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A responsabilidade do Poder Público no planejamento e gestão da cidade

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Agenda 04/06/2012 às 08:06

Para a cidade contemporânea, o novo paradigma de gestão é o do empreendedorismo urbano, que se caracteriza pela parceria entre o setor público e o setor privado.

Resumo

O presente trabalho foi idealizado com o objetivo de analisar o Planejamento e a Gestão Urbana como instituto definido pelo Direito, aspectos legais relacionados à matéria, assim como, questões urbanísticas que influenciam para sua concretização.

Como não poderia deixar de ser, trataremos das influências do capitalismo e questões do uso e parcelamento do solo que tanto controlam a dinâmica da cidade e que estão sendo conduzidas pelo mercado imobiliário.

Por fim, serão tratados pontos específicos do Estatuto da Cidade e Plano Diretor, por serem instrumentos básicos para execução da política urbana em nosso país.


Introdução

A cidade cresce com a influência dos diversos atores que fazem parte da vida urbana, entretanto, o Estado tem a responsabilidade de gerir esse crescimento em busca da diminuição da desigualdade e melhor organização do espaço urbano.

A necessidade de uma cidade planejada e bem gerida está intimamente associada ao desejo que todos temos a uma boa qualidade de moradia, portanto, o Planejamento e a Gestão Urbana são ações determinantes em busca dessa melhor qualidade de vida na cidade e, conseqüentemente, do local que essa moradia está inserida.

A propriedade e uso do solo tem sido determinantes na estruturação das cidades, dada a influência do mercado financeiro que tem visto nos empreendimentos imobiliários uma forma de investimento para seu capital, desta forma, a gestão da cidade deve levar em consideração essas influências do mercado, mas o planejamento deve estar fundamentado nos princípios da igualdade e equidade, entendendo que a cidade é para todos.


1.                  Estado Gestor

A Política Urbana está alocada na Constituição Federal sob Título da Ordem Econômica e Financeira, tendo como objetivo o Pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182 C.F.). O Estado como agente regulador da atividade econômica exerce a função de fiscalização, incentivo e planejamento em que a Constituição definiu como determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174 Constituição Federal).

 A partir do momento em que o Planejamento passou a ter um caráter Constitucional deixou de ser uma mera vontade do governante transformando-se em imposição legal para o mesmo. “O processo de planejamento passou a ser um mecanismo jurídico por meio do qual o administrador deverá executar sua atividade governamental na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico-social[1].”

 A Constituição Federal de 1988 inovou trazendo um capítulo específico para a Política Urbana. (Capítulo II, Título VII)

O Estado tem a função de planejar e gerir a cidade através de uma política urbana, sendo toda ela concentrada em ações que promovam a função social da propriedade e o bem-estar de seus habitantes.

O Planejamento e a Gestão Urbana fazem parte do regime jurídico do Planejamento Urbanístico. O planejamento como ação da administração pública, quando traduzidas em lei, tornam-se planos urbanísticos, sendo tudo isso gerido por uma Gestão Urbana, que administra a presente situação.

O Brasil adota a forma federativa de Estado, sendo esta em contraposição a outra forma de Estado, a Unitária[2]. Pedro Lenza tece algumas características comuns aplicadas a toda Federação:[3] Descentralização Política; Constituição rígida como base jurídica; inexistência do direito de secessão (separação ou retirada de um Estado); Soberania do Estado Federal; Auto-organização dos Estados-Membros; Órgão representativo dos Estados-Membros, Existência de um guardião da Constituição (no caso, STF). Esses pontos caracterizam a maneira descentralizada de gestão escolhida no nosso país, em que todos os entes federativos participam do planejamento e da gestão administrativa e, consequentemente, urbana.

“A reforma urbana implantada pela Magna Carta estabelece expressamente o planejamento, por cada um dos entes federados, como forma de atuação do Estado[4].”

