1 - Introdução
O crescimento acentuado dos primeiros aglomerados urbanos no Brasil se deu principalmente após a segunda metade do século XIX, quando as cidades deixaram de servir apenas para moradia de nobres e burgueses, ou como sedes administrativas das principais províncias do império e passaram a funcionar como centros de comércio e de serviços, que atraía, cada vez mais, pessoas provenientes dos mais distantes rincões do país.
Essas relações acentuaram-se no século XX, principalmente após a segunda metade deste século, que observou uma “explosão industrial”, a princípio situada pontualmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Este fato foi responsável, inclusive, por deslocar grandes contingentes populacionais, que antes estavam dispersos em áreas rurais, para os centros urbanos, principalmente para as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Todos estavam em busca das oportunidades de emprego que esta indústria oferecia e dos produtos e serviços que a “modernidade” trazia.
No entanto, convém destacar que os principais centros urbanos desta época não estavam preparados, ou seja, não tinham planejado esta ocupação que estava prestes a ocorrer. A ocupação ocorreu e passou-se a observar as primeiras conseqüências do “inchaço” destas malhas urbanas, tais como ausência de moradias, ocupações em áreas impróprias (áreas de risco de acidentes, áreas de preservação ambiental), ausência total ou deficiências acentuadas de serviços essenciais como saúde, educação, entre outros problemas.
O fato é que a expansão e ocupação das principais cidades brasileiras ocorreu sem um mínimo de planejamento, o qual se mostra necessário à garantia de uma qualidade de vida compatível com o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Uma das principais conseqüências deste fato é a contaminação das águas superficiais e sub-superficiais destas áreas, que por sua vez acaba por gerar inúmeras mazelas e problemas de saúde pública, fora à própria agressão ao meio ambiente, em seus diversos aspectos.
No entanto, percebe-se que o país despertou do coma profundo com que tratava a questão ambiental logo após a Conferência Mundial de Meio Ambiente, realizada em Estocolmo no ano de 1972. No ano seguinte (1973), o governo brasileiro criou, pelo Decreto nº 73.030, de 30 de outubro de 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), que se propôs a discutir junto à opinião pública a questão ambiental, fazendo com que as pessoas se preocupassem mais com o meio ambiente e evitasse atividades predatórias. Convém destacar, no entanto, que a SEMA não tinha poder para efetuar a polícia ambiental, funcionando apenas um órgão especializado responsável pelo debate das questões ambientais. O Estado brasileiro criou um órgão, sem, no entanto, conferir os poderes necessários a consecução de seus fins. Essa situação se perdurou por aproximadamente oito anos até que foi publicada a Lei 6.938/81, esta sim um marco para a defesa ambiental pátria.
Esta lei definiu uma Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), composto por diversos órgãos, cada um responsável, em parte, pela efetivação desta política nacional do meio ambiente. Este, sem dúvida, foi um passo importantíssimo para a defesa do patrimônio ambiental, na medida em que o “boneco”, que representa a política ambiental ganhou “braços”, que representam a atuação do poder de polícia ambiental.
No ano de 1989, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), por força da Lei 7.735, de 22 de fevereiro, foi transformada no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), denominação que se mantém até os dias atuais. Na estrutura do SISNAMA esta entidade[1] representa o Órgão Executor da política ambiental, responsável pela execução da política de preservação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais (art. 6, inciso IV da Lei 6.938/81).
Inaugurada a fase em que o Estado brasileiro despertou para a importância da questão ambiental no planejamento de suas políticas públicas, surgiram diversos instrumentos normativos importantes até o ano de 1988, destaque para a Lei 7.347/1985, que criou um dos instrumentos mais importantes para a defesa do meio ambiente equilibrado, a Ação Civil Pública.
O passo seguinte foi, sem dúvida, o mais importante da história ambiental brasileira. Pela primeira vez na história das Constituições brasileiras o meio ambiente foi tratado de forma especial, ganhando um capítulo (Capítulo VI) para o seu trato, inserido no Título VIII (Da Ordem Social), materializado no art. 225 que dispõe que “todos têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Pois bem, a questão ambiental ganhou destaque inquestionável, positivando-se como um direito fundamental da sociedade brasileira e impondo-se como diretriz mestra na formulação e implantação das políticas públicas de todos os entes da federação.
