5 MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
A Constituição do Estado do Rio Grande do Norte em muito se assemelha a Constituição Federal de 1988, principalmente no capítulo que trata do meio ambiente (Capítulo VI - arts. 150 a 154). No que tange à efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público estadual as mesmas disposições de tutela e conservação listadas no §1º do art. 225 da CF/88, com ressalva às suplementações que se fizerem necessárias à legislação federal, em face das peculiaridades locais.
No que é aplicável ao presente estudo, convém destacar que o art. 19, inciso VI, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte assevera que é da competência comum dos Estados e dos Municípios: (...) VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.
Vale destacar também que o art. 116, inserido no capítulo II (DA POLÍTICA URBANA), dispõe que: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
Por fim, merece destaque o art. 150, §1º, III, que reza que para assegurar a efetividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público definir, supletivamente à União, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
6 PLANO DIRETOR MUNICIPAL
É da natureza do Plano Diretor que ele seja um desdobramento da Lei Orgânica: ele estaria para a Lei Maior do Município, assim como o Estatuto da Cidade está para a Constituição Federal. Não seria de feitio ideal o Plano Diretor estabelecer detalhes, até porque ele engessaria normas que, de si, requerem adaptações constantes[20].
Desta forma, pode-se afirmar que os Planos Diretores estabelecem disposições mais específicas que as diretrizes gerais das Leis Orgânicas, Constituições Estaduais e Constituição Federal e até mesmo do Estatuto da Cidade, mas podem acabar sendo menos específicos que outras leis municipais, até porque sua função de ordenar o território urbano é basilar.
Diante destas considerações, vale concluir que o Plano Diretor constitui elemento fundamental para se pensar e realizar a função social da cidade, e ainda, da propriedade, uma vez que é atribuída a esta norma basilar do ordenamento urbano a implementação das políticas públicas norteadoras dos rumos a serem seguidos por cada cidade, de acordo com seus interesses e necessidades específicas[21].
7 ESTATUTO DAS CIDADES E DISCIPLINA DA POLÍTICA URBANA
A Lei nº 10.257/2001, conhecida por Estatuto da Cidade, regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e cria normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Trata-se de uma lei importantíssima, uma vez que nem todos os municípios possuem leis locais de ordenamento urbano, e quando isto acontece, suas disposições auxiliam na persecução dos objetivos da política urbana, fixando um mínimo de disciplina e ordem no estratégico crescimento da cidade, de modo a se gerar desenvolvimento.
O Estatuto da Cidade disciplina e reitera várias figuras e institutos do Direito Urbanístico, alguns já presentes na Constituição de 1988. Fornece um instrumental a ser utilizado em matéria urbanística, sobretudo em nível municipal, visando à melhor ordenação do espaço urbano, com observância da proteção ambiental, e à busca de solução para os graves problemas sociais, tais como moradia, saneamento, entre outros, que o caos urbano faz incidir sobre as camadas carentes da sociedade. No entanto, a edição do Estatuto não acarreta, automaticamente, os resultados pretendidos. Trata-se de um conjunto de figuras jurídicas, de um instrumental a ser operacionalizado em nível municipal, adaptado à realidade de cada cidade [22].
Com o Estatuto da Cidade há uma mudança de paradigma caracterizada pela análise da cidade e dos empreendimentos pontualmente considerados, a partir do direito urbano-ambiental. Este novo direito separa o direito de propriedade do direito de construir, não reconhece a propriedade se esta não cumprir com a função social[23], tem no Plano Diretor o instrumento principal da política urbana e o definidor da função social da propriedade na cidade, bem como reforça a gestão e os instrumentos para atuação municipal[24].
O artigo 2º desta lei dispõe que a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante dezesseis diretrizes gerais, das quais as previstas nos incisos I, IV e VI guardam maior relação com este trabalho. Vejamos ipsis litteris o que dispõem estes incisos:
“I – garantia do direito a cidades sustentáveis[25], entendido com o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
(...)
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem previsão de infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa do imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental.”
Como se vê, há uma preocupação do legislador ordinário com o cumprimento da função social da propriedade urbana, de modo a se evitar a ocorrência de danos ao meio ambiente urbano que, por sua vez, implicará em danos à saúde da população[26] e na degradação das características ambientais daquele local.
8 ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS
Como vimos em linhas anteriores, a Constituição Federal de 1988 incumbiu o Poder Público de definir em todas as unidades da Federação os espaços territoriais e os componentes a serem especialmente protegidos. Em seu sentido ecológico, pode-se afirmar que a expressão espaços territoriais e seus componentes remete á concepção de ecossistema, aqui entendido como parte integrante de um conceito mais amplo, o de biodiversidade. Sendo áreas representativas de ecossistemas, e portanto, portadora de atributos ambientais relevantes, esses espaços, sejam eles, públicos, sejam privados, devem sujeitar-se a um regime jurídico especial que assegure sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada[27].
