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O retorno curricular da educação brasileira aos ensinamentos da Grécia Antiga

Agenda 23/06/2012 às 10:31

Analisando-se a história da educação, com foco na Grécia Antiga, verifica-se a preocupação dos educadores daquele país com a formação integral do cidadão, enquanto homem livre, através da educação física e intelectual.

RESUMO: O texto procura comparar a educação ministrada na Grécia antiga, voltada para os homens livres (cidadãos), com exclusão dos escravos, estes destinados aos trabalhos manuais, com a educação prescrita pela Constituição Federal Brasileira, para todos e com a finalidade de pleno desenvolvimento do homem e preparação para o trabalho. Compara as áreas de saberes ministradas na antiga civilização grega com o currículo mínimo previsto na Lei de Diretrizes e Bases, bem assim enfoca a tardia percepção, no Brasil, sobre a importância da educação integral para a formação do cidadão, conhecida plenamente na Grécia Antiga. Por fim, ressalta a importância do Direito Educacional, como recente ramo independente do Direito, ao compor-se de princípios próprios e fontes materiais e formais, a reforçar os ditames constitucionais que asseguram a educação como direito social fundamental.

PALAVRAS-CHAVE: Grécia Antiga, educação, Brasil


1 INTRODUÇÃO

 “Tudo que há de essencial na nossa civilização já se encontrava presente na Grécia”, sustenta Marrou, citado por Nathália Lipovetsky e Silva (2010, p. 2897). E de fato, é inegável a influência helênica nas artes, na cultura, no Direito, na educação e em outros saberes.

Como os interesses e a formação dos fatos históricos são cíclicos, caracterizados por aproximação e abandono de ensinamentos e projetos, embora nem sempre adotadas, as ideias gregas dos séculos XII a II a.C,  que remontam a Homero e ao período helenístico, são estudadas por diversas gerações e povos e volta e meia são resgatadas por um deles. Dentro desse movimento de oscilação pendular, percebe-se no mundo contemporâneo, em especial na educação brasileira, o retorno do ideal grego da paideia ou educação integral.

Desta forma, propõe-se neste texto, a partir de pesquisa bibliográfica e revisão de literatura, enfrentar o tema, buscando apresentar visão geral da história da educação na Antiguidade, mais precisamente, na civilização grega, e estabelecer relações entre as áreas de saber priorizadas pelos helênicos e que atualmente voltam a fazer parte das diretrizes curriculares no Brasil, como meio de atingir o desenvolvimento da pessoa humana, inclusive para o trabalho, do qual, curiosamente, não se ocupavam os gregos “educados”.


2 DESENVOLVIMENTO

Comentar sobre a história da Educação, ainda que an passant, implica relembrar que sempre foi muito mais vista pelo lado do desenvolvimento da pedagogia do que como ordenação cronológica de fatos selecionados e  construídos ou reconstruídos e interpretados, a partir de métodos diversos. Como salienta Aranha (2006, p.24), “conhece-se melhor a história da pedagogia ou das doutrinas pedagógicas do que propriamente das práticas efetivas da educação.” Pode ser dividida, portanto, como disciplina de um curso ou como atividade científica de busca e interpretação das fontes, para melhor conhecer o passado e o presente, sendo importante frisar que deixou ser um apêndice da história geral apenas no século XIX (ARANHA, 2006).

Assim como em outras áreas do saber, a cultura grega da Antiguidade teve influência nos caminhos da educação. Essa civilização adotou o dualismo escolar, o qual, segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha (2006), “indica a diferenciação entre os destinados aos estudos e os voltados à preparação para o trabalho ou ofícios especializados, ocorrendo um tipo de ensino para o povo e outros para os filhos dos nobres e altos funcionários”. Pode ser entendido, portanto, como diferenciação entre o ensino da elite ou classes mais abastadas e do povo em geral, bem como oposição ao que Aranha (2006) denomina de educação difusa, transmitida por todos a todos, notadamente pelo exemplo e convívio, adotada nas sociedades tribais.

