RESUMO
O papel dos direitos humanos na teoria dos sistemas põe em destaque sua função de evitar a desdiferenciação entre os diferentes subsistemas sociais, bem como sua pretensão universalistas de figurar como meio de ingresso de pessoas e grupos no subsistema jurídico. No campo internacional, todavia, prepondera a força simbólica e não normativa dos direitos humanos, pondo em xeque a possibilidade de uso da força, autorizada pela Organização das Nações Unidas, em intervenções militares humanitárias. O recente caso da intervenção da OTAN na Líbia, com autorização do Conselho de Segurança da ONU, demonstra como funciona esse mecanismo, o qual, apesar das críticas, pode ser útil, no longo prazo, para permitir rupturas em regimes avessos à diferenciação funcional e correlata promoção dos direitos humanos.
Palavras-chave: Direitos humanos. Teoria dos sistemas. Intervenção humanitária. Organização das Nações Unidas. Líbia.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.DIREITOS HUMANOS NA TEORIA DOS SISTEMAS. 2.A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA PELAS NAÇÕES UNIDAS. 3.A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA DA ONU NO CASO DA LIBIA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Compreender o papel dos direitos humanos na teoria dos sistemas é fundamental para se entender como se pode manter a diferenciação entre os diversos sistemas que compõem a sociedade, evitando que haja um retrocesso no que tange à autonomia e a diferenciação funcional.
Os direitos humanos possuem, na atualidade, também um papel central enquanto vias de acesso ao próprio sistema jurídico, adquirindo no âmbito internacional uma posição de destaque, consistindo, talvez, no vetor da construção de uma comunidade jurídica cosmopolita.
Todavia, para assegurar a manutenção dos direitos humanos, especialmente no plano internacional, a Organização das Nações Unidas se vale de um instituto controverso, consistente na autorização para ações armadas em outros países em prol da defesa dos direitos humanos.
Referida intervenção humanitária permitida pela ONU aconteceu recentemente na Líbia, após as insurreições armadas que começaram em fevereiro de 2011, dando azo a várias críticas da comunidade internacional, especialmente pela arbitrariedade na definição e escolha do que venha a ser uma violação de direitos humanos passível de sanção por parte dos membros das Nações Unidas. Todavia, após a intervenção, o auxílio da ONU pode ser visto sob um ângulo positivo, ao permitir o florescimento dos direitos humanos em países que a eles se mostravam refratários.
1.DIREITOS HUMANOS NA TEORIA DOS SISTEMAS
Apesar da grande variedade de teorias que procuram justificar a existência dos direitos humanos sob um enfoque sociológico, poucos buscam descrever como tais direitos se encontram inseridos na trama da sociedade e podem ser úteis para descrever as relações sociais que dela brotam.
No caso da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, os direitos humanos são descritos sob um ponto de vista social não normativo, útil para se compreender o seu papel na sociedade e seu potencial como fator de manutenção da diferenciação dos sistemas sociais parciais.
Para a teoria sistêmica de Luhmann, os sistemas sociais são concebidos a partir de uma conexão unitária de comunicações, que constitui o seu elemento básico. A sociedade, nesse ângulo, é concebida como o sistema mais abrangente. Todavia, outros sistemas se diferenciam dentro da sociedade, a partir do momento em que dispõe de um código-diferença binário específico, que permite a autorreprodução do sistema (autopoiese sistêmica). É o exemplo da economia, do direito e da política, cada qual possuindo seu próprio código-binário específico (no caso, ter/não-ter, justo/injusto, poder/não-poder) (NEVES, 2006, p. 63).
Luhmann apresenta um modelo abrangente para explicar os processos que levam à modernização da sociedade, utilizando o critério da complexidade (presença permanente de mais alternativas dos que as que são suscetíveis de ser realizadas), na qual a diferenciação sistêmico-funcional é concebida como característica distintiva de uma sociedade moderna.
