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Sistema penitenciário e reincidência criminal

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O sistema penitenciário brasileiro sofre com muitos problemas e necessita urgentemente de planejamento e organização, com o intuito de, dentro da realidade que se apresenta, implementar ações que possibilitem imprimir efetividade à Lei de Execuções Penais.

Resumo: O presente trabalho visa elencar os possíveis fatores geradores ou que contribuem para a reincidência penal sob a ótica do sistema penitenciário brasileiro, ou seja, quais os fatores que podem ser geradores de reincidência penal quando da passagem do apenado pelo sistema carcerário, fornecendo um panorama contemporâneo  sobre o sistema penitenciário brasileiro, abordando suas dificuldades e necessidades. Assim como, traçar um paradoxo entre a realidade carcerária e a Lei de Execuções Penais e a necessidade de sua efetivação para a melhoria do sistema. E por fim, elencar possibilidades que possam auxiliar no tratamento do detento levando-se em conta aspectos gerais do cárcere e sua população. O estudo primeiramente elencará as teorias das penas e seus históricos. Após, traçará um parâmetro atual do sistema penitenciário nacional como um todo se atendo aos problemas principais detectados de maneira geral. E ainda, se estabelecerá uma comparação entre o sistema penitenciário e a Lei de Execuções Penais. E por fim, serão elencados possibilidades para se mudar o sistema prisional pátrio, durante e após o cumprimento de pena, com o intuito de reduzir a reincidência penal. O procedimento aplicado é o bibliográfico, sendo a pesquisa de natureza pura, qualitativa, descritiva/explicativa e observacional.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário. Ressocialização. Reincidência.


1 INTRODUÇÃO

Nos dias atuais a sociedade em geral depara-se com várias informações vindas da imprensa, noticiadas por alguém ou mesmo presenciadas, sobre crime e violência. A maioria da população, diante desses fatos, sente-se insegura, outros já assimilaram essa situação e agem como se isso já fizesse parte de suas vidas.

Entretanto, tal situação, acaba por promover na sociedade em geral a impressão de que só os crimes cometidos pelas classes mais abastadas são praticados com frequência e merecem a sua reprovação.  E ainda, que não está havendo uma resposta adequada do Estado frente a tal problema (ZAFFARONI, 2001).

Desta feita, esses fatores passam a ser um dos grandes empecilhos para a implementação, por parte do Estado, de penas alternativas, pois deixam a falsa impressão de que essa possibilidade não seria a mais efetiva para a diminuição da criminalidade e da reincidência penal (BARATTA, 2002).

O crime e a violência geram vários prejuízos, ora de cunho jurídico (com a banalização da criminalidade, sensação de impunidade e descrença no Poder Judiciário), ora de cunho social (com o enclausuramento do cidadão e o aumento da insegurança). Há ainda o aspecto econômico: a manutenção desse grande aparato relativo ao sistema de segurança pública que envolve vultosos gastos com pessoal, equipamentos e instalações.

Dentro desse grande aparato, encontra-se o sistema penitenciário com a missão  de punir, vigiar e, precipuamente, ressocializar a pessoa presa para que possa retornar ao convívio social (MASSON, 2011).

Vários podem ser os fatores geradores de criminalidade: como os de cunho  social, econômico, familiar e psíquico, ou seja, biopsicossociais. Assim, a criminalidade faz parte da sociedade, ou seja, pertence a ela e a integra de alguma forma (TRINDADE, 2010).

E o “fruto” dessa criminalidade, pode-se assim dizer, ou um dos frutos é o apenado, que de maneira resumida é uma pessoa que apresenta conduta desviante (BARATTA, 2002).

E, como dito alhures, tal criminalidade pode ser gerada pelas mais variadas razões, assim como essas mesmas razões podem não ser o fator gerador do crime, mas o fator incentivador para desencadear tal conduta.

Nesse contexto, há ainda a percepção de que o sistema penitenciário não está conseguindo desenvolver uma de suas funções primordiais –  a ressocialização – visto que grande número de presos  voltam a cometer crimes,  após o  término do cumprimento da pena, tornando-se reincidentes. Ressalte-se  que a reincidência aqui tratada faz menção ao novo cometimento de crime  por parte do ex-recluso, em qualquer época, ignorando-se o lapso temporal previsto no código penal[1].

