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Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal

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7. INEFICÁCIA FACE AO DIREITO NATURAL E/OU INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE[1] E DA PROPORCIONALIDADE[2]

7.1. Anedota Jurídica: A não revogação da Lei da Gravidade por uma Câmara de Vereadores

“Em uma pequena cidade nos rincões do Brasil, havia um problema crônico de falta d´água, sendo que, em administrações anteriores havia sido furado um poço artesiano para abastecimento, mas que nunca tinha sido ligado ao sistema de distribuição daquela localidade.

Convocada uma audiência pública na Câmara Municipal para tratar do tema, o técnico responsável pelo sistema de abastecimento foi categórico: - Não se pode ligar este poço à rede de distribuição por causa da Lei da Gravidade.

Foi então que um dos vereadores disse: - Não tem importância, nós revogamos esta lei!

Neste momento, o presidente da Casa, mais experiente, disse: - Não podemos revogar esta lei nobre colega, ela é uma Lei Federal!”

Esta anedota corre por várias cidades do interior do país e é bem provável que nunca tenha acontecido, sendo apenas uma forma bem humorada, ao estilo do povo brasileiro, de ilustrar o despreparo que às vezes existe por parte de alguns integrantes de casas legislativas.

Contudo, após os sérios ataques à legislação ambiental brasileira em franca contrariedade à ciência e à vontade da população, enfraquecendo e até destruindo os institutos já consagrados como o da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente (como o que foi feito neste Novo Código Florestal), tal anedota passa a ser pertinente.

Justifica-se: Para qualquer pessoa é evidente a impossibilidade de uma norma jurídica revogar a Lei da Gravidade (uma lei física da natureza que ocorre independentemente da vontade humana). Todavia, o legislativo não viu com a mesma clareza a impossibilidade de se extirpar ou diminuir-se a tamanhos irrisórios as áreas de preservação permanente, principalmente as matas ciliares e de encosta de montanhas e morros, mesmo com a advertência de cientistas e ambientalistas de que tais áreas são essenciais para a manutenção dos cursos d´água, contenção de desmoronamentos e erosões e funcionam como corredores ecológicos essenciais à biodiversidade.

De igual maneira não viu o legislativo a advertência que a extinção/redução a percentuais ínfimos de Reserva Legal causa na perda de biodiversidade e nas funções ambientais/ecológicas deste instituto.

Ora, durante a discussão do Código Florestal restou pacífico que esta alteração reduzindo-se as APPs e Reservas Legais contrariou frontalmente os conhecimentos científicos acumulados, ficando claro tal fato na carta de repúdio ao Novo Código Florestal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência:

“Mesmo no relatório aprovado no Senado mostramos pontos deficientes que precisariam  mudar. Exemplo: as Áreas de Preservação Permanentes (APPS) nas margens de cursos d´água deveriam ser integralmente restauradas e demarcadas a partir do nível mais alto do rio, e não de um nível regular como foi aprovado..” (http://www.sbpcnet.org.br/site/codigoflorestal/aprovacao.php)

Apenas para registrar que tal situação contraria, inclusive, o artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal – “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.”, quando o legislador, cedendo à pressão de uma minoria fez ouvidos moucos à grande maioria da população que em pesquisas era absolutamente contra a qualquer retrocesso à legislação ambiental (95% dos entrevistados pelo Instituto Data Folha foram contra a manutenção de pecuária e agricultura nas áreas de preservação permanente - http://www.ecodesenvolvimento.org.br/posts/2011/junho/pesquisa-aborda-opiniao-da-sociedade-sobre-o-novo).

7.2 A interface entre as leis da natureza e o Direito Ambiental – Sanções Jurídicas e Sanções da Natureza – invalidade frente ao Direito Natural

Voltando-se à anedota do início deste texto: E se os vereadores de nossa fictícia cidade tivessem editado uma Lei Municipal com a seguinte redação: “Art. 1º Fica revogada neste Município a Lei da Gravidade. Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”?

O que seria esta lei? Inconstitucional? Inválida? Ilegal? Inaplicável?

É impossível enfrentar este tema sem analisarmos ao menos superficialmente – em razão da limitação de espaço que um artigo impõe – a antiga discussão entre o jusnaturalismo e o juspositivismo (ou entre o Direito Natural e o Direito Positivo).

Resumindo-se em muito tão complexa visão destas duas Escolas do Direito e correndo-se todo o risco que tal reducionismo implica, a questão focal é: existem princípios ou normas já implícitos, inerentes ou pré-existentes ligados à natureza em si ou à natureza do Homem (portanto, acima do Direito Positivo) ou todas as normas jurídicas emanam do Direito Positivo?

Os defensores do Direito Natural sustentam a pré-existência de normas jurídicas inerentes à natureza e ao ser humano, sendo que tais “Direitos Naturais” não poderiam ser ignorados ou contrariados pelo Direito Positivo.

