RESUMO
O presente estudo pretende analisar a relação existente entre os serviços públicos prestados mediante concessão e o Direito do Consumidor, no âmbito do sistema jurídico brasileiro. Para tanto, inicia-se procurando contextualizar os serviços públicos no Brasil, suas origens, bem como evolução histórica de sua conceituação. As novas concepções apresentadas no Estado Contemporâneo, expressadas pelo Estado Regulador, também são objeto de análise, visto que as mutações conceituais, hodiernamente, têm motivado um maior relacionamento com o Direito Consumerista. Estabelecido este primeiro ponto, parte-se para o estudo do instituto da concessão de serviços públicos, analisando-se a sua relação com o seu usuário. Ainda, é analisado o regime jurídico que envolve o seu exercício, com o escopo de viabilizar a conclusão do atual estudo. Por fim, o presente trabalho busca, então, estabelecer os limites de aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos prestados mediante concessão. Parte-se, assim, da fundamentação para tal relacionamento, mencionando-se, portanto, a evolução do conceito de interesse público como elemento motivador da referida aproximação. Conclui-se, após analisar as teorias atualmente desenvolvidas sobre a posição jurídica dos usuários, bem como a distinção entre as espécies de serviços públicos como ponto fundamental para se estabelecer os parâmetros de aplicação, que o direito consumerista merece sofrer mitigações no âmbito dos serviços públicos, tendo em vista o caráter solidarista destes, assim como o regime jurídico próprio que apresenta, como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE: Serviços Públicos; Concessão; Direito do Consumidor.
Sumário: 1 Introdução; 2 Origem e evolução da noção de serviços públicos no Brasil; 3 Novas concepções dos serviços públicos no Estado Contemporâneo; 4 As concessões de serviços públicos e o usuário; 5 O regime jurídico e os serviços públicos; 6 a aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos como evolução da noção de interesse público; 7 Os limites à aplicação do CDC aos serviços públicos; 7.1 Teorias aplicáveis sobre a posição jurídica dos usuários de serviços públicos; 7.2 As prestações “uti universi” e “uti singuli”: distinção como critério de aplicação do CDC aos serviços públicos; 7.3 A incidência do CDC aos serviços públicos remunerados por taxa e tarifa; 8 O aspecto solidarista dos serviços públicos como forma de mitigação da aplicação do CDC; 9 Conclusão; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A evolução do conceito de serviço público, aliada à própria noção moderna de interesse público, motivou uma profunda transformação na forma como ele passou a ser prestado. De fato, a forte crise por que passou o Estado Social, este caracterizado por intenso intervencionismo, possibilitou a presença de uma nova forma de Estado: o Estado Regulador. Esta nova modalidade de Estado, menos presente e interventor, acarretou no surgimento do fenômeno das delegações de serviços públicos às empresas privadas. Nascem, assim, os contratos de concessão de serviços públicos.
Este acontecimento, por sua vez, ocasionou a seguinte indagação: é possível a aplicação do Direito do Consumidor na relação jurídica referente à prestação de serviços públicos? Se sim, em qual medida? A presente pesquisa pretende estudar e responder esta pergunta, procurando, para tanto, contextualizar o instituto dos serviços públicos no Brasil, pormenorizar os aspectos atinentes ao contrato de concessão de serviços públicos, além de analisar inúmeros fatores diretamente vinculados ao tema.
Vê-se que se trata de assunto de alta relevância, pois envolve o exercício de uma das funções essenciais do Estado – a prestação de serviços públicos –, em seus aspectos jurídicos, políticos e econômicos, e que na pragmática judiciária devem ser considerados, a fim de que a natureza dos institutos, bem como as suas finalidades, sejam observadas.
À evidência, estudar a extensão da aplicabilidade do Direito do Consumidor aos serviços públicos constitui-se em fator de notório interesse, já que possibilita determinar os aspectos importantes e fundamentais utilizados para a harmonização desse aparente conflito.