No plano infraconstitucional, merece destaque o fato deque a Lei nº 4.771/1965, mesmo antes do advento da Constituição de 1988, já conferia especial proteção a determinados espaços territoriais. Trata-se das áreas de preservação permanente, assim entendidas aquelas cobertas ou não por vegetação nativa “com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxogênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”[28].
Merece lembrar que a Lei nº 6.902/1981 dispôs sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental. O art. 8º desta lei confere ao Poder Executivo (Federal, Estadual ou Municipal), quando houver relevante interesse público, o poder de declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais[29].
Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas limitando ou proibindo (art. 9º): a) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de água; b) a realização de obras de terraplanagem e abertura de canais, quando estas iniciativas importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais; c) O exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas; d) O exercício de atividades que ameacem extinguir, na área protegida, as espécies raras da biota regional[30].
No entanto, a lei mais importante para a proteção de espaços territoriais e seus recursos ambientais é a Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), vindo expressamente a regulamentar, entre outros, o inciso III do §1º do art. 225 da Constituição Federal.
O conceito de unidade de conservação foi estabelecido por esta lei, nos seguintes termos: “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.” De acordo com a Lei nº 9.985/2000, as unidades de conservação dividem-se em dois grandes grupos, Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável, cada um deles com características específicas. A criação de qualquer das categorias de unidades de conservação pertencentes ao grupo de proteção integral (Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre) ou de uso sustentável (Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva do Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural) dependerá de ato do Poder Público, devendo ser precedida de estudos técnicos e consulta pública (na maioria dos casos) (Lei 9.985/2000, art. 22). Uma vez instituídos, esses espaços passam a integrar o SNUC, um sistema constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estadual e municipais (Lei 9.985/2000, art. 23)[31].
Como se observa, é dever do município instituir limitações ao uso da propriedade privada quando o interesse público o justificar, e ainda, limitar o uso e ocupação do solo urbano, reservando áreas de interesse estratégico como no caso de áreas de recarga do aqüífero, entre outras, para sua devida proteção.
9 ZONEAMENTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE
A Lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, é sem dúvida a norma mais importante, após a Constituição Federal, no trato das questões ambientais, uma vez que revela que condutas o Estado brasileiro deve adotar para garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos do art. 225 da CF/88, e mais, revela que órgãos e como estes devem atuar na persecução deste objetivo.
Neste sentido, o art. 9º revela-se de grande utilidade prática, uma vez que descreve que instrumentos/mecanismos podem ser utilizados para dar efetividade à política ambiental desejada. Entre estes instrumentos está o zoneamento ambiental (inciso II), a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas (incisos VI).
O Zoneamento, em linhas gerais, é uma forte intervenção estatal no domínio econômico, organizando a relação espaço-produção, alocando recursos, interditando áreas, destinando outras para estas e não para aquelas atividades, incentivando e reprimindo condutas, etc. O Zoneamento é o reconhecimento da evidente impossibilidade das forças produtivas ocuparem o território sem um mínimo de planejamento prévio e coordenação[32].
10 ZONAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (ZPA’s) NO PRIMEIRO PLANO DIRETOR DA CIDADE DE NATAL/RN
Em razão do alto risco de contaminação do aqüífero da cidade (pelas suas características geo-ambientais acima apontadas) é que surgiu, através do primeiro Plano Diretor de Natal (Lei Complementar nº 07, de 05 de agosto de 1994) o interesse em se restringir o uso e ocupação do solo nestas áreas, em razão de sua importância estratégica para o abastecimento público.
Neste sentido, vale transcrever trechos da citada lei (art. 4, incisos I, II e III), onde o legislador destaca que para atingir os objetivos de uma política de desenvolvimento urbano pautada no pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, garantindo um uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado do seu território de forma a garantir a todos os seus habitantes condições de bem estar e segurança, ficam estabelecidas as seguintes diretrizes:
“I – o uso e ocupação do solo serão submetidos à capacidade da infra-estrutura urbana instalada, compatibilizando-as às condições do meio ambiente, considerando-se, assim, áreas onde a ocupação pode ser intensificada e outras, onde deve ser limitada;
II – a dinâmica de ocupação do solo será conduzida pela instalação e ampliação da capacidade da infra-estrutura e adequação às características físico-ambientais;
III – definição de áreas que deverão ser objeto de tratamento especial em função de condições de fragilidade ambiental, do valor cênico-paisagístico e do interesse social.”
