Resumo
O presente trabalho trata de um tema pouco debatido, inobstante sua relevância. As agências de rating são consideradas importantes promotoras do mercado financeiro, proporcionando mais segurança aos investidores e demais personagens desse setor. Todavia, um deslize nessa atividade é capaz de assolar a economia, sendo que, até então, o direito não foi capaz de responder satisfatoriamente quais seriam as repercussões jurídicas nesta hipótese, motivo pelo qual se propõe esclarecê-las.
Palavras-chave: Direito Econômico; Mercado Financeiro; Agência de Rating; Regulamentação; Responsabilidade Civil, Penal e Administrativa.
1 INTRODUÇÃO
As Agências de Rating existem há mais de um século, porém escândalos financeiro-contábeis como o da Parmalat, da Enron e do Banco Santos colocam em discussão a eventual necessidade de regulamentação e responsabilização das mesmas.
Os estudos sobre o tema são escassos, sendo a maioria desenvolvida em língua estrangeira. Malgrado tal constatação, espera-se contribuir ou ao menos estimular o debate deste assunto de extrema relevância.
Para tanto, será abordada a definição de agência de rating, bem como sua natureza e seu histórico. A seguir, discorrer-se-á sobre os argumentos favoráveis e contrários à regulamentação e responsabilização dessas entidades, pontuando as iniciativas já tomadas neste sentido.
2 AGÊNCIAS DE RATING
Rating é palavra da língua inglesa que poderia ser traduzida como classificação, opinião, motivo pelo qual as agências de rating são chamadas também de agências de classificação de riscos. Com efeito, essas agências são responsáveis por avaliar o risco de inadimplemento de um devedor, seja ele um Estado soberano, uma pessoa jurídica de direito interno, público ou privado, ou até mesmo um indivíduo; é possível também a avaliação da solvabilidade de um título específico.
Opina-se, então, sobre a saúde financeira do avaliado, considerando fatores externos, como as nuances de mercado, e internos, como a qualidade da governança corporativa e a postura social e ambiental.
O parecer final é dado geralmente depois de seis semanas de perquirição, podendo haver revisões anuais ou em prazos distintos, sendo as notas emitidas por taxonomias próprias de cada agência, compostas de letras e sinais aritméticos, normalmente em uma escala de A (capacidade extremamente forte de atender os compromissos financeiros) a D (alto risco de inadimplemento) (FRAZÃO SOARES, 2005, p.21).
A influência nos custos e taxas inerentes a investimentos é patente, como a expectativa de taxa de juros para empréstimos e negociações, sendo esta tanto menor quanto maior o rating.
Logo se depreende a importância das informações fornecidas por essas entidades privadas, lucrativas e cotadas em bolsa, como bem pontua o Senador norte-americano Joseph Lieberman:
As agências de rating possuem a chave do capital e da liquidez, o centro nervoso da América corporativa e de nossa economia capitalista. O rating afeta a capacidade de uma empresa conseguir empréstimos financeiros; afeta a decisão de investimento de fundos de pensão e de fundo de investimento em geral, bem como influencia o valor das negociações negociadas em bolsa de valores (FRAZÃO SOARES, 2005, p.19).
Questão inevitável no âmbito do Sistema Financeiro é a necessidade de se lidar de maneira mais precisa com a administração de riscos, capaz de viabilizar os mercados de capitais, os quais se apresentam uma alternativa fundamental à captação de recursos financeiros, atividade que não pode ficar restrita aos bancos. Afinal, na dinâmica dos mercados financeiros isso contribui para tornar mais difuso e heterogêneo os instrumentos de oferta financeira.
Deve-se destacar que o rating cinge-se a um parecer sobre a condição geral de solvibilidade de um devedor ou de um certo título, não pretendendo ser uma recomendação de investimento. Abordagens sobre as preferências de aplicação dos investidores, a priori, estão afetas a outra espécie de empresa.
Amparando-se em dados históricos e atuais, tem-se que a primeira agência de classificação de risco foi criada nos Estados Unidos da América por John Moody em 1909 e, de acordo com o Bank of International Settlements, existem hoje entre 130 a 150 agências de notação de risco no mundo, embora pouquíssimas sejam reconhecidas oficialmente (FUN, 2012).
O mercado atualmente é dominado (95%) por três agências norte-americanas: Fitch, Moody´s e Standar & Poor´s, tendo como maiores clientes os Estados, os quais configuraram 62% das obrigações emitidas em 2009, segundo os dados da segunda sociedade citada (COUTINHO, 2011).
