Introdução

Desde os tempos imemoriais, a violência contra as mulheres é registrada nos mais diversos meios (pinturas, relatos, passagens bíblicas, artigos filosóficos, etc.). As desigualdades socioculturais hierarquizaram as relações entre os sexos, produzindo – historicamente – os diferenciados processos que demonstram que a preservação do controle viril e a submissão feminina ainda estão arraigados em toda sociedade.

Esta herança social da divisão de papéis em que a mulher é submissa ao homem advém ao longo da história:

No Brasil, a mulher casada foi considerada relativamente incapaz até 1962 e não podia sequer exercer profissão sem autorização do marido (art.242, VII, do Código Civil de 1916). Somente com o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962) a mulher casada passou a ter plena capacidade civil, mas o marido continuou sendo considerado o chefe da sociedade conjugal (art.233 do Código Civil de 1916) até o advento da Constituição de 1988, que finalmente estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres perante a lei brasileira (VIANNA, 2011, p.01).

O estigma dicotômico de ser mulher (submissa) e de ser homem (controlador) traduz as características aduzidas em Erving Goffman (2008, pp. 148-149):

O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro. Os atributos duradouros de um indivíduo em particular podem convertê-lo em alguém que é escalado para representar um determinado tipo de papel; ele pode ter de desempenhar o papel de estigmatizado em quase todas as situações sociais, tornando natural a referência a ele (...).

A ideia da “mulher-objeto”, na perversa dialética dos arcaicos valores que atribuem ao homem um papel disciplinador, permanece imbuída na atuação institucionalizadora, na dos operadores do Direito e na conduta de agentes públicos.

O Poder Judiciário ainda tem sido o último recurso utilizado como meio de cessação do ciclo da violência de gênero.

A sobremortalidade masculina, especialmente no que tange às causas de violência, contextualiza o modelo social onde se percebe a predominância associativa entre masculinidade e agressividade/violência. Medrado e Pimentel Méllo (2008, p. 81) ressaltam que

(...) a pessoa que vive em um contexto violento, que tende à violência, também se encontra em maior risco de sofrer desordens alimentares, alcoolismo e abuso de outras drogas, estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, fobias/pânico e baixa auto-estima. Assim, não podemos pensar/atuar nesta construção cotidiana e nas suas implicações para a saúde e a violência contra a mulher, sem envolver os homens”.

Ainda vivemos nos moldes da “tradicional divisão sexista, na qual de um lado está a parte frágil e de outro a parte forte e esta pode exercer sobre a outra seu poder, inclusive a forma da violência” (MEDRADO; PIMENTEL MÉLLO, 2008, p.83).


Capítulo 1 – O CONCEITO DE GÊNERO SOB A PERSPECTIVA DA SOCIALIZAÇÃO E DOS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA, CULTURAL E INSTITUCIONAL

A acepção do termo gênero provém do latim “genus” que significa classe, espécie.

Convém ressaltar que “no sentido muito específico e particular que nos interessa aqui, gênero não aparece no Aurélio (...) está ligado diretamente à história do movimento feminista contemporâneo constituinte desse movimento” (LOURO, 2010, p. 14).

Gênero no atual discurso compreende a análise de que

(...) as desigualdades entre mulheres e homens não são biológicas, mas construídas socialmente (...) como forma de poder e dominação, com vistas a culminar em uma forma específica de expressão dessas desigualdades, que é a violência de gênero” [BRAUNER (org.), 2007, p. 135].

Os procedimentos de masculinidade e de feminilidade obedecem diferentes fatores que constituem uma herança social da época colonizadora, em que as questões de honra e vergonha masculinas imperavam as justificativas dos atos e omissões – de cunho corretivo e disciplinador – evidenciando a força dessimétrica de poder e reforçando a “irmandade masculina”: é o ethos viril legitimado pelo pensar social.

