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A relação entre a exigibilidade da astreinte e o resultado final da demanda

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Agenda 30/08/2012 às 13:40

A obrigação de pagar a multa fixada depende da prolação de sentença de procedência ou se é decorrente apenas da desobediência à ordem judicial?

Resumo: Esta pesquisa foi desenvolvida a partir do método indutivo, utilizando fundamentação doutrinária e jurisprudencial, tendo por alvo a investigação da relação entre a exigibilidade e a multa prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil, com o resultado final da demanda. A pesquisa foi motivada pelo silêncio legislativo quanto à questão, sendo seu ponto de partida para a busca da resposta ao problema, a análise da nova fase constitucional do Processo Civil (a qual clama pela efetividade da jurisdição na prestação de uma tutela tempestiva e adequada), na investigação das particularidades da multa e da decisão que a fixa, e o dever de cumprimento das decisões judiciais, trazendo comparativamente a previsão específica da exigibilidade em legislação especial e no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Nota-se, na discussão jurídica em torno do tema, o predomínio do entendimento de não ser a multa exigível quando constatado que o autor não tinha razão. Entretanto, verificam-se também fortes argumentos em sentido contrário, motivo pelo qual se pretendeu averiguar a motivação para tal relação de condicionamento da exigibilidade com o mérito a favor do autor da demanda e concluir-se quanto à viabilidade desta exigência no atual contexto em que o Processo Civil se insere. Diante disso, inferiu-se que, à luz da nova tendência processual constitucional, se faz necessária a atribuição de autonomia à multa coercitiva, de modo que sua exigibilidade independa do resultado final do processo, incidindo a partir do momento que houve o descumprimento ou a resistência por parte do réu. Mais do que isso, conclui-se que a multa deverá ser revertida ao Estado, por ser ele o prejudicado com a renitência do réu, bem como que a destinação da multa não se confunde com aquela prevista no art. 14, inciso V, do Código de Processo Civil.

Palavras-Chave: Multa coercitiva. Exigibilidade condicionada. Mérito do processo. Efetividade. Tutela jurisdicional tempestiva e adequada.

Sumário: 1 Introdução; 2 Direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva e adequada; 3 Aspectos gerais da multa coercitiva e sua incidência; 4 Da fixação da multa coercitiva em decisões antecipatórias de tutela mandamental; 5 A relação entre a exigibilidade da multa prevista no artigo 461 do código de processo civil e o resultado final da demanda; 6 A relação entre a exigibilidade da multa prevista no artigo 461 do código de processo civil e o resultado final da demanda no anteprojeto do novo Código de Processo Civil; 7 Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto a investigação relativa à exigibilidade da multa prevista no artigo 461, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (BRASIL, Lei n. 5.869, 1973) (mais conhecida como astreinte). O objetivo geral desta pesquisa é analisar se é correto condicionar a exigibilidade imediata da multa prevista no artigo 461, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (BRASIL, Lei n. 5.869, 1973) ao resultado final da demanda ou se, noutro sentido, a multa torna-se exigível a partir do mero descumprimento da ordem judicial que a fixou.

Em resumo, o que se pretendeu investigar foi a possibilidade de executar o montante acumulado da astreinte, fixada em decisão interlocutória, mesmo após a sentença de improcedência do pedido.

Para tanto, partiu-se de uma interpretação do instituto a partir da influência constitucional no processo, sua natureza jurídica, finalidade e outras particularidades que auxiliam a tarefa de compreensão dos seus efeitos.

A pesquisa utilizou o método indutivo e abrangeu posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, promovendo a análise da legislação pertinente e valendo-se, também, da base principiológica.

O tema em discussão abarca grande polêmica acerca da atuação eficiente da jurisdição, visto que a incessante busca pelo aprimoramento da técnica a fim de alcançar a prestação da tutela jurisdicional tempestiva e adequada, tradução do próprio direito fundamental de ação (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal do Brasil, BRASIL, 1988), acaba por propiciar a criação de métodos coercitivos pouco conhecidos, o que gera sua aplicabilidade restrita.

Assim, considerando que um dos objetivos primordiais do Processo Civil é o de evitar a perpetuação do procedimento e a resistência às ordens judiciais, investigou-se a exigibilidade da multa coercitiva, por ser alvo de divergência doutrinária e jurisprudencial, cuja conclusão, para alguns, significa a renovação da interpretação do alcance da efetividade da jurisdição.


2. DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL TEMPESTIVA E ADEQUADA

Antes de tratar propriamente do direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva e adequada, se faz necessário investigar, muito brevemente, os passos que ensejaram a nova tendência da Lei Processual Civil, baseada na perspectiva constitucional, a qual fundamenta o novo delineamento da efetividade da sua prestação jurisdicional. Em o fazendo, tem-se que a evolução do processo moderno é resultado da pretensão de seu direcionamento a fins substancialmente justos, ou seja, expondo sua perspectiva teleológica (DINAMARCO, 2009, p. 259).

Dinamarco (2009, p. 259-260) explica essa evolução apontando três momentos do Processo Civil: o período do sincretismo, o autonomista, e o atual, teleológico (ou instrumentalista). Afirma que a fase sincrética consistia no conhecimento puramente empírico, sem qualquer influência de princípios, conceitos próprios ou método. O processo era visto como apenas procedimento, sem a compreensão da relação jurídica posta à apreciação, e sem participação ativa dos litigantes.

Já a fase conhecida como autonomista, nascida a partir dos ensinamentos de Oskar Von Büllow, trouxe a ideia, em termos sistemáticos, da existência de uma relação jurídica entre os principais sujeitos do processo (autor, réu e o juiz), e, a partir dessa sistematização, conduziu o direito processual como ciência, agora possuidor de seu próprio método e objeto material (jurisdição, ação, defesa e processo) (DINAMARCO, 2008, p. 260-261).

A fase teleológica parte da compreensão de que “o processo, como técnica de pacificação, não é algo destituído de conotações éticas e deontológicas nem de objetivos a serem cumpridos no plano social, no econômico e no político” (DINAMARCO, 2009, p. 262). Em outras palavras, trouxe essa nova fase de processo a definição de efetividade, consistente na capacidade de exaurir os objetivos e tirar todo proveito que o processo possa proporcionar à parte que dele dependa, no contexto político, social e jurídico.

Essa superação do modo de encarar o processo se deu a partir das contribuições de estudiosos italianos (a exemplo de Mauro Cappelletti e Vittorio Denti). E nesse plano, há a preocupação pelos resultados refletidos na vida dos jurisdicionados e com o fim de atender aos objetivos sociais e políticos do processo, notadamente quanto ao acesso à justiça e, em decorrência, à instrumentalidade do processo (DINAMARCO, 2009, p. 262). Agregou-se ao processo a sensibilidade necessária na resolução dos conflitos da sociedade, se preocupando tanto com resultados quanto meios.

O autor conclui nesse ponto:

Tal é o momento atual da ciência do Processo Civil – fase instrumentalista ou teleológica - em que se tem por indispensável definir os objetivos com o quais o Estado exerce a jurisdição, como premissa necessária ao estabelecimento de técnicas adequadas e convenientes. (DINAMARCO, 2009, p. 262).

Surge, assim, a preocupação com os objetivos do processo, sendo vinculada à pacificação social, à atuação do direito material e à autoridade estatal. É nesse ponto que o processo se propõe a pensar mecanismos que possibilitem a efetividade da jurisdição, traduzindo sua intenção de satisfazer plenamente às partes que dele dependam. Seu objetivo se torna comum aos das partes, se empenhando para que haja o melhor resultado no menor tempo possível.

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Portanto, a partir dessa nova visão do processo, a Lei Processual Civil passa a absorver os temas constitucionais, dando ênfase ao seu estudo a partir de princípios, garantias e disposições constitucionais (DINAMARCO, 2009, p. 55), de forma a embasar a realização dos fins pretendidos, inserindo-se em um plano processual constitucional, guiado pela ideia de contemporaneidade do pensamento na prestação jurisdicional. Nesse ponto, portanto, não é mais o direito constitucional que se move entre as regras processuais estabelecidas, sendo exatamente estas que permeiam as normas constitucionais.

Essa inserção acaba por traduzir a recíproca dependência entre esses institutos, não se cogitando mais falar de processo sem se falar de direito constitucional. Isto é, tanto quanto a tutela processual possui fundamentos constitucionais, a tutela constitucional igualmente se sustenta sobre os regramentos processuais de execução das normas. Concebe-se, assim, a tutela constitucional do processo, sob o método no Direito Processual Constitucional, o qual envolve o estudo e análise da recíproca influência entre Constituição e processo (DINAMARCO, 2009, p. 185 e 194).

