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Ação rescisória ou ação anulatória: meios de impugnação das decisões em execução

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Agenda 21/06/2012 às 11:15

Investiga-se o remédio processual adequado – ação rescisória ou ação anulatória – para a impugnação das decisões proferidas em relação aos atos da remição, arrematação, adjudicação, renúncia e transação ocorridas no curso do processo de execução das sentenças trabalhistas.

1 Aspectos introdutórios

Num primeiro momento, a título de esclarecimento, é importante mencionar que são possíveis de ser encontradas inúmeras espécies de decisões no processo de execução, e, por tal razão, torna-se inviável um minucioso estudo acerca de cada uma delas. Em face disso, haverá apenas a análise acerca do meio hábil de impugnação às decisões que se referem à remição, adjudicação, renúncia e transação.

Não se pode negar que, muito embora a legislação processual civil faça previsão expressa à existência de ação rescisória (CPC, art. 485) e da ação anulatória (CPC, art. 486), infelizmente não descreve com precisão em quais hipóteses haverá a incidência de um ou de outro remédio processual. Diante da ausência de especificação, há certa confusão quanto ao manejo destas duas espécies de ações, e isso ocorre com certa freqüência, com grande divergência no campo doutrinário e jurisprudencial.

Aliás, além de as normas de direito processual civil não terem especificado os casos de cabimento de uma ou de outra espécie de ação, prova uma confusão ainda maior, quando o art. 486 do CPC, ao se referir à ação anulatória, utiliza-se da expressão rescindir.

É importante assinalar, por outro lado, que, no âmbito trabalhista, a utilização da ação rescisória e da ação anulatória se dá por aplicação do princípio da subsidiariedade, em face da lacuna legislativa e plena compatibilidade com o Processo do Trabalho (CLT, art. 769). Tendo em vista que não se tratam de ações que têm a sua regulamentação neste ramo de processo, a legislação trabalhista limita-se apenas a fazer breves menções (p.ex., art. 678 e 836), embora sejam perfeitamente admitidas na Justiça do Trabalho.

Desta forma, não há vedação quanto à admissão da ação rescisória e ação anulatória no Processo Trabalho, em face de sua compatibilidade com o processo comum, sendo perfeitamente possível a sua utilização também no âmbito do processo de execução das sentenças trabalhistas, exatamente onde poderão ocorrer divergências quanto à adjudicação e à arrematação. Também nesta fase processual, em determinadas ocasiões, certamente haverá controvérsia envolvendo eventual transação ou renúncia ao crédito perseguido em execução.

A pretensão deste estudo, portanto, a título de contribuição para a análise da controvertida questão, consiste exatamente em verificar qual o remédio processual adequado para a impugnação das decisões proferidas – ação rescisória ou ação anulatória -, no que tange à remição, arrematação, adjudicação, renúncia e transação eventualmente ocorrida em sede de execução trabalhista.


2 Ação rescisória – aspectos gerais

Na legislação processual civil, de maneira expressa, há disposição no sentido de que pode ser qualificada como coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (CPC, art. 467), e, como efeito, dispõe que a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (CPC, art. 468). Isso tem por objeto a segurança jurídica no âmbito das relações sociais.

Note-se, portanto, que a coisa julgada tem o condão de tornar imutável a decisão que obteve o seu trânsito em julgado, impondo limitações às novas e eventuais discussões que possam surgir acerca do objeto do processo onde houve a prolação da sentença[1]. Ocorre, entretanto, que, mesmo com a característica da imutabilidade, não existe o caráter absoluto da indiscutibilidade de uma sentença, tendo em vista que, em determinadas e excepcionais ocasiões (CPC, art. 485), será possível o manejo do remédio processual adequado para promover a discussão de questões já decididas (CLT, art. 836). Trata-se da ação rescisória.

Segundo o entendimento de Manoel Antônio Teixeira Filho, a ação rescisória é aquela por meio da qual se pede a desconstituição, da coisa julgada, nos casos previstos em lei, podendo haver novo julgamento da causa[2]. Por sua vez, José Carlos Barbosa Moreira compreende a ação rescisória como a ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada[3].

Para os processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, a ação rescisória é aquela destinada precipuamente a obter a anulação (e não a declaração de nulidade) da coisa julgada formal sobre a decisão judicial, permitindo, então, por conseguinte, a revisão do julgamento. Complementando, ressaltam que o objetivo da ação rescisória é desconstituir a força da coisa julgada (eficácia preponderante anulatória), já que a sentença transitada em julgado presume-se, até prova em contrário, válida e eficaz[4].