O zelo, por parte do constituinte, com a defesa ambiental foi tão grande que se fez sentir em diversos outros artigos, entre eles, considerado um dos mais importantes para a política ambiental, tem-se o artigo 170, que trata dos princípios gerais da atividade econômica e em seu inciso VI indica a defesa do meio ambiente com um destes princípios. A importância deste dispositivo é tamanha porque impõe a todos, e principalmente ao Poder Público, em seus projetos econômicos, a observância das normas e dos princípios constitucionais ambientais úteis à defesa ambiental.
É possível afirmar que o Brasil é um dos países que melhor se muniu de instrumentos para a defesa ambiental[2]. A legislação ambiental brasileira é, constantemente, elogiada e apontada como uma das mais modernas e avançadas do mundo. O legislador brasileiro foi muito profícuo e criativo ao imaginar as mais abstratas situações possíveis que pudessem trazer algum tipo de lesão ao patrimônio ambiental do país. No entanto, observa-se que atualmente o país está em uma situação muito distante da pretendida pelo constituinte e pelo legislador, e isso se deve, principalmente, ao distanciamento da norma frente à realidade. Some-se a este fato a ausência de interesse, por parte de muitos governantes, em todas as esferas da federação, na criação e desenvolvimento de uma infra-estrutura mínima, apta a dar cumprimento aos comandos da lei.
Neste breve estudo monográfico será feita uma abordagem sobre a questão do poder de polícia ambiental e da regulação ambiental como mecanismos capazes de potencializar a observância da legislação ambiental, proporcionando, com isso, um maior cumprimento do princípio da eficiência administrativa.
Nos primeiros tópicos desta abordagem serão feitas breve colocações sobre a história da política urbana no Brasil e seus desdobramentos sobre o desenvolvimento sustentável urbano, sobre a relevância dos planos diretores municipais e de outros instrumentos legais com natureza semelhante para a correção de distorções e para o planejamento futuro dos espaços urbanos, sobre a importância da polícia administrativa ambiental como “braço” para aplicação das leis e de outros atos normativos.
Na seqüência da exposição a ser realizada serão feitas considerações sobre o princípio constitucional da eficiência, passando-se a uma breve análise das distinções existentes entre eficiência, efetividade e eficácia administrativas, e ainda considerações sobre a eficiência administrativa como mecanismo de realização de políticas públicas e sobre o direito ao desenvolvimento municipal.
No tópico central será feita uma abordagem do poder de polícia ambiental à luz do princípio da eficiência administrativa, explicitando, em primeiro momento os atributos e elementos constitutivos deste poder de polícia ambiental, e, por fim, fazendo uma reflexão sobre o exercício da polícia ambiental e a concretização da boa governança, em termos de política de defesa do meio ambiente.
2 - Considerações sobre o Princípio Constitucional da Eficiência
A Emenda Constitucional nº 19/97 trouxe alteração para o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 para incluir entre os princípios que regem a administração pública o princípio da eficiência.
Esta inclusão no texto constitucional vem a ser uma resposta à sociedade, dada pela classe política, em face de uma constante cobrança, feita pela população brasileira, de melhorias na prestação dos mais variados serviços públicos. Com este acréscimo feito no artigo 37 da Constituição Federal, um dos principais em importância devido ao fato de nortear a postura da administração pública, o Estado brasileiro positivou algo que já deveria estar implícito, que deveria prestar suas ações (serviços, obras, etc.) de forma eficiente, ou seja, da forma menos onerosa possível e sem desperdícios de toda sorte.
Neste sentido, Vladimir da Rocha França ensina que a introdução expressa do princípio da eficiência operou-se como uma tentativa de resposta às acusações de praxe contra a administração pública brasileira, tais como corrupção, nepotismo, baixa qualidade dos serviços públicos, estabilidade do servidor como mordomia, salários exorbitantes, etc[3].
Antes de analisarmos os reflexos do princípio da eficiência administrativa sobre a defesa ambiental, por intermédio do exercício do poder de polícia, vale lembrar ainda lição de Vladimir da Rocha França, quando este destaca que há respeito à eficiência quando a ação administrativa alcança materialmente suas finalidades lícitas e, por vias lícitas. Quando o administrado sente-se atendido e satisfeito na resolução dos problemas que ininterruptamente leva à Administração. O princípio da eficiência administrativa reza o seguinte: toda a ação administrativa deve estar orientada para a concretização material e efetiva d finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo[4].