A teoria sistêmica vincula a evolução à diferenciação dos três mecanismos evolutivos (variação, seleção e restabilização). Nas formas menos complexas das sociedades, confundem-se variação e seleção. A partir da estratificação das sociedades, variação e seleção se distinguem, especialmente em razão da análise da conduta desviante como algo interno à sociedade, a ser tratado por procedimentos jurídicos internos (seleção). Com o surgimento da escrita, o sistema de interação entre presentes na comunicação, avesso à variação, característico das sociedades menos complexas, perde força, permitindo-se, assim, que interpretações da comunicação antes improváveis tornem-se prováveis. Todavia, permanecem indivisas a seleção e a restabilização. Só na sociedade moderna, com a diferenciação funcional, distingue-se mais claramente seleção e restabilização. No caso, cada sistema social parcial constitui-se como uma unidade de reprodução autorreferencialmente fechada, fazendo parte do ambiente dos demais sistemas parciais (NEVES, 2006, p. 7-9).
O papel da diferenciação funcional é caro para a teoria sistêmica de luhmaniana. De fato, é a diferenciação funcional (entre sistemas) que caracteriza a sociedade moderna. E o papel dos direitos humanos é intrínseco à própria diferenciação funcional. Ao institucionalizar liberdades fundamentais e direitos humanos, a sociedade moderna protege sua própria estrutura contra tendências voltadas para a regressão ou desdiferenciação. Os direitos humanos, assim, asseguram que a diferenciação entre diferentes subsistemas funcionais seja mantida (VERSCHRAEGEN, 2002, p. 262).
Os direitos humanos e liberdades individuais servem assim como fator estruturante da autonomia dos subsistemas sociais, na medida em que garante a liberdade de escolhas dos indivíduos no âmbito da supercomplexidade que caracteriza a sociedade moderna, evitando, ao mesmo tempo, que determinados discursos sobreponham-se aos outros (como p. ex., ao instituir a liberdade religiosa e política, evita-se a constante interferência da religião na política e vice-versa), reduzindo a autonomia sistêmica.
Todavia, juntamente com a função de reagir à desdiferenciação funcional, os direitos humanos também se relacionam com a inclusão de pessoas e grupos, funcionando como expectativas normativas de inclusão jurídica de toda e qualquer pessoa na sociedade mundial e, portanto, de acesso universal ao direito enquanto subsistema social autônomo (NEVES, 2005, p. 8).
É que os direitos humanos, na sociedade atual, possuem pretensões universalistas, não se restringindo a determinados setores da sociedade nem a grupos específicos. Da mesma forma, no campo internacional, o próprio direito à cidadania possui um papel reflexivo no que tange à inclusão dos indivíduos nas ordens jurídicas estatais e na fruição dos direitos.
Todavia, ao contrário dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos não se assentam em bases consensuais – na medida em que não há consenso sobre o que vem a ser exatamente os direitos humanos – pondo em xeque sua validade do ponto de vista procedimental, material e temporal.
De fato, a institucionalização democrática dos direitos humanos se deu de forma diversa em cada Estado nacional, ora privilegiando liberdades individuais, ora primando por direitos coletivos e sociais, o que impede uma sistematização segura do seu conteúdo.
Todavia, no campo do direito internacional, certos direitos humanos podem ser considerados mais presentes e exigíveis, dada o grau de institucionalização que adquiriram com o passar do tempo, gerando, em certa medida, alguma consensualidade entre os Estados na sua observância.
É o caso daqueles direitos que passaram por um processo de aprovação, mediante tratados ou adesão a acordos internacionais, permitindo certa consistência no que tange à exigibilidade destes direitos, garantindo-lhe maior força normativa.
Nesse ponto, prepondera na atualidade a noção de que os direitos humanos possuem um caráter universal. Como afirma Alberto do Amaral Júnior (2003, p. 123),
Na vida internacional e na órbita doméstica existe um vínculo indissociável entre direitos humanos, democracia e paz. Sem a garantia dos direitos humanos não há democracia e, sem democracia, faltam as condições par a solução pacífica dos conflitos.
Ocorre que, na atualidade, mais que a força normativa dos direitos humanos, prepondera sua força simbólica, especialmente no plano internacional (NEVES, 2005, p. 23), na medida em que, no âmbito internacional, é difícil estabelecer quem detém competência e de que forma podem ser investigadas as violações sistemáticas a direitos humanos perpetradas por estados nacionais; da mesma forma, não há certeza sobre a sanção a ser aplicada; em último lugar, a retórica dos direitos humanos, no campo internacional, pode facilmente acobertar interesses políticos de determinadas potências, em uma espécie de “imperialismo dos direitos humanos”.