Nesse contexto, com a norma prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988), que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, o processo absorve decisivamente a ideia de entrega da tutela jurisdicional de modo tempestivo e adequado, por ser tal diretriz desmembramento interpretativo do direito fundamental de ação. Logo, está-se diante do princípio do acesso à justiça, sendo aliada a tal preceito, a efetividade necessária ou, como definido por Bedaque (2001, p. 62), na “garantia ao devido processo constitucional, ao instrumento estatal de solução de conflitos”.

Tal direito fundamental possibilitou o acesso facilitado à jurisdição pela sociedade, e a proposição de medidas que possibilitassem, além do acesso propriamente dito, a “tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e à sua efetividade” (DINAMARCO, 2009, p. 117).

Além de princípio, pode-se conceber o acesso à justiça como direito fundamental, e sua vertente, a tutela jurisdicional efetiva, como garantia constitucional inafastável, dada sua previsão expressa no rol de direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988). Portanto, para falar de direito fundamental à tutela jurisdicional, necessariamente deve-se estudar normas dispostas na Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988), uma vez que o novo modelo do Direito Processual Civil é constitucional.

Nesse ponto, Nery Junior (2002, p. 20) afirma que:

Mesmo que se reconheça essa unidade processual [do Direito Processual Civil, como ramo do direito público], é comum dizer-se didaticamente que existe um Direito Constitucional Processual, para significar o conjunto das normas de Direito Processual que se encontra na Constituição Federal do Brasil, ao lado de um Direito Processual Constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional.

Na perspectiva de garantia constitucional, Silva (2007, p. 159) a define como imposição, positiva ou negativa, aos órgãos do Poder Público, limitativa de sua conduta, para assegurar a observância ou, no caso de violação, a reintegração dos direitos fundamentais. Percebe-se, portanto, que a própria Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988) estipula a inafastabilidade da prestação jurisdicional a quem dela dependa. Ainda quanto ao viés do acesso à justiça, cabe citar a visão de Bueno (2007, p. 101):

A compreensão de que nenhuma lei excluirá ameaça ou lesão a direito da apreciação do Poder Judiciário deve ser entendida no sentido de que qualquer forma de “pretensão”, isto é, “afirmação de direito” pode ser levada ao Poder Judiciário para solução [...]. Uma vez provocado, o Estado-juiz tem o dever de fornecer àquele que bateu às suas portas uma resposta mesmo que seja negativa no sentido de que não há direito nenhum a ser tutelado ou, bem menos do que isto, uma resposta que diga ao interessado que não há condições mínimas de saber se há, ou não, direito a ser tutelado [...].

E ao lado dessa regra constitucional, encontra-se o dever do Estado em prestar tal tutela com eficiência, ou seja, tempestivamente. Isto é o que se depreende da Emenda Constitucional n. 45/2004, que introduziu no texto constitucional o direito fundamental à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal do Brasil, BRASIL, 1988) (MARINONI, 2009, p. 225). Isto porque o tempo é fator decisivo no âmbito do amparo de direitos materiais lesados.

Acerca da importância do tempo no atendimento aos direitos, dos ensinamentos de Marinoni (2009, p. 227), extrai-se:

O tempo já foi visto como algo neutro ou cientificamente não importante para o processo. Certamente por isso foi jogado nas costas do autor, como se a demora fosse exclusivamente problema seu. Acontece que o tempo é uma necessidade: é uma necessidade do juiz, que dele precisa para formar a sua convicção, e uma necessidade democrática, advinda do direito de as partes participarem adequadamente do processo [...].

Percebe-se, portanto, que o acesso à justiça, consubstanciado na garantia da tutela jurisdicional efetiva, se estabelece como a concepção de processo como um instrumento hábil à realização de um fim. Surge, dessa forma, o que se chama de “três ondas do acesso à justiça”, “sendo cada uma delas voltadas a verificar em que medida o Direito Processual Civil e suas técnicas reúnem condições de realização de suas finalidades” (BUENO, 2007, p. 51).

A denominada “terceira onda”, que se relaciona ao objeto desta pesquisa, representa um novo pensar do Direito Processual Civil. De modo geral, essa onda propõe que a Lei Processual Civil garanta, de forma plena, os direitos materiais estampados, com a consideração do proposto nas duas primeiras (BUENO, 2007, p. 52-53).