No que tange à natureza jurídica da ação rescisória, Vicente Greco Filho afirma que se trata de uma ação de natureza constitutiva negativa porque modifica o mundo jurídico, desfazendo a sentença transitada em julgado, podendo conter também outra eficácia quando a parte novo julgamento em substituição do rescindido[5]. Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, trata-se a ação rescisória de uma ação autônoma de impugnação, de natureza constitutiva negativa quanto ao juízo rescindendo, dando ensejo à instauração de outra relação processual distinta daquela em que foi proferida a decisão rescindenda[6].

Acerca desta questão, reconhecendo a natureza de decisão constitutiva, Humberto Theodoro Júnior ressalta que a ação rescisória visa a rescindir, a romper, a cindir a sentença como ato jurídico viciado, mas, neste caso, o termo ‘nulidade’, usualmente empregado pelos processualistas para caracterizar a sentença rescindível, tem, na verdade, um significado diferente daquele que se atribui aos vícios dos demais atos jurídicos. Afirma, também, que não se trata nem de sentença nula nem de sentença anulável, mas de sentença que, embora válida e plenamente eficaz, porque recoberta pela coisa julgada, pode ser rescindida. Menciona, porém, que rescindir, em técnica judiciária, não pressupõe defeito invalidante, mas é simplesmente romper ou desconstituir ato jurídico, no exercício de faculdade assegurada pela lei ou pelo contrato (direito potestativo)[7].

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Encerrando a questão sobre a natureza jurídica da ação rescisória, José Frederico Marques afirma que a sentença transitada em julgado é válida e eficaz, ainda que contenha ‘errores in procedendo’ ou ‘errores in judicando’, e também é imutável entre as partes. Sustenta que é válido e irrevogável o julgamento que passou em julgado, e, diante disso, a ação rescisória que se propuser para invalidá-lo, tem caráter constitutivo. Afirma que ela destina-se a anular ato estatal plenamente eficaz e com força de lei entre as partes, e não a declará-lo nulo, pois o julgamento coberto pela ‘res judicata’ será tão somente anulável[8].

Embora possa ocorrer eventual divergência terminológica, no que tange à anulação ou rescisão do julgado, o que seria facilmente esclarecido num estudo mais aprofundado[9], trata-se, na verdade, apenas de controvérsia quanto ao termo adequado para designar a pretensão deduzida em sede de ação rescisória, mas, quanto a esta não existe dissonância, tendo em vista que esta modalidade de ação visa desconstituir uma decisão anterior, já com o trânsito em julgado.

Verificado o objeto da ação rescisória, e, lembrando-se que a rescisão ou desconstituição do julgado se trata de uma hipótese excepcional, e não regra, somente em decorrência de situações devidamente especificadas na legislação é que será admitido o manejo desta espécie de ação. Devem ser observados, portanto, os pressupostos genéricos e específicos para o ajuizamento da ação rescisória.

Em sede doutrinária, quando se trata de pressupostos genéricos, não há divergência quanto ao fato de que somente pode ser objeto de desconstituição a sentença de mérito, consubstanciada naquela que acolhe ou rejeita o pedido formulado na petição inicial (CPC, art. 269, inciso I), tendo em vista que, não se tratando de sentença desta natureza, visto que eivada de algum vício (CPC, art. 267), salvo em determinados casos – como, por exemplo, a litispendência e a coisa julgada –, poderá perfeitamente ocorrer a renovação da instância, com o ajuizamento de nova ação visando a discussão anterior, visto que a extinção do processo anterior não obsta esse direito (CPC, art. 268). É imprescindível, porém, que a sentença já tenha tido o trânsito em julgado, não mais sendo passível de impugnação mediante recurso no âmbito do mesmo processo (TST, Súmula n° 299)[10].

Por outro lado, os pressupostos específicos para a utilização da ação rescisória são aquelas hipóteses descritas nos incisos do art. 485 do CPC, tais como: I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.

