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A necessidade de repensar os embargos de declaração

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Os embargos de declaração merecem algumas modificações, que restabeleçam a grande utilidade desse instituto e impeçam sua instrumentalização indevida em prejuízo da celeridade e da efetividade do processo.

Os embargos de declaração são criação lusitana[1], cuja origem remonta às Ordenações Afonsinas, tendo ingressado na legislação brasileira já em 1850, através do Decreto n. 737.[2]

Sempre mantendo o sentido original de sanar dúvidas, completar omissões, esclarecer obscuridades ou de aclarar o autêntico alcance das decisões, os embargos de declaração, no Direito nacional, atravessaram o século XX até sua última regulação, ocorrida em 1974, plasmada nos artigos 535 a 538 do atual CPC.

Os embargos de declaração, conforme o art. 535, são cabíveis quando “houver obscuridade ou contradição” na decisão judicial ou quando este tiver “omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal”.

 Assim, estes podem ser propostos para suprir omissões, esclarecer obscuridades ou sanar contradições de qualquer tipo de decisão judicial, inclusive a de tribunais superiores, independentemente se a decisão é prolatada em processo de conhecimento, de execução ou cautelar. Pacífico, hoje, o cabimento dos embargos de declaração seja para esclarecer sentença, seja para acórdãos. Da mesma forma, cabem os embargos em decisões definitivas, decisões interlocutórias e, mesmo, em despachos de mero expediente.[3]

Também é possível à parte lançar mão dos embargos de declaração para retificar erro material (ainda que, em relação a este, seja possível a retificação a qualquer tempo ou, mesmo, de ofício pelo juiz.[4]

Controvertida a doutrina a respeito da natureza dos embargos de declaração, há os que o classificam como mais uma forma de recurso, enquanto que outros o admitem apenas como uma forma de correção. A grande maioria dos processualistas entende que os embargos de declaração constituem uma espécie de recurso.[5] Por todos, pode-se citar o Prof. Ovídio Batista da Silva, que sustenta, em favor dessa tese, a inequívoca possibilidade da decisão dos embargos de declaração ter efeitos infringentes, bem como pelo fato de os embargos de declaração estarem expressamente previstos no capítulo dos recursos do Código de Processo Civil.[6]

Tal discussão tem direta repercussão no acalorado debate quanto ao caráter infringente, um dos aspectos mais controvertidos do tema dos embargos de declaração. Embora longe de ser uma unanimidade, a maior parte da doutrina e da jurisprudência admite que, em casos especiais e em caráter excepcional[7], os embargos possam alterar mesmo substancialmente a coisa julgada em casos de “flagrante injustiça, não havendo outra via adequada para repará-la”.[8]

Pode-se constatar a bem marcada intenção do legislador em propiciar ao julgador, a pedido da parte, a possibilidade de alterar a decisão prolatada pela própria redação do inciso II do art. 463 do CPC, quando a admite por meio de embargos de declaração. Não se trata, portanto, de uma típica retratação[9], mas de uma abertura à alteração do julgado, em benefício do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.[10]

Assim, admite-se um reexame da matéria em casos de erros de fato ou contradições, mesmo em aspectos essenciais, sendo que, em casos de omissão, na realidade estaremos mais propriamente diante de uma nova decisão – e não de uma revisão da decisão anterior.[11]

Athos Gusmão Carneiro, no artigo Os embargos de declaração e a Súmula 281 do supremo tribunal Federal, lembra, citando lição de José Carlos Barbosa Moreira: “na hipótese de obscuridade, realmente, o que faz o novo pronunciamento é só esclarecer o teor do primeiro, dando-lhe a interpretação autêntica. Havendo contradição, ao adaptar ou eliminar alguma das proposições constantes da parte decisória, já a nova decisão altera, em certo aspecto, a anterior. E, quando se trata de suprir omissão, não pode sofrer dúvida que a decisão que acolheu os embargos inova abertamente: é claro, claríssimo que ela diz aí mais que a outra, o que parecer mais exato é afirmar, como fazia o Código baiano (art.1.314), que o provimento dos embargos se dá ‘sem outra mudança no julgado’, além daquela consistente no esclarecimento, na solução da contradição ou no suprimento da omissão (comentário ao CPC.11 ed., forense, n.304, p. 555-556)”. (grifos originais)

Portanto, em linhas gerais, temos um instituto processual dos mais antigos, voltado à idéia fundamental de viabilizar, no momento mais crucial do processo (o da decisão judicial), que esta possa ser a mais clara possível, de forma que a justiça feita de maneira adequada.[12]

Os embargos de declaração: de colaboração com a prestação jurisdicional a instrumento de abuso do direito processual de ampla defesa.