Bueno (2007, p. 53) complementa:

É neste sentido que a proposta desta “terceira onde de acesso à justiça” reside muito mais na criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos, que dispensem ou, quando menos, flexibilizem a atuação da função jurisdicional; a criação de novos procedimentos de acordo com as vicissitudes do direito material controvertido e, de forma ampla, as reformas das leis processuais para que elas sejam mais aderentes às realidades externas ao processo.

Pode-se perceber que é filha deste preceito (erigido a direito fundamental de acordo com o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal do Brasil, BRASIL, 1988) a ideia de um processo efetivo, o qual não pode se conformar em apenas declarar um ato processual que possa produzir efeitos, mas sim investigar se houve concretamente a produção dos seus efeitos pretendidos. Dito o mesmo por outras palavras, deve-se ter em mente que, para pensar em direito fundamental de acesso à justiça, é necessário refletir sobre sua aplicação efetiva.

Tem-se disso, que a tutela jurisdicional prestada que esteja desacompanhada de condições para seu próprio cumprimento, representa violação do princípio do acesso à justiça, visto que, bem mais do que apenas direito ao processo, o acesso à justiça diz respeito ao direito a um processo que efetivamente represente um efeito no plano da realidade dos fatos.

Sob tal prisma da efetividade do processo, cabe citar, brevemente, as notas apontadas por Moreira (1984, p. 27), que nos ensina que (a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados a todos os direitos, (b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis sejam quais forem os titulares dos direitos, é importante (c) assegurar condições propícias à exata e completa restituição dos fatos relevantes, de modo que o convencimento do julgador corresponda à realidade; (d) no âmbito da possibilidade prática, o resultado do processo deverá assegurar à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento e, finalmente, (e) o resultado deverá ser atingido com o mínimo dispêndio de tempo e energias.

Continua o autor que os pontos “a” e “b” se traduzem no “âmbito de atuação” do processo, o qual enfrenta os conflitos de interesses a ser solucionados, representando os demais pontos, o modo de ser do processo (MOREIRA, 1984, p. 28). Dessa sorte, tem-se que o âmbito de atuação proposto está vinculado à capacidade do instrumento (processo) à realização dos fins sociais e políticos, levando em conta os aspectos que impedem tal acesso à justiça (tanto em relação à matéria posta à apreciação, quanto à legitimidade de quem a pleiteia). O modo de ser, por outro lado, se refere ao modo de atuação do processo, relativo à atividade jurisdicional envidada para a obtenção do resultado prático (MOREIRA, 1984, p. 28-29).

Nesse contexto, Bedaque (2001, p. 24) aponta o que, na sua visão, seria a efetividade do processo:

Efetividade da tutela jurisdicional significa a maior identidade possível entre o resultado do processo e o cumprimento espontâneo das regras de direito material. Ou seja, a parte somente necessita pedir a intervenção estatal se não houver satisfação voluntária do direito. Espera-se, pois, que essa atuação possa proporcionar ao titular do interesse juridicamente protegido resultado idêntico, ou, pelo menos semelhante, àquele previsto no ordenamento substancial e não obtido pela vontade do obrigado.

Ou seja, é possível concluir que todos os direitos fundamentais materiais dependem do direito fundamental de ação, bem como o necessitam também em termos de efetividade e celeridade, sendo possível afirmá-lo, portanto, como o mais fundamental de todos, uma vez que imprescindível à concretização dos demais (MARINONI, 2009, p. 208-209).

Em outras palavras, o direito ao acesso à justiça, o qual envolve o direito à tutela efetiva da jurisdição, é um direito fundamental instrumental, pois no caso de seu descumprimento, há o comprometimento dos demais direitos fundamentais de cunho material.

Nas palavras de Dinamarco (2009, p. 188):

Ela [a garantia de acesso à justiça] é a síntese e razão de ser de todas as garantias – inclusive a do devido processo legal, que tutela todas as demais – pela simples razão de que nela reside a promessa constitucional de que os serviços jurisdicionais devem ser realizados com vistas postas no resultado final do processo. Assegurar acesso à justiça é assegurar justiça. Por isso também, essa garantia-síntese inclui a promessa de propiciar, pela via do processo, não somente a efetividade dos direitos (diretamente) mais ainda o respeito a todas as demais garantias (sobre o processo como meio de atuação das garantias constitucionais). (itálico no original).

Portanto, a ideia de efetividade perpassa pela vertente relativa ao tempo do processo, relacionada ao considerável lapso de tempo que os litigantes necessitam aguardar para ver seu direito concretamente satisfeito (BERTOLO, 2005, p. 24).

