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Fato gerador da contribuição previdenciária exequível na Justiça do Trabalho

Agenda 26/06/2012 às 16:01

O fato gerador da contribuição previdenciária sempre foi a prestação do serviço, por ser este o único fato capaz de, ao mesmo tempo, dar causa a remunerações pagas, devidas ou creditadas como retribuição pelo trabalho do obreiro.

Conforme previsão constitucional, compete à Justiça Trabalhista processar e julgar a execução, ex officio, das contribuições sociais decorrentes das sentenças que proferir (artigo 114, inciso VIII). A competência da Justiça do Trabalho instituída pela EC n. 20/1998 e ratificada pela EC n. 45/2004 limita-se a executar, de ofício, as contribuições previdenciárias previstas no artigo 195, I, a (devidas pelo empregador) e II (devidas pelo empregado), as quais incidem sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

Tais sentenças trabalhistas, no entanto, não são títulos executivos para a União, na medida em que esta não foi parte na fase de conhecimento do processo. Sabe-se que a execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível. A obrigação de pagar a contribuição previdenciária só se tornará líquida e certa quando for liquidada a obrigação contida na sentença trabalhista. Aí, então, será exigível a contribuição previdenciária.

Todavia, cumpre indagar: esta sentença trabalhista representa o fato gerador da contribuição da seguridade social?

Ainda são divergentes as opiniões nos diversos Tribunais especializados. Uma parte entende que o fato gerador das contribuições previdenciárias seria o efetivo pagamento das verbas deferidas no julgado ou do acordo homologado. Já para a outra parcela de juízes, o fato gerador do tributo seria bem anterior ao pagamento, já na época da prestação dos serviços pelo empregado.

Para justificar a opção pelo efetivo pagamento como marco inicial do fato gerador das contribuições previdenciárias, argumenta-se que o surgimento da obrigação tributária ocorre somente após a sua liquidação no processo judicial, quando delimitados os valores da remuneração e do tributo daí decorrente, sendo impossível cogitar qualquer obrigação tributária antes de apurado o quantum devido e disponibilizada a vantagem econômica para as partes. No entanto, nunca se afirmou na doutrina especializada que a obrigação tributária surgiria apenas com a apuração do seu quantum, com o seu lançamento. Inclusive, raciocinar de outra forma esbarra no parágrafo primeiro do artigo 113 do CTN[1].

Para os defensores desta corrente, os valores remuneratórios somente foram quitados em Juízo, nesse momento surgindo o fato gerador da tributação, conforme interpretação ao teor do artigo 195, I, da Constituição Federal e do artigo 30, I, b, da Lei 8212/91, considerada a natureza do título judicial.

Cabe ressaltar que a maioria das decisões judiciais que acolhem o pagamento como fato gerador das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho aponta entre suas razões de decidir o art. 276 do Decreto nº 3.048/1999, in verbis:

“Art. 276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença”.

Porém, a correta interpretação do art. 276 do Decreto nº 3.048/1999 aponta em direção oposta. O vencimento previsto no decreto é simplesmente o momento em que, após apurada a base de cálculo das contribuições sociais (liquidação de sentença) e fixado o montante tributário, o contribuinte e/ou responsável tributário têm para, espontaneamente, pagar o tributo, sem a necessidade de se iniciar a execução forçada. Não se pode inferir dessa regra que o pagamento assim realizado não terá no seu cômputo juros moratórios e multa, ou que esse seja o momento em que se dá o fato gerador. É uma regra meramente instrumental, processual, procedimental e não de direito material tributário.

Ademais, mesmo que essa norma descrevesse o fato gerador da contribuição previdenciária na Justiça Laboral, ainda assim seria regra inaplicável, pois a descrição do fato gerador é matéria reservada exclusivamente à lei.

Vejamos algumas jurisprudências do Colendo Tribunal Superior do Trabalho que pendem para esta corrente do pagamento como fato gerador:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA. O fato gerador do recolhimento da contribuição previdenciária é o efetivo pagamento dos créditos ao trabalhador, à luz do art. 195, I, “a”, da Constituição da República, e não a prestação dos serviços, como entendeu o

Tribunal Regional. A aparente ofensa ao referido dispositivo constitucional impõe o processamento do recurso de revista.

Agravo de instrumento provido.

RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E MULTA DE MORA. Sendo o fato gerador do recolhimento da contribuição previdenciária o efetivo pagamento dos créditos ao trabalhador, nos termos do art. 195, I, “a”, da Constituição da República, e, considerando que a obrigação principal só constitui o devedor em mora quando não cumprido o prazo legal previsto para a liquidação do débito, qual seja, até o dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença, conforme estatui o art. 276 do Decreto 3.048/99, somente se descumprido tal prazo é que se poderá falar em mora e, consequentemente, em juros e multa, como penalidades pelo atraso do pagamento, e não a partir da data da prestação dos serviços, como entendeu o Tribunal Regional.

Recurso de revista conhecido e provido. (TST- RR - 3824- 39.2010.5.02.0000 Data de Julgamento: 01/06/2011, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2011)”.

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Embora existam muitos defensores desta corrente, deve-se ter em mente que a apuração do débito previdenciário e o pagamento da remuneração se referem a uma situação pretérita, não sendo necessário muito esforço para descrevê-la, pois se trata da contraprestação do empregador pelos serviços do trabalhador, ou, nos termos da lei, a remuneração devida, não paga ou creditada (art. 22, I, da Lei nº 8.212/91).