Assim, o sistema penitenciário brasileiro não está conseguindo reeducar o apenado ou, ao menos, oferecer-lhe alguma condição para seu retorno à sociedade de maneira aceitável. E isso ocorre mesmo com os esforços envidados pelos órgãos estatais pertinentes[2] (SÁ, 2010).

Com isso, os internos, sem o devido tratamento e sem perspectiva de melhoras – em função de vários fatores como, por exemplo, a discriminação – acabam por voltar para o “mundo do crime”. Desta feita, faz-se necessário obter uma panorâmica geral do sistema  penitenciário brasileiro, sob a ótica da Lei de Execuções Penais e as falhas em sua implementação, observando e elencando seus principais problemas do ponto de vista da ressocialização. Ademais, é necessário identificar os fatores responsáveis pela reincidência e as possíveis soluções capazes de contribuir para sua diminuição.

Para tanto, buscar-se-á descrever o histórico das penas e suas teorias, assim como traçar uma panorâmica do atual sistema penitenciário, salientando a necessidade da efetiva implementação da Lei de Execuções Penais, bem como as possibilidades para melhoria do sistema penitenciário brasileiro.


2 HISTÓRICO DAS PENAS E SUAS TEORIAS

Para que se possa entender o sistema penitenciário contemporâneo e a necessidade da implementação de tratativas voltadas para a melhoria do sistema, em especial a ressocialização, é imperioso conhecer as teorias que norteiam as penas e o contexto histórico em que  foram desenvolvidas. 

Desta feita, inicialmente analisar-se-á a Teoria da Retribuição, a mais antiga delas, que consiste na imposição da pena apenas como retribuição ao mal injusto causado pelo apenado em face do cometimento do crime e nada mais (MASSON, 2011).

Esta teoria persiste desde o estado absoluto, no qual a pena servia única e exclusivamente para equiparar-se com o mal praticado, ou seja, era estabelecido uma proporcionalidade entre o mal injusto cometido e a pena aplicada.

Já a Teoria da Prevenção Geral, de certa forma considerada uma evolução da supramencionada, divide-se em duas categorias: a Prevenção Geral Negativa, que se fundamenta em desestimular os membros da sociedade em geral para que também não cometam crimes e a Prevenção Geral Positiva, que consiste em percurtir na sociedade a sensação de confiança no poder público através das leis (MASSON, 2011).

Esta teoria, em especial sob a sua ótica negativa, e levando-se em consideração a manipulação social por parte das classes mais próximas do poder e ainda o clamor social em alguns casos, é responsável pelo aumento, às vezes excessivo, da quantidade de pena atribuída a alguns crimes, desprezando assim, todo o contexto que pode vir a envolver determinada situação (ZAFFARONI, 2001).

Ademais, é um dos fatores que também contribui para dificultar sobremaneira a aplicação de penas alternativas, passando a falsa impressão de que tal medida não seria relevante quando se levam em consideração os seus critérios.

Na verdade, uma provável causa dessa impressão distorcida, ou uma delas, é a falta de mais investimentos nos setores de segurança pública e no judiciário, o que faz com que a “mão” da justiça não consiga atingir a todos de maneira rápida e eficiente.

E por último, mas não menos importante, pelo contrário, de extrema relevância para a sociedade moderna, assoma a Teoria da Prevenção Especial, que também se divide em duas hipóteses: a Prevenção Especial Negativa, que implica basicamente na intimidação do indivíduo apenado para que ele não cometa mais crimes e a Prevenção Especial Positiva, que volta seus olhos para a ressocialização do condenado a fim de que ele possa voltar ao convício social preparado para respeitar as leis impostas pelo direito (DIAS, 1999).

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As teorias da prevenção, tanto a geral como a especial,  possuem origens no estado de direito, sendo a prevenção especial a mais nova delas,  possuindo ênfase na ressocialização, e forte influência das escolas Italianas e Alemãs, mas também com origens em Portugal, Espanha e inclusive Brasil (DIAS, 1999).