Como se sabe, o Direito Positivo é aquele emanado de uma autoridade competente pré-legitimada por uma norma de competência que lhe atribui poderes para criar o Direito – p. ex. Poder Legislativo, Poder Executivo na função legislativa atípica ou na função regulamentar, Poder Judiciário ao dizer o Direito no caso concreto, etc....

Por outro lado, o professor João Maurício Adeodato, da Universidade de Recife, em artigo escrito em espanhol para o livro “Las Razones Del Derecho Natural” coordenado por Renato Rabbi-Baldi Cabanillas (2008, p. 71), apresenta os dois postulados do Direito Natural:

“El iusnaturalismo puede definirse, grosso modo, a partir de dos postulados, fundamentales: a) hay un orden jurídico más allá del efectivo, del observable empíricamente por los órganos de los sentidos, que es metafóricamente designado ‘natural’, entendiéndose la ‘naturaleza’ como algo no producido por el ser humano; b) encaso de conflicto con el orden positivo, debe prevalecer el orden ‘natural’, por ser el criterio externo de correspondencia de aquel, hetero-referente (y superior) en relación al derecho positivo.”

Já os defensores do juspositivismo defendem que não há Direitos pré-existentes ou acima do sistema jurídico positivo, até porque as diferenças culturais e sociais das várias sociedades humanas levam ao relativismo absoluto, sendo que uma conduta não aceita na maioria das sociedades (escravidão, infanticídio, incesto, etc...) podem ser aceitas em outras que tem seu regime jurídico próprio.

Para estes, como afirma Kelsen, basta que a norma seja emanada da autoridade competente e que tal competência venha atribuída em outra norma de hierarquia superior. Para Kelsen, a última norma superior é uma norma pressuposta (norma hipotética fundamental) que dá competência ao legislador Constitucional para suas atribuições (Teoria Pura do Direito, p. 277).

Neste mesmo sentido é a lição do professor João Maurício Adeodato (2008, p. 77):

“Filosóficamente, puede decirse que el positivismo jurídico se caracteriza por aceptar que el derecho resulta de un acto de poder competente, pudiendo asumir cualquier contenido. Es autorreferente, pudiendo asumir cualquier contenido. Es autorreferente; procedimental y en cierto modo irracional en cuanto al contenido, en la medida que rehúsa un paradigma externo que configure la posibilidad de una materia ética ‘necesaria’.”

Sem pretensão de buscar responder qual das duas correntes está com a razão, o que se busca afirmar neste artigo é que não pode o homem ignorar as Leis da Natureza sob pena de ser sancionado por ela.

Assim, ninguém em seu juízo normal, ainda que haja uma ‘lei municipal’ revogando a Lei da Gravidade, irá pular do décimo andar de um prédio pensando que sairá flutuando.

Contudo, a mesma racionalidade não é adotada quando se busca desproteger as margens de rios, encostas e topos de morro de sua vegetação protetora, com a finalidade exclusiva de ocupação econômica, buscando-se lucro no curto prazo, seja para fins imobiliários ou agropecuários.

Também neste caso é inolvidável que ocorrerá a conseqüência de se ignorar a Lei da Natureza segundo a qual é imprescindível a existência de vegetação nas margens de rios, entorno de nascentes, encostas e topos de morros, sob pena de erosão, assoreamento, desmoronamento, perda de biodiversidade e escassez de água.

Portanto, o desmatamento de áreas de preservação permanente, a despeito de sofrer sanção jurídica em nosso Direito, tanto na esfera civil (com necessidade de reparação do dano in natura e indenização da parte não recuperável), administrativa (com imposição de multa), e criminal - art. 38 e 39 da Lei de Crimes Ambientais, é sancionado de forma muito mais severa pela natureza, em razão da irresponsabilidade humana em sua ocupação.

Em obra essencial a quem busca entender a crise ambiental mundial pela qual estamos passando, o autor Jared Diamond (Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, 2007), analisa de forma profunda e didática, baseado em critérios científicos e pesquisas reconhecidas pela comunidade acadêmica, as razões do colapso de sociedades que já tiveram apogeu estrondoso, mas que, principalmente em razão de exploração ambiental insustentável, vieram a ser destruídas em seu modo de vida.