Na medida em que as decisões judiciais se tornam mais complexas, abordando assuntos cada vez mais diversos e especializados, aumentam consideravelmente as possibilidades de erro na decisão judicial. Nesse sentido, o instituto dos embargos de declaração viabiliza uma forma de verdadeira e utilíssima colaboração das partes por meio de seus advogados na construção de uma decisão judicial mais clara e isenta de equívocos e contradições. No dizer do Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello,

“Os embargos de declaração não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe de aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal”.[13]

Tornam-se, os embargos de declaração também, uma forma de democratizar o processo de produção da decisão judicial, além de aproximar mais a decisão judicial do interesse concreto da parte, seja no esclarecimento dos pontos da lide que a parte entende como relevantes, seja no uso de uma linguagem mais apropriada ao entendimento das partes e da própria sociedade.

Tão nobres propósitos, entretanto, são, muitas vezes, desvirtuados no cotidiano dos processos judiciais, de forma que os embargos de declaração já pouco servem para o aperfeiçoamento da prestação judicial, a ponto de que já se fala em sua simples extinção por meio de alteração da norma processual.

Na prática, constata-se a utilização exacerbada dos embargos de declaração pelas partes litigantes, seja para obtenção de uma indevida ampliação do prazo recursal, seja como instrumento de manifestação da inconformidade da parte com a decisão prolatada.

A seguir, procuraremos melhor viabilizar formas verdadeiramente abusivas no manejo dos embargos de declaração, iniciando um debate em torno de possíveis alterações legislativas que possam repor este importante instrumento processual ao local para o qual foi originalmente concebido pelos processualistas.

A desacertada mudança legislativa

Ainda que o uso dos embargos para ampliação do prazo recursal não seja coisa recente, há de se reconhecer que tal utilização abusiva aumentou significativamente a partir da equivocada mudança legislativa operada pela Lei n. 8950/94. Entre as modificações ocorridas, destaca-se à relativa ao prazo para proposição de embargos de declaração, que passou a ser, em todos os casos, de cinco dias, bem como a transformação do mesmo de suspensivo para interruptivo. Assim, estabeleceu-se uma facilidade excessiva para uma certa litigância emulativa, deslocada do interesse na busca da verdade, em detrimento da celeridade processual. Pode-se mesmo dizer que, a partir de então, abriram-se as portas para a utilização dos embargos de declaração para ações oblíquas, destinadas à procrastinação do feito, ao tumulto processual ou a simples manifestação de protesto contra uma decisão judicial desfavorável.[14]

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Talvez legislador pretendesse que haveria um contraponto a essa abertura aos expedientes protelatórios através da multa prevista no artigo 538, parágrafo único do CPC.

Se essa era a pretensão do legislador, certamente tal desiderato não foi atingido.

Passados já dezesseis anos, constata-se que, ainda com um expressivo incremento na aplicação das multas por parte dos juízes, tal fato não importou em uma inibição da utilização indevida dos embargos de declaração. Ao contrário, empiricamente, pode-se verificar um aumento importante na proposição de embargos de declaração, a maior parte julgada improcedente. Embora não se possa afirmar que sempre tais decisões judiciais sejam corretas (pois, há casos, as instâncias superiores declaram que algumas dessas decisões de improcedência configuram negativa de prestação jurisdicional), pode-se afirmar, com segurança, que a maior parte dos embargos de declaração são infrutíferos, já que não logram obter qualquer esclarecimento adicional, nem suprir omissões ou corrigir supostas contradições. São, em suma, um grave descuido com o passar do tempo e um desperdício de recursos do Judiciário. Pode-se dizer, assim, que os embargos de declaração tornaram-se, na prática, uma fase a mais no processo, passando de instrumento excepcional destinado ao aperfeiçoamento da decisão em expediente corriqueiro a disposição de profissional menos preocupados com a celeridade ou, mesmo, interessados na protelação e/ou no tumulto processuais. Chegou-se ao ponto de ser proposta, mesmo, a extinção dos embargos de declaração, como medida de celeridade e economia processuais,[15]

Entretanto, pode-se dizer, com inteira razão, que tal avalanche de procedimentos inúteis pode justificar-se como um mal necessário, como única forma de se garantir a possibilidade de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional pela correção de defeitos na decisão judicial.