A condição de submissão feminina sob o prisma dos homens – e em muitos casos também pelas mulheres – retrata a mulher como detentora de restritos direitos e ser inferiorizado. Esta situação reflete não só o cenário do cotidiano familiar, como também traduz as situações dos espaços públicos e institucionais. Para ilustrar este contexto, basta relembrar que até o início do ano de 2005, antes da promulgação da Lei nº 11.106 de 28 de março do citado ano, o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro – trazia em seu bojo a figura da “mulher honesta”, nos artigos 215 e 216, onde se pretendia atrelar a expressão ao fato da honestidade sexual feminina. A própria Exposição de Motivos da Parte Geral do Diploma Penalista Pátrio recomenda que se leve em consideração o comportamento da vítima como motivo ensejador da redução da pena, assim ainda encontra-se disposto:

Fez-se referência expressa ao comportamento da vítima, erigido, muitas vezes, em fator criminógeno, por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa, como, entre outras modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes. (grifos nossos)

Lourdes Bandeira (2009, p. 411) enfatiza que “a competição e a rivalidade estabelecidas entre homens de status similares e de status diferentes enfatizam as sociabilidades competitivas nos relacionamentos violentos entre os homens, geralmente antecedidos por conflitos abrigados no machismo e no sexismo”. Esta constatação desencadeia a onda de violência, de vingança e de afirmação do controle viril que permeiam as mais remotas épocas e as mais diversas sociedades até a contemporaneidade.

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O hodierno conceito de gênero ganhou contorno na década de 1980, com a exteriorização do inconformismo feminista por meio de movimentos e campanhas em prol de ações públicas e sociais para a “desobjetificação” da mulher. O público tomava conhecimento dos quantitativos gerados pela violência contra a mulher, milhares mortas, sob o âmbito da privacidade onde o homem agia com a prerrogativa de execução de seu papel disciplinador. Ao Estado não cabia interferir na vida privada e na intimidade das pessoas, era o prisma institucional arcaico.

A luta feminista em prol da normatização das políticas de combate à violência de gênero ganhou espaço midiático, sendo famosos os slogans: “Quem ama não mata”, campanha oriunda do crime cometido por Raul Fernandes do Amaral Street, o Doca Street, em 30 de dezembro de 1976, que matou com quatro tiros – por motivos passionais – Ângela Diniz, mulher da alta sociedade[1]; e “Chega de esconder: denuncie a violência contra a mulher”, resultante do Instituto Patrícia Galvão, em 2005, que aduzia que o objetivo da campanha era “encorajar as mulheres em situação de violência doméstica a romper o mundo do silêncio, escapar da solidão e encontrar saídas. (...) apontar a violência sofrida como algo que não é ‘natural’, que não deve ser tolerado e nem varrido para debaixo do tapete” (MELO, 2005, p. 03).

Ainda no ano de 1976, alguns Estados firmaram a Convenção contra todas as formas de discriminação contra a mulher, da qual o Brasil é signatário.

Na evolução histórica da batalha pelos direitos da mulher, tivemos – em 1983 – a criação do primeiro Conselho da Condição Feminina, no estado de São Paulo. Em sequência, criou-se o de Minas Gerais. Em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos das mulheres. No mesmo ano, foi criada a primeira Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) em São Paulo, no ano seguinte foi criada a do Rio de Janeiro. Em 1987, criou-se o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro – CEDIM/RJ[2].

Com a Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, veio a tentativa de assegurar a igualdade entre homens e mulheres e demonstrar o repúdio explícito à violência contra as mulheres.

Em 1993, a Conferência de Direito Humanos de Viena declarou, em seu bojo normativo parte II, item 38, que:

(...) As violações dos direitos humanos das mulheres em situações de conflito armado constituem violações dos princípios fundamentais dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário. Todas as violações deste gênero, especialmente o homicídio, a violação sistemática, a escravatura sexual e a gravidez forçada, requerem uma resposta particularmente eficaz.

Em 1994, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”, onde se define – no artigo 1º – o conceito sobre a violência contra a mulher: “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. No artigo 2º temos o âmbito do emprego no que tange a violência contra a mulher:

 Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:

a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;

b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Em 1995, é realizada – na China, Beijing – a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, consagrando várias conquistas femininas[3].

O clamor público e a realidade escancarada da violência contra a mulher deram ensejo à aplicabilidade da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 – a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais sob o âmbito da violência de gênero. Gerou-se ainda mais insatisfação e revolta em razão do tratamento de menor potencial ofensivo dos delitos e do estabelecimento de penas pecuniárias e de trabalho alternativo, que não configuram elementos punitivos suficientes à repressão da violência de gênero. A conciliação, praticamente imposta por meio da transação penal, constituía a legitimação da cultura da impunidade acarretando desestimulação das mulheres em denunciar às violências e reforçando a citada cultura viril.