O dualismo escolar passou a ser empregado quando as sociedades se tornaram complexas, com formação de castas sociais e criação de hierarquia e poder.  Os gregos não foram os primeiros a adotar essa modalidade educacional, já que os registros históricos demonstram que outras civilizações orientais também a adotaram, a exemplo dos egípcios, no final do quarto milênio a.C. Porém, deles os gregos se diferenciaram, pela preocupação com a demonstração de princípios ou leis científicas, como ocorreu com as relações entre catetos e hipotenusa, assunto já conhecido pelos egípcios, sem a preocupação da elaboração de teorema, o qual  veio a ser demonstrado pelo grego Pitágoras (ARANHA, 2006).

A Grécia Antiga tinha o homem no centro de seu pensamento, perceptível pela forma humana dos seus deuses, pela preocupação com a perfeição humana e ideal de beleza também na escultura e na pintura (SILVA, 2010). Para tanto, a educação grega contemplava estudos de artes, educação física, inicialmente guerreira e militar, posteriormente orientada para os esportes. Concentrava-se, ainda, nas sete artes liberais, compostas por três disciplinas humanísticas (gramática, retórica e dialética) e quatro científicas (aritmética, música, geometria e astronomia). Devido à influência dos filósofos, o polo predominante de formação física na educação grega voltou-se  para a espiritual, no ensino superior (ARANHA, 2006).

Nem todos tinham acesso à educação. Somente os filhos das classes mais elevadas, já que os escravos, sequer considerados cidadãos, eram treinados para trabalhos manuais ou “artes servis”, considerados aviltantes para o cidadão grego, que deveria se ocupar de outros pensamentos. Tanto que escola (scholé), que significava, em grego, “o lugar do ócio”, indicava o local em que os meninos gregos eram conduzidos para receber educação, dedicando-se a “funções nobres, como pensar, governar e guerrear” (ARANHA, 2006, p.62), deixando as atividades e cuidados para  a subsistência aos escravos.

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Davam os gregos ênfase à formação integral do ser  humano, designada pela palavra paideia. De acordo com Nathália Lipovetsky e Silva (2010, p. 2897), “o modelo de formação grego mantém até os dias de hoje sua atualidade e deveria ser adotado pela escola brasileira para formar pessoas para o efetivo e concreto exercício da cidadania, no lugar de apenas educar ou pretender educar as crianças com uma instrução meramente técnica”.

A busca pela formação integral na educação brasileira pode ser observada em seus parâmetros curriculares mínimos. Nos termos do artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.394/96, reproduzindo-se conteúdo disposto no artigo 225 da Constituição Federal, coloca-se como finalidade da educação o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Quanto ao currículo mínimo da Educação Básica, o mesmo diploma legal aponta o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, o ensino da arte, inclusive em suas expressões regionais, a educação física, o ensino da História do Brasil, levando em conta  as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna (a partir da quinta série), música, princípios da proteção e defesa civil e educação ambiental, direitos das crianças e dos adolescentes, estudo sobre os símbolos nacionais e ensino religioso (arts. 26, 26-A, 32, §§ 5º e 6º, 33).

Paralelamente, são desenvolvidos programas financiados pelo Governo Federal, como o Mais Educação, que reforçam o conteúdo curricular mínimo, “através de atividades optativas, agrupadas em macrocampos, como acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, educomunicação, educação científica e educação econômica” (BRASIL, 2012)

Caminha-se em direção ao aumento da carga horária, com a educação em tempo integral, entendida como um mínimo de sete horas de permanência do aluno na escola.  Em 2009, o Programa Mais Educação atendeu 5 mil escolas, 126 municípios, de todos os estados e no Distrito Federal, implicando complementação da formação de 1,5 milhão de estudantes, inscritos pelas redes de ensino (BRASIL, 2012).

Inúmeras discussões são travadas entre estudiosos sobre a educação em tempo integral. Há rejeição da escola como um “clube”, sem uma função social definida, como observa a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Yvelise Arco-Verde, ou como um “playground”, como coloca a psicopedagoga Evelise Maria Labatut Portilho, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR),  quando há mero oferecimento de atividades de caráter lúdico no contraturno, desvinculadas das disciplinas básicas, sendo que o  “currículo deve ser pensado de maneira ampla, envolvendo os dois períodos dentro do planejamento”(JARETA, 2011).

