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Considerações sobre aspectos da Seção VII, Capítulo XX, das normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo

Agenda 21/08/2012 às 11:42

Muito se cogita no sentido de que a demarcação urbanística apenas se aplica para os casos em que não se tenha identificado o titular do domínio de imóvel, ou ainda para aqueles casos em que o título não se localiza em virtude de descrições imprecisas, e até mesmo para imóveis com titularidade diversa.

Introdução

No intuito de regulamentar os procedimentos de registro relacionados à regularização fundiária urbana, cujo processo foi significativamente facilitado e incrementado por meio da Lei Federal nº. 11.977/09, já alterada pela Lei Federal nº. 12.424/11, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo editou, em 21 de junho de 2.012, o Provimento nº. 18/2012, atualizando e adequando as suas Normas de Serviço ao novo panorama legal, fornecendo, enfim, subsídios e diretrizes aos oficiais de registro imobiliário na aplicação das inovações introduzidas pela legislação.

Representando verdadeiro avanço em alguns aspectos, mormente em se tratando de norma instituída no âmbito do Estado de São Paulo, considerado por muitos profissionais do meio reacionário e conservador em matéria de regularização fundiária urbana, as Normas de Serviço ainda padecem de alguns equívocos de interpretação, visivelmente estabelecidos para garantir maior segurança aos próprios oficiais, e descredenciam, de algum modo, as novidades instituídas pelas leis que instituíram os programas Minha Casa Minha Vida 1 e 2.

Neste trabalho, pretende-se comentar e avaliar os aspectos positivos e negativos de excertos da recém-publicada normativa extrajudicial, com enfoque na regularização fundiária de interesse social e de seus consectários, e, sobretudo, apontar o que ainda merece aprimoramento, sob o prisma prático.


Da dispensa da retificação

O primeiroaspecto inovador e que merece destaque das Normas de Serviço, surge no item 223, in verbis:

223. Para atendimento ao princípio da especialidade, o oficial de registro de imóveis adotará o memorial descritivo da gleba apresentado com o projeto de regularização fundiária de interesse social ou específico, devendo averbá-lo anteriormente ao registro do projeto, dispensando-se requerimento e procedimento autônomos de retificação.”(grifamos)

Primeiramente, porque, segundo o estabelecido na Lei Federal nº. 12.424/11, que alterou a Lei Federal nº. 6.015/73, modificando os procedimentos de registro da regularização fundiária urbana, em especial o artigo 213, § 11º, o projeto de regularização fundiária que independe de retificação é o de interesse social, e não o específico, como se pretendeu com o dispositivo das Normas de Serviço. Aqui, evidentemente, tem-se um ponto positivo, dependendo do caso concreto, já que a norma foi além da legislação. No entanto, pode-se, eventualmente, estender a prerrogativa instituída aos casos de ocupações constituídas por famílias de baixa renda, àqueles que possuem condições para arcarem com os custos inerentes à retificação de suas glebas.

De outra banda, aexpressão “dispensando-se requerimento e procedimento autônomos de retificação”, padece de vício de ilegalidade, como se verá a seguir.

Com esse dispositivo, pretende-se aproveitar o processo de registro do parcelamento para retificar a gleba sobre a qual foi implantado o assentamento irregular.

Intenção idêntica se verifica nos itens 228.1 e 228.2, que dispõem:

228.1. Constatada expansão do parcelamento para além da área descrita na matrícula, o oficial de registro de imóveis aproveitará o procedimento em curso para notificar o confrontante em tese atingido e proceder à necessária retificação do registro.” (grifamos)

228.2. O confrontante será notificado para, querendo, apresentar impugnação no prazo de 15 dias. A notificação será pessoal, pelo correio com aviso de recebimento, ou pelo oficial do registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la.”

Ora, o que se pretendeu com o permissivo legal contido no inciso IV do § 11 do artigo 213 da Lei Federal nº. 6.015/73, a par das questões relativas à consolidação da ocupação e à inércia do proprietário e confrontantes, foi exatamente dar celeridade ao processo de regularização fundiária, que não pode ficar a mercê do moroso processo de notificação dos confrontantes, de abertura de prazo para manifestação etc.

A perfunctória leitura do texto do dispositivo induz à absoluta dispensa do processo de retificação, seja pela via específica, seja pela via do processo de registro do projeto. Muito porque o próprio memorial descritivo do parcelamento acaba por se tornar a nova descrição do perímetro da gleba regularizada.