Capítulo 02 – A LEI Nº 11.340/2006 COMO MARCO GARANTISTA DOS DIREITOS DA MULHER

A Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, está em vigor desde 22 de setembro daquele ano constituindo a resposta do Congresso Nacional brasileiro às várias reivindicações sociais por uma lei específica aos direitos da mulher e a punição da violência de gênero.

Conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006 ganhou este nome em homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes:

Em 1983, Maria da Penha recebeu um tiro de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, professor universitário, enquanto dormia. Como seqüela, perdeu os movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas. Seu marido tentou acobertar o crime, afirmando que o disparo havia sido cometido por um ladrão[4].

No ano seguinte, Maria da Penha iniciou sua peregrinação – durante vinte anos – em busca da condenação do seu agressor, ingressando – inclusive – com processo junto às Nações Unidas.

Em razão deste fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima Maria da Penha, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Órgão Internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais[5].

O caso de Maria da Penha teve como resultado a condenação a 15 anos de prisão de seu marido, em júri. Entretanto, a defesa apelou da decisão e a condenação foi anulada, sendo realizado um novo julgamento, 1996, que resultou na pena de 10 anos. Marco Antônio Heredia Viveiros ficou preso por dois anos em regime fechado.

A Lei nº 11.340/2006 trouxe mais visibilidade à violência de gênero e mais garantias às vítimas, ampliando o próprio entendimento sobre gênero, incorporando a perspectiva psicológica, contribuindo com inovações no Código Penal, proporcionando preferência aos processos e aos julgamentos referentes à violência contra a mulher. Afora isto, temos a contemplação da aplicação da lei também para os casos de união homoafetivas, implementação de medidas protetivas cautelares em favor da vítima, além de programas de recuperação aos agressores. O que nos surpreende é “o fato de os dados oficiais não refletirem o número de violações ocorridas faz com que questionemos o que leva as mulheres a silenciarem diante de uma agressão tão brutal contra seu corpo e sua vontade, como a violência sexual. Acredita-se que essas mulheres têm medo de sofrer represálias por parte de seus agressores ou pensam que a violência é um assunto pessoal. Assim sendo, publicizar a violência sofrida pode gerar uma sobrecarga emocional e um aumento da experiência de humilhação” (CARLOS, 2007, pp.139-140). A submissão feminina ainda está arraigada no contexto social, apesar das constantes lutas em prol dos direitos da mulher.


Capítulo 03 – A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: DAS LETRAS MUSICAIS AOS GAMES

É comum – e cada vez mais corriqueiro – nos depararmos com letras de músicas onde a “mulher não vale nem um real”[6], pois ela “só é mais uma” que completa o harém[7]. Afinal, adultério não é mais crime, é apenas um motivo constante no Código Civil, art.1.573, I, que caracteriza a impossibilidade da comunhão de vida, ensejando separação/divórcio. Se “sua mina só reclama e tira a sua paz/ ela é chata demais/ procura a profissional meu mano/ que ela sabe o que faz”[8], “se você briga com sua mulher/ ela não quer contigo falar/ se você chega à noite em casa/ fervendo em brasa querendo hanhá/ se sua mulher só olha pros lados/ o fogo cruzado não deixa se aproximar/ se sua mulher vai para cama/ se deita e não te chama/ então vou lhe ensinar, como é que se faz:/ aparpa em cima/ aparpa por trás/ aparpa na frente/ é assim que se faz”[9] e assim a mensagem da soberania masculina nos diz que a mulher que se submeta a tudo isto, mesmo contra a vontade dela.

Como bem ressaltou Túlio Vianna (2012, p.01), “fato é que, numa sociedade patriarcal, as características atribuídas ao sexo masculino são mais valorizadas do que as atribuídas ao feminino”, por isso, se o homem adultera é porque ele é “garanhão”, é o “pegador”; mas se a mulher for adulterar, “ela não presta”, é “galinha”, “piranha”, “vadia”, as letras musicais dão este tom.

E não queremos aqui nos colocar contra a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e/ou de comunicação, queremos – pois – pôr em relevo que os direitos e garantias constitucionalmente assegurados não são absolutos. No caso em tela, o que temos é uma incitação e uma banalização não só da violência contra a mulher (“um tapinha não dói”[10], “se me odeia deita na BR”[11]), como também temos a constante reafirmação da dicotomia “homem dominador” e “mulher submissa”. Não é a toa que a Lei nº 11.652, de 07 de abril de 2008 – que institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta; autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação, EBC; altera a Lei nº 5.070, de 07 de julho de 1966; e dá outras providências – estabelece como princípios o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família e o da não discriminação de gênero (art.2º, incisos V e VI).

