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Imóvel rural como unidade de exploração econômica.

Laudo agronômico de fiscalização e a classificação fundiária para fins de desapropriação para reforma agrária

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Agenda 07/07/2012 às 09:00

4. Aplicação do conceito de imóvel rural e conseqüências para caso concreto

Em caso concreto objeto de processo administrativo[13] em trâmite no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, surgiu divergência acerca da necessidade de elaboração de um Laudo Agronômico de Fiscalização único para todas as propriedades objeto de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, ou se seria um para cada gleba. É questão que dependia da interpretação jurídica a ser dada ao conceito de imóvel rural, tema este já consolidado no âmbito da Autarquia Agrária, tendo sido objeto de Notas Técnicas orientativas da Procuradoria Federal Especializada e da área técnica.

Naquele caso, tinha-se informação clara da área técnica da Superintendência Regional do INCRA no Estado de Tocantins no sentido de que todas as cinco glebas, com várias matrículas e um único proprietário, contemplavam a mesma forma de exploração econômica, a pecuária, com um centro administrativo único localizado em uma das Fazendas, onde ficavam os empregados.

Aplicou-se então pela Procuradoria Federal Especializada do INCRA/Sede (PFE/Incra/Sede) a orientação contida na NOTA TÉCNICA/AGU/PGF/PFE-INCRA/G/Nº 05/2008 (ACRH) no sentido de que “a expressão área contínua é entendida pela doutrina como sendo a continuidade do empreendimento, da utilidade econômica extraída do bem, e não do aspecto puramente físico, material, de indivisibilidade do bem. É por isso que o Decreto declara o interesse social, para fins de reforma agrária, sobre o imóvel rural, ainda que composto por distintas matrículas, pois a unidade de produção é uma só.” (grifamos)

A referida Nota fundamentou-se em manifestações anteriores emitidas no âmbito do Incra, a exemplo do parecer do Procurador Augusto José de Souza Ferraz, dotado de caráter normativo por ato do então Presidente do Incra Raul David do Valle Junior, que aprovou o Despacho/PJ-12/nº 207/95 da Procuradora-Geral da Autarquia à época, Dra. Othilia Baptista Melo de Sampaio, e ainda em vigor nos dias de hoje, o qual já concluíra que:

16 – (...) O sentido jurídico que o legislador atribuiu à expressão “área contínua” é exatamente o de utilidade econômica que reside intrinsecamente no conceito de imóvel rural, diz respeito ao empreendimento agrícola, pecuário, extrativo vegetal, florestal ou agroindustrial, que se emprega no imóvel.

Também no caso concreto foi feita menção ao posicionamento do então Coordenador-Geral Agrário, Dr. Bruno Rodrigues Arruda e Silva, manifestado no Despacho/PGF/PFE/INCRA/SR-03/Nº196/2008 (Processo nº 54140.001331/2006-95):

Na verdade, o conceito de imóvel rural, para o Direito Agrário, já foi sedimentado em várias decisões do Supremo Tribunal Federal e sua interpretação não comporta os estreitos limites propostos na análise supramencionada.

Isto porque o Excelso Pretório, ao contrário do que pretende o parecer técnico referenciado, distinguiu os conceitos de imóvel e de propriedade rural. O imóvel rural está associado à noção de unidade de exploração econômica voltada ao desenvolvimento de atividades agrárias, podendo ser formado por uma ou mais propriedades rurais. A propriedade rural, esta sim está relacionada à matrícula única definida. O imóvel pode ser formado por mais de uma matrícula, inclusive de proprietários diferentes, desde que digam respeito a áreas contínuas e contíguas que estejam exploradas de forma única. (grifamos)

Com efeito, a área técnica afirmara tratar-se de áreas não contíguas, mas que possuem a mesma forma de exploração econômica e pertencem ao mesmo proprietário, informando que as áreas de cinco Fazendas, tendo a rodovia Estadual TO nº 477 como referência, estão distantes aproximadamente da BR 040, que liga Natividade – Almas – Dianópolis, em 0,0 km, 20km, 15km, 50km e 70km, respectivamente.