Os Municípios passam a ter o papel de executor da Política de Desenvolvimento Urbano, conforme o artigo 182[5] da C.F., regulamentado pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001. A obrigatoriedade do Plano Diretor para as cidades com mais de 20 mil habitantes e o seu conteúdo intimamente relacionado às questões do solo e Planejamento Urbano demonstram que os Municípios passam a ter responsabilidades mais específicas em relação ao tema urbanismo, como ente executor da política, cabendo à União e aos Estados fixar diretrizes gerais e normas necessárias a melhor aplicação dos dispositivos constitucionais à Política Urbana.

Portanto, a Constituição Federal e legislação urbanística são claras em demonstrar a responsabilidade dos entes federativos no Planejamento e Gestão Urbana, principalmente ao definir o município como ente executor da Política Urbana.


2.                  Planejamento e Gestão Urbana

Com o advento na Europa da Revolução Industrial e a migração do campo para as cidades, a sociedade passou a ser essencialmente urbana, gerando desta forma dificuldades decorrentes do adensamento populacional, como, maior quantidade de lixo, problemas sanitários, construções irregulares.

 O urbanismo, tal como o conhecemos, que se pretende uma ciência dos estabelecimentos humanos, nasce em decorrência da Revolução Industrial. Essa, que começa na Inglaterra a partir do século XVIII, lança toda uma população operária nas cidades, que não estão preparadas para acolhe-las.[6]

A imensa massa de proletários criada pela grande indústria buscará, por outro lado, moradias no centro das cidades onde concentram-se os empregos. O número de imóveis existentes é insuficiente, permitindo que os proletários aluguem pequenos cubículos. Há, portanto, uma concentração de miséria e de condições habitacionais precárias e anti-higiênicas, o que favorecerá o surgimento de surtos de epidemias.[7]

No Brasil, não foi diferente, muitas cidades se formaram a partir de aglomerações nos centros urbanos, em que as pessoas estavam na busca por uma oportunidade de emprego e a preocupação maior eram com as questões de saúde pública, saneamento básico, higiene e o medo de epidemias.

O professor Adilson Abreu Dallari conta que, no início do século passado, a preocupação da população com a higiene deu origem ao bairro de Higienópolis (ou seja, cidade limpa. Higiene de limpeza e pólis de cidade). Em razão de sua localização ser superior em relação ao bairro de Campos Elíseos, considerado o bom bairro da época, os mais afortunados mudaram-se para Higienópolis para que o saneamento das mansões resultasse do escoamento dos resíduos para lugares mais baixos. Ainda que de forma precária, esta solução pode ser considerada um planejamento, pois apesar de precária e informal, demonstra preocupação com a organização do meio ambiente urbano[8].

Com todas essas questões acontecendo na cidade, começam a surgir os primeiros reformadores sociais que principiam pensar nos problemas urbanos e elaborar projetos, é a partir daí que surge o Planejamento Urbano.

Segundo José Afonso da Silva, “O planejamento, em geral, é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos[9].”

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Já o Planejamento Urbano, propriamente dito, está intimamente ligado às necessidades crescentes na cidade. “O conceito dominante de planejamento urbano está centrado na idéia de organização do espaço urbano, segundo determinados momentos, abordagens e práticas diversificadas que se aperfeiçoavam à medida que a cidade demandava respostas e soluções apropriadas à sua realidade[10].”

Marcelo Lopes de Souza, ao falar sobre o tema traz a diferenciação entre os termos planejamento e gestão.

Planejar sempre nos remete ao futuro, tentar simular os desdobramento de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios. Gestão remete ao presente: gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos recursos presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades imediatas[11].

Ao planejar imagina-se como vai ser aquela circunstância no futuro, uma perspectiva, levando-se em consideração que os fatos podem ocorrer de maneira diferente, por isso, a gestão vai avaliar e gerir as situações de forma imediata, com base naquilo que foi proposto por meio do planejamento. “Espontâneo e planejado interagem o tempo todo de maneira nada simples[12].”

Entretanto, o papel do planejamento e da gestão urbana é também indicar soluções, não somente pontuar problemas. “Por meio do planejamento fazem-se o reconhecimento de problemas, seu diagnóstico e as indicações para a solução[13].”

Para Luiz César Ribeiro[14], o conceito de Planejamento Urbano está associado a necessidade de regulação por parte do Estado em intervir nos conflitos gerados pela especulação do uso do solo.