O autor narra em alguns trechos de sua obra a conseqüência do desmatamento desenfreado em sociedades antigas:

“Os povos pré-históricos do Pacífico desmataram suas ilhas em graus diferentes, indo desde o desmatamento superficial ao total, com conseqüências sociais que variaram desde a sobrevivência das sociedades até colapsos completos que mataram todos os seus membros.” (p. 35)

“Um dos problemas do solo mais disseminado é o da erosão, resultado de sérias mudanças que removem a cobertura de plantas que normalmente protege o solo: sobrepastejo, infestação de ervas daninhas, atividade madeireira ou incêndios florestais excessivamente quentes esterilizam a camada superior do solo.” (p. 68)

O exemplo mais impactante narrado por este autor é o da Ilha de Páscoa, que em seu auge chegou a ter 15.000 pessoas, bem alimentadas e estruturadas ao ponto de construírem moais (estátuas de pedra) de até 75 toneladas – para cuja construção era necessária muita gente, cordas feitas de casca de árvores, excedente de alimentos para alimentar artesãos e trabalhadores, dentre outros – vindo, ao seu final, em razão do colapso ambiental, ser o seguinte:

“A ilha de Páscoa é o exemplo mais extremo de destruição de florestas no Pacífico, e está entre os mais extremos do mundo: toda a floresta desapareceu, todas as suas espécies de árvore se extinguiram. As conseqüências imediatas para os insulares fora a perda de matérias-primas, perda de fontes de caça e diminuição das colheitas.

...

A maioria das fontes de alimento silvestre se perdeu. Sem canoas de alto-mar (em razão da extinção das árvores que serviam de matéria prima), os ossos de golfinho, principal fonte de carne dos insulares nos primeiros séculos, desapareceram dos monturos por volta de 1500, assim como o atum e os peixes oceânicos. O número de anzóis e ossos de peixe também diminuiu, sobrando apenas espécies que podiam ser capturadas em águas rasas ou na praia. As aves terrestres desapareceram completamente, e as aves marinhas foram reduzidas a populações marginais de um terço das espécies originais de Páscoa, confinadas a se reproduzirem em algumas ilhotas ao largo do litoral. As sementes de palmeira, os jambos e todos os outros frutos selvagens saíram de sua dieta. As espécies de moluscos consumidos reduziram-se e estes ficaram menores e muito menos abundantes. A única fonte de alimento silvestre que restou foram os ratos.

...

Estas foram as conseqüências imediatas do desmatamento e outros impactos causados pelo homem. As conseqüências posteriores começaram com fome, declínio da população e degradação até o canibalismo. Os relatos de insulares sobreviventes sobre a fome estão vividamente confirmados pela proliferação de pequenas estátuas chamadas moai kavakava, ilustrando gente faminta com bochechas afundadas e costelas salientes. Em 1774, o capitão Cook descreveu os insulares como ‘pequenos, magros, tímidos e miseráveis’. ... Em vez da antiga fonte de carne selvagem, os insulares voltaram-se para a maior fonte disponível e até então não usada: humanos, cujos ossos começaram a se tornar comuns não apenas nos cemitérios (quebrados para a extração do tutano) como também em pilhas de lixo tardias. As tradições orais dos insulares estão obsessivamente repletas de relatos de canibalismo.” (p. 139 – 140 – grifo nosso)

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A citação longa, mas necessária, evidencia a que ponto pode chegar uma sociedade que se descuida da preservação ambiental, explorando os recursos naturais a ponto de esgotamento.

Não necessitamos buscar apenas nas sociedades antigas a conseqüência do desmatamento e ocupação em áreas de matas ciliares e encosta e topos de morros. Basta acompanharmos os noticiários diários sobre desmoronamentos que aterram casas e causam morte – geralmente da população mais pobre – e da escassez de água provocada pelo assoreamento de cursos d´água fruto da exploração econômica insustentável.

Portanto, é inegável – até porque comprovada por inúmeros artigos científicos – a existência de uma “Lei da Natureza” que “determina” a proteção da vegetação nas nascentes e ao longo de cursos d´água, bem como nas encostas e topo de morros, lei esta que, quando desobedecida, impõe sanções naturais, independentemente das sanções jurídicas criadas pelo homem.

Portanto, impõe-se que reconheçamos a possibilidade em nosso sistema jurídico de transportar preceitos “naturais” e transformá-los em preceitos jurídicos, ainda que os mesmos não estejam positivados em nossa legislação.

Em Direito Ambiental é inegável a interface que devem ter os aplicadores do Direito com as ciências naturais: a tão apregoada interdisciplinaridade.

Contudo, esta interdisciplinaridade não se pode resumir a consulta aos estudos, perícias, etc. Ela deve aprofundar-se com a transposição de postulados naturais inquestionáveis erigidos a princípios jurídicos.

Tal transposição não é estranha ao Direito e, conscientemente ou não, já vem sendo realizada por Doutrinadores nacionais, podendo-se citar o professor Álvaro Valery Mirra, que ao estudar o postulado natural da “resiliência”, ou seja, a possibilidade da natureza suportar certos níveis de agressão intui o “princípio jurídico da tolerabilidade”.