Além disso, aplica-se ao caso o conhecido brocardo jurídico que diz: “o que a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir”.


Dos requisitos para o registro do parcelamento

Para o registro do parcelamento, as Normas seguiram a mesma linha adotada pela Lei Federal nº. 11.977, exigindo a planta de parcelamento, devidamente aprovada pelo município, quadro de áreas, memoriais descritivos, certidão atualizada da matrícula ou transcrição incidente sobre o imóvel, instrumento de instituição, especificação e convenção de condomínio, se for o caso e, por fim, o auto de regularização municipal ou documento equivalente.

Vale dizer que foi mantida a exigência dos atos constitutivos das pessoas jurídicas legitimadas no artigo 50, inciso II, da lei do programa Minha Casa Minha Vida, no intuito de demonstrar sua legitimidade de agente promotor da regularização fundiária, caso estejam agindo nesta qualidade.

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A exegese do item 225.1. das normas leva à inexigibilidade de certidão atualizada dos atos constitutivos de referidas pessoas jurídicas quando elas exercem o papel, tão somente, de proprietárias da gleba a ser regularizada e, não necessariamente, de promotora da regularização.

Lembramos que a Municipalidade, assim como os demais entes da federação, por força de dispositivo expresso, podem praticar todos os atos inerentes à regularização fundiária, independentemente da vontade do proprietário, inclusive os atos de registro (vide artigo 50, parágrafo único, Lei Federal nº. 11.977/09, incluído pela Lei Federal nº. 12.424/11).


Da possibilidade de unificação de imóveis com proprietários distintos, constritos ou onerados

Façamos justiça ao avanço promovido pelas Normas de Serviço em alguns aspectos, como é o caso do item 229, que permite a unificação de glebas com titulares de domínio distintos.

Até o advento do Provimento 18/2012, a questão de ocupações situadas nas divisas de glebas com proprietários diferentes somente poderia ser solvida mediante a lavratura de auto de demarcação urbanística.

Fica ainda a dúvida, na hipótese de unificação desprovida de demarcação urbanística, quanto ao oportuno registro dos contratos dos beneficiários, já que, incidindo o lote na divisa dos imóveis contíguos com titularidade diferente, estaria ele apto a ser registrado na hipótese de não fazer menção ao proprietário correspondente?

Já a possibilidade de unificação de imóveis onerados ou constritos veio a solidificar o entendimento que já vinha sendo aplicado pelos profissionais atuantes na área, no sentido de que a penhora, por exemplo, por si só, não impede os atos de registro inerentes à regularização fundiária, mas, tão somente, a transmissão dos lotes aos beneficiários, exceto de titulados pela via da legitimação de posse. Neste caso, o morador, decorrido o prazo legal, adquire o imóvel com fundamento na prescrição aquisitiva, que constitui modo originário de aquisição da propriedade.


Das possibilidade de registro dos contratos existentes

É cediço que, até o advento da Lei Federal nº. 11.977/09, que instituiu a figura da legitimação de posse, strictu sensu, que possibilita ao agente público promotor da regularização fundiária a titulação dos moradores, em casos de significativa expressividade, o processo de regularização fundiária, per si, sob o prisma do município enquanto agente promotor, não viabilizava a regularização jurídica da posse dos beneficiários, exceto quando realizado em imóveis de propriedade pública municipal, em que a titulação ocorria por meio da concessão de direito real de uso, da concessão de uso especial para fins de moradia, da doação etc.

Em áreas de domínio privado, a situação era muito mais complexa. Como sabemos, o ordenamento jurídico pátrio exige a lavratura de escritura pública para a transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, excetuados os imóveis de valor inferior a trinta salários mínimos. Os beneficiários raramente a possuíam, até mesmo em virtude da própria irregularidade do parcelamento.

Ademais, nos casos em que existiam escrituras públicas, as descrições delas constantes evidentemente não se adequavam aos projetos de regularização fundiária registrados.

De outra banda, a participação dos proprietários de glebas parceladas irregularmente nos processos de regularização fundiária era e ainda é ínfima, de modo que se tornava inviável a transmissão dos lotes por meio de escritura pública.