3.                  Influência do Capital Financeiro no Planejamento da Cidade

Não é possível pensar na cidade sem destacar a importante influência que o capitalismo exerce na sua composição, afinal, somo todos, querendo ou não, parte desse sistema.

Planejar a cidade só vai proporcionar melhor qualidade de vida para população se as ações forem direcionadas em prol da coletividade e não em função do capital financeiro ou mercado imobiliário. Mas o que se vê são ações voltadas diretamente para o interesse capitalista.

Na teoria do espaço de fluxos, Castells afirma que as sociedades são organizadas em torno de interesses dominantes específicos.

A teoria do espaço de fluxos parte da suposição implícita de que as sociedades são organizadas de maneira assimétrica em torno de interesses dominantes específicos a cada estrutura social. O espaço de fluxos não é a única lógica espacial de nossas sociedades. É contudo, a lógica espacial dominante porque é a lógica espacial dos interesses/funções dominantes em nossa sociedade[15].

A professora Suely Leal[16] afirma que o mercado imobiliário é a fração capitalistas de maior influência na produção e organização territorial da Metrópole.

Trata-se de antigos grupos travestidos de novos, organizados através de fusões de setores do capital industrial ao imobiliário, ou de novos grupos originados da articulação com o capital financeiro nacional e internacional. (...)

A dinâmica resultante justifica-se ao menos em tese, pela própria necessidade do capital imobiliário gerar alternativas que assegurem a continuidade de seu processo de acumulação produtiva[17].

Portanto, o Estado precisa de uma atuação totalmente proativa na função de proporcionar uma melhor qualidade de vida para população por meio do planejamento e da gestão urbana, pois devido à força que tem o capital financeiro e a influência que exerce nas cidades por meio do mercado imobiliário, é notório que tal fato gera polarização social, aumentando a desigualdade.

Deixando-o por sua conta, operando sem nenhuma rédea o capitalismo produz a polarização da riqueza em um pólo social (que é também espacial), e no outro pólo, a polarização da pobreza e da miséria mais desumana[18].

Também não é solução, ou mesmo pensar que é possível, excluir a atuação do capital financeiro e objetivar que o Estado caminhe por meio de suas próprias forças e investimentos. A atuação proativa do Estado, por meio dos seus governantes é proporcionar para o capitalismo meios de lucrar na cidade, como se tem feito, mas, ao mesmo tempo, permitir distribuição de renda, que pode ser feito através de equipamentos públicos financiados pelo próprio capital financeiro, ou seja, setor privado.

Como ocorre na aprovação de loteamentos, em que além das exigências de implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como espaços livres de uso público, o Poder Público pode exigir parte da área de cada loteamento a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos. Conforme dispõe a Lei 6766/79 no seu art. 5º - O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.

 O que temos visto hoje é uma invasão de condomínios fechados, sejam eles horizontais ou verticais, cada vez mais percebemos nos grandes centros urbanos a presença desse tipo de moradia. Diversos motivos levam as pessoas a se isolarem em condomínios, em vista da violência urbana e a idéia de proteção que ele traz.

Tendo em vista essa tendência atual das famílias escolherem como moradia os condomínios fechados é que, cada vez mais, os empreendedores tem investido nesse tipo de construção, alguns são tão grandes e com tantos serviços dentro dos seus muros que são chamados pelo próprio investidor de “verdadeiro bairro planejado de alto padrão”, como ocorre na marca AlphaVille.

Os ricos formam guetos de opulência em seus sonhos burgueses, se fechando por trás dos muros em condomínios fechados, destruindo assim, conceitos de cidadania, de pertencimento social e de apoio mútuo[19].

Mas, será que morar em um bairro planejado ou até mesmo numa cidade planejada é só para quem pode pagar? É certo que não, por isso a necessidade e pertinência em discutir a responsabilidade do Estado no Planejamento Urbano.

O planejador não pode esquecer o que está por fora dos muros de condomínios projetados, por isso, a legislação urbanística influencia efetivamente na dinâmica da cidade, e não é possível adotar padrões universais, pois cada lugar tem um objetivo de crescimento diferente e suas edificações devem estar de acordo com os planos de urbanização e crescimento da cidade.