Nestes termos, pode-se verificar que existem diferenças entre os objetivos principais que regem as teorias da pena. E tal dicotomia fica evidente também, quando se observa a implementação dos primeiros sistemas penitenciários.  O “sistema de Filadélfia”, por exemplo, baseava-se no isolamento total do detido, com trabalho celular como forma de alcançar a reforma espiritual interior. Posteriormente, o chamado “sistema penitenciário de Auburn”, impunha inicialmente ao preso, um isolamento apenas noturno e trabalho em comum durante o dia como maneira de alcançar a ressocialização do delinqüente. Mesmo assim, denota-se as concepções retributivas e preventivas coexistindo nestes sistemas (DIAS, 1999).

Contudo, o sistema penal também pode ser representado por um outro viés: o de uma forma de controle social exercido pelas classes centrais. Nesse contexto, apenas os membros das classes marginalizadas acabam por ser suas vítimas como forma de intimidação e manutenção de tal controle, restando assim estigmatizadas. Esse controle é exercido também através da família e da escola, servindo, com isso, como forma de estagnação dos seus membros em suas classes sociais (ZAFFARONI, 2001).

Com base nesse histórico e na evolução da sociedade, percebe-se que as três teorias que se fundem para formar a teoria mista ou unificadora, que rege o sistema penitenciário nacional, são na verdade conflitantes entre si no que diz respeito ao seu objetivo principal (MASSON, 2011).

Entretanto, uma acaba por complementar a outra, na medida em que, de certa forma, o objetivo principal de cada uma delas acaba por ter uma determinada importância do ponto de vista social. Contudo, há que se aperceber que a Teoria da Prevenção Especial deve possuir maior ênfase levando-se em consideração a realidade social contemporânea brasileira e o fator reincidência, sobretudo porque a retribuição (infligir mal a quem fez o mal), por si só, é perversa e não traz perspectivas sobre o futuro do apenado na sociedade (DIAS, 1999).


3 PANORÂMICA DO ATUAL SISTEMA PENITENCIÁRIO

No Brasil hodierno, temos várias realidades carcerárias, que variam de estado para estado, em que pese todas as unidades federativas serem regidas pela mesma legislação federal, qual seja: a Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984,  Lei de Execuções Penais (LEP). Sendo que tais realidades mudam de acordo com vários fatores, dentre eles: situação econômica do estado, situação econômica e cultural da população, foco político, etc (BARATTA, 2002).

  Entretanto, o que se observa é que, até nos estados mais desenvolvidos, o maior problema é a superlotação. Por mais que os estados invistam na construção de mais unidades,  elas não estão sendo suficientes para acompanhar o aumento do número de pessoas reclusas, que cresce a cada ano.

Segundo dados do InfoPen[3] referentes a dezembro de 2011 o sistema penitenciário tinha a disposição, naquela data,  295.413 vagas, para uma população carcerário de 471.254 detentos, ou seja, pouco mais de 64% das vagas necessárias.

E essa superlotação ocorre, dentre outras causas, devido à falta de uma maior implementação das penas alternativas ou outras formas menos traumáticas ou incisivas de punição.  E ainda, potencializando o problema da carência de vagas, há a reincidência, que aumenta vertiginosamente no nosso sistema penal (SÁ, 2010).

A superlotação tem grande influência no desenvolvimento do tratamento do apenado. Primeiramente porque muitos apenados acabam cumprindo pena em delegacias ou, em alguns estados como São Paulo, nos Centros de Detenção Provisória (CDP), que não possuem estrutura adequada para cumprimento de pena, ficando, assim, os reclusos sem a devida assistência jurídica, social e médica (SÁ, 2010).

Em razão da superlotação, o sistema carcerário nacional acaba por padecer de outras mazelas: muitos apenados cumprem pena em condições, muitas vezes, sub-humanas, o que fere de morte princípios básicos constitucionais. São “amontoados” nesses estabelecimentos sem critério nenhum, ou seja, apenados que possuem os mais variados perfis convivem juntos, ferindo outro princípio constitucional primordial que é o da individualização da pena[4] (NUCCI, 2008).