Portanto, não obstante a divergência nos autos do processo administrativo sobre tratar-se de glebas de terras não contíguas, via-se pela informação técnica que se encontravam próximas, distando no máximo 20 km uma da outra. Da análise do mapa à contracapa dos autos, constatava-se que o que distava as duas grandes glebas compostas pelas maiores Fazendas é uma rodovia estadual. As duas grandes glebas perfaziam o total de área registrada de 2.718,6816ha a primeira e 5.913,5884ha a segunda, de forma que as distâncias relatadas de 15, 20, 50 e 70km em relação a determinado ponto de referência não pareciam constituir quebra de continuidade física a ponto de comprometer a assertiva de unidade de exploração econômica existente no imóvel como um todo. Assim, a PFE/INCRA/Sede orientou o setor técnico que elaborasse um único laudo agronômico de fiscalização para todas as propriedades, com fundamento na doutrina e legislação agrária, além da jurisprudência do STF.

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5. Conclusões

O direito agrário é dotado de autonomia científica em relação a outros ramos do direito e inclusive do direito civil. Antes de 2002, essa diferença era maior, haja vista que a propriedade regida pelo Código Civil de 1916 não era condicionada ao cumprimento do bem-estar social, sendo dotada de proteção ao direito individual do proprietário e predominava o princípio da autonomia da vontade das partes. Com o advento do Código Civil de 2002, eis que surge o direito civil constitucional, pelo qual a propriedade privada deve ser compreendida a partir da legalidade constitucional, o que significa afirmar a existência de novo conteúdo, tendo a função social como condicionante, fato que aproxima o direito civil do direito agrário, considerado este último como direito eminentemente social.

Porém, o direito agrário não perdeu a sua autonomia e esta pode ser verificada em especial quando da aplicação do conceito de imóvel rural aqui brevemente estudado. Conclui-se que este conceito não se confunde com o de propriedade rural, de forma que várias propriedades rurais, com matrículas e proprietários diferentes, mas em situação de continuidade econômica nos termos explicados no presente trabalho, podem configurar um único imóvel rural para fins de classificação fundiária em pequena, média ou grande propriedade improdutiva e suscetibilidade à desapropriação para reforma agrária, entendimento ratificado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Esse entendimento vai ao encontro dos anseios de centenas de trabalhadores rurais que dependem do sucesso da execução da política nacional de justa distribuição de terras para a própria subsistência, uma vez que evita manobras ardilosas de grandes proprietários rurais cujas propriedades são descumpridoras da função social, no sentido de fracioná-las em pequenas e médias com a finalidade de se furtar à intervenção do Estado por meio da denominada desapropriação-sanção para fins de reforma agrária.


6. Referências Bibliográficas

BORGES, Antonino Moura. Curso Completo de Direito Agrário. EDIJUR, 3ª Edição, São Paulo, 2009.

Brasil. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA. Lei 8.629/93 comentada por Procuradores Federais: uma contribuição da PFE/Incra para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Brasília: INCRA, 2011

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral, 6ª edição, Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007.

ROCHA, Ibraim, et. al. Manual de Direito Agrário Constitucional: lições de direito agroambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992.

REZEK, Gustavo Elias Kallás. Imóvel Agrário. Curitiba, Juruá, 2008.

OPTIZ, Oswaldo e Silvia. Tratado de direito agrário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, v. 1.


Notas

[1] ROCHA, Ibraim, et. al. Manual de Direito Agrário Constitucional: lições de direito agroambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 29.

[2] A Emenda Constitucional nº 10/64 serviu de lastro para a Lei nº 4.504/64, a qual instituiu o Estatuto da Terra, que constitui o diploma basilar do direito agrário brasileiro.

[3] BORGES, Antonino Moura. Curso Completo de Direito Agrário. EDIJUR, 3ª Edição, São Paulo, 2009, p. 86.

[4] Com o advento do Código Civil de 2002, que constitui o marco do direito civil constitucional, a propriedade privada deve ser compreendida a partir da legalidade constitucional, especialmente da regra dos arts. 5º e 170, significando afirmar a existência de novo conteúdo, afirmado pela função social como motor de impulsão. Ou seja, só há propriedade privada se atendida a função social. Difere, pois, de afirmar que a Lex Mater apenas teria imposto limites externos (a função social) à propriedade privada, que se manteria com o mesmo conteúdo. Exatamente com esse espírito, Aldemiro Rezende Dantas Junior, eminente civilista amazonense, esclarece com precisão: “a função social não é apenas um limite do direito de propriedade, mas integra o próprio conteúdo desse direito”.(FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral, 6ª edição, Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007, pp. 25/26).