Essa organização da cidade, um planejamento voltado em dirimir desigualdades e proporcionar equidade aos cidadãos, mesmo que seja somente em relação aos espaços públicos e a forma de dinâmica da cidade, pode ser feito por meio do Plano Diretor, que dará as diretrizes para o Planejamento Urbano.

As intervenções urbanísticas de iniciativa do poder público caracterizam-se por ser de grande escala e grande impacto urbano, de forma a adequar as áreas centrais às funções que lhes fossem atribuídas pelos planos diretores e pelas orientações públicas para a recuperação urbana e a criação de condições favoráveis ao incremento dos mercados imobiliário e financeiro.[20]

Desta forma, cabe aos responsáveis pelo Planejamento e Gestão da cidade, levar em consideração todos os fatores que influenciam na sua dinâmica, sejam eles sociais, arquitetônicos, densidade, econômicos, é a “proposta compreensiva ou integrada, que pressupõe um tratamento relacionado no diagnóstico e na proposição de problemas”. Exercendo uma postura de comando, gestão propriamente dita, e não ficando a mercê dos desmandes do mercado financeiro.

Assim, a concepção compreensiva busca dar conta do tratamento dos aspectos físicos da vida da cidade, bem como de seus aspectos econômicos, sociais e institucionais e das inter-relações entre todos esses aspectos de forma a obter amplo domínio do funcionamento da cidade[21]...

A década de 90 foi marcada pela característica de valorizar a imagem da cidade para se atrair investimentos privados, a idéia trazida por David Harvey[22] de empreendedorismo urbano.

De acordo com o autor há uma relação direta entre as novas formas de produção e gestão nas cidades capitalistas, transição de um regime fordista-keynesiano para um regime de “acumulação flexível” e a mudança do paradigma do administrativismo para o empreendedorismo urbano[23].

Para a cidade contemporânea, o novo paradigma de gestão é o do empreendedorismo urbano, que se caracteriza pela parceria entre o setor público e o setor privado. “A mitificação em torno da imagem da cidade como fenômeno de marketing e negócios urbanos passou a ser difundida em planos estratégico que incorporaram os traços simbólicos do urbanismo empreendimento[24].”

Portanto, esse novo modelo de gestão pública seria uma coalização entre governo, iniciativa privada e sociedade civil, concretizando-se na Parceria Público Privada, instrumento fornecido pelo Direito.

A parceria público-privada constitui modalidade de contratação em que os entes públicos e as organizações privadas, mediante o compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo setor privado, assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos[25].

É uma modalidade de contrato administrativo[26] definido na Lei 11.079/04 que instituiu mais essa modalidade de contrato. Conforme o art. 2º da citada lei Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

A concessão patrocinada ocorre quando o contrato de concessão de serviços públicos envolver, “adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público privado[27]”, ou seja, quando há investimentos da sociedade, por meio do pagamento da tarifa e do setor privado por meio de alguma contraprestação.

Já a concessão administrativa é quando a administração pública é usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Outra modalidade existente é a concessão comum, definida pela lei 8987/95, que não se trata de PPP. É modalidade de contrato de concessão de serviços públicos que não envolve contraprestação pecuniária por parte do parceiro público ao parceiro privado.

O Estado utiliza a parceria público privada para suprir a insuficiência de investimentos em infraestrutura, é uma forma de captar recursos privados para modernizar a prestação de serviços públicos, por isso, é feito por meio de contrato de concessão.

Atualmente a parceria público-privada é um instrumento utilizado em larga escala como justificativa de dinamizar os processos de intervenção urbana, onde os governos de cidades se integram à iniciativa privada local para atração de fontes externas de financiamento, portanto esse instrumento, representa o elemento principal para a consolidação do empreendedorismo[28].

Apesar desses instrumentos o que se tem visto é “os estrangulamentos da máquina administrativa refletidos na pouca capacidade de coordenação e integração entre as diferentes áreas do governo[29].” O Estado tem se mostrado ineficiente no seu papel de gestor da cidade, mesmo com a participação por meio de investimentos da iniciativa privada e a fiscalização da sociedade.