A referida lei dispõe em seu Título II (Do uso e ocupação do solo), Capítulo I, sobre o macrozoneamento da zona urbana do município de Natal, dividindo-a em três zonas (art. 8º): “I – Zona de Adensamento Básico; II – Zona Adensável; e III – Zona de Proteção Ambiental.” E ainda, descreve o que vem a ser Zona de Proteção Ambiental (art. 20). Vejamos o que dispõe este artigo:
“Art. 20 – Considera-se Zona de Proteção Ambiental a área na qual as características do meio físico restringem o uso e ocupação, visando à proteção, manutenção e recuperação dos aspectos paisagísticos, históricos, arqueológicos e científicos.”
A lei em comento subdivide, para efeito dos critérios de sua utilização, a Zona de Proteção Ambiental em duas subzonas (art. 21), a seguir especificadas:
“I – Subzona de Preservação, que compreende:
a) A vegetação de mangue, as dunas, os recifes e as falésias;
b) As nascentes e as faixas marginais de proteção de águas superficiais;
c) As florestas e demais formas de vegetação situadas ao redor de lagoas ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;
d) As florestas e demais formas de vegetação situadas nas nascentes, mesmo nos chamados “olhos-d’água”, seja qual for a sua topografia;
e) A cobertura vegetal que contribua para a estabilidade das encostas sujeitas à erosão e deslizamentos ou para a fixação de dunas;
f) As áreas que abriguem exemplares raros ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos, da flora e da fauna, bem como aquelas que sirvam como local de pouso, abrigo ou reprodução de espécies;
g) Morro do Careca e dunas associadas;
h) Encostas dunares adjacentes à Via Costeira, entre o Farol de Mãe Luiza e a Av. João XXIII;
i) Parque das Dunas;
j) Riacho do Baldo
II – subzona de Conservação, que compreende:
a) Estuário do Potengi;
b) Campo dunar de Pitimbu, Candelária, Cidade Nova e Guarapes;
c) Av. Eng. Roberto Freire (área adjacente ao Parque das Dunas);
d) Área entre o Rio Pitimbu e a Av. dos Caiapós (Cidade Satélite);
e) Complexo de lagoas e dunas ao longo do Rio Doce;
f) Associação de dunas e lagoas do bairro de Ponta Negra (região de Lagoinha);
g) Riachos das Quintas, Ouro e Prata;
h) Bacias de drenagem de águas pluviais;
i) Forte dos Reis Magos e seu entorno;
j) Farol de Mãe Luiza e seu entorno;
k) Áreas verdes públicas;
l) Praças;
m) Salinas à margem esquerda do Rio Potengi;
n) A Zona Especial de Preservação Histórica definida pela Lei nº 3942, de 17 de julho de 1990.
Convém recordar que quando da aprovação da Lei Complementar nº 07/94 (Plano Diretor anterior), apenas uma Zona de Proteção Ambiental estava regulamentada (pela Lei Estadual nº 7.237/1977), que era a do Parque Estadual das Dunas de Natal e área contigua ao parque, Avenida Engenheiro Roberto Freire e rua Dr. Solon de Miranda Galvão (ZPA 2). Na seqüência foram regulamentadas a Zona de Proteção Ambiental do campo dunar dos bairros de Pitimbu, Candelária e Cidade Nova (ZPA 1), a Zona de Proteção Ambiental do campo dunar dos bairros Guarapes e Planalto (ZPA 4), a Zona de Proteção Ambiental da área entre o Rio Pitimbu e a Av. dos Caiapós (Cidade Satélite) (ZPA 3), e a Zona de Proteção Ambiental do ecossistema dunas fixas e lagoas do bairro de Ponta Negra (região de Lagoinha) (ZPA 5), respectivamente, pelas Leis Municipais nº 4.664/1995; 4.912/1997; 5.273/2001; e 5.665/2004.
No ano de 2001 o Ministério Público do Rio Grande do Norte ajuizou uma Ação Civil Pública contra o Município de Natal/RN na Justiça Estadual - Comarca de Natal (Processo nº 001.01.010093-9), com o objetivo de proceder à retirada de diversas famílias, que ocuparam, de forma irregular, uma área inserida em Zona de Proteção Ambiental (ZPA 4 – Guarapes – Felipe Camarão). A justificativa do Ministério Público é que está havendo contaminação/poluição do lençol freático, em área de recarga do aqüífero, tomando-se como base os princípios do direito ambiental expressos no início deste trabalho. A ação, que está em curso a mais de 06 (seis) anos, encontra-se em fase de atos de execução para a desocupação da área em tela, a ser feita pelo Município.