No Brasil temos sete agências com atuações consideráveis, as três internacionais citadas anteriormente e quatro nacionais: a SR Rating, a LF Rating, a Austin e a Liberum (VALLE, 2011).
Tendo ainda como referência as informações da Moody´s, observa-se que a taxa média de default (moratória) entre 1970-2000 para títulos com a melhor classificação, sobre um período de 10 anos, foi de 0,67 (SÃO PAULO, 2009).
Isto posto, poder-se-ia inferir que os índices de análise possuem baixa probabilidade de erro, sendo razoavelmente seguros. Em que pese essa ilação, passível de embargo, muito se critica o fato de as agências serem fomentadas pelos próprios avaliados, quando estes almejam saber sua capacidade de pagamento. Em outra via, refuta-se esse apontamento registrando que as classificadoras se preocupam com sua credibilidade no mercado, sendo, portanto, independentes.
3 REGULAMENTAÇÃO
Como mencionado, a atual estrutura dessas agências é criticada, sob a alegação de que a remuneração pelo avaliado tende a repercutir na própria avaliação. Haveria então conflito de interesse, de modo que pagando melhor mais bem avaliado ser-se-á.
Pode-se inferir essa relação preço-classificação por outras vias, ao passo que quando se avalia desfavoravelmente, pelas regras de mercado, a tendência é procurar outra agência de rating, até que se encontre uma classificação desejável; isto é denominado de rating shopping.
Lado outro, contesta-se esse posicionamento afirmando que a preocupação dessas agências de classificação de risco com suas reputações perante o mercado inviabilizaria a possível influência do contratante.
Casos surpreendentes têm acirrado essa discussão, como na oportunidade em que a sociedade Enron foi classificada com a melhor nota à véspera de sua falência.
No Brasil, o exemplo é o Banco Santos, o qual permanecia avaliado com nota “A” pela agência Austin Rating até um dia após sua intervenção pelo Banco Central, quando então passou a ser cotado em CCC (baixa solidez financeira).
Ao que tudo indica a instituição manipulou avaliações ao considerar somente aquelas que lhe eram favoráveis (rating shopping), visto que sua imagem dias antes de sua liquidação era de ser um dos seis maiores bancos privados no país, sem problemas financeiros ou operacionais (DA CRUZ, 2004).
Nessa toada, alega-se, outrossim, que as agências teriam subestimado os riscos da inadimplência das hipotecas do mercado imobiliário norte-americano de alto risco, gerando a crise financeira de 2007/2008.
Tais fatos acabam por suscitar dúvidas acerca da competência e capacidade das agências de rating ao avaliarem o risco financeiro real.
Inicialmente, esperava-se uma autorregulamentação natural, como ocorre normalmente com os demais agentes do mercado financeiro, todavia, nas palavras do comissário europeu de Mercado Interno, Charlie Mc Creevy, “A crise mostrou que a autorregulação não funcionou” (WELLE, 2008).
Desde então se discute com mais vigor se as entidades de classificação de risco deveriam ser regulamentadas.
A título ilustrativo registre-se que o membro do Parlamento Europeu, Leonardo Domenici, propôs a proibição de as companhias de rating publicarem as suas avaliações sem a anuência dos avaliados (RÚSSIA, 2012).
No entanto, refuta-se a proposta sob o argumento de que as classificadoras de risco não inovam, mas apenas processam informações acessíveis ao público. Explica-se:
Quando as notações são solicitadas pelo emitente, são elaboradas com base tanto em dados disponíveis publicamente como em informações não acessíveis ao público que são voluntariamente divulgadas pela entidade notada. As notações elaboradas sem solicitação do emitente são em geral baseadas unicamente nos dados disponíveis publicamente (FUN, 2012).
Logo, não haveria sentido na exigência, posto que quando o emitente solicita pressupõe-se sua aquiescência, enquanto que na hipótese de ele não solicitar estar-se-ia diante de dados disponíveis a qualquer um, não se cogitando o cerceamento ao direito de expressão, inerente a qualquer sociedade empresária de direito privado.
Com efeito, regulamentar o mercado de capitais é conceber um ambiente aberto e justo para negociações, criando um nível de competição razoável, ao contrário do oligopólio hoje existente. Com um mercado mais competitivo, a qualidade dos ratings sobe, os honorários diminuem, falhas e imperfeições são corrigidas mais facilmente e investidores são protegidos, preservando a integridade do sistema financeiro e ampliando a transparência.