Indo ao encontro do acima exposto, o quadro estatístico  do InfoPen dá conta que, até dezembro de 2011, das 514.582 pessoas reclusas no Brasil, 43.328 se encontravam sob a responsabilidade da polícia judiciária para uma disponibilidade de 11.084 vagas.

Bem ainda, quando os presos são transferidos das delegacias ou dos CDP’s, para o sistema penitenciário, tem-se como critério na maioria das vezes, apenas a disponibilidade de vagas e o sexo[5]. Critérios esses, extremamente frágeis do ponto de vista da individualização da pena e da ressocialização.

Já nos estabelecimentos prisionais propriamente ditos, também a superlotação, dificulta as ações voltadas para a melhoria do cumprimento da pena sob vários aspectos. Quando uma unidade prisional se encontra acima da capacidade populacional, automaticamente põe em risco a segurança, ensejando de pronto uma maior atenção  a este quesito.

Outro problema é a “promiscuidade” da população carcerária no que tange ao grau de periculosidade[6], ou seja, internos com alta periculosidade cumprem pena com outros internos de periculosidade média ou baixa. Assim, como existe a necessidade de manutenção de segurança em níveis máximos, muitos apenados deixam de ter oportunidades que só seriam possíveis em estabelecimentos com níveis de segurança menores.

Aliada a toda essa problemática, existe uma outra situação constante no sistema penitenciário brasileiro: a insuficiência de servidores capacitados. Sem pessoal capacitado não há como se desenvolver os trabalhos necessários para a ressocialização do apenado.

E assim, o interno acaba por cumprir sua pena apenas do ponto de vista punitivo, pois não tem garantido seu direito constitucional à individualização da pena. Desse modo, carecendo do devido tratamento voltado para a ressocialização,  na maioria dos casos acaba por sair pior do que entrou (SÁ, 2010).

E por último, quando em liberdade, é alvo da discriminação da sociedade, por exemplo, no que diz respeito à recolocação ou à colocação no mercado de trabalho, pois, em alguns casos, ou na maioria deles, os apenados nunca trabalharam, e assim, não conseguem se reintegrar a ela (BARATTA, 2002).


4 LEI DE EXECUÇÕES PENAIS E SUA IMPLEMENTAÇÃO

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984,  é a  norma que rege e que fornece as diretrizes para o sistema penitenciário nacional, garantindo, também em seu bojo, os direitos e deveres dos apenados. Observando-se tal lei, percebem-se inclusos nela vários princípios constitucionais. Dentre eles, há o da individualização da pena, elencado no artigo 5º, XLVI, da Carta Magna. Contudo, o grande problema no sistema penal nacional é observar e pôr em prática a lei supracitada. O cumprimento da LEP por si só já seria suficiente para influenciar de maneira positiva o cumprimento de pena no Brasil (NUCCI, 2008).

Exemplo do que se aduz acima é a efetivação do exame criminológico de entrada, contido no artigo 8º da LEP[7]. Tal exame, que é realizado, ou deveria ser, pela equipe técnica que atua nos Centros de Observação[8], quando da entrada da pessoa presa no sistema,   tem a função de emitir um diagnóstico com base na conduta desviante  do sentenciado. E com isso, determinar qual o estabelecimento mais apropriado ao apenado, assim como, oferecer subsídios para as Comissões Técnicas de Classificação (CTC), que atuam nas unidades prisionais, para que as mesmas, com base nesse exame possam  traçar as diretrizes específicas e individuais do cumprimento de pena e   a classificação dos apenados (SÁ, 2010).

De posse desse importante instrumento, as CTC’s – composta pelo diretor da unidade, que a preside, por pelo menos dois chefes de serviço,  um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social[9] -  podem estabelecer tratativas mais eficientes, voltadas a individualização da pena, além do que, ter maior possibilidade de acompanhamento da evolução da pessoa presa durante o cumprimento de pena.