Nesse campo, desponta o interesse na possibilidade de intervenção humanitária, em estados nacionais, pela Organização das Nações Unidas, procedimento que permite o uso da força pelos Estados-membros contra determinado Estado, e que, paradoxalmente, vem sendo adotado especialmente sob o pálio da proteção dos direitos humanos.
2.A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA PELAS NAÇÕES UNIDAS
A Carta da Organização das Nações Unidas prima pela proteção dos direitos humanos, considerando-os um dos pilares do sistema de segurança coletiva, competindo ao Conselho de Segurança a decisão sobre a utilização de medidas coercitivas para restabelecer a estabilidade internacional nesse campo. Verifica-se neste período, por ocasião das crises humanitárias, que o Conselho de Segurança buscou identificar uma relação de causalidade entre a supressão das liberdades internas e instabilidade internacional, o que evidenciou o fato de que o desrespeito aos direitos humanos poderia colocar em risco a paz e segurança internacionais.
Todavia, a proteção da “paz e a segurança internacionais”, que conforme o art. 39 e 42 da Carta da ONU permite a utilização da força pelos Estados-membros, em verdade concede verdadeira “carta em branco” ao Conselho de Segurança, além de contrastar com outras previsões da Carta, como o princípio da autodeterminação dos povos e o da não intervenção (NEVES, 2005, p. 23). Confiram-se referidos dispositivos:
ARTIGO 39 - O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais
ARTIGO 42 - No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas.
Cresce, assim, a apreensão com a preponderância política do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, relativo à possibilidade de intervenção humanitária dos membros da ONU em outros Estados com o pressuposto de assegurar a proteção aos direitos humanos.
Com efeito, os países mais fracos do sistema internacional encaram com preocupação genuína a adoção de uma política mais ativa de proteção aos diretos humanos em termos internacionais. A grande dificuldade aqui é que as ameaças aos direitos humanos persistem e são graves.
No entanto, a questão sobre a viabilidade e mesmo a adequação de uma política internacional de direitos humanos dotada de mecanismos coercitivos mais fortes, considerando-se a estrutura profundamente assimétrica das relações internacionais, exige a retomada da tradicional e infindável reflexão sobre a relação entre poder e moral nas relações internacionais que parece, mais do que nunca, extremamente atual (REIS, 2006, p. 40).
No caso, incorre-se na inevitável disputa de princípios e valores por trás da decisão de intervir ou não intervir – inclusive de quando e como intervir – não pode ser dissociada do jogo de interesses dos Estados envolvidos na decisão, ou seja, dos dois perigos imanentes: o da omissão diante de catástrofes (como a acontecida em Ruanda, em 1994) e o do abuso de poder dos Estados fortes sobre os fracos (GÓMEZ, 2006, p. 6).
De toda forma, é inegável que a intervenção humanitária por parte das Nações Unidas se mostra atualmente como uma das poucas formas de manifestação de proteção coercitiva dos direitos humanos no plano internacional. Nesse ponto, apesar das críticas, há quem vislumbre aí um caminho para o Estado cosmopolita como principio da organização da política mundial (AMARAL JR., 2003, p.280).
Todavia, a conformação política e institucional atual das Nações Unidas constitui um obstáculo para a constituição de qualquer espécie de governo mundial ou estado cosmopolita, ainda que focado na proteção dos direitos humanos. Embora consistam em uma comunidade flexível de Estados, as Nações Unidas são carentes da qualidade de uma comunidade de cosmopolitas, isto é, nela não surgiu uma autocompreensão ético-política dos seus membros enquanto tais, na forma de uma identidade coletiva que interpreta e implementa princípios universais à luz de sua história e no contexto da sua forma de vida (HABERMAS, 2001, p. 134-136).
No caso, as decisões acerca da intervenção militar fogem do âmbito de um controle jurídico baseado em procedimentos sendo mais uma manifestação de poder político sobre o direito (NEVES, 2005, p. 26), especialmente no que tange à seleção do que venha a se constituir efetivamente uma violação de direitos humanos com implicações internacionais. Assim, as intervenções podem representar contra os próprios direitos humanos, especialmente ao se constatar a lógica paradoxal da necessidade de se impor – sem qualquer controle jurídico – a guerra (natural violadora de direitos humanos) como pressuposto para a manutenção dos próprios direitos humanos.