Nesse sentido, após a regularização do parcelamento do solo, chegava-se à frustrante conclusão da necessidade do ajuizamento de ações judiciais de usucapião, que, na maioria dos casos, não podia ser viabilizada pelo poder público, dada a inexistência de recursos.

Em 1.999, com a edição da Lei Federal nº. 9.785, que alterou dispositivos da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (6.766/79), em especial, incluindo o § 6º em seu artigo 26, passou-se a ver uma luz no fim do túnel. O dispositivo dispõe, in verbis:

Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:

(...)

§ 6ºAdmite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse em que estiverem provisoriamente imitidas a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular, ao qual se atribui, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se aplicando a disposição do inciso II do art. 134 do Código Civil.”

No entanto, ainda permaneceram os problemas relativos às descrições precárias constantes dos instrumentos particulares apresentados pelos beneficiários.

É exatamente neste aspecto que a alteração das Normas de Serviço representa efetivamente um grande avanço aos processos de regularização fundiária no Estado de São Paulo, já que o item 230 prevê importantes modificações no sistema registrário, como se verá a seguir.

Pedimos vênia para transcrever o teor do item referido para, após, passarmos à análise dos aspectos que podem causar controvérsias.Dispõem o item 230 e seus subitens:

230. Registrado o projeto de regularização fundiária, os compradores, compromissários ou cessionários poderão requerer o registro dos seus contratos, padronizados ou não, apresentando o respectivo instrumento ao oficial do registro de imóveis competente.

230.1. Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título hábil para transmissão da propriedade, quando acompanhados da respectiva prova de quitação das obrigações do adquirente e serão registrados nas matrículas das correspondentes unidades imobiliárias resultantes da regularização fundiária.

230.2. O registro de transmissão da propriedade poderá ser obtido, ainda, mediante a comprovação idônea, perante o oficial do registro de imóveis, da existência de pré-contrato, promessa de cessão, proposta de compra, reserva de lote ou outro instrumento do qual constem a manifestação da vontade das partes, a indicação da fração ideal, lote ou unidade, o preço e o modo de pagamento, e a promessa de contratar.

230.3. A prova de quitação dar-se-á por meio de declaração escrita ou recibo assinado pelo loteador, com firma reconhecida, ou com a apresentação da quitação da última parcela do preço avençado.

230.4. Equivale à prova de quitação a certidão emitida após 5 (cinco) anos do vencimento da última prestação pelo Distribuidor Cível da Comarca de localização do imóvel e a da comarca do domicílio do adquirente, se diversa (CC, art. 206, § 5º, I), que explicite a inexistência de ação judicial contra o adquirente ou seus cessionários.”

Nos itens 230, caput, e 230.1., não se constata qualquer novidade em relação à Lei Federal nº. 9.785/99, que já previa a possibilidade de registro dos instrumentos particulares existentes, acompanhados da respectiva quitação. Ocorre que, sem revisões desde 1.989, quando aliás foi publicado o Provimento 50/89, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo careciam, de há muito, de atualização. Destarte, os dois itens mencionados só fizeram incluir dispositivo existente na legislação federal desde 1.999.

Constituem, efetivamente, novidade, as equivalências da prova de quitação previstas nos itens 230.3. e 230.4., consistentes, respectivamente, na declaração emitida pelo loteador e a certidão emitida pelo cartório distribuidor das comarcas da localização do imóvel e do domicílio do adquirente.

Outra importante inovação é a previsão contida nos itens 233 e seguintes, que estabelecem:

233. Quando a descrição do imóvel constante do título de transmissão for imperfeita em relação ao projeto de regularização fundiária registrado, mas não houver dúvida quanto à sua identificação e localização, o interessado poderá requerer seu registro, de conformidade com a nova descrição, com base no disposto no art. 213, §13 da Lei nº 6.015/73.

234. Caso o título de transmissão ou os documentos de quitação ostentem imperfeições ou desajustes no que diz respeito aos aspectos ligados à especialidade registrária, poderá o interessado requerer sua validação ao Juiz Corregedor Permanente para habilitá-lo ao registro. (grifamos)

235. Para a validação do título de transmissão, o interessado poderá produzir prova documental ou técnica, notificando, se for o caso, o titular do domínio ou o empreendedor.”

Aqui são necessárias algumas considerações. Primeiramente, para entendermos e interpretarmos os dispositivos da forma correta, é necessário que saibamos a definição de princípio da especialidade.