Mas o sistema é muito mais complexo do que isso; pois, quando da tentativa de separar os apenados para a devida individualização da pena, existem vários outros critérios (ou deveriam existir) a fim de efetivar a adequada separação. Ao se juntar apenados com mesmo perfil (idade, sexo e identidade de crime cometido) – constata-se que  apresentam graus de periculosidade completamente diferentes. Nestes termos, é fundamental a observância de outros critérios subjetivos:  reincidência, grau de envolvimento com a criminalidade, convívio familiar, entre outros. Estes critérios podem ser obtidos com o parecer da Comissão Técnica de Classificação, por ocasião do exame da personalidade ou a entrevista de inclusão[10] do apenado realizado quando da chegada do mesmo no estabelecimento penitenciário (SÁ, 2010).

Diante do exposto acima, e levando-se em consideração que o crime pode possuir várias origens, é clara a necessidade do exame criminológico inicial para uma melhor abordagem  do processo de  ressocialização e, também, para uma maior proteção do próprio apenado. Por isso, hoje, se faz extremamente necessário, o exame criminológico, juntamente com os pareceres da CTC, para a devida segregação dos vários graus de periculosidade ou  grau de envolvimento com a criminalidade que existem dentro do sistema penitenciário (SÁ, 2010).

O princípio da individualização da pena garante ao apenado um tratamento específico e individual voltado a sua recuperação, devendo ser observados, na busca desse tratamento individualizado, vários fatores subjetivos. Sendo um dos principais fatores subjetivos  o grau de periculosidade (BARATTA, 2002).

Fazendo uso dessa ferramenta, pode-se concentrar, na mesma unidade prisional, internos com  mesmo grau de periculosidade, obtendo, desse modo, uma população carcerária homogênea, o que facilita os trabalhos tanto do ponto de vista da segurança, quanto do ponto de vista da reabilitação.

O Sistema Penitenciário Federal – criado para abrigar presos de alta periculosidade aos quais, por conseqüência, se dispensa um tratamento ímpar em todos os aspectos – representa um  exemplo positivo do exposto até aqui. Pois os apenados que lá se encontram, apesar do alto nível de segurança, tem o empenho da administração no sentido de procurar garantir a  todos os direitos legais pertinentes, inclusive estudo. 

Assim sendo, há que se observar que, mesmo dentro de um sistema em que a segurança é “extremada”, pode-se garantir um tratamento adequado àqueles internos, justamente porque nesse sistema a segurança diferenciada o permite.

Quanto ao trabalho dentro da unidade prisional, é claro que existem  certas atividades  laborativas que devido aos materiais usados para seu desenvolvimento, são inviáveis. Nesse caso, percebe-se que existe um posicionamento diametralmente inverso entre a Segurança e a Reabilitação, ou seja, níveis maiores de segurança acarretam uma mitigação nas atividades de reabilitação, já níveis menores de segurança, propiciam um leque maior de oportunidades para o desenvolvimento das funções de reabilitação.

Mas o que se tem  observado é que, em muitas unidades prisionais brasileiras, a minoria  da população carcerária, que possui um grau de periculosidade mais acentuado ou maior envolvimento com a criminalidade, consegue dominar e manipular o restante dos presos da unidade. E além desses presos  subjugarem os outros apenados,  acabam muitas vezes por influenciá-los de maneira negativa, transformando  as unidades prisionais desta forma, em verdadeiras “faculdades do crime” (BARATTA, 2002).

Além disso, essa minoria, algumas vezes, oferece resistência às tentativas de reabilitação oferecidas pela administração, como a escola, ou qualquer outro tipo de projeto que de alguma forma não lhe agrade.

Separando devidamente os apenados de acordo com o seu grau de periculosidade aliado a outros critérios subjetivos, a administração pública pode obter estabelecimentos penais com diferentes necessidades de segurança,  podendo assim, oferecer uma adequada individualização da pena, pois dessa forma,  trabalhará com uma população carcerária mais homogênea, obtendo com isso um melhor aproveitamento dos recursos, haja vista que poderá desenvolver trabalhos ressocializadores de maneira a abarcar um número maior de apenados.

Não se está aqui dizendo que aqueles que são segregados em sistema com maior segurança devam ficar sem assistência – pelo contrário. A administração terá condição de, com segurança e disciplina adequadas, oferecer uma reabilitação favorável também para eles.