Tal conflito surge quando se vê, de um lado, a submissão do instituto da concessão ao regime jurídico de direito público e ao consequente princípio da supremacia do interesse público consubstanciado na dignidade da pessoa humana, e, de outro, o usuário, consumidor de serviços públicos, vulnerável e protegido pela legislação consumerista e Constituição Federal.
Neste enfoque, surgem os seguintes questionamentos a serem elucidados por este estudo, entre outros que se verá durante a exposição: Quais os efeitos gerados pela evolução da noção de Estado para os serviços públicos, considerando como base para a análise o Direito Pátrio? A concessão de serviços públicos possui natureza meramente contratual, estando, portanto, sob o regime de direito privado, ou tem, ainda, aspectos vinculados ao direito público? Quais os parâmetros e instrumentos necessários para se aferir a real extensão da aplicação do Direito Consumerista aos serviços públicos concedidos?
Para responder a tais indagações, o presente trabalho traça como seus objetivos: a) refletir sobre o instituto dos serviços públicos no Brasil, desde a sua origem até as transformações que vem sofrendo com a evolução do Estado; b) Identificar a elevada importância que o Direito do Consumidor passou a ter para os serviços públicos com a evolução do conceito de interesse público; e c) Examinar e elaborar conclusões a respeito da aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos.
2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA NOÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL
A concepção de serviço público está vinculada, indiscutivelmente, a ideia de Estado e Sociedade, considerando-se como relevante, para a sua noção, o aspecto histórico-temporal. Assim, o seu conceito sempre esteve em constante mutação.
A finalidade do instituto, com efeito, encontra-se atrelada aos anseios e objetivos da sociedade à qual pertence.
Assim, necessário, para a fixação da tese desse trabalho, inicialmente conhecer as origens do serviço público no Direito Brasileiro e sua posterior evolução.
A doutrina brasileira, no âmbito do Direito Administrativo, desenvolveu-se com mais vigor a partir de meados do Século XX, sob a inspiração do Direito Francês e no pleno auge da doutrina liberal.
Com efeito, a noção de serviço público aparece no campo do Direito Administrativo sem que preexista uma definição legal que a tipifique e sem que se estabeleçam seus caracteres de uma maneira precisa. Por construção da jurisprudência e da doutrina francesa, se foi perfilando uma instituição, com um regime jurídico peculiar de Direito Público, destinada a reger as atividades de prestação tendentes a satisfazer necessidades de interesse geral que o Estado assumiu e que este passou a prestar, a partir do século passado, de forma direta ou indireta[1].
A definição clássica de serviço público, nos seus primórdios, reunia três elementos que o compunham: material, subjetivo e formal.
Sob o ângulo material ou objetivo, o serviço público consiste numa atividade de satisfação de necessidades individuais de cunho essencial. Sob o prisma subjetivo, trata-se de atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes). No ângulo formal, configura-se o serviço público pela aplicação do regime jurídico de direito público[2].
Sobre esta reunião de elementos estruturantes da noção de serviço público no período clássico, ensina a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3]:
Quando surgiram as primeiras noções de serviço público, era válida a combinação desses três elementos. Isso ocorreu no período do Estado liberal, em que o serviço público abrangia as atividades de interesse geral, prestadas pelo Estado sob regime jurídico publicístico.
Marçal Justen Filho adverte, no entanto, que a qualificação formal é logicamente dependente dos outros dois elementos. O serviço público se peculiariza pela existência de um regime jurídico específico. Mas a aplicação desse regime depende da presença de certos requisitos. Ou seja, o regime jurídico responde à pergunta “como seria disciplinado o serviço público”, mas não a indagação “o que poderia ser considerado serviço público”[4].
Outrossim, referente ao elemento subjetivo, o doutrinador assinala que por ser o serviço público de titularidade do Estado não segue o raciocínio imediato e indeclinável de que toda atividade estatal seja “serviço público”.
