Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A suspensão de segurança e o protagonismo judicial na concretização de políticas públicas

Agenda 09/06/2012 às 16:07

A Suspensão de Segurança constitui uma forma ampla de inserção do Poder Judiciário no campo da política, e exige uma maior legitimidade democrática da tomada de decisão, não somente no campo da fundamentação das decisões judiciais, mas também da participação dos interessados no processo decisório.

SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO. 2 – CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA ENQUANTO INSTRUMENTO ÚTIL À CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. 3 – O PODER JUDICIÁRIO ENQUANTO ATOR POLÍTICO NO ÂMBITO DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. 4 – A SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E A CARÊNCIA DE INSTRUMENTOS QUE ATRIBUAM MAIOR LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA AO PODER JUDICIÁRIO. 5 – CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 – INTRODUÇÃO

O papel desempenhado pelo Poder Judiciário brasileiro na atualidade requer constante meditação acadêmica, sob pena de se perder de vista o necessário influxo de ideias abarcadas pelo paradigma[1] do Estado Democrático de Direito[2].

Nessa linha, compreende-se que a função do Judiciário contemporâneo relaciona-se com seu crescimento institucional e com o consequente alargamento do seu campo de atuação (BARROSO, 2011, p. 6). Na sistemática jurídica brasileira posterior à Constituição Federal de 1988, o crescimento da importância do Poder Judiciário se deveu a uma multiplicidade de fatores político-sociais e teve como decorrência direta a judicialização das relações sociais e políticas, entendida esta, para os fins da presente pesquisa, como a atribuição ao Judiciário de ter a última palavra sobre questões morais, sociais e políticas de relevância, em detrimento das instâncias tradicionais do debate político, como o Legislativo e o Executivo. Assim, com uma maior interpenetração entre o direito e a política, os juízes se mobilizam para interferir na luta política e, por outro lado, os agentes políticos (administradores e parlamentares) adotam procedimentos análogos aos judiciais no desempenho de suas funções (LOPES, 2005, p. 65).

Conquanto a defesa dessa função ativa do Poder Judiciário no debate político seja um fenômeno relativamente recente[3], certo é que a judicialização de atos de cunho político do Poder Público se mostra comum, não sendo exagero afirmar que as políticas públicas cada vez mais necessitam da chancela[4] do Poder Judiciário para serem postas em prática e atingirem seus objetivos. Nesse contexto, desponta de importância um instituto judicial bastante utilizado pela Administração Pública[5]: o mecanismo da suspensão de segurança[6].


2 – CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA ENQUANTO INSTRUMENTO ÚTIL À CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Esse instituto, de natureza jurídica debatida[7], permite que a pessoa jurídica de direito público interessada, bem como o Ministério Público, requeiram junto aos Presidentes dos Tribunais a suspensão da execução de decisões judiciais que possam acarretar graves lesões à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Referido pedido de suspensão possui uma singularidade: para ser deferido, não requer do julgador a análise do mérito propriamente dito da decisão, isto é, não se considera, para o deferimento da suspensão, a justiça das decisões impugnadas sob a ótica do direito discutido, mas apenas a sua potencialidade de causar grave lesão aos bens jurídicos tutelados pela lei, quais sejam, ordem, saúde, segurança e economia públicas (CUNHA, 2010, p. 555).

Ocorre que, em razão de os bens jurídicos tutelados pela suspensão de segurança (ordem, saúde, segurança e economia públicas) constituírem conceitos jurídicos indeterminados[8], cuja real definição não é encontrada pelo intérprete pela simples leitura do texto legal em contraste aos fatos postos na lide, acaba-se por atribuir à decisão proferida no âmbito da suspensão de segurança um caráter essencialmente político[9].

Não obstante, a inserção de elementos políticos ou axiológicos no debate jurídico é motivo de séria controvérsia entre autores, especialmente no que tange aos limites da participação da política no campo jurídico, em razão da disputa entre argumentos de política e argumentos de princípio na aplicação do direito (tal como em DWORKIN, 2002, p. 129), bem como em relação às consequências – boas ou más – dessa forma de atuação do Poder Judiciário no âmbito de uma conformação constitucional democrática envolta na ideia de checks and balances. Em que pese esse debate, corriqueiramente o Poder Público se vale da suspensão de segurança para obstar a execução de decisões judiciais que impedem ou prejudicam o andamento de políticas públicas[10], sem que se analise a justiça dessas decisões, mas apenas as consequências que elas trazem para a concretização de tais políticas.