Outro  dispositivo importante da LEP é o art.10, que assevera ser dever do estado a assistência ao preso. E essa assistência engloba e garante aos internos o cumprimento de pena em estabelecimento adequado com o mínimo de higiene e saúde.

São, também, direitos  dos reclusos o  acesso à educação,  a oportunização de trabalho, as assistências jurídica, social, religiosa e médica (garantias contidas no artigo 11 da lei em comento). O cumprimento dessas prerrogativas garantidas aos apenados já  auxiliaria por si só no tratamento do apenado (NUCCI, 2008).

O grande problema no sistema penal hoje é que o estado não consegue, na maioria das vezes, oferecer o mínimo contido na lei; pois, como dito anteriormente, muitos presos cumprem pena em delegacias e Centros de Detenção Provisória.

O cumprimento da LEP já seria suficiente para melhorar o sistema carcerário no Brasil. Não há a necessidade de criação de mais leis, que só serviriam para burocratizar ainda mais o sistema judiciário e penal.  Deve-se concentrar todos os esforços para o efetivo cumprimento da lei vigente, que é a Lei de Execução Penal.           

E, concordando com esse entendimento, cita-se o trecho do relatório[11] da Associação Internacional dos Advogados (IBA), no texto de ANDRÉ MONTEIRO (Sistema penitenciário brasileiro é “disfuncional”, s/p, 2010),  no qual, ao mencionar  a dificuldade de encontrar informações precisas e atualizadas sobre a população carcerária, os autores do relatório afirmam que:

 "nenhuma quantidade de novas leis ou de novas instituições pode solucionar ineficiências e a incompetência; elas poderiam, de fato, agravar a situação existente ao acrescentar novas camadas de burocracia e confusão administrativa àquelas que existem atualmente”.

E ainda, a par do fiel cumprimento da Lei de Execuções Penais, para um efetivo e proveitoso cumprimento da lei, como dito alhures, é necessário também, realizar investimentos maciços em material humano, ou seja, em todos os servidores que funcionam nesse complexo sistema.

Destacando-se como atores do sistema penitenciário nacional, ressalta-se a figura do Diretor, que, em geral, é nomeado em cargo de confiança, com a atribuição de, além de gerir administrativamente a unidade prisional, e presidir a CTC, ainda é responsável pela implementação das políticas e diretrizes nacionais e estaduais referente a execução da pena.

Tem-se ainda a figura dos técnicos, representados pelos psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, que possuem a importantíssima incumbência de participarem das CTC’s, sendo diretamente responsáveis pela elaboração dos pareces emitidos por esta comissão, além de serem responsáveis, (psiquiatra e psicólogo) pela assistência diária, no que tange a saúde dos presos. Quanto ao assistente social, o mesmo possui ainda, a atribuição de auxiliar os apenados na solução de problemas pessoais tanto dentro  como fora do estabelecimento penal, realizando, em algumas vezes, um verdadeiro elo de ligação entre o cumprimento de pena e a sociedade.

E somando-se a esses profissionais, tem-se ainda os médicos e dentistas, que além de participarem da confecção do exame admissional ou entrevista de inclusão, são responsáveis pela manutenção da saúde das pessoas reclusas.

Destaca-se ainda nessa classe de servidores, os terapeutas ocupacionais, que atuam em algumas unidades, como nas federais por exemplo, cuja  função é organizar e implementar as atividades laborativas de reabilitação, além de, também, participar das CTC’s.

Bem ainda, há que se ressaltar a figura do advogado, seja defensor público ou não que, além  do dever de cuidar da situação processual dos reclusos, possui a  atribuição de acompanhar e defender os apenados nos processos disciplinares internos.

E por último, os agentes penitenciários, que possuem a atribuição de, não só manter a segurança da unidade, mas também auxiliar no tratamento do apenado.

Não podendo se esquecer ainda da figura do juiz da execução, que é responsável pelos processos e pela concessão de benefícios aos apenados. Tendo como uma de suas prerrogativas a possibilidade de solicitação do exame criminológico e parecer da CTC  para auxiliá-lo na decisão de  concessão de tais benefícios[12].