Continuando tal pensamento, Bertolo (2005, p. 23) ensina:

Acesso à justiça equivale à obtenção de resultados justos. É o que também já se designou como acesso à ordem jurídica justa (Kazuo Watanabe). Não têm acesso à justiça aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de qualquer ordem.

Cabe ainda dizer que sua importância, além da materialização dos direitos materiais, se encontra na manutenção da própria ordem democrática, visto que o Estado, como proibidor da autotutela e detentor do monopólio da jurisdição, confere o direito de ação ao jurisdicionado (que antes era vinculado tão somente à solução do mérito, mas hoje se estabelece no direito à tutela jurisdicional efetiva), e acaba por assumir a responsabilidade pela solução dos conflitos e da tutela dos direitos (MARINONI, 2009, p. 209). Continuando seu raciocínio, o autor afirma:

Tal direito fundamental [...] não requer apenas técnicas e procedimentos adequados à tutela dos direitos fundamentais, mas sim técnicas processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. Como é evidente, a resposta do juiz não é apenas uma forma de se dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial (MARINONI, 2009, p. 241).

Nesse contexto, Bedaque (2001, p. 24) trata a efetividade da tutela jurisdicional como a comunicação entre processo e o cumprimento dos ditames do direito material, proporcionando o jurisdicionado o resultado garantido no ordenamento jurídico, e não cumprido espontaneamente pela parte contrária. Entende o autor que o insucesso na entrega da tutela efetiva da jurisdição, seria o mesmo que denegar a tutela, pois da mesma maneira o Estado não estaria conferindo a proteção que garantiu aos jurisdicionados. Continua o autor falando sobre a efetividade e direito à tutela jurisdicional:

Ineficácia ou inefetividade da tutela jurisdicional representa verdadeira denegação dessa mesma tutela, pois não confere ao titular do direito a proteção a que se propôs o Estado, ao estabelecer o monopólio da jurisdição. Direito à tutela jurisdicional, como garantia constitucional (CF, artigo 5º, inciso XXXV), significa direito à tutela efetiva, o que somente se torna possível se houver instrumentos adequados para alcançar esse resultado. (BEDAQUE, 2001, p. 25).

Verifica-se, portanto, que muito mais do que simplesmente a resposta jurisdicional no caso concreto, o juiz deve aplicar todos os mecanismos processuais possíveis a sua concretização, “pois o seu direito [do jurisdicionado] não se resume à possibilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído” (MARINONI, 2009, p. 241). Podemos dizer, em outras palavras, que a tutela não se limita à declaração do provimento, como ato processual simplesmente, mas nos efeitos projetados pela ordem judicial na vida dos jurisdicionados.

E para tal desiderato, por lógica, se faz necessária a observância dos direitos materiais, uma vez que a ideia de justiça é fundamentada na natureza instrumental de proteção de direitos materiais (MARINONI, 2009, p. 114).

Portanto, pode-se dizer que a correta denominação dessa vertente constitucional é de direito fundamental à tutela jurisdicional dos direitos materiais de modo tempestivo e adequado. Desse modo, o dever da jurisdição se concentra na responsabilidade de dar conta das necessidades do direito material de seus jurisdicionados, através da criatividade da aplicação de técnicas e procedimentos processuais efetivos (MARINONI, 2009, p. 114 e 118).

Nesse mesmo norte, posiciona-se Nery Junior (2002, p. 100), quando afirma que:

Pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio.

Logo, como já dito, representando o direito fundamental à tutela jurisdicional como imposição positiva de conduta ao Poder Judiciário, a visualização da sua respectiva eficácia, mais precisamente, “a eficácia imediata dos direitos fundamentais sociais e da eficácia direta dos direitos fundamentais sobre os particulares” (MARINONI, 2009, p. 66), se faz necessária até como modo de comprovação da observância do preceito constitucional. E tal eficácia relacionada com a tutela jurisdicional, invariavelmente, se dá através do dever-poder do magistrado na atuação do disposto na Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988). Nesse viés é a posição de Dinamarco (2009, p. 117) quando afirma:

É indispensável que o juiz cumpra em cada caso o dever de dar efetividade ao direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica. Tal é mesmo um dever do juiz, estabelecido no artigo 125, inc. II, do Código de Processo Civil. (grifei).