A música tem seu poder de influência, se assim não o fosse, não teríamos a utilização delas em trilhas de filmes, como estímulo nas academias – inclusive nas militares – como forma de memorização para cursinhos e preparatórios, entre outras.

E no frenesi feminino em busca da sua autoafirmação social, a liberdade troca de espaço com a libertinagem, daí termos estrofes de músicas com dizeres “Eu lavava passava/tu não dava valor/agora que eu sou puta você quer falar de amor[12]”, “Só me dava porrada/E batia pra farra/Eu ficava sozinha/Esperando você/Eu gritava e chorava que nem uma Maluca/Valeu dj Marquinho mas agora virei puta[13]”.

Atualmente temos a “Marcha das Vadias”, movimento feminista desencadeado contra a cultura machista:

O adjetivo pejorativo "vadia" é um repúdio à atitude de um policial canadense que, em uma palestra sobre segurança no campus da Universidade de Toronto, disse às alunas que elas evitariam um estupro se não vestissem como vadias (ou sluts, em inglês). Sentindo-se ultrajadas, elas consideram uma declaração oficial de que a responsabilidade sobre o ato de estupro era da vítima. A polêmica provocou manifestos em vários países(...). (ARAÚJO, 2011. P.01)

O termo “vadia”, na forma empregada, não se utiliza em tom desvalorizador, mas em tom de protesto. O respeito à imagem da mulher como preservação da dignidade humana é o que se pretende demonstrar aqui. A Carta Manifesto da Marcha das Vadias em Brasília bem ilustrou este prisma (LANU, 2011, p.01):

Já fomos chamadas de vadias porque usamos roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamos antes do casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, já fomos chamadas de vadias quando torturadas e estupradas por vários homens ao mesmo tempo durante a Ditadura Militar. Já fomos e somos diariamente chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.

Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, porque foram agredidas e humilhadas, tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso. O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos até que todas sejamos livres.

Neste diapasão, podemos dizer que “tornar visível aquela que fora ocultada foi o grande objetivo das estudiosas feministas desses primeiros tempos. A segregação social e política a que as mulheres foram historicamente conduzidas tivera como consequência a sua ampla invisibilidade como sujeito (...)” (LOURO, 2010, p. 17).

Não obstante à cultura musical e artística, os games – jogos destinados a diversos públicos – também são alvos da dicotomia do gênero e provocam o estímulo à violência contra a mulher. Um dos exemplos é o jogo “RapeLay”, em que na “trama o jogador entra na pele Kimura Masaya, personagem principal do game que persegue e posteriormente estupra as mulheres da família Kiry?, entre essas ‘mulheres’ temos presença de crianças. Durante o jogo, o jogador tem opção várias posições sexuais como felação, masturbação mútua, ‘de quatro’, cowgirl e sexo grupal, controlando a ação com o mouse e a roda de rolagem. Pode-se retirar ou mover a roupa das personagens, assim como controlar o ângulo e a aproximação da câmera. Pouco doentio, não acham? Acham que acabou? Infelizmente não, se caso alguma mulher ou criança da família vir a engravidar, o jogador terá que forçá-las a cometer aborto”[14].

Não estamos pleiteando um retorno à censura, mas sim, uma conservação da imagem da mulher perante a sociedade e perante si própria. Estamos pleiteando a não banalização da violência, especialmente aquela proveniente às relações de gênero.

Sobre a autora
Natália Gonçalves Barroca

Graduação em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (2006). Especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior de Magistratura de Pernambuco em convênio com a Faculdade Maurício de Nassau. Atualmente é professora universitária (Faculdades da Escada) e chefe de gabinete/secretária parlamentar - Câmara Municipal do Recife. É professora convidada na Escola Superior de Advocacia de Pernambuco - ESA-OAB/PE, no Excelência Concursos e na ESURP. Tem experiência na área de Direito do Consumidor, Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia, Introdução ao Estudo do Direito e Direitos da Criança e do Adolescente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROCA, Natália Gonçalves. A institucionalização da mudança dos paradigmas jurídico-valorativos e a democratização das relações sociais de gênero. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21665. Acesso em: 23 nov. 2024.

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