Percebe-se que a participação do Poder Judiciário na suspensão de segurança é muito mais ativa do que preventiva, na medida em que, embora apenas afaste a execução de decisões judiciais prejudiciais à execução de políticas públicas, acaba por corroborar ou rechaçar (utilizando-se de argumentos políticos: ordem, saúde, segurança e economia públicas) a atuação da Administração Pública[11]. Trata-se de espécie de verdadeiro mecanismo de “escape” existente no sistema jurisdicional, que não só permite, mas exige, que a decisão judicial suspensiva se dê com base em argumentos utilitaristas ou consequencialistas[12].

A questão problematiza-se ao se perceber que o Judiciário aprecia a suspensão de segurança sem possuir os mesmos mecanismos que o Executivo e o Legislativo normalmente utiliza para escolher e formatar as políticas públicas que foram objeto de judicialização[13]. Discute-se, aí, o preocupante distanciamento que o Judiciário pode ter dos destinatários da decisão judicial – especialmente quando se trata de políticas públicas – bem como o caráter exclusivista de um debate do qual os cidadãos não podem participar diretamente. Nesse ponto, pode-se também observar a suspensão de segurança como uma via que permite ao Poder Judiciário exercer uma autolimitação (self-restraint) de sua atuação judicial (por exemplo, ao suspender decisões que criem ou executem políticas públicas em substituição ao legislador e ao administrador), tendo como base o comprometimento com os argumentos políticos anteriormente eleitos pelos demais outros Poderes.

 Assim, se o Judiciário emite um juízo essencialmente político na apreciação da suspensão de segurança, especialmente quanto à manutenção ou suspensão de políticas públicas, é de se questionar, primeiramente, qual a sua legitimidade para reafirmar ou para discordar da política pública impugnada, bem como quais são as responsabilidades[14] que possuiria ao exercer um juízo político e não jurídico.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3 – O PODER JUDICIÁRIO ENQUANTO ATOR POLÍTICO NO ÂMBITO DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA

O crescimento em importância e força do Poder Judiciário na formatação do Estado e a judicialização constante de temas antes discutidos em foros políticos do Legislativo e Executivo acarretam perplexidade junto ao meio jurídico, fomentando questionamentos a respeito dos limites do chamado protagonismo judicial em face de políticas públicas.

Nesse enfoque, a suspensão de segurança constitui uma ponte já há certo tempo[15] firmada entre o direito e a política no sistema jurídico brasileiro, utilizada constantemente pela Administração Pública, o que implica a existência de uma necessidade latente de proteção de interesses tidos como supraindividuais, mormente quando se trata de situações em que políticas públicas se encontram em risco. No caso, permite-se que discursos voltados para concretização de direitos individuais sejam afastados por argumentos políticos de caráter utilitarista ou consequencialista, contidos nos conceitos de ordem, saúde, segurança e economia públicas.

De fato, na suspensão de segurança, o Judiciário é levado a emitir um juízo não sobre o direito aplicável ao caso concreto, mas sobre a política pública executada, atribuindo-se-lhe um papel que a princípio não pode ser considerado passivo, mas sim ativo, na concretização das referidas políticas.

O Judiciário, no âmbito da suspensão de segurança, acaba sendo forçado a sair de uma postura de análise puramente técnica do direito posto em face do caso concreto para uma posição de maior protagonismo na concretização de políticas públicas estatais.

Passa a se enxergar a suspensão de segurança, assim, como instrumento voltado primordialmente para permitir a inserção de argumentos políticos no debate judicial, admitindo a análise, pelo Judiciário, dos prejuízos coletivos causados pela paralisação de políticas públicas alvo de ações judiciais.

Trata-se, pois, de inserir a suspensão de segurança no contexto dos instrumentos que permitem o diálogo entre o Judiciário, a Administração Pública e os cidadãos envolvidos, possibilitando a rediscussão de decisões estatais em foro diverso dos tipicamente políticos, a partir do momento em que se criem oportunidades para a participação responsável dos interessados nos processos de produção normativa.


4 – A SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E A CARÊNCIA DE INSTRUMENTOS QUE ATRIBUAM MAIOR LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA AO PODER JUDICIÁRIO

Entende-se que o caráter democrático agrega legitimidade às decisões judiciais, inclusive às decisões em suspensão de segurança relativas ao controle judicial de políticas públicas.