[5]A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992, p. 80.

[6] REZEK, Gustavo Elias Kallás. Imóvel Agrário. Curitiba, Juruá, 2008, p. 48.

[7] Apud REZEK, Gustavo Elias Kallás. Op. Cit., p. 48.

[8] REZEK, Gustavo Elias Kallás. Op. Cit., p. 53. No entanto, é oportuno destacar a opinião do autor, para quem a continuidade econômica deve ser seguida pela proximidade física das áreas. A lei agrária ameniza o conceito da continuidade física do direito civil, mas não o despreza por completo. Deve-se analisar caso a caso, razão pela qual adota a expressão continuidade físico-econômica, que reflete a necessidade de continuidade econômica agregada à proximidade física entre as áreas passíveis de exploração.

[9] Tratado de direito agrário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, v. 1, p. 43.

[10] Lei 8.629/93 comentada por Procuradores Federais: uma contribuição da PFE/Incra para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Brasília: INCRA, 2011, pp. 65/66.

[11] O conceito de imóvel rural do art. 4º, I, do Estatuto da Terra contempla a unidade da exploração econômica do prédio rústico, distanciando-se da noção de propriedade rural. Precedente (MS 24.488, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 3-6-2005.) O registro público prevalece nos estritos termos de seu conteúdo, revestido de presunção iuris tantum. Não se pode tomar cada parte ideal do condomínio, averbada no registro imobiliário de forma abstrata, como propriedade distinta, para fins de reforma agrária. Precedentes (MS 22.591, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-11-2003 e MS 21.919, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6-6-1997.)” (MS 24.573, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 12-6-2006, Plenário, DJ de 15-12-2006.) No mesmo sentidoMS 24.294, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 24-2-2011, Plenário, Informativo 617; MS 26.129, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 14-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.

[12] Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

 I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

[13] Processo Administrativo nº 54.400.000821/2010-42. Ementa do PARECER Nº 94/2011/CGA/PFE/INCRA (JFC): GLEBAS “FAZENDA BOM DESCANSO E OUTRAS”; “FAZENDA ORATÓRIA E OUTRAS”; “FAZENDA GARRAFAS”; “FAZENDA LOTE 6 DO LOTEAMENTO PEIXINHO” E “FAZENDA LOTEAMENTO MARIA DA SERRA”. Município de Almas/TO. Proposta de expedição de decreto que declara imóvel rural de interesse social, para fins de reforma agrária. I. Informação técnica de que todas as cinco glebas, com várias matrículas e um único proprietário, contemplam a mesma forma de exploração econômica, a pecuária, com um centro administrativo único que atua em todas elas. II. Por ‘área contínua’, entende-se a continuidade da exploração econômica exercida pelo titular, a continuidade do empreendimento, da utilidade econômica extraída do bem, e não apenas continuidade do imóvel sob aspecto puramente físico, material, de indivisibilidade do bem. III. Possibilidade jurídica de desapropriação de imóvel para fins de reforma agrária inserido em Unidade de Conservação de Proteção Integral, considerando a caducidade do decreto que declara a área como de utilidade pública. Informação a ser ratificada pelo órgão gestor da UC, a saber, o ICMBio. IV. Questões de licenciamento ambiental que deverão ser submetidas à apreciação do ICMBio e do OEMA, em face da Resolução CONAMA nº 428/2010. V. Portaria Conjunta INCRA/ICMBio/nº 04, de 25 de março de 2010. Possibilidade de concessão de direito real de uso de área de domínio do Incra inserida em Unidade de Conservação Federal ao ICMBio. VI. Parecer pela restituição dos autos à SR-26/TO, com a sugestão de que seja elaborado um único Laudo Agronômico de Fiscalização.

Sobre a autora
Juliana Fernandes Chacpe

Procuradora Federal em exercício na PFE/Incra, em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHACPE, Juliana Fernandes. Imóvel rural como unidade de exploração econômica.: Laudo agronômico de fiscalização e a classificação fundiária para fins de desapropriação para reforma agrária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3293, 7 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22165. Acesso em: 22 nov. 2024.

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