Preconiza o artigo 10, § 4º, da lei 9.504/1997 que:
Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.
EXEMPLO DIDÁTICO 01
Imaginem uma câmara com 11 vereadores.
- Partido agindo isoladamente (sem coligação) = pode indicar até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher = (11 x 150% =16,5 - arredonda para 17).
- Das 17 vagas, 30% será 5,1, ou seja, segundo o art.10, § 4º supracitado, no mínimo 5 para cada sexo.
- Partido agindo em composição (coligação): pode indicar até o dobro do número de lugares a preencher = (11 x 2 =22).
- Das 22 vagas, 30% alcançam 6,6, ou seja, no mínimo 7 para cada sexo.
Identificamos que a regra preconizada no artigo 10, § 4º, da lei 9.504/1997, traz em alguns casos, graves inconvenientes.
EXEMPLO DIDÁTICO 02
Das 17 vagas, 30% será 5,1, ou seja, no mínimo 05 para cada sexo.
Temos, in casu, os seguintes percentuais para sexo:
- 05 vagas equivalem a 29,41% da totalidade de vagas, neste caso, não foi observado o mínimo legal exigido (30%).
- 12 vagas equivalem a 70,59% da totalidade de vagas, fato que ultrapassa o máximo legal permitido pela lei (70%).
Para evitar tais incongruências, o TSE editou a Resolução nº 23.373/2011, passando a dispor em seu artigo 20, § 4º que:
“Na reserva de vagas previstas no § 2º deste artigo, qualquer fração resultante será igualada a um no cálculo do percentual mínimo estabelecido para um dos sexos e desprezada no cálculo das vagas restantes para o outro sexo”.
Seguindo a regra estabelecida na Resolução supracitada, teremos:
Das 17 vagas, 30% será 5,1, ou seja, no mínimo 6 para cada sexo, pois “qualquer fração resultante será igualada a um no cálculo do percentual mínimo estabelecido para um dos sexos”.
SOLUÇÃO:
- 6 vagas equivalem a 35,29% da totalidade de vagas, neste caso, foi observado o mínimo legal exigido (30%).
- 11 vagas equivalem a 64,29% da totalidade de vagas, fato não que ultrapassa o máximo legal permitido pela lei (70%).
O APARENTE CONFRONTO DA RESOLUÇÃO COM A LEI
As resoluções emitidas pelo Tribunal Superior Eleitoral figuram entre as fontes subsidiárias do Direito Eleitoral de maior importância. Nelas é encontrado útil manancial para dar atualizada ordenação ao processo eleitoral, dotando, assim, a Justiça Eleitoral do necessário equipamento normativo para corrigir as distorções e tornar exequível o livre pronunciamento popular.[1]
Decorre essa produção normativa de atribuição concedida pelo Código Eleitoral em seu art. 23, IX:
Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior: (...)
IX – expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código; (...)
O exercício de poder regulamentar tem por limite óbvio a Constituição Federal e a própria lei infraconstitucional, não podendo contrariar o que na lei conste expressamente, e também como diz Torquato Jardim: “o que ela contenha implicitamente e o que dela derive necessariamente conforme a natureza da res publica eleitoral”.[2]
As resoluções do TSE funcionam como:
a) Ato normativo primário, ou seja, a resolução cria uma norma para regulamentar uma situação nova, leia-se não existente.
b) Ato normativo secundário, ou seja, a resolução apenas interpreta uma norma já existente.
A reforma eleitoral alterou totalmente o art. 105 caput da Lei nº 9.504/1997 e ao estabelecer as principais características de uma resolução, mitigou o seu caráter de ato normativo primário e secundário, pois não mais será possível uma resolução restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na Lei no 9.504/1997.
Leia o art. 105 da Lei no 9.504/1997, in verbis:
Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.
Percebe-se, com meridiana clareza, que a resolução nº 23.373/2011 foi editada como ato normativo secundário, ou seja, interpretou uma norma já existente, no sentido de efetivar o real desejo do legislador que é “preencher o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” nos exatos termos previstos no artigo 10, § 3º, da Lei 9.504/1997.
Concluímos que a estrita observância do § 4º da Lei 9.504/1997 que preconiza ser sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior, acarretar o total descumprimento do percentual mínimo para candidaturas de cada sexo conforme exige o § 3º, do art. 10, da Lei nº 9.504/97, posto que não efetiva os 30% reservados por lei para o gênero minoritário, in casu, para alcançar tal desiderato, deve ser impreterivelmente cumprida as regras estipuladas no artigo 20, § 4º da Resolução nº 23.373/2011.
Por fim, alertamos que duas informações muito importantes são retiradas do TSE: leading case Respe nº 78.432/PA, a saber:
a) o percentual mínimo estabelecido para um dos sexos, devem ser calculados sobre o número de registros “efetivamente requerido” pelo partido ou coligação, e não sobre o número máximo de registros abstratamente previsto em lei.
b) verificando-se desrespeito à cota eleitoral de candidaturas por sexo, o juízo deve intimar o partido ou coligação, para que adeque seu número de registros ao art. artigo 20, § 4º da Resolução nº 23.373/2011.
Caso a intimação não seja efetivada, o Ministério Público, candidato, coligação ou partido político, podem apresentar uma AIRC (Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura)[3] que, em caso de deferimento, ocasionará o indeferimento de todos os registros de determinada coligação ou partido político.
Notas
[1] Nesse sentido: Ribeiro, Fávila. Direito Eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
[2] JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998.
[3] Veja melhor a matéria no Livro Curso de Processo Eleitoral. BARROS, Francisco Dirceu. Curso de Processo Eleitoral, 2. Ed., 2012, Ed. Campus/Elsevier.