No que diz respeito à intervenção humanitária na Líbia, no segundo semestre de 2011, o papel da ONU (e de seu principal braço armado, a OTAN) na proteção dos direitos humanos no plano internacional se mostra outra vez questionável, sem tirar-lhe o crédito, apesar de tudo, de que a intervenção militar, nesses casos, especialmente quando se trata de países em que há pouca diferenciação funcional entre os sistemas da política e do direito, pode levar a uma evolução, do ponto de vista sistêmico, apta a garantir a diferenciação funcional propícia à manutenção dos direitos humanos.
3.A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA DA ONU NO CASO DA LIBIA
Segundo o curso de revoltas ocorridas no oriente médio ao longo do ano de 2011, batizado de primavera árabe, o movimento contrário ao regime de Muammar Khaddafi, na Líbia, iniciou em fevereiro de 2012 uma guerra civil que despertou atenção mundial pela repressão governamental e a violação de direitos humanos.
Em resposta, em 17 de março foi aprovada no Conselho de Segurança da ONU a Resolução 1973, que impôs um profundo o embargo econômico e de armas à Líbia. Em sua abertura, a Resolução condena explicitamente a sistemática violação de direitos humanos na Líbia, destacando as prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados, tortura e execuções sumárias que estariam tendo lugar no país, bem como a imposição de uma no-fly zone (área de exclusão aérea) e a necessidade por parte dos países membros da ONU de garantir a proteção aos civis, a todo custo. Confira-se no original:
Condemning the gross and systematic violation of human rights, including arbitrary detentions, enforced disappearances, torture and summary executions,
Further condemning acts of violence and intimidation committed by the Libyan authorities against journalists, media professionals and associated personnel and urging these authorities to comply with their obligations under international humanitarian law as outlined in resolution 1738 (2006)
Considering that the widespread and systematic attacks currently taking place in the Libyan Arab Jamahiriya against the civilian population may amount to crimes against humanity
A Resolução 1973 foi aprovada por dez votos a zero, com cinco abstenções, deixando clara a permissão aos Estados-membro da ONU não só de proibir o voo de qualquer aeronave líbia, mas também de autorizar o bombardeio de aeroportos e de infraestrutura usada para guardar aviões ou pistas usadas para pouso e decolagem. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), por meio de forças militares dos EUA, França e Inglaterra, legitimada na proteção internacional dos direitos humanos, começou, assim, uma campanha militar na Líbia, auxiliando os rebeldes na luta contra o governo Khaddafi.
No dia 20 de outubro de 2011, Khaddafi foi morto em um combate na cidade de Sirte, pondo fim ao regime[1]. Atualmente, um Conselho Nacional de Transição governa o país.
Depois de decorrido um ano de revolução na Líbia, persiste a insegurança causada pela guerra civil, e a consolidação de um regime central no país ainda se encontra pendente. Todavia, manifestações livres do exercício de liberdades individuais, tidas como direitos humanos e antes negadas pelo regime deposto, começam a surgir, a exemplo das primeiras eleições livres realizadas no país, na cidade de Misratah, após 40 anos de ditadura, em 20 de fevereiro de 2012[2].
CONCLUSÃO
Para a teoria dos sistemas, os direitos humanos possuem tanto uma função de proteção quanto a uma involução do sistema, com o retorno a uma situação de falta de diferenciação entre os diversos subsistemas sociais (como a política, o direito e a economia), como também funcionam como pressuposto de inclusão jurídica de pessoas e grupos na sociedade mundial, permitindo o acesso universal ao direito enquanto subsistema autônomo da sociedade.
No campo internacional, entretanto, prepondera a força simbólica dos direitos humanos, na medida em que a delimitação de seu conteúdo é incerta, inexistindo balizas procedimentais para se controlar os casos de violação de seu conteúdo.
Assim, as intervenções militares autorizadas pelas Nações Unidas, consistentes em intervenções chamadas de humanitárias, legitimadas na necessidade de cessação das violações a direitos humanos praticadas no âmbito de estados nacionais, representam mais das vezes um exercício arbitrário de poder em face do direito, podendo, às vezes, atuar na contramão da consolidação dos direitos humanos. De fato, atuações militares autorizadas pela ONU e legitimidade nos direitos humanos carecem de uma regulamentação procedimental que permita um controle em termos de rule of law das decisões adotadas, sob pena de se manter o reino do arbítrio nesse campo.