Ao tratar das hipóteses de cabimento e da excepcionalidade da ação rescisória, Cândido Rangel Dinamarco sustenta que os nove incisos do art. 485 do Código de Processo Civil revelam o juízo do legislador acerca desses vícios excepcionais, que justificam a quebra da coisa julgada material apesar do valor que ela tem. Prosseguindo, ressalta que fora dos casos ali indicados, é ‘juridicamente impossível’ eventual demanda de rescisão, pois se trata de situações em que, independentemente das particularidades concretas ou mesmo do modo como a sentença ou acórdão haja julgado a causa, a couraça da coisa julgada é mantida invulnerável pelo legislador[11].

Também neste sentido, entendendo pela taxatividade das hipóteses de cabimento da ação rescisória, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart sustentam que há situações (excepcionalíssimas, aliás) em que tornar indiscutível uma decisão judicial, por meio da coisa julgada, representa injustiça tão grave, e solução tão ofensiva aos princípios que pautam o ordenamento jurídico, que é necessário prever mecanismos de revisão da decisão transitada em julgado. Ocorre, porém, que o cabimento da ação rescisória limita-se a casos extraordinários, expressamente enumerados em lei, através do art. 485 do CPC[12].

Em sua lição, José Carlos Barbosa Moreira sustenta que as hipóteses descritas no art. 485 do CPC são taxativas, tendo em vista que a enumeração ‘exaure’ as hipóteses de rescindibilidade, sendo que não é possível cogitar-se de outras quaisquer, nem mediante recurso à analogia. Adverte, porém, que é lícita a interpretação extensiva, que se limita a revelar o verdadeiro alcance da norma, quando a lei ‘minus dixit quam voluit’: assim, por exemplo, /.../, a referência à ‘confissão’ abrange também o reconhecimento do pedido[13].

Por sua vez, em que pese entenda que também seja taxativo o rol das hipóteses previstas nos incisos do art. 485 do CPC, não sendo possível a ação rescisória fora de alguma destas situações, Manoel Antônio Teixeira Filho sustenta que este ponto de vista não deve, porém, ser interpretado como obstativo da possibilidade de buscar-se descobrir o verdadeiro sentido do preceito legal (incisos I a IX), podendo-se, nesta investigação, ampliar-se a ‘mens legis’ para revelar-lhe o real alcance[14], deixando bem claro que sem que isso implique em alargamento das causas enumeradas pelo citado dispositivo[15].

Note-se, portanto, que é praticamente inexistente divergência doutrinária acerca da taxatividade das hipóteses previstas nos incisos do art. 485 do CPC como pressupostos específicos para o ajuizamento da ação rescisória, mas, por outro lado, não se pode tê-los de maneira absoluta, sendo que, mesmo não possuindo um caráter exemplificativo – mas descrição taxativa –, as situações fáticas do cotidiano podem ser interpretadas de maneira a se amoldarem àquelas vislumbradas pela lei, na busca da efetividade da intenção do legislador quando tratou da matéria.

Outro aspecto importante a ser observado gira em torno do prazo para a propositura da ação rescisória, sendo que, acerca disso, a lei dispõe que o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão (CPC, art. 495). Tanto em sede doutrinária[16] como jurisprudencial, compreende-se que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória é decadencial, contado do dia imediatamente subseqüente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não, e, ainda, prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subseqüente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense (TST, Súmula n° 100, itens I e IX)[17].

A Súmula n° 194 do Tribunal Superior do Trabalho dispunha que as ações rescisórias ajuizadas na Justiça do Trabalho serão admitidas, instruídas e julgadas conforme os arts. 485 "usque" 495 do Código de Processo Civil de 1973, sendo, porém, desnecessário o depósito prévio a que aludem os respectivos arts. 488, II, e 494. No que tange ao depósito prévio, o art. 836 da CLT também dispunha acerca de sua desnecessidade. Era pacífica, portanto, a dispensa da realização de depósito prévio previsto na legislação processual comum.

Ocorre, entretanto, que, com a promulgação da Lei 11.495, de 22 de junho de 2007, com vacatio legis de 90 (noventa) dias, alterou-se a redação do art. 836 da CLT, passando a exigir a realização do depósito prévio de 20% (vinte por cento) do valor da causa, salvo prova de miserabilidade jurídica do autor. A nova disposição legal já acarretou o cancelamento da Súmula 194 do Tribunal Superior do Trabalho – Resolução n° 142, de 15 de outubro de 2007 –, tendo em vista que, agora, por expressa disposição de lei, passa a ser exigível a realização do depósito para a propositura da ação rescisória.