Cria-se, assim, um dilema de difícil – talvez impossível – solução, ou seja, o da separação entre “joio” e “trigo”: como manter-se o instituto dos embargos de declaração, criando-se um desincentivo suficiente para a inibição de procedimentos protelatórios.

Apesar do empenho da doutrina em procurar delimitar de forma precisa os contornos dos embargos de declaração “potencialmente procedentes” (aquele que, efetivamente, representam um anseio legítimo da parte em obter esclarecimentos adicionais do julgador – e , assim, constituem uma contribuição ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional) dos que não são mais do que alegações pouca razoáveis de obscuridade, omissão ou contradição (ante a clareza da decisão), apresentadas com menor atenção à lealdade processual e que, muitas vezes, não são mais do que tentativas explícitas de ganhar tempo, manifestar irresignação ou, mesmo, de criar confusão quanto ao conteúdo do que foi decidido. A empreitada de discernir tais situações é quase impossível, dado o alto grau de subjetivismo que envolve a questão. A decisão judicial é obra humana e, como regra, sempre pode ser aperfeiçoada. Além disso, mesmo o conceito de “perfeição” é subjetivo e, certamente, cada indivíduo tem uma visão própria de quanto uma decisão judicial deve ser clara ou detalhada, sem que se possa estabelecer um parâmetro seguro para a caracterização de omissões, contradições ou obscuridades. Por fim, não se pode impunemente imputar à parte um propósito oblíquo ou malicioso quando pretende apontar erros na decisão judicial, ainda que se possa desconfiar dos propósitos do embargante quando este meramente repete argumentos já entendidos como superados pelo prolator da decisão judicial, insiste numa inviável reapreciação da prova dos autos ou afirma existir erro onde não há mais do que o fundamento do decidido no entendimento do prolator (ainda que contrariando a tese apresentada pela parte).

Exatamente porque não se pode claramente imputar má-fé à parte que, aparentemente, não leu corretamente (ou leu incompletamente) a decisão judicial, a aplicação de multas quase sempre resulta na desagradável sensação de que o julgador apreciou com pouca benevolência a manifestação da parte (porque uma interpretação mais benigna sempre é possível!) e, assim, a aplicação da multa quase sempre parece exagerada.

Desse modo, a multa prevista em lei mostra ineficaz exatamente porque não se pode, com convicção, delimitar com eficiência os campos em que a parte age de boa ou má-fé na proposição de embargos de declaração. Ou, dizendo de outra maneira, pela impossibilidade de definir com clareza situações de contradição, omissão ou obscuridade na decisão judicial.

Das dificuldades de discernir entre situação de dúvida razoável e de manifesto intento procratinatório.

As hipóteses de cabimento de embargos de declaração, a partir da alteração ocorrida pela Lei n. 8950/94,.são as de contradição, obscuridade ou omissão. Corretamente não há mais falar em dúvida, já que esta não é defeito que se pode imputar à decisão, mas justamente o efeito causado por eventual falha na sentença.

A contradição que a norma processual pretende sanar, conforme a doutrina, é aquela que se estabelece entre “duas proposições inconciliáveis”[16], ambas contidas na própria decisão. Assim, pode haver conflito entre capítulos da decisão, entre a fundamentação e o “decisum” ou,mesmo, entre a ementa e o corpo da decisão. Não se trata, portanto, na contradição que “no sentir da parte, resulta de incorreta aplicação do direito à controvérsia ou a aplicação de normas que o embargante entenda excluírem-se”.[17]. Sendo um “erro lógico”, não se confunde, portanto, como o “erro in judicando”. Da mesma forma, não há falar em contradição passível de embargos de declaração se o vício apontado se reportar “a antagonismo entre a prova dos autos e o desfecho atribuído à decisão ou a interpretação conferida à texto legal”.[18]

Ou seja, trata-se de uma contradição suficientemente grave para configurar uma razoável dúvida sobre o exato teor da decisão, que se mostra ambígua, aparentemente acolhendo simultaneamente teses mutuamente excludentes. Não se pode falar em “contradição inconciliável” quando, ao contrário, o conflito não se estabelece objetivamente, mas tão-somente no entendimento particular e subjetivo da parte, entre a tese acolhida pela decisão judicial e os argumentos esgrimidos pela parte no processo.