Nas palavras do autor, “o princípio de tolerabilidade, compreendido na sua exata significação, longe de consagrar um direito de degradar, emerge, diversamente, como um mecanismo de proteção do meio ambiente, tendente a estabelecer certo equilíbrio entre as atividades interativas do homem e o respeito às leis naturais e aos valores culturais que regem os fatores ambientais condicionantes da vida.” (MIRRA, 2002, p. 100)

É certo que o autor, em seu livro, extrai este como um princípio implícito, oriundo do art. 225 da Constituição Federal, mas, é inegável que se trata de uma transposição de um postulado natural a um princípio jurídico.

Mas a pergunta inicial deste tópico se mantém: uma lei “jurídica” que contraria frontalmente uma “Lei da Natureza” é o que? Inválida? Inconstitucional? Ilegal? Ineficaz?

Para quem admita a existência do Direito Natural como limitante e outorgante de validade ao Direito Positivo, a resposta à questão é simples: a lei é destituída de validade por desrespeitar um preceito superior.

Não chegando a defender a invalidade do Direito Positivo frente ao Direito Natural, mas permitindo o “julgamento” e o “controle” daquele (positivo) por este (natural), o autor Michel Miaille, no livro Introdução Crítica ao Direito, ensina:

“As funções (confessas) explícitas do direito natural racional são, segundo os autores clássicos, confirmadas pela experiência comum: o direito natural deve inspirar o direito positivo, permite pois controlá-lo.

...

Então o direito natural executa o papel de um critério que permite julgar o direito positivo e medir-lhe a justiça intrínseca. Este juízo de valor não seve ser estranho ao jurista: é uma exigência indestrutível da Razão. O juiz, aliás, quando decide em termos de equidade, não faz mais do que apelar para esta consciência e conhecimento direto que tem da justiça – isto é, de uma ordem racional -, colocando-os como fundamento do seu julgamento. “Neste sentido, o direito natural serve ao mesmo tempo de critério do justo e de fonte complementar do direito positivo.” (p. 261 e 263)

7.3. Violação do princípio da razoabilidade

Contudo, para os que tenham apego positivista e não entendam que esta situação é de invalidade ao Direito Natural, a resposta pode estar na posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar uma Lei Estadual do Estado do Paraná, que obrigava que todos os caminhões de gás tivessem uma balança para que o consumidor pudesse aferir, no ato da compra, o peso do botijão. Ao deparar-se com a impossibilidade fática de seu cumprimento, já que em razão do desnível das ruas e locais é impossível ter uma balança acoplada a um caminhão – entendeu a Suprema Corte que tal Lei viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 10.248/93, do Estado do Paraná, que obriga os estabelecimentos que comercializem Gás Liquefeito de Petróleo - GLP a pesarem, à vista do consumidor, os botijões ou cilindros entregues ou recebidos para substituição, com abatimento proporcional do preço do produto ante a eventual verificação de diferença a menor entre o conteúdo e a quantidade líquida especificada no recipiente. 3. Inconstitucionalidade formal, por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF/88, arts. 22, IV, 238). 4. Violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos. 5. Ação julgada procedente.” (DJE nº 59, divulgado em 26/03/2009)

Aliás, com a tendência moderna de constitucionalização da maioria dos postulados de Direito Natural, a discussão entre juspositivismo e jusnaturalismo acaba quase que superada. É o que ensina o professor Paulo Ferreira da Cunha (2008, p. 58):

“Por otra parte, en el terreno constitucional – que también hemos cultivado -, es grande la tentación de prescindir del iusnaturalismo. A modo de síntesis, se diría que las tendencias neoconstitucionalistas y afines ahorran apelaciones a la trascendencia, porque los grandes principios iusnaturalistas ya están positivados.”

Contudo, mesmo nestes casos de Constitucionalização (ou aplicação do princípio da razoabilidade) muitos autores defendem a sua aplicação com fundamento no Direito Natural. Confira-se a lição de Luis Roberto Barroso:

“O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para se aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa ela radicar-se perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica.” (Interpretação e aplicação da Constituição, Ed. Saraiva, 1996, p. 204-205)

Assim, como na Constituição está previsto que o meio ambiente sadio é direito de todos e todos têm o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225), é perfeitamente reconhecível que tal norma permite que se eleve a postulados jurídicos alguns postulados naturais, tal como a necessidade de preservação das áreas de preservação permanente, já que, violando-se tais áreas, não se terá um ambiente sadio e essencial à qualidade de vida, nem, muito menos, teremos ele preservado para as futuras gerações.

Defendendo a idéia de que o instituto das áreas de preservação permanente tem ligação estreita com o artigo 225 da Constituição Federal e seus incisos, José Augusto de Oliveira Franco ensina:

“Através de tais previsões verifica-se que a Constituição Federal recepcionou o Código Florestal e o instituto das áreas de preservação permanente, como elemento essencial, em mais de uma das descrições do parágrafo supracitado, para atingir os objetivos pretendidos.

O inc. I impõe ao Poder Público, independente de lei ou regulamento, o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais que devem ser entendidos como todos os processos básicos necessários à manutenção da vida em todas as suas formas.