De fato, pressupõe-se que, se a palavra final a respeito da continuidade de políticas públicas pode ser atribuída em certos casos ao Poder Judiciário no julgamento de pedidos de suspensão de segurança, espera-se dele maior – e não menor – legitimidade democrática para decidir[16], o que remete à aplicação da teoria acerca dos procedimentos que propiciam maior legitimidade democrática às decisões judiciais e políticas, considerando, no ponto, que a participação dos afetados na construção dos atos do Poder Público é um fator que lhes confere maior legitimidade.

Desponta aí, também, a necessidade de incorporar mecanismos inclusivos e de assimilação das diferenças no âmbito do debate judicial da suspensão de segurança, sob pena de prevalência de um discurso jurídico majoritário, que perca de vista as visões de mundo daqueles que são beneficiários da política pública suspensa por decisão judicial.

Em relação à suspensão de segurança, defende-se que, no âmbito das decisões judiciais em casos limítrofes, em que a aplicação do direito e a produção de políticas se confunde (como na suspensão de segurança), o discurso jurídico pode conter elementos de justificação, não necessariamente a título de rediscussão, mas como reforço dos aspectos institucionais-procedimentais em que estão envolvidos os demais Poderes, pois,

na medida em que os programas legais dependem de uma concretização que contribui para desenvolver o direito – a tal ponto que a justiça, apesar de todas as cautelas, é obrigada a tomar decisões nas zonas cinzentas que surgem entre a legislação e a aplicação do direito -, os discursos acerca da aplicação do direito têm que ser complementados, de modo claro, por elementos dos discursos de fundamentação. Esses elementos de uma formação quase-legisladora da opinião e da vontade necessitam certamente de um outro tipo de legitimação. O fardo desta legitimação suplementar poderia ser assumido pela obrigação de apresentar justificações perante um fórum judiciário crítico (...) Nos casos em que a administração decide, guiada apenas por pontos de vista da eficiência, convém buscar filtros de legitimação, os quais podem ser cedidos pelo direito procedimental. (HABERMAS, 2003, p. 183-184)

Vendo-se a questão por esse ângulo, nota-se que a Suspensão de Segurança, nos moldes atuais, carece de instrumentos que permitam ao Poder Judiciário aferir com maior segurança os impactos que a suspensão de políticas públicas trará aos jurisdicionados. Com efeito, a sistemática atual apenas permite que o Poder Executivo leve ao Poder Judiciário as razões para a suspensão da liminar, mitigando bastante a possibilidade de inserção dos pontos de vista dos demais atores processuais.

Recai sobre o Judiciário, portanto, um grande peso na fundamentação das decisões judiciais, bem como uma necessidade maior de viabilizar formas de se ouvir os interessados e afetados pela política pública que se encontra suspensa, ambas formas de atribuir legitimidade à tomada de decisão no âmbito da Suspensão de Segurança.


5 – CONCLUSÃO

A suspensão de segurança é um instrumento muito útil ao Poder Público, na medida em que permite que argumentos de política (e não de direito) sejam levados à apreciação do Poder Judiciário. Nesse sentido, o Judiciário adota uma postura cada vez mais ativista no sentido de contribuir para a concretização de políticas públicas.

Todavia, observa-se que a sistemática atual da suspensão de segurança não permite uma maior participação dos envolvidos com a decisão que afeta determinada política pública, fato que ganha realce pelo fato de que o Judiciário não possui mecanismos próprios para absorver os anseios sociais, instrumentos estes comumente encontrados no seio dos Poderes constituídos por representantes eleitos, como o Legislativo e o Executivo, e que se mostram tão importantes nos momentos em que se analisa a formulação de políticas públicas.

Desse modo, ao passo em que a Suspensão de Segurança constitui uma forma ampla de inserção do Poder Judiciário no campo da política, ao mesmo tempo exige uma maior legitimidade democrática da tomada de decisão, não somente no campo da fundamentação das decisões judiciais, mas também da participação dos interessados no processo decisório.


REFERÊNCIAS

APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. 5ª Edição. Curitiba: Juruá, 2008.

CARVALHO NETTO, Menelick de. A contribuição do direito administrativo enfocado na ótica do administrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no Brasil: um pequeno exercício da teoria da constituição. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 68, nº 2, Síntese: 2002, p. 67-83.