 Assim, somente se pode falar em contradição a ser reparada pela via dos embargos de declaração quando esta se configura entre os termos contidos na própria decisão – e não entre esta e outros elementos do processo ou fora dele.

A obscuridade ocorre quando a decisão não logra deixar claro o exato teor da decisão. Conforme José Frederico Marques, a obscuridade deve ser de tal forma que torna o texto “ambíguo e de entendimento impossível”.[19] Assim, a falta de clareza deve ser fator que compromete a perfeita interpretação do real conteúdo da decisão, tornando insatisfatória a prestação jurisdicional. Entretanto, não se verifica obscuridade sanável pela via dos embargos de declaração quando não subsistem dúvidas razoáveis quanto ao que foi decidido, mas mera insatisfação da parte quanto aos argumentos acolhidos na fundamentação da sentença. Ou seja, quando a sentença é perfeitamente compreensível, ainda que acolhendo fundamentos que a parte entende que não sejam os mais corretos, não estará deixando de “esclarecer o direito”, mas tão-somente adotando um entendimento que, na ótica subjetiva da parte, não é o mais “iluminado” – e que, portanto, não é o que melhor clarifica a relação jurídica examinada. Assim, ainda que a análise dos fatos e do direito envolvido não atinja a “claridade” que a parte esperava, nem por isso haverá de se entender que a decisão seja “obscura” ou “pouco compreensível”.

Se é certo que a ambiguidade das palavras e expressões seja bastante comum nos textos jurídicos - praticamente justificando qualquer pedido de aclaramento-, não é raro que a dificuldade interpretativa resulte muito mais na má-vontade do intérprete do que na imprecisão do texto interpretado. Aqui, mais uma vez, retornamos ao tema do subjetivismo, pois não será tarefa fácil declarar-se com plena convicção que determinado texto não dá margem a interpretações diversas, já que, no campo da razão argumentativa, não há falar em certezas absolutas.

 A omissão a ser sanada diz respeito à completude, ou seja, a decisão deveria se pronunciar sobre determinado ponto, mas não o fez. Pode ser algum ponto controvertido na lide suscitado pela parte ou, mesmo se não suscitado, de conhecimento oficial do juiz. Trata-se de falha mais grave que pode ser sanada pela via dos embargos de declaração, já que a decisão omissa configura negativa de prestação jurisdicional.

Porém, do juiz não é exigido que examine todos os fundamentos das partes, sendo importante apenas que indique somente o fundamento que apoiou sua convicção ao prolatar sua decisão. Nada mais afastado da intenção do legislador que admitir um questionamento ou mesmo uma verdadeira “sabatina” a que deva se submeter o prolator da decisão, como que compelido a justificar-se por ter adotado posição distinta daquela que a parte pretendia.

Assim, não incorre na omissão “o julgador que eventualmente silencia quanto ao exame de fundamentos lançados pelas partes que não sejam suscetíveis de influir no resultado do julgamento”.[20] Na prática, a própria conclusão de que determinado fundamento poderia ou não influenciar no julgamento da lide é controvertida, porque se estará cogitando dos efeitos de determinado argumento em uma ponderação de valores que ocorre no íntimo do julgador – e, portanto, parece inescapável concluir que “qualquer fundamento”, a priori, pode influenciar o julgamento da lide.

Há de citar-se, ainda, o erro material, que, na forma do art. 463 do CPC, podem ser corrigidos por meio de embargos de declaração ou, mesmo, de ofício pelo juz. No mesmo sentido, os artigos 833 e 897. São erros materiais os erros evidentes, os enganos de escrita, de datilografia ou de cálculo. Em geral, os embargos de declaração para retificação de erro material são oferecidos na melhor forma de colaboração da parte para a melhoria da prestação jurisdicional. Mas, não raro, também estes podem ser objeto de ações oblíquas, como, por exemplo, a parte alega que determinada afirmação feita pela sentença não corresponde à realidade e pretende sua retificação, sustentando tratar-se de “erro material”.[21]

Dos embargos de declaração como instrumento de prequestionamento.