...

Como as matas ciliares estão estreitamente ligadas à qualidade e quantidade da água dos rios e aos ciclos hidrológicos, fazem parte dos mencionados processos ecológicos, essenciais e como tais devem ser preservadas.

...

Quanto ao inc. II, este também é aplicável ao instituto, uma vez que o mesmo apresenta como finalidade e conseqüência a manutenção da biodiversidade, enquadrando-se nesta diversidade genética, riquíssima nas áreas ribeirinhas, diante da diversidade de habitats que abriga e seu alto grau de endemismo. Ressalte-se que tal inciso determina ainda ao poder público que fiscalize as entidades dedicadas às atividades de pesquisa e manipulação de material genético, o que, sob este prisma, foge do escopo do instituto em análise.

Porém, de extrema importância para a compreensão da base constitucional e mesmo da natureza e alcance do instituto das APPs, como matas ciliares, é o inc. III, que determina ao poder público a definição, em todas as unidades da federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, especificando que a supressão ou alteração destes somente poderá ser permitida através de lei, e, por fim, vedando qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção.

Pois é exatamente sob esta definição que se encaixam as Áreas de Preservação Permanente; tratando-se de espaços territoriais que por suas peculiares características a lei determinou fossem preservados, impedindo, assim, qualquer uso que comprometa a integridade dos atributos que fundamentam sua proteção.” (p. 80-82)

Portanto, independentemente da análise sob outros prismas, tais quais princípio da vedação ao retrocesso ou impossibilidade de norma estadual ou municipal ser menos restritiva que a federal, dentre outros, parece que a descaracterização via legislativa do instituto da Área de Preservação Permanente viola a razoabilidade e, portanto, é inconstitucional.

7.4. Violação do princípio da proporcionalidade

7.4.1 Dimensão objetiva dos direitos fundamentais

Cimentada a premissa de que o direito ao meio ambiente é um direito fundamental, infere-se na sequência que implica ao Estado tanto deveres omissivos como comissivos, algo tributário da construção germânica da dimensão objetiva dos direitos fundamentais (o precedente de partida é o caso Lüth, disponível em SCHWABE, 2011, p 386-494). À partida, a construção dos direitos fundamentais, mormente em função da sua inserção no texto constitucional, cuja força jurídica pretendeu vincular o Estado nas suas mais diversas competências, engendrou os direitos como ordem limitativa do poder estatal. Essa perspectiva objetiva consagra políticas valorativas eficazes a todo o ordenamento jurídico restante e servem de norte vinculativo a todos os órgãos estatais (SARLET, 2007, p. 166-168).

Logo, como a pretensão dessa vinculação dos poderes públicos seria incompleta sem uma forma que garantisse a sua tutela, a percepção imediata da posição do indivíduo frente ao Estado implica a noção de uma categorização juridicizável de defesa desses direitos em sua eventual violação, qual seja, o direito subjetivo (NOVAIS, 2003, p. 57).

Não obstante, em razão da contribuição doutrinária e jurisprudencial, especialmente tedesca, percebeu-se que as normas de direitos fundamentais ostentam um duplo viés: um subjetivo e outro objetivo, este existe independentemente daquele. Com esse desenvolvimento, destrinçou-se o paradigma direito subjetivo/objetivo, isto é, o prisma objetivo dos direitos fundamentais não se contenta a apenas ser a “outra face da moeda” dos direitos subjetivos, no sentido de que qualquer situação jurídica subjetiva tenha de ter correspondência em alguma norma de direito objetivo que a contemple. Em rigor, sobreleva uma faceta independente da categoria “direito subjetivo”, de conteúdo normativo-valorativo, que confere um plus funcional aos direitos fundamentais (SARLET, 2007, p. 57).

São vários os desdobramentos dessa faceta jurídico-objetiva, ainda de extensão um pouco nebulosa, mas os que mais interessam ao objeto de estudo são a consagração na dogmática jurídica de que todos direitos fundamentais irradiam efeitos a todo o ordenamento jurídico e impõem ao Estado um dever de proteção e concretização desses direitos e de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais (SARLET, 2007, p. 161-175), do qual se ampara a base teórica da defesa contra uma insuficiência na realização de direitos sociais e, por que não admitir, de direitos de 3ª dimensão, voltados à defesa da cidadania coletiva. Conforme apontam PIEROTH e SCHLINK (2008, 24), há câmbio de perspectiva: os direitos fundamentais concedem ao particular margem de autonomia ao mesmo tempo em que a retiram do campo decisório do Estado, inclusive do legislador, sem importar se o indivíduo realmente goza ou não de algum direito.