_____. Hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista Notícia do Direito Brasileiro, v. 6, jul./dez. Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 2000, p. 233-250.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Elementos da filosofia constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre Facticidade e Validade. v. 2. Trad. de Flávio Beno Siebneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

KRELL, Andreas J. A recepção das teorias alemãs sobre “conceitos jurídicos indeterminados” e o controle da discricionariedade no Brasil. In: Interesse Público, Ano 5, nº 23, janeiro/fevereiro de 2004, Porto Alegre: Notadez, p. 21-49.

LOPES, José Reinaldo de Lima. A função política do poder Judiciário. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e justiça: a função social do Judiciário. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 135-141.

LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A Invasão do Direito: A expansão jurídica sobre o Estado, o Mercado e a Moral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005.

NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de sentença e de liminar. Revista de processo civil, ano 25, janeiro/março. São Paulo: 2000

OLIVEIRA, Angelina Mariz de. Suspensão de liminar e de sentença em mandado de segurança, na jurisprudência das cortes superiores. Revista Dialética de Direito Processual, n. 36, mar. São Paulo: Dialética, 2006.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável. Interesse Público, ano 9, n. 45, set/out. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

SOARES, Leonardo Oliveira. O requerimento de suspensão de eficácia de liminar como desdobramento do direito fundamental do réu à tutela jurisdicional adequada. Revista Dialética de Direito Processual, n. 86, maio. São Paulo: Dialética, 2010.


Notas

[1] Para Menelick de Carvalho Netto e Cristiano Paixão Araújo Pinto, um paradigma é espécie de marco interpretativo, um conjunto de ideias que, em certo momento histórico e lugar, ajustam a visão dos que praticam determinada ciência (CARVALHO NETTO, 2002, p. 74). A condição paradigmática, assim, predispõe e condiciona a forma de se ver determinado aspecto do mundo e de agir sobre ele. Essa noção, que é extraída da teoria da ciência de Thomas Kuhn (apud CARVALHO NETTO, 2000, p. 236), busca demonstrar como ocorre a evolução do conhecimento, a qual, segundo sua visão, não se daria pácifica e gradativamente, mas por meio de saltos e rupturas, ocorrendo a troca de um paradigma por outro.

[2] Referido paradigma é caracterizado por um direito participativo, pluralista e aberto (CARVALHO NETTO, 2000, p. 244), marcado pela demanda por direitos até então desconhecidos ou de pouca notoriedade, como os de caráter difuso ou coletivo (referentes à tutela das relações de consumo, do meio ambiente, do patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico, como também os direitos atribuídos a parcelas excluídas da sociedade, a exemplo dos portadores de necessidades especiais e das minorias raciais, sexuais e religiosas).

[3] Luis Roberto Barroso (2011, p. 5) entende que a judicialização constitui hoje um fato, consequência direta do desenho institucional do Brasil pós-1988.

[4] Segundo Andreas Krell (2004, p. 42), tal necessidade de compartilhar a tomada de decisões políticas ganha peso em sociedades “periféricas” como o Brasil, uma vez que a carência de legitimidade do sistema político representativo acaba por sobrecarregar a tomada de decisão administrativa, gerando sempre a necessidade de inserção de mais participantes na discussão a fim de conferir legitimidade à decisão.

[5] Segundo estatística disponível no sítio eletrônico do STF, foram apresentadas ao Tribunal, entre 1990 e 2011, 5214 demandas de suspensão de segurança, de liminar ou de tutela antecipada (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp? servico=estatistica&pagina=processoCompetenciaPresidente).

[6] Adota-se a nomenclatura “suspensão de segurança” em apego às origens do instituto, voltado para suspender as decisões proferidas em mandado de segurança. Atualmente, contudo, seu cabimento é o mais amplo possível, sendo apto a suspender quaisquer decisões, de caráter liminar ou não, lesivas aos interesses tutelados pela legislação (ordem, saúde, segurança e economia públicas), como visto no art. 25 da Lei 8.038/1990, art. 4º e §1º da Lei 8.437/1992 e art. 15 da Lei 12.016/09.

[7] Apenas para se restringir às correntes dominantes, atribuem-lhe a natureza de incidente processual Marcelo Abelha Rodrigues (2007, p. 95) e Isabel Cecília de Oliveira Bezerra (2009, p. 21), de ação ou medida de contracautela Elton Venturi (2010, p. 60) e de decisão administrativa ou política Ellen Gracie Northfleet (2000, p. 1) e grande parte dos Tribunais Superiores, a exemplo do AgRgSS 1.457/MT, Rel. Min. Edson Vidigal, Corte Especial do STJ, DJU I 19/09/05, p. 173, citado por Angelina Mariz de Oliveira (OLIVEIRA, 2006, p.3).