4.                  Planejar com o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor

O poder e a capacidade de planejar não depende exclusivamente de ações administrativas. Planejar é um processo técnico, pois necessita de ações e atores específicos para transformar a realidade existente, entretanto, “planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas”[30].

A administração pública deve atuar através de leis escritas (legalidade), as quais direcionam as funções públicas na organização dos espaços urbanos, por meio de normas planejadoras. Referidas normas são o planejamento em si, pois elas que estabelecem os objetivos e as estratégias do Poder público.

Ora, se já é difícil para administração pública cumprir com os objetos do planejamento quando eles são definidos em forma de lei, ou seja, com obrigatoriedade de cumprimento, imagine se assim não o fosse.

A Constituição previu o Plano Diretor em seu texto art. 183, §1º “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. Entretanto, por ser norma de eficácia limitada[31] todo este artigo necessitava de regulamentação posterior, o que só foi feita em 2001 com aprovação da lei 10.256/01, chamada Estatuto da Cidade. Desta forma, o Estatuto da Cidade regulamenta os artigos 182 e 182 da Constituição.

A Política Urbana, que deve ser executada pelo Poder Público Municipal, conforme caput do art. 182 C.F, obedecerá a diretrizes que foram estabelecidas pelo Estatuto da Cidade.

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;

e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;

f) a deterioração das áreas urbanizadas;

g) a poluição e a degradação ambiental;

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.

Como se vê, houve uma verdadeira valoração para ações de cooperação, conforme consta no inciso III – “cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social”; Tema este já trabalhado aqui. Preocupação com o uso e parcelamento do solo e com a propriedade, que o Estado passa a ter condições de interferir de maneira mais eficaz para o cumprimento de sua função social, como na aplicação de verdadeiras punições para as propriedades que estejam em desacordo com o seu adequado aproveitamento, previsto no Plano Diretor, como, por exemplo, parcelamento ou edificação compulsórios e imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo.

O plano diretor deve ser elaborado e discutido pelo Poder Executivo Municipal e, posteriormente, transformado em lei pelo Poder Legislativo. É o instrumento básico para execução da política de desenvolvimento urbano. Era obrigatório somente para as cidades com mais de 20 mil habitantes, entretanto, o Estatuto da Cidade aumentou esse rol:

Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;

IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;

V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Com essa abrangência, é possível estender a obrigatoriedade do Plano Diretor para um maior número de Municípios.

Além de integrar o planejamento municipal, o plano diretor é o instrumento por excelência de execução da política urbana na esfera local. Se o objetivo dessa política é “ordenar o pleno desenvolvimentos das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, o plano diretor é o instrumento para sua realização, pois a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor[32].

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.

A existência de planejamento urbano e normas que garantam seu cumprimento não são os únicos fatores determinantes para uma cidade bem organizada, como já foi tratado, o planejamento urbano deve estar vinculados às questões econômicas e sociais e que haja integração entre os planejamentos de todas as esferas da organização federativa.

“É essencial que haja integração entre a legislação e as formas de implantação dos planejamentos federal, estadual e municipal. A gestão das políticas preconizadas nestas legislações também deve, necessariamente, ser integrada para que se tornem eficientes[33].”

Um exemplo concreto é a perspectiva que se abre a partir do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10257). A aplicação das normas de regulação, com respeito ao “direito à cidade; à gestão democrática; à função social da propriedade e ao direito á moradia”, exige um amplo leque de negociação com uma enorme diversidade de atores, além da multiplicação dos mecanismos de participação prevalecentes. Sem dúvida, a lei abre uma grande oportunidade para transformar as nossas cidades em um novo capital social, tanto em termos de inclusão dos direitos, quanto de ampliação dos canais democráticos[34].

Sobre a autora
Elvira Maria Fernandes Barroso

Advogada, Urbanista, Consultora, Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco e Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico – CDIU da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO, Elvira Maria Fernandes. A responsabilidade do Poder Público no planejamento e gestão da cidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3260, 4 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21915. Acesso em: 26 dez. 2024.

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