Sem querer esmiuçar os vários aspectos objetivos dos direitos fundamentais, é fato que essa concepção de uma função ou caráter objetivo dos direitos fundamentais permite uma construção integrativa, a formatar os direitos fundamentais não mais apenas naqueles compreendidos no status negativus de Georg Jellinek (JELLINEK, 2002, p. 387-389, para uma ideia muito breve da sua teoria do status), mas complementá-los com os direitos enquadráveis no status positivus (PIEROTH; SCHLINK, 2008, p. 24). Expandem-se para não se limitarem apenas aos direitos subjetivos de liberdade, mas transcenderem a espectros valorativos ou diretrizes axiológicas. Aliás, comenta-se até de um novo status positivus socialis, no intuito de cimentar que a crescente intervenção do Estado na área econômico-social altera o paradigma dos direitos fundamentais unicamente como limites ao Estado, mas conferindo-lhes objetivo maior (PEREZ-LUÑO, 2007, p. 24-25).

Já se defendeu em outro artigo (ALMEIDA, 2011, p. 95-97) que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais representa um reforço de juridicidade à categoria dos direitos sociais, extirpando, por consequência, as objeções relacionadas a sua exigibilidade. Perde o sentido conceber os direitos sociais como simples apelos ao legislador, como meras normas programáticas. De igual forma, em relação aos direitos de terceira dimensão ou de solidariedade/fraternidade, como é o caso do meio ambiente, pode-se advogar que todas as normas jurídicas constitucionais recebem robustez de juridicidade dos deveres dirigidos ao Estado de tutelar e dar efetividade aos valores subjacentes aos direitos, dar-lhes concreção. Esse reconhecimento na norma suprema do Estado dos valores ordenados obriga o poder a subalternar-se a esses valores diretores da ordem jurídica, a comportar-se em subserviência a esses vetores axiológicos.

Os direitos talhados na Constituição carecem, em linha de princípio, de uma maior densificação, a qual é outorgada em primeira mão ao legislador, lídimo representante do povo. No entanto, se fica patente a existência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e se há reconhecimento da vinculação de todos os poderes públicos à égide da Constituição [no caso brasileiro, o próprio ALEXY (1999, p. 73) já a sustentou com base na dicção constitucional do artigo 5º, §1º] e, por tabela, aos direitos fundamentais, inclusive os sociais e de terceira dimensão, o Estado, seja na atividade administrativa ou na atividade legislativa, não pode violar o direito fundamental por comprimi-lo além de um limite que lhe retire um mínimo de proveito ou deixá-lo sem uma tutela eficiente, sob pena de contumélia irremissível à Constituição.

Nesse desiderato, o legislador constituinte recepcionou o Código Florestal de 1967, porquanto dava concreção ao direito ao meio ambiente e cumpria com o encargo protetivo imposto pelo poder constituinte. Nessa ótica, verifica-se que, ao diminuir a margem de proteção, houve um excesso do legislador desproporcional e, portanto, ilegítimo sob o enfoque constitucional.

7.4.2 Desproporcionalidade do novo Código Florestal

Destarte, cumpre avaliar se o retrocesso legislativo macula uma norma constitucional de controle dos atos e omissões do poder público: o princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade foi malferida pelo novo diploma legal.

En passant, é imperioso registrar que o princípio da proporcionalidade é um cânone jurídico de controle que não se confunde com a razoabilidade (ÁVILA, 2008, p. 143-145), antes é mais amplo que ele, porque engloba uma estrutura formal que possibilita um controle mais objetivo do ato normativo sindicável, com a avaliação de uma relação entre meio e fim.

De início, a noção de proporcionalidade não é algo estranha ao ser humano, pois já em Aristóteles (2009, p. 123 e ss.) havia uma conjugação da ideia de justiça com a de proporção. Todavia, sua utilização como standard de controle judicial teve gênese na Alemanha primeiro por obra propositiva de juristas alemães do século XVIII no âmbito do direito administrativo, para controle dos atos de polícia. Seu traslado ao direito constitucional na Alemanha deveu-se ao Tribunal Constitucional Federal Alemão, que, no precedente das farmácias (Apothekenurteil), aplicou o teste de proporcionalidade para avaliar legislação da Baviera sobre a regulamentação das farmácias em 1958. A partir daí, o Tribunal Constitucional Federal consolidou sua jurisprudência em relação ao princípio, dando-lhe status de princípio constitucional (COHEN-ELYA; PORAT, 2010, p. 271-276; SWEET; MATHEWS, 2008, p. 97-104).

Mas o princípio - não se comunga da opinião de Alexy (2008, p. 117) de que seja este standard uma regra, pois é passível de reconstrução da hipótese normativa de forma ampla, o que realmente o caracteriza como princípio (DUARTE, 2009, p. 165) – da proporcionalidade ultrapassou os marcos territoriais da Alemanha e espraiou-se a outros ordenamentos jurídicos nacionais e a outros sistemas de direito internacional. Pode-se pensar que isso se deve ao próprio caráter sistematizador querido pelos ordenamentos jurídicos no intuito de assegurar-lhes uma unidade, que lhe outorga um viés de “norma jurídica global” (PHILIPPE, 1990, p. 9).