Pertinente citar as palavras de Marinoni (2009, p. 66), o qual afirma a impossibilidade de se dissociar jurisdição e dinâmica processual, haja vista que a satisfação do direito posto à apreciação judicial, perpassa pela correta escolha do meio processual hábil, através da técnica processual, estrutura fática, comportamento dos auxiliares judiciários e do próprio magistrado.

Cabe lembrar ainda que a tarefa de atender satisfatoriamente na proteção dos direitos fundamentais envolve também a compreensão de direitos e garantias não previstos expressamente na lei, mas concentrados em sua essência. Ou seja, a entrega da tutela jurisdicional dos direitos materiais se dá inclusive nos casos de omissão legislativa, não sendo por tal motivo que o dever de proteção da jurisdição é afastado. Tal abrangência na atuação do juiz na tutela dos interesses de seus jurisdicionados se deu através da redefinição do princípio da tipicidade das formas executivas que vigorava na época do Estado liberal (MARINONI, 2009, p. 122).

Através desse princípio, buscava-se trazer a máxima segurança jurídica aos jurisdicionados, através da imposição de limites ao poder do juiz em relação às formas que a atividade jurisdicional poderia ser exercida (MARINONI, 2009, p. 122). E mais, “dava-se ao litigante a garantia de que, no caso de sua eventual condenação, a jurisdição não poderia ultrapassar os limites dos meios executivos tipificados” (MARINONI, 2009, p. 122).

No entanto, a tipificação legal dos meios executivos disponíveis ao juiz fazer valer a determinação judicial não era suficiente quando da adequação a cada caso, devendo passar por uma nova formulação de acordo com as realidades postas a apreciação. Em razão disso, e pela ampla preocupação quanto à efetividade no plano processual, a instituição de normas processuais diferenciadas de interpretação e aplicabilidade, hábeis a conferir a possibilidade de aplicação nos mais variados casos necessários ao cumprimento da ordem judicial, foi medida inevitável.

Nesse contexto, surge a regra legal contida no artigo 461 do Código de Processo Civil (BRASIL, Lei n. 5. 869, 1973), a qual se substancia na efetividade das decisões mediante a aplicação de mecanismos executivos eficazes (e antecipados, dada a sumariedade da cognição), a depender da tutela a ser entregue.

Do texto do artigo citado, verifica-se a contemplação, pelo legislador, de medidas, à escolha do magistrado, que melhor atendam a efetivação de sua decisão. Melhor explicando:

A rebelião da prática contra o formalismo processual e a favor da efetividade dos novos direitos constitui o balão de ensaio dos novos artigos 273, 461 e 461-A do Código de Processo Civil. [...] Tais artigos demonstram a superação do princípio da tipicidade, deixando claro que, para o processo tutelar de forma efetiva as várias situações de direito substancial, é indispensável não apenas procedimentos e sentenças diferenciados, mas também que o juiz tenha amplo poder para determinar a modalidade executiva adequada ao caso concreto. (MARINONI, 2006).

É delineado, dessa forma, o processo orientado pelo poder da escolha pelo magistrado da modalidade executiva mais adequada ao caso concreto, denominado princípio da concentração dos poderes de execução (MARINONI, 2006). Tal delineamento é embasado numa ótica constitucional, na qual deverá se resguardar a efetividade da tutela através da adequada e tempestiva prestação jurisdicional, “com o mínimo de garantias de meios e resultados” (DINAMARCO, 2009, p. 118).

Dessa maneira, desenvolveram-se, à luz da necessidade de uma prestação da tutela jurisdicional adequada e tempestiva, tutelas de urgência dotadas de mecanismos próprios para a sua efetivação, de modo a pretender a proteção do direito de ação do jurisdicionado, imunizando-o da morosidade do processo e da resistência do réu. E, a partir disso, concebe-se a multa estabelecida pelo artigo 461, §4º, do Código de Processo Civil (BRASIL, Lei n. 5.869, 1973) como instrumento hábil a garantir o direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva e adequada, sendo considerada o principal meio coercitivo para o cumprimento das decisões judiciais prolatadas em sede de antecipação de tutela.

Sobre os autores
Leonardo Beduschi

Graduado em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Mestrando em Ciência Jurídica na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor titular de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo na Universidade Regional de Blumenau (FURB).

Eloisa Brehmer

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional de Blumenau (FURB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEDUSCHI, Leonardo; BREHMER, Eloisa. A relação entre a exigibilidade da astreinte e o resultado final da demanda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3347, 30 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22523. Acesso em: 24 dez. 2024.

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