Assim, para Marçal Justen Filho, o aspecto material ou objetivo é mais relevante do que os outros dois, sob o ponto de vista lógico. “Certa atividade é qualificada como serviço público em virtude de dirigir-se à satisfação direta e imediata de direitos fundamentais”[5].
No mesmo compasso, Ruy Cirne Lima conceitua o serviço público incrementando e valorizando a questão da essencialidade da atividade prestada: “Serviço Público é todo o serviço existencial à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso mesmo, tem que ser prestado aos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou outra pessoa administrativa”[6].
Com efeito, a evolução do instituto originou a mitigação da clássica divisão do conceito nos três critérios suprarreferidos. Como explica Di Pietro, duas dissociações se fizeram quanto a esses elementos, tal como considerados em suas origens.
Em primeiro lugar, o fato de que o Estado, à medida que foi se afastando dos princípios do liberalismo, começou a ampliar o rol de atividades próprias, definidas como serviços públicos, visto que passou a assim considerar determinadas atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada. Ou seja, a passagem para o Estado do Bem-Estar Social (“Welfare State”) gerou uma crescente demanda social, o que motivou o incremento de atividades então de iniciativa meramente particular ao interesse estatal[7].
Ao mesmo tempo, o Estado percebeu que não dispunha de organização adequada à realização desse tipo de atividade; em consequência, começou a haver a gestão de serviços públicos por particulares, por meio dos contratos de concessão de serviços públicos e, posteriormente, por meio de pessoas jurídicas de Direito Privado criadas para esse fim, sob regime jurídico predominantemente privado. Admitiu que certas atividades de empresas particulares tinham o caráter de serviço público, seja pela própria natureza delas, seja pela repercussão que atingiam em virtude do âmbito de sua ação. Restou, assim, completamente subvertida a noção clássica ou tradicional de serviço público[8].
Visualiza-se, portanto, nessa evolução, que dois elementos foram afetados; o elemento subjetivo, porquanto não apenas as pessoas jurídicas de direito público são executoras dos serviços públicos; além disso, o elemento formal, uma vez que nem todo serviço público é prestado exclusivamente sob o regime de direito público[9].
Por essa razão, os autores passaram a falar, na década de 50, em crise na noção de serviço público, entendendo que os três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o serviço público não são essenciais, porque às vezes falta um, ou até mesmo dois, dos elementos.
À evidência, houve um declínio da noção tradicional, que passou a mostrar-se em dissonância com a realidade, em face da mudança de condições sociais traduzidas em vários procedimentos do Estado pós-Liberal.
3 NOVAS CONCEPÇÕES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO ESTADO CONTEMPORÂNEO
Conforme já mencionado supra, a noção de serviços públicos passou por uma substancial mutação com o correr dos anos, o que motivou a denominação, por alguns, de “crise do serviço público”. Os contornos iniciais do instituto foram traçados nos fins do século XIX e início do século XX. De lá pra cá, o desenvolvimento do Estado, provocado por vários fatores, entre eles, o desenvolvimento da tecnologia, fez com que surgisse um novo modelo de se atender às inerentes necessidades dos cidadãos. Assim, a concepção clássica de serviço público foi revisitada e adaptou-se à nova realidade.
A suposta “crise” atual por que passam os serviços públicos pode ser identificada pelas adaptações destes aos diversos acontecimentos, dos quais se extraem três principais: avanços científico-tecnológicos, questionamento político, econômico e ideológico do modelo de Estado e do seu modo de atuação e modificações do direito comunitário europeu[10].
Com efeito, as novas manifestações dos serviços públicos no Direito Pátrio foram criadas, inicialmente, por mudanças científico-tecnológicas, as quais possibilitaram novas formas prestacionais e organizacionais dos serviços, muitas vezes sob influência estrangeira, em especial norte-americana e comunitária da União Europeia. A reformulação do modelo de Estado vem ocorrendo desde a edição do Decreto-Lei 200/67, com ênfase na década de oitenta, cujo momento decisivo foi a edição da Emenda Constitucional nº 19 de 1998. A proposta volta-se à redução da atuação direta do Estado e à alteração de um Estado Prestacional, vinculado às origens do “Welfare State” (Estado do Bem-Estar Social), para um Estado Regulador, instrumentalizado, entre outros, pelas Agências Reguladoras, o que requer revisão da intervenção estatal na economia e, em especial, na prestação de serviços públicos.