Segundo Afrânio de Carvalho (in Registro de Imóveis, Forense, Rio, 1982, p. 247, cit. in Princípios do Direito Registral Imobiliário, Álvaro Melo Filho), “o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, como o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro...”(adaptamos)

Nos dizeres de Tabosa de Almeida (in Revista de Direito Imobiliário, n. 11, p. p.53, cit. in Princípios do Direito Registral Imobiliário, Álvaro Melo Filho), “o princípio da especialidade é aquele que exige a identificação do imóvel rural mediante a especificação de suas características, confrontações, localização, área e denominação. Tratando-se de imóvel urbano, a identificação consistirá na declaração do logradouro em que fica situado, do número de imóvel e de sua designação cadastral, assim como – seja rural ou urbano – do número da matrícula, se houver, e do número do registro anterior...” (adaptamos)

Nota-se, deste modo, que o princípio da especialidade diz respeito à identificação, à descrição, do imóvel.

Neste contexto, extraímos da exegese dos itens 234 e 235, pela mera utilização da expressão grifada “no que diz respeito aos aspectos ligados à especialidade registrária”,que a Egrégia Corregedoria Geral de Justiça pretendeu permitir o registro de contratos não adequados do ponto de vista da descrição do imóvel nele contida, ou seja, divergências quanto à metragem, quando à perfeita identificação do imóvel etc.

Caberá, pois, ao juiz corregedor, eventualmente, decretar a validade do contrato, desde que seja possível o relacionar a lote específico previsto no projeto de regularização fundiária.

É evidente que o juiz não pode ir além desta análise, por exemplo, atribuindo validade a um contrato em que não se observe a chamada cadeia dominial, como ocorre nas ocupações espontâneas.

Isso porque não se pode suprir a via legal para a declaração de domínio sobre bem imóvel que somente se opera mediante ação de usucapião, excetuados os casos de legitimação de posse, no âmbito da demarcação urbanística. Sabe-se, ademais, que, no caso da propositura da ação de usucapião, o juiz exerce papel jurisdicional contencioso. Assim desejou o legislador.

Portanto, jamais o juiz, no exercício da função de corregedor permanente, estritamente administrativa, manifestar-se acerca de questão essencialmente jurisdicional.


Do cabimento da demarcação urbanística

Parece-nos que as dúvidas que pairavam sobre o tema foram pacificadas pela Corregedoria Geral da Justiça. A par da existência do facilitador, há quem relute em aplicar a demarcação urbanística, em que pese seu relevante alcance e a independência por meio dela garantida nos processos de regularização fundiária.

Muito se cogita no sentido de que a demarcação urbanística apenas se aplica para os casos em que não se tenha identificado o titular do domínio de imóvel, ou ainda para aqueles casos em que o título não se localiza em virtude de descrições imprecisas, e até mesmo para imóveis com titularidade diversa.

Ocorre que não há qualquer limitação legal para a aplicação da demarcação urbanística, muito viável, aliás.

Ao contrário, o item 239 das NSCGJ é bem claro:

239.O procedimento de demarcação urbanística é indispensável para a regularização fundiária de áreas ainda não matriculadas e facultativo para as demais situações de regularização de interesse social ou específico”.

O dispositivo é bem claro. A demarcação urbanística é facultativa para todas as demais situações. Tanto é verdade que a própria Lei Federal nº. 11.977/09 exige, quando da averbação do auto de demarcação urbanística, a matrícula ou transcrição correspondente ao imóvel demarcado e planta de sobreposição entre a situação fática e a área titulada.

 Afora isso, este artigo em particular contém outra imperfeição, já que menciona a possibilidade de demarcação urbanística para regularizações de interesse específico, o que não é autorizado pela Lei do Programa Minha Casa Minha Vida.

Sobre o autor
João Henrique de Amorim Sobrinho

Advogado - Especialista em regularização fundiária - Atua na área desde 2.006 - Foi diretor da divisão de regularização fundiária do município de Taboão da Serra/SP em 2.009 - Atualmente trabalha na empresa Diagonal Empreendimentos e Gestão de Negócios Ltda como coordenador jurídico do Programa de Regularização Fundiária de Assentamentos Irregulares de São Bernardo do Campo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM SOBRINHO, João Henrique. Considerações sobre aspectos da Seção VII, Capítulo XX, das normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3338, 21 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22455. Acesso em: 5 nov. 2024.

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