Obviamente, para que esses efeitos se concretizem é indispensável que a regulamentação não inviabilize o modelo de negócio dessas organizações.
A par desse contexto, o diretor executivo da Moody´s, Ray McDaniel, ao ser criticado, provocou dizendo que, caso insatisfeita, a União Européia deveria criar sua própria agência de rating, idéia que foi levada a sério (LOPES, 2011).
Contudo, pondera-se:
Apesar da regulação estatal ser capaz de, a princípio, melhorar a eficiência de mercados imperfeitos, os governos (i.e. o Estado) também podem falhar neste processo, e seus esforços intervencionistas podem gerar a deterioração da eficiência dos mercados, ao oposto de aumentá-la. Esta falha de governo ocorre por diversas razões: dificuldade em formular objetivos claros e implementáveis; incenitvos fracos (ou inexistentes); dificuldade de gestão; informação inadequada; comportamento rent seeking; captura rent creating; e busca de redistribuição de renda (FRAZÃO SOARES, 2005, p.10).
De toda forma, transitando do mundo das propostas para o das normas já existentes, observa-se que a Organização Internacional de Valores Mobiliários (International Organization of Securities Commissions – IOSCO) implementou em 2005 um código de conduta para as agências de classificação de risco.
A regulamentação desse mercado começa realmente a tomar forma quando se verifica a legislação interna de alguns países. No Reino Unido, Japão, Austrália, França e Espanha, as agências de rating só operam após registro ou autorização formal pelo órgão regulador. Nos EUA, especificamente, essas entidades devem ser registradas na categoria “Consultor de Valores Mobiliários” (FRAZÃO SOARES, 2005, p.26).
Por sua vez, o Brasil começa a dar indícios que seguirá essa tendência. Embora a CVM não tenha tratado diretamente do tema, já dispôs que o rating é pré-requisito para algumas operações. Dentre outros exemplos (art. 7º da Resolução nº003456 de 05 de junho de 2007), confira-se:
Resolução nº003506 de 26 de outubro de 2007
Art.7º No segmento de renda fixa, as aplicações dos recursos em moeda corrente dos regimes próprios de previdência social subordinam-se aos seguintes limites:
II – até 80% (oitenta por cento) em:
b) cotas de fundos de investimentos previdenciários e as cotas de fundos de investimento em cotas de fundos investimentos previdenciários classificados como renda fixa ou referenciado em indicadores de desempenho de renda fixa, constituídos sob a forma de condomínio aberto, desde que apliquem recursos exclusivamente em títulos de emissão do Tesouro Nacional ou títulos privados considerados, com base em classificação efetuada por agência classificadora de risco em funcionamento no País, como de baixo risco de crédito, observado o disposto nos arts.17 5 18;
Regulamentar diretamente essas agências seria, todavia, uma tarefa questionável. Nelson Eizirik defende que o serviço de consultoria e análise de valores mobiliários, previsto no art.27 da Lei 6.385/76, não se enquadra na atividade de rating. Aquela é mais abrangente, já que não se emite opinião sobre o risco de investimento, apenas o indica, ao contrário do que fazem os analistas de investimentos. Destarte, a CVM não seria capaz, por si só, de englobar a fiscalização das agências de classificação de risco, sendo necessária uma alteração legislativa para expandir o referido rol taxativo (AZEVEDO, 2004).
Sustentando uma interpretação teleológica da norma, o professor José Geraldo Brito Filomeno se posiciona de forma contrária, entendendo que a atividade de rating na verdade pressupõe uma análise (AZEVEDO, 2004).
A polêmica se estende quando se considera que há profissionais analistas nas agências de rating. Com efeito, o exercício de analista de valores mobiliários é regulado pela Instrução 388 da CVM, interpretada da seguinte forma pelo presidente da CVM à época da edição da norma: “A instrução se refere aos profissionais que dão opinião de compra ou venda para títulos de negociação pública. Os analistas de rating apenas dão um parecer sobre os riscos desses títulos” (AZEVEDO, 2004).
A controvérsia cinge-se em aferir o nível de influência de um analista de uma agência classificadora de risco na tomada de decisão do investidor quanto aos benefícios da possível aplicação. Entre outras palavras, torna-se mister saber se os serviços dessas agências são decisivos ou ao menos relevantes para servirem de referência na escolha de aplicações de investimentos.
A princípio, ao fazerem uma recomendação nesse sentido as agências estariam extrapolando seu objeto social que é apenas de avaliar as condições gerais de negócios, mormente quanto à capacidade de pagamento de um devedor ou emissor de títulos, mas não se pode descartar que aquela finalidade tenha sido incorporada pela prática empresarial.