Agregado a este fator, tem-se também como motivo da transformação a influência gerada pela Comunidade Europeia.
A influência comunitária, segundo Marçal Justen Filho, “atenuou a distinção entre os regimes jurídicos de atividade econômica privada e serviço público. Há uma forte tendência à uniformização do regime jurídico ou ao surgimento de uma síntese dialética superadora de ambas as soluções”[11].
No mesmo sentido, avaliando esta nova posição dos serviços públicos no cenário contemporâneo, Almiro do Couto e Silva aduz:
Os serviços públicos fragmentaram-se, assumindo diversas formas, muitas das quais reclamam tratamento jurídico especial, ora mais severo, ora mais brando, ora com peso maior de normas de Direito Público, ora com um peso maior de normas de Direito Privado. Existem modalidades desses serviços cujo modo de prestação ideal é a que resulta da livre concorrência num mercado que é, em princípio aberto, mas que pode e deve sofrer, sempre que necessário conveniente, intervenções do Estado para afeiçoá-lo ao interesse público[12].
Vê-se, hodiernamente, que os antigos serviços públicos, de regime jurídico afrancesado e explorados diretamente pelo Estado, estão sucumbindo, com as empresas estatais virando particulares e o regime de exploração dos serviços sofrendo sucessivos choques de alta tensão[13].
Neste contexto, surgem as agências reguladoras como instrumento do novo modelo de Estado.
Com efeito, paralelamente à privatização, surgiu o movimento de agencificação, com a criação de autarquias de regime especial a quem a lei atribui a função de regulação.
Diz-se que, influenciado pelo sistema norte-americano da “commow Law”, as agências reguladoras possuem função “quase legislativa” e “quase judicial”[14].
A função é considerada “quase legislativa” porquanto elas recebem, por lei, quando criadas, o poder de editar normas com força cogente. No entanto, estas espécies normativas estão hierarquicamente abaixo das leis, podendo ser invalidada por decisão judicial quando as contrariar ou infringir “standards”, princípios ou diretrizes legais ou constitucionais.
Por outro lado, a função é “quase judicial” porque as agências resolvem conflitos de interesses entre prestadores de serviço ou destes com os usuários. Porém, tal resolução fica passível de apreciação judicial.
Estabelecendo a importância das agências no cenário atual, Carlos Ari Sundfeld[15] sublinha:
Apenas as missões já citadas seriam mais que suficientes para fazer das agências reguladoras entidades de grande significado: devem monitorar setores fundamentais da economia, garantindo seu funcionamento orgânico; impedir a degradação dos serviços e aumentar sua qualidade; lutar pela sua universalização, em benefício da justiça social; proteger o consumidor; atuar contra os abusos do poder econômico. Haja fôlego!
Ciente da nova concepção de serviços públicos no Estado Contemporâneo, e de suas características, resta analisar a questão atinente a sobrevivência (ou não) do serviço público no Brasil.
Sobre o tema, Marçal Justen Filho é enfático em defender a sua preservação. O autor assinala que é fundamental distinguir o regime jurídico privado, reservado para a exploração econômica em sentido estrito, daquele aplicável às atividades afetas ao interesse coletivo. Ou seja, conservando-se as diferenciações naturais ocorrentes em cada Sistema Jurídico, sempre existirá um núcleo reconduzível ao que se denomina “serviço público”[16].
Com efeito, o serviço público somente desaparecerá se e quando houver viabilidade de satisfação dos direitos fundamentais por intermédio, sempre, da iniciativa privada, sem o intervencionismo estatal. Como tal alternativa parece inviável, sob pena de se negar a justificativa para a existência do próprio Estado, afirma-se que deve haver limites para a substituição do serviço público pela regulação. Tal raciocínio é ainda mais evidente quando se tratam de atividades essenciais como a saúde e a educação, nos quais a atuação direta do Estado é uma garantia da manutenção da democracia e da fundamentalidade dos direitos individuais e sociais.