Segundo Ioberto Tatsh Banunas, o entendimento do princípio da eficiência é simples, e a maioria dos autores acompanha o ensinamento de Hely Lopes, para o qual: “O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”[5].
Para Ioberto Tatsh Banunas, o princípio da eficiência mostra sua relevância em relação à defesa ambiental, uma vez que serve como complementos aos demais (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade), possibilitando à administração ambiental melhor alcançar os resultados preservacionistas ambientais visados pela coletividade[6].
Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que o poder público deve aplicar o princípio da eficiência para alcançar a almejada qualidade de vida de seus administrados, investindo também na qualificação do modo de atuação de seus agentes, pois é na maneira como atuam os funcionários dos órgãos públicos que será concretizada a aplicação do princípio em pauta[7].
Como se observa, o princípio da eficiência esta a impingir ao Poder Público o cumprimento de suas funções da forma mais produtiva, mais econômica, mais rápida, mais segura, enfim, mais próxima da perfeição, uma vez que constitui sua função a de, em nome da coletividade, e sendo paga por esta (com a instituição de tributos), prestar serviços públicos com qualidade. Não é mais do que obrigação do Estado, então, prestar tais serviços de forma eficiente e ágil.
3 - Estado regulador ambiental: tendência em face das complexidades observadas na atualidade
O Estado Regulador Ambiental é aquele Estado que intervém de modo a viabilizar a concretização dos princípios básicos da defesa ambiental, entre eles os princípios da prevenção, da precaução, do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador, do ambiente ecologicamente equilibrado, do controle do poluidor pelo Poder Público, da participação, da educação ambiental, da cooperação entre os povos, da função socioambiental da propriedade.
A Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história das Constituições brasileiras, dedicou um capítulo exclusivo ao trato das questões ambientais. É o capítulo VI, que no art. 225, estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.[8]”
Dispõe ainda o parágrafo primeiro, inciso III deste artigo, que incumbe ao Poder Público: “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através da lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Desta forma, não resta dúvida que quando um município qualquer disciplina os usos e formas de ocupação do solo urbano, instituindo, através de lei (Plano Diretor), Zonas de Proteção Ambiental, está buscando dar efetividade ao conceito de cidade sustentável, tendo-se como base o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A primeira referência expressa ao meio ambiente ou a recursos ambientais na Constituição Federal de 1988 vem logo no art. 5º, LXXIII, que confere legitimação a qualquer cidadão para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Em seguida, o art. 20, II, considera, entre os bens da União, as terras devolutas, indispensáveis à preservação do meio ambiente. Segue-se o art. 23, III, onde se reconhece a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para “proteger as paisagens naturais notáveis e o meio ambiente”, “combater a poluição em qualquer de suas formas. O art. 24, VI, VII e VIII, dá competência concorrente à União, Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição”, sobre “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”, bem como sobre “responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”[9]
Tem-se também os artigos: 91, §1º, III, que dispõe que uma das atribuições do Conselho de Defesa Nacional é de opinar sobre o efetivo uso das áreas indispensáveis à segurança do território nacional, especialmente na faixa de fronteira e nas áreas relacionadas com a preservação e exploração dos recursos naturais de qualquer tipo; 129, III, que declara ser umas das funções institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social,do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; 170, VI, que destaca que a defesa do meio ambiente é um dos princípios da ordem econômica; 173, §5º, que reza que o Estado favorecerá a organização de atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente; 186, que dispõe que a função social (da propriedade rural) é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores, sob pena de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184); art. 200, que trata da “Ordem Social” e onde a onde declara que ao Sistema Único de Saúde compete, entre outras atribuições, “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”; art. 216, V, que dispõe sobre bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro; e art. 231, §1º, que refere-se às terras ocupadas por silvícolas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar.
Como se percebe claramente, a Constituição brasileira de 1988 revelou uma grande preocupação com a qualidade ambiental dos diversos ecossistemas brasileiros e ainda com o meio ambiente cultural.