Como se percebe pelo tratamento de credibilidade que a CVM tem dado às agências, ao citá-las como fonte fidedigna de consulta, coerentemente deveria a mesma fiscalizá-las; manifestações neste sentido já ocorreram, como no caso de rating shopping, em que a CVM pretende exigir a publicação de dados também das agências preteridas (ENNES, 2012).
Isto posto, pode-se afirmar que a regulamentação das agências de rating traria provavelmente mais confiabilidade, reduzindo os riscos de fraude, em que pese opiniões contrárias:
Para que uma agência de rating exerça um papel siginificativo, ela deverá ter uma boa reputação, que desperte a confiança do mercado. Essas são condições relevantes para atribuir eficiência e maior lucratividade às captações de recursos. Enfim, a confiança que o mercado nela deposita não está diretamente relacionada à regulação estatal, mas à reputação adquirida pela qualidade dos serviços prestados (FREIRE, 2009).
Com a regulamentação seria mais viável se concluir pelo próximo tópico a ser abordado, qual seja a responsabilização. Inobstante essa premissa, tem-se que:
Vale lembrar, no entanto, que, mesmo não sendo reguladas pelo Estado, as agências estão sujeitas à responsabilidade civil com relação ao emprego da diligência, cautela e imparcialidade necessárias para a emissão de seus pareceres (FREIRE, 2009).
4 RESPONSABILIDADE
Em nosso ordenamento jurídico as agências de rating não estão submetidas a normas expressas ou a órgãos fiscalizadores específicos, embora, como se registrou, seus produtos sejam mencionados em alguns dispositivos legais (vide Instruções nº393/03 e 404/04, além da Resolução 2.829/01, todas da CVM).
Diante desse cenário, há quem afirme que:
Como não há regulação, as atividades exercidas pelas agências de rating não estão sujeitas a qualquer cobrança externa e, assim, essas empresas não podem ser responsabilizadas e punidas, mesmo que gerem danos ao mercado e investidores... (FRAZÃO SOARES, 2005, p.31).
Em face dessa carência normativa, a BOVESPA, por exemplo, defende que para o cumprimento do Código de Conduta proposto pela IOSCO é necessária uma auto-regulação, de modo que o contratante estabeleça os requisitos mínimos para a contratação de uma agência de rating. Sugere, outrossim, que os profissionais se submetam a exames de certificação assim como acontece com os analistas de valores mobiliários (FRAZÃO SOARES, 2005, p.32).
De maneira filosófica se contrapõe:
Mas se os mercados não são sujeitos morais imputáveis, o mesmo já não se pode dizer dos governos que os deveriam regular. A ideologia ainda prevalecente na Europa acredita na bondade dos mercados não regulados, da mesma forma que os leitores desatentos de Rousseau acreditaram na bondade natural do homem. O resultado desta última crença desaguaria nos Gulags totalitários do século XX. O resultado da ideologia política européia, que se recusa a colocar um freio a um mercado que está “para além do bem e do mal”, será a tragédia global que, agora, apenas se vislumbra. Pensar que as agências de rating são susceptíveis de autoregulação é o mesmo que acreditar que Estaline poderia ter sido um campeão dos direitos humanos. Os mercados não têm culpa. Os governantes e as políticas que os deixam em roda livre, esses, sim, são os culpados (LOPES, 2011).
Segundo a superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM, Flávia Mouta, “Qualquer pessoa com atuação no mercado de capitais brasileiro está submetida às regras da CVM e pode ser questionada” (ENNES, 2012). Dessa forma, a ausência de norma específica não obstaria a responsabilização dessas agências, como se comunga:
De qualquer forma, para fins de responsabilidade civil, pouco importa se a atividade em pauta das empresas de rating esteja ou não abrangida pelas atribuições da CVM, já que se cuida de responder por atos ou omissões ou em face de prejudicados no mercado mobiliário. (...) Independentemente de uma regulamentação específica a respeito de sua atuação, estes analistas e consultores responderão pelas conseqüências decorrentes da divulgação enganosa ou omissiva de suas avaliações, independentemente de culpa (PALÁCIO, 2005).
Para o advogado José Geraldo Brito Filomeno, apesar de se aplicarem a essas relações princípios semelhantes, consumidor e investidor não se confundem, visto que o primeiro está no final da linha produtiva e o segundo é o que movimenta a máquina produtiva, visando lucro. A lesão ao investidor seria então tutelada pela Lei 7.913/89:
Art.1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de:
I – operação fraudulenta, prática não equitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários;
II – compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado, ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas;
III – omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.