Outra discussão dá-se sobre a distância entre o tempo oficial e o realmente utilizado para a aprendizagem do aluno em sala de aula, concedendo-se os descontos para  os  fatores que diminuem a jornada escolar,  como feriados, problemas climáticos, greves, licenças médicas, até reduções de tempo dentro da própria sala,   com a manutenção da disciplina dos alunos e organização das classes, como relembra o professor Sérgio Martinic, da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Chile (TODOS PELA EDUCAÇÃO).

Verifica-se, portanto, que a  “novidade” na educação brasileira de ocupação do aluno com artes, música, dança, teatro, com ampliação de sua permanência diária na unidade escolar, já era aplicada pelos gregos na Antiguidade. Demorou-se a perceber o que já era de domínio na Grécia Antiga e ainda não se conseguiu estender a formação integral a todas as escolas.

Esses ciclos de ampliação e redução de currículos, aumento ou diminuição de carga horária na escola e até mesmo da importância ou não da educação como valor da humanidade afetam e são sumulados, inclusive, em termos de legislação.  Tanto é que as Constituições Federais de 1936, 1946 e 1988, com carga democrática, guardam, entre si, muitos pontos comuns no que se refere ao regramento da educação, a exemplo de previsão de linhas gerais de um plano nacional de educação, destinação e vinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento de ensino e competência da União para traçar as diretrizes da educação nacional. A Constituição Federal de 1988, entretanto, é a mais pródiga de dispositivos regulamentando a educação, no total de quarenta dispositivos, como bem apanhado pelo Ministro Ayres Britto, em recente julgamento no Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2011) .

Com tanta mudança panorâmica no norte legislativo da educação, tornou-se mais do que conveniente, até mesmo preemente, o desprendimento de seu estudo, consolidando-se como um ramo independente do Direito. As normas sobre educação ganharam corpo próprio, princípios e até mesmo possibilitaram a formação de precedentes judiciais, quando invocadas nas Cortes Judiciárias. De outra parte, “a educação, enquanto dever do Estado e realidade social não foge do Direito” (RAPOSO, 2005).

Dessa maneira, o direito educacional iniciou-se em outubro de 1977, no 1º Seminário de Direito Educacional, realizado em Campinas (SP). Segundo Nelson Joaquim (2006, p.01), “o primeiro importante trabalho para sistematização do direito educacional foi publicado em 1981 pelo educador e jurista [Renato] Alberto Teodoro Di Dio”, com o título “Contribuição à sistematização do direito educacional”. Como precursor desse ramo independente, ficou em dúvida sobre a expressão mais apropriada, se direito da educação, direito educacional ou direito educativo, repelindo a primeira, por poder soar como galicismo, e a última, por carregar a conotação de algo que educa. Optou, então, pela expressão Direito Educacional, a qual vem sendo consagrada no meio jurídico (JOAQUIM, 2006).

Atualmente, a educação, no Brasil, está prevista no artigo 6º da Constituição Federal. Mais do que ser o primeiro dos direitos sociais,  para Beatriz de Castro Rosa a educação “foi positivada como direito fundamental e subjetivo, sendo parte integrante do direito à vida” (ROSA, 2010).

É através da educação que se atinge a cidadania, assim entendida como “o conjunto e a conjugação de direitos civis, sociais e políticos assegurados aos membros de uma determinada sociedade. Tais direitos adquirem efetividade através do exercício das liberdades individuais, da participação política e do acesso a bens de consumo e proteção social” (ROSA, 2010).


3 CONCLUSÃO:

Analisando-se a história da educação, com foco na Grécia Antiga, verifica-se a preocupação dos educadores daquele país, constituído, à época, como cidades-estado, com a formação integral do cidadão, enquanto homem livre, através da educação física e intelectual.