No entanto, verifica-se na prática uma ausência de aplicabilidade da legislação ambiental brasileira, devido principalmente a interesse políticos, partidários, ausência mínima de infra-estrutura para fiscalização (física e de pessoal), falta de clareza quanto à definição das competências dos órgãos responsáveis pelas ações de fiscalização ambiental, confusões normativas[10], sem falar nos casos, que infelizmente não são isolados, de corrupção nos órgãos de fiscalização ambiental. Na atual estrutura de fiscalização ambiental, idealizada pela Lei 6.938/91, que criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, a ingerência governamental e os interesse meramente políticos têm dificultado a atuação destes órgãos ambientais, que deveriam possui maiores garantias, assim como possuem as agência reguladoras.
Sabe-se que nem sempre adotar modelos alienígenas e implantá-los no Estado brasileiro pode corresponder a uma boa idéia. Não obstante alguns modelos não tenham se adaptado bem a nossa realidade, alguns outros se adaptaram muito bens gerando frutos positivos para a sociedade brasileira. A idéia de instituição de uma agência reguladora em matéria ambiental no Brasil poderia resolver esse impasse em relação à fixação de competências entre entes da federação, ou até mesmo superar, de uma vez por todas os questionamentos sobre a validade das Resoluções emitidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que lotam os tribunais, além de reduzir significativamente o poder de ingerência dos Poderes Públicos sobre a atuação dos agentes responsáveis, por exemplo, pelo licenciamento ambiental, em razão as garantias e prerrogativas que as agências administrativas independentes possuem, além ainda do requisito técnico, assegurado com a especialidade de seus membros.
A regulação ambiental está intimamente ligada à idéia de licenciamento ambiental de atividades. O licenciamento ambiental, como se sabe, é o principal instrumento capaz de dar efetividade ao princípio da precaução, uma vez que atua na prevenção do dano, e como se sabe, em termos de defesa ambiental, a prevenção é muito mais eficiente do que a reparação do dano, até porque em alguns casos os danos são irreparáveis ou de difícil e duradoura reparação.
4 - Regulação ambiental e urbanística: evolução do poder de polícia ambiental?
A eficiência ambiental é um tema novo assim como a regulação ambiental. Constitui forma de garantia e efetividade do artigo 225, §1º da Constituição Federal de 1988, que determina ser incumbência do poder público a exigência de estudo prévio de impacto ambiental (daí o caráter preventivo) sempre que uma determinada obra ou atividade for considerada com capaz de causar significativa degradação ambiental. Note-se que o constituinte até admite o impacto ambiental, até porque toda e qualquer intervenção humana no ambiente natural causa desequilíbrios, por menores que sejam. Diante deste quadro, percebe-se que a Constituição brasileira não é “ecoxiita”, ela apenas se preocupa com aquele dano capaz de alterar sobremaneira as características ambientais a ponto de revelar reflexos prejudiciais à sociedade humana.
Percebe-se diante do exposto, que a Constituição brasileira assegura a adoção de medidas por parte do Estado para proteger o homem, uma vez depende dos valores humanos para a determinação do que é impacto ambiental significativo ou não. Em termos filosóficos, um impacto significativo para determinados seres vivos pode não ser para os humanos. Faz-se esta exposição apenas para mostrar que apesar de ser considerada uma “Constituição verde”, a Constituição Federal de 1988 quis delimitar o espaço de discricionariedade das políticas ambientais aos interesses humanos.
Pelo que se observa, é possível a instalação e operação de obra ou atividade sem que se tenha a exigência de estudo prévio de impacto ambiental, desde que a Administração Pública, responsável pela análise do projeto, entenda (em seu juízo de discricionariedade) que tal empreendimento não é capaz de gerar significativa degradação ambiental.
Por esta razão, entende-se a existência do princípio da tolerabilidade do dano ambiental não significativo. Este fato, por si só gera preocupações, na medida em que se pensarmos em ingerências do Poder Público, motivadas por interesses escusos, nestes órgãos ambientais, os quais estão vinculados, direta ou indiretamente à Administração Pública Direta, verificar-se-á a fragilidade deste sistema.