A proporcionalidade possui uma estrutura racional própria, com etapas pré-definidas quanto à ordem, contendo elementos autônomos entre si (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Essas etapas são subsidiárias, cujo exame faz-se na ordem como foram apresentadas em caso de ser ultrapassada a etapa anterior, ou seja, não é necessário avaliar sempre se a medida é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Se não for adequada, é desproporcional; se for adequada, mas desnecessária, é desproporcional; se for necessária, adequada e desproporcional em sentido estrito, será, evidentemente, desproporcional (ALEXY, 2005, p. 572-577; BOROWSKI, 2000, p. 38-39).

Na etapa da adequação, cogita-se se a medida adotada corresponde à finalidade engendrada na elaboração da norma; a medida imposta pela norma será, pois, adequada se sua eficácia contribuir para a promoção paulatina do fim.

No que se refere à etapa ou sub-regra da necessidade, deve-se aferir a existência de medidas opcionais que poderiam ter sido adotadas em vez da que acabou por ser escolhida pelo administrador ou pelo legislador. Essa procura de alternativa, contudo, pauta-se pelo critério de que haja alguma igualmente apta a promover ou fomentar o objetivo pretendido, porém com menor carga restritiva ao princípio contrário que a medida eleita possui. Inicialmente, busca-se saber se a medida tem o condão de contribuir igualmente para a consecução do objetivo esboçado e, na sequência, examina-se a intensidade de interferência ao princípio das medidas opcionais encontradas – será necessário o meio se não forem encontrados outros que satisfaçam essas duas condições. Nesse tocante, é interessante o apontamento de que o exame da adequação é absoluto, ao passo que o da necessidade é comparativo, isto é, enquanto na adequação o meio eleito pela norma é avaliado isoladamente, na etapa da necessidade ele é comparado com outros eventualmente pensados pelo julgador.

Finalmente, a fase da proporcionalidade em sentido estrito necessita de uma ponderação para sopesar a importância da interferência ou restrição de em um dos princípios de um lado e a promoção do objetivo público de outro. Perscruta-se se a importância da meta estipulada justifica o custo do sacrifício ou limitação ao direito fundamental atingido. Lobriga-se, por conseguinte, que a otimização fática é perquirida nas etapas da adequação e da necessidade, especialmente nesta fase, quando se avaliam outras medidas que poderiam restringir menos o direito fundamental que o meio escolhido, funcionando a primeira como um critério negativo ou excludente de possibilidades inidôneas. A otimização jurídica decorre do sopesamento que se faz no caso concreto na fase da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que aí se avaliará o peso do direito fundamental e da finalidade pretendida com o meio examinado, buscando o máximo de cada um. Nessa última fase, a ponderação definirá o princípio prevalente, estabelecendo a regra da colisão que prevalecerá no caso concreto.

Há que se ressaltar, também, que a proporcionalidade, que nos primórdios veio identificada com a proibição de excesso, ganhou alguns contornos próprios que merecem ser gizados na configuração de uma ponderação que leve em conta os deveres estatais de proteção decorrentes da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Ou seja, o direito fundamental na dimensão positiva – exigência de um dever positivo do Estado – é afetado justamente quando o Estado não age ou atua de forma insuficiente, o que é vedado (untermaβverbot). Em realidade, constata-se que a Constituição, como ordem-marco e como ordem fundamental, não exaure toda a legislação ordinária (ALEXY, 2002, p. 23). As leis infraconstitucionais não são todas necessariamente impostas pela Constituição ao legislador, o qual possui uma margem de decisão e de ponderação e pode agir, dentro da moldura constitucional, especialmente relacionado aos direitos fundamentais, com parcela de discricionariedade; em relação aos direitos fundamentais, o legislador tanto pode intervir para restringi-los, desde que não ultrapasse um limite excessivo, como deve protegê-los e mesmo dar-lhes densidade, sendo-lhe vedada uma insuficiência de tutela (CANARIS, 2009, p. 118-124; BERNAL PULIDO, 2007, p. 807-811).

In casu, o legislador, ao diminuir a área de preservação permanente para insignificantes 5 metros nas propriedades rurais de até 4 módulos fiscais, bem como ao dispensar a recuperação da reserva legal degradada até 2008, protegeu em menor proporção o meio ambiente. Todavia, não é nem caso de avaliar o controle pela proibição de insuficiência, ou seja, um controle omissivo do legislador, porque o próprio legislador já havia concretizado mais pormenorizadamente o direito ambiental em questão com o Código Florestal revogado. Logo, trata-se, sobretudo, de perscrutar a violação ao princípio da proporcionalidade por ato legislativo positivo, na medida em que, ao retroceder o grau de proteção ao bem jusfundamental, acabou por afetar negativamente a própria norma protetiva do artigo 225, caput, da Constituição Federal. Será inconstitucional essa afetação negativa se ela for desproporcional.