Admite-se, também, os embargos para fins de prequestionamento de matéria ou questão invocada no recurso e que não tenha sido objeto de pronunciamento pelo julgador. Entende-se que, nesses casos, a ausência de um pronunciamento explícito do órgão julgador inviabiliza a apreciação do recurso pelos tribunais superiores, Nesse sentido a Súmula 297 do TST:

I Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito.

II- Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão.

III - Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre o qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração. (2003)

Tal Súmula explicita melhor o conteúdo da a Súmula 356 do STF:

“O ponto omisso da decisão sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso extraordinário por faltar o requisito do prequestionamento”.

A partir do entendimento consagrado no item III da referida Súmula, divide-se a doutrina quanto às conseqüências do não pronunciamento do órgão judicial embargado a respeito da questão suscitada em embargos de declaração para fins de prequestionamento.[22] Para uma das correntes, interpretando o afirmado no item III da Súmula n. 297, cabe à parte apresentar preliminar de nulidade e cerceamento de defesa que deverá ser acolhida pelo tribunal superior, que declarará a negativa de prestação jurisdicional. Para outra corrente, tem-se que, ainda que o juízo embargado não se manifeste sobre a questão invocada pela parte embargante, tem-se a matéria como prequestionada, não sendo o caso de declarar-se negativa de prestação jurisdicional. Assim, pode-se dizer que basta que a parte utilize os embargos de declaração para suscitar ponto já invocado no recurso para que, independentemente da decisão dos embargos, obtenha o efeito do prequestionamento e, portanto, o .tribunal superior conhecerá da matéria sem necessidade de declarar a negativa de prestação jurisdicional.

Parece-nos que melhor razão assiste a segunda corrente, que expressa uma tendência mais moderna do direito processual, em que se prestigia a menor formalidade e a celeridade, na linha do recente art. 515 do CPC.

Por outro lado, os embargos de declaração não servem para o propósito de rediscutir os temas devidamente examinados e decididos no julgamento proferido, como é exemplificativo o acórdão que segue:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.REDISCUSSÃO DA MATÉRIA JÁ DECIDIDA NO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE.Não pode justificar a interposição de embargos declaratórios a alegação de ocorrência de contradição, obscuridade ou omissão, quando, em verdade, a postulação esconde a pretensão de rediscutir temas já examinados.

OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. DISPOSITIVOS LEGAIS DEDUZIDOS PELO EMBARGANTE.Os embargos declaratórios não constituem meio idôneo para amoldar a decisão da Corte aos dispositivos legais alegados pela parte. Ou seja, desnecessário é o enfrentamento de cada dispositivo legal suscitado pela parte.

PREQUESTIONAMENTO. Tendo sido a matéria enfocada nos embargos de declaração devidamente enfrentada e julgada no acórdão-recorrido, impõe-se a sua rejeição quando o seu objetivo é apenas prequestionar artigos que entende o embargante sejam aplicáveis.

Embargos desacolhidos.”

 (Embargos de Declaração Nº 70033777749, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 16/03/2010)

Dos embargos de declaração como instrumento para modificação do julgado.

Como já se disse, os embargos de declaração podem ensejar a modificação do julgado, parcial ou total, podendo tal modificação ter caráter infringente – alteração do resultado da demanda--, mesmo quando tal modificação venha em desfavor da parte embargante, não se admitindo, no caso, a proibição do “reformatio in peius”.[23]

Nesses casos de modificação do julgado, a jurisprudência pacífica é a de que, sob pena violação do amplo direito de defesa e do contraditório, a parte embargada deve ser previamente intimada para contestar os embargos. [24]

Embora omissa a legislação a respeito, em processos trabalhistas, em que há possibilidade de modificação do julgado, a prática é a da inclusão do processo em pauta de julgamento, intimando-se as partes e, mesmo, admitindo a sustentação oral.[25] Não faz falta que a parte explicitamente declare o caráter infringente dos embargos, mas sim, que o juiz, na possibilidade de alterar o resultado da decisão, atenda o princípio do contraditório.