De acordo com o jurista - não se olvidando da possibilidade de responsabilidade administrativa nos termos da Lei 6.385/76 - a responsabilidade civil seria objetiva para as agências de rating, pois “Se elas se aventuram a dar informações para o mercado mobiliário, devem reparar possíveis danos, independentemente de culpa, pelo fato de sua atividade representar risco” (AZEVEDO, 2004).
Comentando o parágrafo único do art.927 do CC/02, Eizirik discorda, ressaltando que o entendimento supra inviabilizaria a atividade de rating:
O professor Eizirik defende que melhor seria uma interpretação restritiva da norma e que a responsabilidade civil das agências de rating deveria fundamentar-se na verificação dos serviços prestados, bem como na diligência necessária a esta prestação. Assim, as agências de rating possuem um dever de meio e não de fim e, portanto, torna-se impossível a caracterização da responsabilidade objetiva. Caso contrário, o custo dos serviços prestados seriam ainda mais elevados, inclusive sob as óticas econômica e jurídica (FRAZÃO SOARES, 2005, p.33).
Tal responsabilidade não se estenderia ao Estado, visto que o risco é assumido exclusivamente pelo investidor em função de sua expectativa de rendimento, não havendo razão para repartir os prejuízos com a sociedade. Afinal, a atividade de rating não pressupõe certeza. Por linhas transversas assim decidiu o STJ no caso Coroa-Brastel (Resp 152360), isentando o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários do pagamento de indenizações.
Na Europa a questão já foi abordada pelo Regulamento 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, o qual não se pode deixar de mencionar:
TÍTULO III-A
RESPONSABILIDADE CIVIL DAS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE RISCO
Artigo 35.º-A
Responsabilidade civil
1. Se uma agência de notação de risco tiver cometido, com dolo ou negligência grave, alguma das infracções enumeradas no Anexo III, afectando desse modo uma notação de risco na qual um investidor se tenha baseada ao adquirir um instrumento notado, esse investidor pode interpor uma acção contra a agência de notação de risco pelos danos que lhe tiverem sido causados.
2. Considera-se que uma infracção afecta uma notação de risco se essa notação difere da que seria emitida caso a agência de notação de risco não tivesse praticado a dita infracção.
3. Considera-se que uma agência de notação de risco age com negligência grave quando descura de forma séria os deveres que lhe incumbem por força do presente Regulamento.
4. Quando um investidor dispuser de elementos factuais que permitam inferir que a agência de notação de risco cometeu uma das infracções enumeradas no Anexo III, cabe à agência provar que não cometeu a referida infracção, ou que a infracção não afectou a notação de risco emitida.
5. A responsabilidade civil referida no n.º 1 não poderá ser excluída nem limitada antecipadamente por via contratual. Qualquer cláusula contratual que exclua ou limite antecipadamente a responsabilidade civil será considerada nula e sem efeito.
Verifica-se, pois, que na União Européia a responsabilidade civil das agências de rating seria subjetiva, mediante a ocorrência de “dolo ou negligência grave”, sendo ônus da requerida provar que não cometeu a infração (§4º da norma supra).
Noutro giro, quanto à responsabilidade penal, tem-se notícia de algumas iniciativas, como os diversos processos penais contra agências de rating nos EUA e a provocação do Judiciário na Espanha pelo Observatório para o Cumprimento dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao ver o Estado espanhol lesado por divulgações de classificações financeiras baseadas em critérios errados e motivados por interesses pessoais (PÚBLICA, 2012).
Fundamenta-se basicamente que a violação ao dever de transparência e imparcialidade, inerentes a essa espécie de agência, configura crime de manipulação de mercado, previsto em nosso ordenamento jurídico pela Lei 10.303/01:
Art.27-C Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
Havendo informações falsas, prospectadas ou anunciadas, almejando-se especificamente a subscrição, compra e venda de títulos, ações ou quotas cogita-se o crime previsto no art.3º, VII, da Lei de Crimes contra a Economia Popular (Lei Federal 1.521/51), punido com pena detentiva de dois a dez anos (PALÁCIO, 2005).
Novamente, Eizirik assevera o prejuízo que esse entendimento traria a existência das agências de rating. Ademais, aduz que o dispositivo mencionado na verdade é uma norma penal em branco, não havendo ainda instrução da CVM que a contemple.