Porém, para que seja desproporcional essa afetação negativa do princípio do direito ao meio ambiente hígido e saudável, é necessário sopesar o interesse estatal ou o direito fundamental promovido em prejuízo do direito ao meio ambiente, após o crivo das etapas da idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A Lei n. 12.651/2012 tem como objetivo, conforme se observa logo do artigo 1º-A, compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção natural das florestas e demais formas de vegetação nativa. Logo, formata-se uma colisão entre o direito fundamental ao meio ambiente, agredido pelo menor cunho protetivo da novel norma legal, com o interesse estatal de desenvolver a economia rural.

Conforme asseverado, na etapa da idoneidade deve-se avaliar se a diminuição da área de proteção permanente possibilita um maior desenvolvimento econômico; se sim, a medida é adequada. Restam severas dúvidas se a medida é apta a promover o fim (desenvolvimento econômico), porquanto toda a degradação ambiental acaba por repercutir negativamente na própria exploração econômica do imóvel rural mais dia, menos dia, haja vista as inúmeras catástrofes ambientais que se tem presenciado, uma resposta da natureza à indiscriminada ação poluidora e degradadora do ser humano.

Como se adota o critério fraco de idoneidade, isto é, na dúvida, opta-se por considerar que a medida é idônea e, portanto, não será por esse motivo desproporcional, com o que se avança no raciocínio.

Na etapa da necessidade, consoante já aduzido, preconiza-se uma medida menos lesiva ao direito fundamental atingido e que promova o fim (desenvolvimento econômico) na mesma intensidade. Com efeito, neste caso, tem-se que a lei é inconstitucional, porque há outras medidas menos afetadoras da proteção indispensável ao meio ambiente. Se o escopo é desenvolver a economia rural com a possibilidade de explorar economicamente áreas antes interditadas, é possível vislumbrar que a exploração econômica da área desprotegida poderia ser em maior escala fomentada com a facilitação de créditos rurais ou mesmo com a criação de incentivos financeiros ao proprietário rural que respeite ás áreas de proteção permanente. É fato que, com esses incentivos, haveria injeção de recursos e possibilitaria aos proprietários rurais o crescimento econômico e o desenvolvimento de outras técnicas para maximizar a produção. Logo, é forçoso reconhecer a inconstitucionalidade da norma legal nesse talante.

Apenas para continuar no ofício de argumentar, mesmo que, por outras razões, julgue-se ser necessária a medida, com o que não se concorda, é fato que a norma legal não passaria do crivo da etapa da proporcionalidade em sentido estrito, justamente a fase que encerra uma ponderação para definir qual o princípio tem mais força no caso concreto, se a proteção do meio ambiente ou o desenvolvimento econômico buscado pelo legislador.

É fato que nessa ótica o exame da proporcionalidade leva a concluir que, no caso concreto, a colisão leva a uma ponderação que pende para a defesa do meio ambiente. Não é preciso repetir toda a narrativa feita alhures sobre os prejuízos ambientais e o reflexo disso na própria propriedade, a pretexto de permitir maior exploração econômica. Ora, minorar a tamanhos ínfimos as áreas de preservação permanente desatende a todas as orientações de pesquisadores e técnicos ambientais, que já alertaram que essa diminuição, principalmente em relação às matas ciliares e às encostas de montanhas e morros, trará prejuízos gravíssimos para a manutenção dos cursos d´água, contenção de desmoronamentos e erosões e funcionam como corredores ecológicos essenciais à biodiversidade. Da mesma forma, a extinção/redução a percentuais ínfimos de Reserva Legal causa na perda de biodiversidade e nas funções ambientais/ecológicas deste instituto, o que repercute como um todo não só nas presentes, mas nas futuras gerações.

Diante desse quadro, vale o risco de aumentar as probabilidades de novos desastres e tragédias ambientais em benefício de permitir uma maior exploração econômica da área rural? De permitir maior assoreamento dos cursos d’água e a extinção da biodiversidade pela perda de corredores ecológicos? Qual tem mais peso na presente colisão? A pecúnia ou a vida?

Nunca é debalde mencionar que a proteção ambiental, a longo prazo, traz um benefício à sociedade e, também, ao próprio proprietário, que consegue desenvolver sustentavelmente sua atividade sem agravar desnecessariamente seus recursos naturais e, com isso, permiti-la por maior tempo.

Por todos esses fatores, conclui-se que as normas legais estudadas neste artigo violam o princípio da proporcionalidade, por ser a medida desnecessária e porque prepondera o direito fundamental ao meio ambiente na colisão com o interesse estatal de assegurar o desenvolvimento econômico.

Sobre os autores
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado; ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas. Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3358, 10 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22582. Acesso em: 22 nov. 2024.

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