4 AS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS E O USUÁRIO
O regime da concessão de serviços públicos está intimamente conectado à noção de descentralização administrativa.
A descentralização administrativa pode ser subdividida, nos interesses deste estudo, em funcional ou técnica e por colaboração.
A descentralização funcional ou técnica, também denominada por parte da doutrina de descentralização “por outorga”, é a que se verifica quando o Poder Público, por meio de lei, cria uma pessoa jurídica de direito público e a ela atribui a “titularidade” e a “execução” de serviço público descentralizado. A descentralização por colaboração, também definida por “descentralização por delegação”, é a que se verifica quando, por meio de contrato ou de ato administrativo, se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o Poder Público, “in totum”, a titularidade do serviço, o que possibilita ao ente dispor do serviço de acordo com o interesse público[17].
Com efeito, a Constituição Federal brasileira determina, no seu art. 175, que a prestação dos serviços públicos incumbe ao Poder Público, diretamente ou “sob o regime de concessão ou permissão”. Em várias outras passagens pelo seu texto, a CF/88 faz menção ao instituto da concessão de serviço público. Não existe, no entanto, uma formulação conceitual precisa, no plano constitucional, sobre os contornos da concessão de serviço público.
Tal definição só ocorreu em 1995, quando foi editada a Lei nº 8.987, que “dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços previsto no art. 175 da Constituição Federal”. Na citada lei, tem-se como concessão de serviço público “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” (art. 2º, inciso II).
Marçal Justen Filho, analisando a definição legal, entende-a como precária e insuficiente. Para ele, grande parte da formulação verbal contemplada deve ser desconsiderada, “eis que não apresenta função descritiva (normativa), mas claramente prescritiva”[18].
Ainda segundo o posicionamento do autor, devem ser considerados pontos incontroversos do instituto da concessão, e que o ajudam a possuir identidade própria, os seguintes caracteres: a) manutenção do serviço como público, com a conservação, igualmente, do regime jurídico especial; b) temporariedade da delegação, com a possibilidade, inclusive, de extinção antes do termo inicial; c) natureza constitutiva da outorga da concessão, com a criação de “direitos” novos ao concessionário.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no mesmo tom crítico à definição apresentada pela lei, dado que esta não apresenta todos os elementos necessários para caracterizar o instituto, apenas servindo para os seus objetivos, procura definir a concessão de serviços públicos como sendo “o contrato administrativo pelo qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço”[19].
O que se extrai, portanto, da definição legal, conjugando-a com as definições apresentadas pela doutrina, é que a concessão é um instrumento de que se vale o Estado a fim de delegar à pessoa distinta a execução de atividade que lhe é própria, mantendo-se na titularidade dos referidos serviços. Frise-se que o núcleo da concessão é o seu objeto: prestação de serviços públicos. Assim, decorre a lógica importante de que a pessoa jurídica que se submeter a este instituto deverá observar todos os princípios e restrições peculiares a tais atividades.
Com efeito, consoante já afirmado, os serviços públicos possuem íntima relação com os direitos fundamentais. Assim, o instrumento utilizado para a sua prestação também deverá estar atento a este vínculo, sob pena de seu desvirtuamento teleológico.
Juarez Freitas, ao tratar do tema, assevera essa necessidade de observância aos superiores fundamentos:
O Controle principiológico das cláusulas e da execução das avenças realizadas pela Administração Pública, nessa qualidade, haverá de ser feito sempre à luz substancial dos princípios de Direito Administrativo, menos importando a regência normativa inferior – conquanto mais densa e menos abstrata –, pois esta haverá de se conformar àqueles ditames que lhe emprestam o fundamento e infundem juridicidade última à avença[20].