Por fim, é importante mencionar que, em regra, a competência originária para conhecer e julgar a ação rescisória é do tribunal imediatamente superior ao órgão prolator da decisão questionada. A súmula n° 192 do Tribunal Superior do Trabalho traz algumas diretrizes no que tange à competência originária em matéria de ação rescisória.

Tendo em vista o objeto do presente estudo – ação rescisória e ação anulatória como meios de impugnação de decisões em fase de execução –, e, considerando-se a grande extensão da matéria ora abordada, em síntese, seriam estes os aspectos gerais mais importantes relativos à ação rescisória[18], com o intuito de servir de subsídio para as questões que serão mais adiante tratadas.


2 Ação anulatória – aspectos gerais

Na legislação processual civil, no âmbito das mesmas disposições dedicadas à ação rescisória – (Título IX – Do Processo nos Tribunais, Capítulo IV – Da Ação Rescisória) –, há expressa menção no sentido de que os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil (CPC, art. 486). Trata-se, portanto, da denominada ação anulatória.

Embora a legislação faça menção à rescisão de atos judiciais, na verdade não se trata de rescindir o ato jurídico – ao contrário do que ocorre no caso da ação rescisória, onde o ataque se dirige justamente contra a sentença prolatada –, mas, aqui, busca-se obter a anulação de um ato jurídico, o que demonstra a existência de uma impropriedade técnica na redação legal. É importante ressaltar, ainda, que não obstante lhes chame de ‘judiciais’, porque realizados ‘em juízo’, quer a lei referir-se a atos ‘das partes’, tendo em vista que ato praticado ‘por órgão judicial’ é insuscetível de ataque pela ação anulatória[19].

Pode-se compreender, portanto, que existe uma determinada espécie de atos jurídicos que, mesmo não dependendo de sentença para a sua validade ou, necessitando de uma decisão de caráter meramente homologatório[20], são anuláveis como os atos jurídicos de forma geral, com fundamento na legislação de qualquer ramo de direito material, em que pese haja expressa menção à lei civil. Neste caso, o que se pretende desconstituir não é a sentença – visto que esta não resolve a questão litigiosa –, mas o próprio ato jurídico eivado de algum vício capaz de gerar a anulação[21].

Segundo Cândido Rangel Dinamarco, é a ‘lei civil’ que rege a anulação dos negócios jurídicos, especialmente na disciplina que dá aos atos nulos por vício de consentimento e à sua anulabilidade. Salienta que a ação anulatória indicada pelo art. 486 do Código de Processo Civil são as ‘vias ordinárias’ regidas por este Código, a saber, um processo de conhecimento a ser instaurado perante a justiça de primeiro grau de jurisdição e principiado com a demanda em que a parte alegue o vício de consentimento (causa de pedir) e conclua pedindo a anulação do ato (‘petitum’) [22].

Sendo assim, verificado o seu objeto, pode-se concluir que a ação anulatória é o meio processual adequado para a obtenção da declaração de nulidade de ato jurídico praticado pelas partes no âmbito de um processo, com fundamento na legislação de quaisquer dos ramos de direito material, independentemente de haver ou não uma sentença homologatória quanto ao referido ato. A ação anulatória, em face da sua finalidade, tem nítido caráter constitutivo-negativo.

Ocorre, entretanto, que, de maneira evidente, existem certas dificuldades para a identificação dos casos em que deverá haver o manejo da ação anulatória, e os casos em que há de ser utilizada a ação rescisória, especialmente pelo fato de que o art. 486 do Código de Processo Civil faz menção à sentença meramente homologatória. Certamente não seria objeto de controvérsia a questão, caso a legislação não tivesse mencionado esta espécie de sentença. Vejamos.

Não há controvérsia, porém, quando o objeto da anulação é um ato jurídico que não necessitou de manifestação do juiz para a produção dos seus efeitos, porquanto não haverá sentença, o que afasta a idéia de ajuizamento de ação rescisória como meio de impugnação do referido ato, pois, como já visto, esta depende necessariamente da existência de uma sentença com trânsito em julgado e, por conseguinte, a presença da coisa julgada material. A dificuldade está naqueles casos em que se busca a anulação de ato jurídico que teve a sua validade reconhecida por uma sentença meramente homologatória.