No Brasil, com a Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, a educação foi elevada a direito social fundamental, essencial para a cidadania. Entretanto, embora diretrizes curriculares tenham previsão legal, nem todas as matérias que eram ministradas pelos gregos na Antiguidade são efetivamente praticadas nas escolas brasileiras nos dias atuais.

Em contrapartida,  a educação, prevista no Brasil como direito fundamental para todos, com forte carga preparatória  ao trabalho e desenvolvimento do cidadão, curiosamente, na Grécia Antiga, era seletiva, por não admitir escravos,  e afastava o homem livre do trabalho manual.  Outro paradoxo histórico pode ser apontado no fato de que a educação, tida como “libertadora” por educadores como Paulo Freire, na Grécia antiga contava com “escravos pedagogos”, a quem incumbia acompanhar os meninos na alfabetização, conduzindo-os à palestra, local adequado para a educação física, e ao citarista ou professor de cítara, para a educação musical (ARANHA, 2006).

Dessa forma, houve mudanças no direito fundamental à educação ao longo dos tempos. O estudo da história da educação é essencial para acompanhar essa evolução, assim como o surgimento do Direito Educacional, como ramo independente, sem dúvida alguma é instrumento para a busca da efetividade desse direito subjetivo público, bem assim, de sua defesa. Como salienta Rosangela Côrrea da Rosa, Promotora de Justiça no Rio Grande do Sul, “leis são conquistas históricas que avançam e retrocedem”. Em assim sendo,  a afirmação do Direito Educacional como direito especializado poderá representar mais um fator de permanência da educação como direito de todos no cenário legislativo brasileiro.


REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da Pedagogia geral e Brasil. 3. Ed. São Paulo: Moderna, 2006.  384p.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil . Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.  Acesso em: 12 jun. 2012.

_____. Lei nº 9.394, de 20 dez. 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Diário Oficial, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>.  Acesso em: 12 jun. 2012.

_____. Ministério da Educação. Mais Educação. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12372&option=com_content&view=article>. Acesso em: 12 jun 2012.

_____. Supremo Tribunal Federal. STF julga constitucional política de cotas na UnB.Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206042> Acesso em: 30 abr. 2012.

JARETA, Gabriel. Mais tempo para quê? Revista Educação Uol. São Paulo, edição 156, agosto 2011. Disponível em <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/156/artigo234746-1.asp>. Acesso em: 12 jun 2012.

JOAQUIM, Nelson. Direito educacional: o quê? para quê? e para quem?. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 693, 29 maio 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6794>. Acesso em: 11 jun. 2012.

MARROU, Henri-Irénée, apud SILVA, Nathália Lipovetsky e. A Paideia Grega como contribuição para a realização da Justiça através de uma educação para a cidadania e os direitos humanos. In: Encontro Nacional do CONPEDI, 19, 2010, Fortaleza-CE. Anais... Florianópolis: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito, 2010. p. 2.896-2913. Disponível em:< http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4172.pdf%20>. Acesso em: 10 jun 2012.

RAPOSO, Gustavo de Resende. A educação na Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 641, 10 abr. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6574>. Acesso em: 12 jun. 2012.

ROSA, Beatriz de Castro. Direito e Educação um olhar ao acesso à cidadania. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4195.pdf> . Acesso em 10 jun 2012.

ROSA, Rosangela Côrrea. Palestra Piso Salarial e Plano de Carreira,  proferida no I Encontro Estadual de Educação, no Ministério Público do Estado da Bahia, em Salvador, 31 maio 2012.

TODOS PELA EDUCAÇÃO, 19 set 2011.  Temos de repensar as relações da comunidade com a escola.

Disponível em <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/noticias/18949/temos-de-repensar-as-relacoes-da-comunidade-com-a-escola/> Acesso em: 12 jun 2012.

Sobre a autora
Karina Gomes Cherubini

Promotora de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Pública pela Faculdade de Ilhéus. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHERUBINI, Karina Gomes. O retorno curricular da educação brasileira aos ensinamentos da Grécia Antiga. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3279, 23 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22050. Acesso em: 22 dez. 2024.

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