Todavia, apesar das críticas e da ausência de uniformidade e controle no tratamento jurídico dessas situações interventivas, que mais das vezes possuem motivos reais não divulgáveis – especialmente econômicos e políticos – referidas atuações militares podem auxiliar, no longo prazo, na consolidação de direitos humanos em estados nacionais nos quais inexiste uma diferenciação funcional própria da modernidade.
Assim, exemplifica-se o recente caso da Líbia, cuja atuação interventiva da ONU e da OTAN, duramente criticada pela comunidade internacional, auxiliou na derrocada do regime ditatorial de Muammar Kaddafi, e permitiu a realização das primeiras eleições livros no país após quarenta anos de repressão.
Em que pese a crítica às obscuras pretensões políticas e econômicas dos membros do Conselho de Segurança da ONU na arbitrária escolha da intervenção armada sob pretextos humanitários – especialmente em países ricos em matéria-prima, como o petróleo, no caso da Líbia – não se pode desacreditar que o papel repressivo dessas intervenções pode propiciar a formação de uma conjuntura social propícia à separação funcional, do ponto de vista sistêmico, que permita a consolidação de direitos humanos em países antes governados por ditaduras avessas à afirmação de direitos humanos.
Mesmo considerando a necessidade de os direitos humanos serem promovidos internamento em cada Estado nacional em detrimento à repressão “imperial” dos Estados contrários aos direitos humanos (NEVES, 2005, p. 28), é inegável que, em determinadas situações, a falta de diferenciação entre os subsistemas sociais impede que isso ocorra. Nesses cenários, talvez apenas por meio de uma ruptura política, jurídica e religiosa no seio do Estado é que se faz possível abrir campo para a promoção de direitos humanos.
Nesse contexto, pode-se compreender que, apesar das intenções dúbias dos membros das Nações Unidas ao permitir uma intervenção militar supostamente humanitária, não se pode negar seu papel na consolidação de direitos humanos, na medida em que permite a derrocada de modelos políticos, religiosos e políticos que engessam a diferenciação desses subsistemas sociais e impedem a autonomia sistêmica que se comunique com o fomento dos direitos humanos em determinados países.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA ESTADO. Misratah realiza primeira eleição na Líbia em 40 anos. In: O Estado de São Paulo. Edição On-line, 20 fev 2012. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,misratah-realiza-primeira-eleicao-na-libia-em-40-anos,838422,0.htm> Acesso em: 21 fev 2012.
______. Sem Kadafi, nasce a 'Líbia livre'. In: O Estado de São Paulo. Edição On-line, 20 out 2011. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,sem-kadafi-nasce-a-libia-livre,788243,0.htm> Acesso em: 21 fev 2012.
AMARAL JUNIOR, Alberto do. O Direito de Assistência Humanitária. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
GÓMEZ, José María. “Sobre dilemas, paradoxos e perspectivas dos direitos humanos na política mundial”. In: Radar do Sistema Internacional, ago., 2006. Disponível na Internet em: http://www.rsi.cgee.org.br/documentos/271/1.PDF
HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional: Ensaios Políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001.
______. A Constelação Pós-nacional: Ensaios Políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001.
NEVES, Marcelo. A força simbólica dos direitos humanos. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 4, out./nov./dez., Salvador: 2005.
______. Entre Têmis e Leviatã: Uma Relação Difícil: O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas, 5ª Ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006.
REIS, Rossana Rocha. Os direitos humanos e a política internacional. In: Revista de Sociologia e Política, nº 27, p. 33-42, nov. 2006.
VERSCHRAEGEN, Gert. Human Rights and Modern Society: A Sociological Analysis from the Perspective of Systems Theory. In: JOURNAL OF LAW AND SOCIETY, VOLUME 29, NUMBER 2, JUNE 2002
Notas
[1] AGÊNCIA ESTADO. Sem Kadafi, nasce a 'Líbia livre'. In: O Estado de São Paulo. Edição On-line, 20 out 2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,sem-kadafi-nasce-a-libia-livre,788243,0.htm> Acesso em: 21 fev 2012.
[2] AGÊNCIA ESTADO. Misratah realiza primeira eleição na Líbia em 40 anos. In: O Estado de São Paulo. Edição On-line 20 fev 2012. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,misratah-realiza-primeira-eleicao-na-libia-em-40-anos,838422,0.htm> Acesso em: 21 fev 2012.