Assim, a decisão do juiz do trabalho nada cria, apenas faz alusão a um fato passado, reconhecendo a existência de uma dívida tributária que não foi paga na época certa, quando da prestação dos serviços remunerados pelo trabalhador.

Por essa razão, o magistrado paulista SÉRGIO PINTO MARTINS, em sua obra intitulada Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho, categoricamente aduz que “mesmo que a verba não tenha sido paga, mas já era devida, o fato gerador já ocorreu e apenas será declarado na sentença”[2].

O curioso é que não há quem discuta a incidência dos encargos moratórios sobre a remuneração devida ao trabalhador desde a época da efetiva prestação dos serviços laborais. No entanto, soa contraditório pretender que somente as contribuições previdenciárias e, por consequência, os seus encargos moratórios, sejam devidos apenas com o pagamento, após a fase de liquidação.

Prevalecendo a tese do pagamento como fato gerador, surgirá uma situação inusitada na qual a mesma decisão judicial, reportando-se ao mesmo fato, as remunerações devidas e não pagas na época certa, determinará efeitos retroativos a favor do trabalhador e comando oposto para o fisco. Corroborar esse entendimento configura o contra senso de se deferir a atualização monetária aos valores devidos ao empregado, desde o momento que os débitos seriam devidos, e indeferir tal pleito à previdência em idêntica circunstância.

Não bastasse tudo isso, a aceitar-se que, em razão do fato gerador ser o pagamento ao empregado de seu crédito  e que  a multa e os juros somente  fossem devidos quando da disponibilização do crédito ao exequente,  estar-se-ia a “premiar” as empresas acionadas na Justiça Trabalhista, que já não cumpriram a legislação trabalhista no momento oportuno, e também ficariam isentas dos encargos decorrentes do não recolhimento da contribuição previdenciária no seu vencimento.

A fim de sanar a intensa divergência jurisprudencial ora apontada, a Medida Provisória nº 449/2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.941/2009, acrescentou o parágrafo segundo ao artigo 43 da Lei nº 8.212/1991, prescrevendo expressamente que as contribuições previdenciárias têm como fato gerador a prestação do serviço, e não o pagamento:

§ 2º  Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.

Como acima demonstrado, o fato gerador da contribuição previdenciária sempre foi a prestação do serviço, por ser este o único fato capaz de, ao mesmo tempo, dar causa a remunerações pagas, devidas ou creditadas como retribuição pelo trabalho do obreiro. A intenção da nova regra legal foi tão somente esclarecer, afastar as dúvidas que tanto assombram a jurisprudência.

A título de remate, cumpre-nos registrar que o Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu que a contribuição previdenciária dever ser calculada pelo regime de competência, cuja incidência de juros e multa deve ocorrer desde a prestação do serviço, verbis:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA AO CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. REMUNERAÇÃO. DEFINIÇÃO DO CRITÉRIO TEMPORAL: REGIME DE COMPETÊNCIA OU REGIME DE CAIXA. 1. Falta ao acórdão recorrido o debate acerca das questões específicas invocadas nas razões de recurso extraordinário. 2. Aplica-se à tributação da pessoa jurídica, para as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, calculadas com base na remuneração, o regime de competência. Assim, o tributo incide no momento em que surge a obrigação legal de pagamento, independentemente se este irá ocorrer em oportunidade posterior. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(RE-AgR - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – Rel. o Min. Joaquim Barbosa do STF – julgado em 01.03.2011)

Conforme já aventado, o fato gerador da contribuição dos empregados e dos empregadores para a seguridade social é determinado pela prestação do serviço, devendo o seu recolhimento ocorrer até o dia 20 do mês subsequente à sua competência, nos termos do art. 30, I, b (antes da edição da Lei nº 11.933/2009, o prazo era o dia 2 do mês seguinte ao da competência). E, se por qualquer motivo, o pagamento da remuneração não se der no mês subsequente ao que foi prestado o trabalho, a partir desta data incidem juros e multa moratória.

Assim vêm decidindo vários Tribunais Trabalhistas, a exemplo do TRT da 2ª. Região, conforme se depreende da ementa a seguir colacionada:

“O fato gerador é o mês da competência e não o do pagamento. Assim, incidem juros e multa de mora em decorrência do pagamento feito fora do prazo legal” (TRT, 2ª. R, 8ª. T, 00133200620302004, publicado em 08.10.2007).

Portanto, forçoso reconhecer que não ocorrendo o pagamento da contribuição à época da prestação do serviço, é cabível a incidência de juros e multa desde aquele período.

Em um apanhado geral, conclui-se que o fato gerador da contribuição previdenciária exequível na Justiça Trabalhista não deve ser o pagamento do salário, mas a relação laboral existente entre o empregador e o empregado. Dessa forma, o recolhimento da contribuição previdenciária deve ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário.


REFERÊNCIAS:

CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Execução de Contribuição Previdenciária pela Justiça do Trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

MARTINS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2. Ed., 2004.

OLIVEIRA, Francisco Antonio de. A Execução na Justiça do Trabalho. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.


Notas

[1] Art. 113. CTN. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. 3ª. edição. São Paulo: Editora Atlas, 2008. Página 36.

Sobre a autora
Claudia Gaspar Pompeo Marinho

Procuradora Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Claudia Gaspar Pompeo. Fato gerador da contribuição previdenciária exequível na Justiça do Trabalho . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3282, 26 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22110. Acesso em: 24 nov. 2024.

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