Assim, outro critério a ser abordado dentro da complexidade do sistema penitenciário é a necessidade de investimento  nos profissionais que trabalham  no sistema.

Desta feita, observando-se tudo que já foi dito até aqui, e levando-se em consideração o alto grau de subjetividade que existe no sistema penitenciário, no que diz respeito aos seus servidores, percebe-se que, aliado a efetivação  de critérios para admissão de presos no sistema penitenciário  e a  execução da lei, ainda torna-se imprescindível,  para a ressocialização do apenado, o investimento em todos os servidores que atuam no sistema penitenciário.

Devendo os referidos investimentos se darem por meio de cursos de formação,  de aperfeiçoamento, de reciclagem, valorização salarial, cursos de dinâmica de trabalho em grupo, entre outros. Tal servidor deve ser provido de várias habilidades, sendo a capacidade de trabalhar em equipe  a primordial delas (SÁ, 2010).

O sistema penal é muito complexo e vai muito além dos muros, pois, como se pode observar, ele abrange estudos e observações de antes do cometimento do crime, passando pelo cumprimento da pena e pelas consequências pós pena.

Nesse contexto, todo o trabalho a ser desenvolvido dentro do sistema prisional envolve profissionais de vários ramos. Assim, várias atividades dentro de uma unidade prisional são desenvolvidas de maneira interdisciplinar. Com isso, o entrosamento desses profissionais é primordial para o bom andamento dos trabalhos. Um profissional depende do trabalho do outro dentro do sistema penitenciário. Resumidamente, pode-se dizer que os profissionais aqui envolvidos possuem atribuições diferentes, mas o mesmo objetivo.

E, nesse sentido, pode-se mencionar como conceito de interdisciplinaridade aquele elencado por ALVINO AUGUSTO DE SÁ (Criminologia Clínica e Psicologia Criminal, 2º ed., pág. 175-176), in verbis:

“ Por conseguinte, a partir dos autores acima citados, pode-se dizer que a interdisciplinaridade é uma visão global dos fenômenos, dos fatos, em suas diferentes interfaces. Não é só um modo de conhecer, mas também um modo de agir consciente, disciplinado, que se desenvolve numa relação de intersubjetividade entre as pessoas e numa relação dialética entre elas e o mundo. É uma compreensão do mundo conquistada por meio de conhecimentos interdependentes, dentro de um projeto consciente de descobertas, as quais sempre se abrem a novos questionamentos, a novas descobertas, e a “reais transformações emancipatórias”, na feliz expressão de SANDRA FERREIRA (apud FAZENDA, 1997, p.33).”

Assim sendo, é imperioso o investimento em capacitação, melhoria de condições de trabalho, em equipamentos e valorização de pessoal. O profissional do sistema prisional deve conhecer bem não só as suas atribuições mas as atribuições dos outros profissionais envolvidos no sistema, pois só assim ele poderá colaborar de maneira efetiva para ressocialização do apenado.

Pode-se dizer inclusive, para a educação dos apenados, pois, em muitos casos, eles não tiveram oportunidade nem de ter acesso à educação básica. E, quando se diz educação básica, está-se abrangendo todos os sentidos, seja familiar ou escolar (ZAFFARONI, 2001).

Sobre os autores
Marcos Tudisco de Souza

Acadêmico do curso de direito da FAG em Cascavel-Pr, foi Agente de Segurança Penitenciário Estadual na Penitenciária I de Presidente Venceslau de 1994 à 2006 e desde então é Agente Penitenciário Federal na Penitenciária Federal de Catanduvas-Pr Orientadora: Professora Mestre do colegiado de Direito da Faculdade Assis Gurgacz.

Camila Milazotto Ricci

Professora Mestre do Colegiado de Direito da Faculdade Assis Gurgacz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcos Tudisco; RICCI, Camila Milazotto. Sistema penitenciário e reincidência criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3336, 19 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22445. Acesso em: 8 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado sob orientação da Profª Drª Camila Milazotto Ricci.

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