A subsistência do entendimento de que os embargos possam alterar o resultado da demanda – e de que esta possibilidade é um fator benéfico à segurança e à celeridade processuais - é um dos principais motivos para que os embargos de declaração persistam, devendo-se buscar sua aperfeiçoamento através de medidas de alteração legislativa.

Uma proposta de alteração legislativa.

A preservação do instituto dos embargos de declaração atende a, pelo menos, duas finalidades essenciais, que justificam sua existência: 1) viabilizar a colaboração das partes na prestação jurisdicional, indicando ao juiz falhas e equívocos contidos na decisão judicial que possam ser corrigidos pelo magistrado, sem alteração do resultado e 2) em casos especiais (em que as falhas na decisão judicial comprometem o julgamento) propiciar a modificação do resultado.

No primeiro caso, estar-se-á diante de simples pedido de aclaramento do conteúdo da decisão judicial; no segundo, haverá o caráter infringente. Em ambos os casos, há de se entender que é direito da parte requerer a melhoria da prestação jurisdicional. Em ambos os casos, também, há de se reconhecer ser praticamente impossível determinar, com segurança que a parte é destituída de qualquer razão e que litiga com má-fé. Por outro lado, deve-se encontrar uma forma mais célere e econômica de julgamento dos embargos de declaração, aliviando o trabalho dos juízes e restringindo o campo de controvérsia sem descurar do dever de integral prestação jurisdicional.

Parece-nos que a melhor maneira de realizar tais propósitos seja atribuir ao bom-senso do magistrado decidir a respeito do conteúdo dos embargos propostos, reconhecendo tratar-se de real contribuição à prestação jurisdicional ou de necessário requerimento de reapreciação da matéria por força de erros que possam levar à modificação do resultado da decisão.

Não sendo o caso, caberá ao juiz, liminarmente rejeitar os embargos (por mero despacho e, sem maior fundamentação, reportando-se às razões e argumentos já expendidos na decisão. Provavelmente, em tal situação poderão ser enquadrados a grande maioria dos embargos de declaração que, hoje, são propostos.

Por outro lado, em caso de embargos procedentes, deverá o juiz esclarecer a dúvida, sanar a omissão, resolver a contradição ou corrigir o erro material, acolhendo os embargos como uma contribuição concreta ou, se for o caso de infringência, alterar o resultado do julgamento depois de intimar a parte contrária, atendendo o princípio do contraditório.

Além disso, parece-nos necessário alterar o prazo de interposição dos embargos, voltando ao de quarenta e oito horas, mais do que suficiente ante as novas facilidades propiciadas pelo processo eletrônico. Também parece medida oportuna alterar a natureza do prazo, de interruptivo para suspensivo, de modo a retirar parte do incentivo que a atual lei processual confere à utilização dos embargos de declaração como forma de aumentar o prazo recursal.

Por fim, parece não ser mais necessária nem útil qualquer previsão de multa específica pela utilização de embargos de declaração, devendo ser revogada a previsão contida no art. 538, parágrafo único do CPC, extirpando-se, assim, fonte de controvérsias e desentendimento entre magistrados e advogados.

Conclusões provisórias.

Assim, entendemos que a norma processual que regula os embargos de declaração está a merecer algumas modificações, que restabeleçam a grande utilidade desse instituto e impeçam sua instrumentalização indevida em prejuízo da celeridade e da efetividade do processo.

Portanto, propõe-se:

a)          que se entenda como implicitamente prequestionado qualquer dispositivo legal mencionado pela parte nos embargos de declaração, sem necessidade de qualquer declaração do juiz a esse respeito na decisão dos mesmos embargos;

b)          a possibilidade do juiz não acolher os embargos de declaração por simples despacho, sem necessidade de fundamentar, apenas se reportando as razões já expendidas na decisão embargada.

c)           que o prazo para interposição dos embargos de declaração volte a ser interruptivo;

d)          que tal prazo seja suspensivo, como antes da modificação imposta pela Lei n. 8950/94;

e)          que seja extinta a multa por embargos procrastinatórios.

Sobre os autores
João Ghisleni Filho

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Flavia Lorena Pacheco

Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Ricardo Carvalho Fraga

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Luiz Alberto de Vargas

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GHISLENI FILHO, João; PACHECO, Flavia Lorena et al. A necessidade de repensar os embargos de declaração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3241, 16 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21788. Acesso em: 18 dez. 2024.

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