[8] Entendidos estes como os que não são meramente descritivos, por requererem do intérprete, por ocasião de sua aplicação, a determinação do seu significado por um processo necessariamente valorativo. São exemplos o “interesse público”, “utilidade pública”, “urgência”, “pobreza”, “idoneidade pessoal”, “notório saber”, “conduta ilibada”, “bons costumes”, “valor histórico ou artístico”, “estética da paisagem” ou “condições ambientais salubres” (KRELL, 2004, p. 26).

[9] Para Ellen Gracie Northfleet (2000, p.1), a suspensão de segurança é julgada com bases estritamente extrajurídicas. Embora essa posição seja extremada, é de se notar que no julgamento da suspensão de segurança prevalecem argumentos políticos, ainda que pareados por argumentos jurídicos. Apenas para ilustrar recente caso, confira-se notícia veiculada em 24/09/2011, no sítio eletrônico do STJ, intitulada “Suspensão de sentença é juízo político quanto efeitos da decisão atacada” (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103294).

[10] Nesse ponto, é fato recente e eloquente o deferimento de pedidos de suspensão de segurança para impedir que decisões liminares obstassem obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do Governo Federal, a exemplo da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (SS 0021955-73.2010.4.01.0000 e 0021954-88.2010.4.01.0000, TRF-1ª Região).

[11] Para José Reinaldo de Lima Lopes (1997, p.135-136), o Judiciário tanto transforma quanto reforça políticas do Estado, a partir do momento em que julga questões de caráter econômico-social.

[12] Tratados aqui, indistintamente, como argumentos voltados para a afirmação do que é melhor para todos, em contraposição aos argumentos voltados para a afirmação de direitos individuais.

[13] A crença na legitimidade do Legislativo e do Executivo para a escolha e concretização das politicas públicas deriva em grande parte do regime de democracia representativa brasileiro. Do ponto de vista de uma democracia procedimentalista, as instâncias discursivas institucionalizadas no seio desses Poderes conferem maior legitimidade à tomada das decisões políticas (eleições, votações, audiências públicas, consulta à população, etc).

[14] Afirma-se que, apesar da possibilidade de controle judicial de políticas públicas, não compartilha o Judiciário de nenhuma responsabilidade com a Administração no que tange à própria escolha da política e de sua efetividade, diante do argumento de que isto seria incompatível com a forma de recrutamento dos juízes, que não têm como arcar com responsabilidades político-eleitorais por não serem eleitos (APPIO, 2008, p. 72 e 249). Interessante notar que se atribuiu ao presidente dos Tribunais (e não, p.ex., ao relator do recurso) a competência para a análise da suspensão de segurança. O presidente dos tribunais é eleito entre seus pares e cumpre mandato fixo (art. 21 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional), assemelhando-se aos detentores de cargos eletivos, embora não se possa falar de responsabilidade político-eleitoral vinculada diretamente ao julgamento de suspensão de segurança.

[15] Embora com nuances diferentes das atuais, a suspensão de segurança foi criada pela Lei nº 191/1936, isto é, há aproximadamente 75 anos.

[16] Também relevante é a crítica feita por Jeremy Waldron (2003, p. 5) a respeito do atual descrédito da comunidade jurídica em face das decisões tomadas no campo estrito da política (especialmente do poder legislativo), bem como sua desconfiança em relação ao judicial review, isto é, às alterações da legislação feitas por decisões judiciais. Se, no âmbito da suspensão de segurança, há verdadeiro amálgama de critérios jurídicos – ao menos quanto à pessoa que decide – e políticos – no que tange aos argumentos para se decidir – abre-se campo para as mesmas crítica e defesa feitas pela autor acima referido à legislatura. 

Sobre o autor
Carlos Henrique Costa Leite

Advogado da União. Coordenador Geral de Ações Estratégicas da Procuradoria-Regional da União da 1ª Região. Especialista em Direito Administrativo pela UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Carlos Henrique Costa. A suspensão de segurança e o protagonismo judicial na concretização de políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3265, 9 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21954. Acesso em: 24 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!