A regulação ambiental é algo que merece especial atenção, principalmente devido às conseqüências que podem advir de uma ausência do Estado na correção de irregularidades, de uma falta de planejamento e da ausência de regulamentação quando as leis em sentido formal não forem aptas a evitar danos presentes e futuros.
A fiscalização constitui parte do poder de polícia do Estado, correspondendo à ação de verificação da conformidade entre as condutas praticadas ou não praticadas (omissão) com o que está previsto na hipótese legal, de modo que seja possível a aplicação das medidas corretivas necessárias ou, se for o caso, a aplicação de sanções. Constitui instrumento hábil para a concretização de políticas públicas ambientais e para a efetividade de diversos princípios constitucionais em matéria ambiental, sendo os principais o da precaução e o do desenvolvimento sustentável.
Os limites da fiscalização ambiental estão traçados nas leis formais, ou seja, nos produtos legislativos ou nas normas com força de lei, enquanto válidas (medidas provisórias), tendo como regulamentos de execução, em alguns casos, Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. São estas as balizas para a atuação dos agentes responsáveis pela fiscalização ambiental.
Verifica-se que parte da doutrina considera fiscalização ambiental e regulação ambiental como sendo termos sinônimos. Tal fato não pode ser assim entendido em razão das marcantes distinções existentes entre ambos os institutos. É certo que não se tem no Brasil uma teoria da regulação [11], uma vez que a Constituição, em nenhum momento definiu parâmetros que caracterizasse as agências reguladoras de modo que sua natureza jurídica fosse identificada com elementos próprios. O que se observa no Brasil é que cada uma das agências reguladoras possuem determinadas características, tendo apenas alguns pontos em comum, tais como mandato fixo de seus dirigentes, autonomia em suas decisões técnicas, entre outros. Desta forma, dúvidas não restam sobre a importância de uma reforma constitucional que possa estabelecer o regime jurídico das agências reguladoras. Tal fato, caso ocorra, certamente significará uma relevante contribuição para o desenvolvimento e melhoria das ações estatais em termos de regulação ambiental. Verifica-se então que a regulação ambiental constitui uma construção.
Já os limites da regulação ambiental estão traçados na própria Constituição Federal, sendo por esta razão uma atuação bem mais ampla do que a fiscalização ambiental. Seu principal objetivo é o motivo que leva a intervenção do Estado no domínio econômico e social, ou seja, o cumprimento da função social da propriedade, urbana ou rural.
Outro ponto, em termos de limites de atuação, que distingue a regulação ambiental da fiscalização é a função normativa dos órgãos administrativos independentes, que possuem a competência para editar normas, tanto por delegação normativa, quanto por atribuição própria, para dar cumprimento à fiel execução da lei, e ainda, para preencher as lacunas e omissões da lei, quando for necessário dar cumprimento aos deveres constitucionais do Estado (modificações trazidas pela EC nº 32/2001).
Desta forma, é possível afirma que os atos normativos e executivos das agências reguladoras têm por finalidade dar cumprimento a função social da propriedade, e ainda, proteger os direitos fundamentais da população, afastando toda e qualquer conduta atentatória aos princípios fundamentais da ordem constitucional brasileira, com ênfase no princípio da dignidade da pessoa humana.
O trato das questões urbanísticas está intimamente relacionado à temática do meio ambiente cultural e artificial, ou seja, ao meio ambiente produzido. Desta forma, quando aqui se fala da regulação ambiental deve-se compreender que o termo refere-se também à regulação urbanística.
Lançando-se sobre a temática aqui versada, Eros Roberto Grau traz à tona interessante reflexão: “Resultam enriquecidas, destarte, as funções atribuídas à Administração, que já não se bastam no mero exercício do poder de polícia, consubstanciado na fiscalização do exercício de atividades pelos particulares, mas agora compreendem também o poder de estatuir normas destinadas à regulação desse mesmo exercício. Ao exercerem a função normativa que lhes incumbe, órgãos e entidades da Administração dinamizam o que tenho denominado capacidade normativa de conjuntura”[12].
Por se tratar de uma nova forma de enxergar a atuação do Estado, espera-se que os debates atuais sobre regulação ambiental e urbanística, levantados por boa parte da doutrina nacional, evoluam e sirvam de substrato para a consolidação de um mecanismo mais eficiente de controle a eventuais danos coletivos e de concretização das políticas públicas.