A doutrina salienta que nem mesmo neste caso deverá haver controvérsia acerca do manejo do adequado remédio processual, tendo em vista que, embora o ato jurídico praticado pelas partes possua um invólucro sentencial, não há óbice à sua impugnação de forma direta, sem que haja a necessidade de rescisão da sentença prolatada. É importante mencionar que não é a ‘sentença’, mas o ‘ato homologado’, que constitui objeto do pedido de anulação – o que não quer dizer que a eventual queda do segundo deixe em pé a primeira[23].

Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart mencionam que a sentença homologatória, porque não é capaz de examinar o conteúdo do conflito, não é apta a criar a lei do caso concreto. Ressaltam, ainda, que não tem a sentença homologatória carga declaratória suficiente para certificar a vontade da lei no caso concreto, limitando-se a reconhecer que, formalmente, o ato realizado amolda-se aos ditames legais. Em face disso, toda a força decorrente das sentenças homologatórias, em verdade, não está precisamente na sentença, mas sim no ‘ato jurídico perfeito’ que ela reconhece, sendo que, diante dessa situação, o que se torna imutável, em razão da sentença homologatória, não é, exatamente, a sentença, mas o ato jurídico realizado, que, por enquadrar-se na categoria de ato jurídico perfeito, recebe o mesmo ‘status’ que a coisa julgada (art. 5°, XXXVI, da CF)[24].

Por sua vez, Cândido Rangel Dinamarco sustenta que embora o Código de Processo Civil inclua as sentenças que extinguem o processo ‘com julgamento do mérito’ aquelas que se limitam a homologar certos atos negociais celebrados entre as partes (transação, reconhecimento do pedido, renúncia ao direito – CPC, art. 269, incisos II, III e V), na realidade essas são ‘falsas sentenças de mérito’, porque o conteúdo substancial que apresentam é dado pelas próprias partes, não pelo juiz. Ressalta, ainda, que do juiz é apenas a própria homologação, com a qual empresta ao ato das partes a autoridade do Estado e o habilita a ter eficácia de título executivo[25].

Tratando da questão de maneira diversa, trazendo como exemplo a transação, Humberto Theodoro Júnior afirma que naquelas ocasiões em que a vontade das partes importa na resolução de uma lide existente no âmbito de um procedimento contencioso cuja ação se encontra em curso, não haveria que se falar em sentença meramente homologatória, tendo em vista que importa encerramento do processo com ‘julgamento do mérito’ (art. 269, n° III), e, conseqüentemente, produz a ‘coisa julgada material’ (arts. 467 e 468). Sustenta o autor que, neste caso, a autocomposição da lide é jurisdicionalizada pela homologação do juiz, que a encampa e chancela como se fora uma solução dada pela própria sentença[26].

Note-se, portanto, que não se trata de questão das mais fáceis a detecção de quando se trata de uma sentença meramente homologatória – por exemplo, a desistência da ação ou homologação de ato em jurisdição voluntária –, ou quando se trata de sentença propriamente dita, onde a resolução do mérito se deu com fundamento em ato jurídico praticado pelas partes. Na primeira hipótese, o remédio adequado será a ação anulatória, ao passo que, no segundo caso, a única forma de desconstituir o julgado será por meio de ação rescisória.

A questão relativa à transação, entretanto, poderá ser abordada com maior profundidade e especificidade em item próprio, tendo em vista que o presente estudo pretende tratar exatamente sobre os meios de impugnação das decisões em processo de execução, dentre elas a transação.

Regra geral, o prazo para o ajuizamento da ação anulatória tem natureza decadencial e será de 4 (quatro) anos, contado (a) do dia em que cessar a coação, (b) do dia em que se realizou negócio jurídico fundado em erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, e, ainda, (c) do dia em que cessar a incapacidade, no caso de atos de incapazes (CC/2002, art. 178, incisos I, II e III). Em outros casos, quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (CC/2002, art. 179).

Por fim, é importante mencionar que, tratando da questão de maneira específica em matéria trabalhista, nos termos da Orientação Jurisprudencial n° 129, da Seção de Dissídios Individuais II do Tribunal Superior do Trabalho, em se tratando de ação anulatória, a competência originária se dá no mesmo juízo em que praticado o ato supostamente eivado de vício[27].

Sobre o autor
Júlio Ricardo de Paula Amaral

juiz do trabalho em Londrina e doutorando em Direito Social pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Júlio Ricardo Paula. Ação rescisória ou ação anulatória: meios de impugnação das decisões em execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3277, 21 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22060. Acesso em: 22 dez. 2024.

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